Importância da ecografia no rastreio e diagnóstico precoce da displasia do
desenvolvimento da anca
INTRODUÇÃO
A Displasia do Desenvolvimento da Anca (DDA) abrange um espetro de anomalias
anatómicas da articulação coxo-femoral consequentes de um desvio no seu normal
desenvolvimento durante o período embrionário, fetal ou infantil. Apesar de a
maioria das crianças afetadas evoluir para uma resolução espontânea durante os
primeiros meses de vida, o diagnóstico precoce desta patologia é fundamental
para a instituição de um tratamento adequado, cujo sucesso depende da idade em
que é iniciado, e redução da incidência de complicações a longo prazo[1-3]. A
melhor estratégia para o rastreio neonatal da DDA permanece controversa, sendo
alvo de intenso debate internacional. A discussão geralmente compara o rastreio
clínico, centrado nas manobras de Ortolani e Barlow, ao rastreio ecográfico
[2, 4-6].
Historicamente, a radiografia pélvica antero-posterior era usada na avaliação
da anca na criança. Contudo, durante os primeiros 4-5 meses de vida, o seu
valor é limitado devido à composição predominantemente cartilagínea da
articulação coxo-femoral. A ecografia possibilita a avaliação, de forma não
invasiva, da morfologia e estabilidade da anca durante este período, e o seu
uso tem sido promovido com o intuito de melhorar a acuidade diagnóstica da DDA
[7, 8]. Todavia, para além das questões económicas, a possibilidade de
sobrediagnóstico e consequente sobretratamento que podem decorrer do uso da
ecografia são desvantagens que muitas vezes limitam a sua aplicação[9].
Os moldes em que a ecografia deve ser aplicada no rastreio e diagnóstico
precoce da DDA continuam por esclarecer: em alguns países europeus
(nomeadamente, Alemanha, Áustria e Suíça), todas as crianças são rastreadas
ecograficamente durante o período neonatal, enquanto nos Estados Unidos e em
vários centros do Reino Unido é adotado um método seletivo, em que apenas as
crianças com forte suspeição de DDA são avaliadas ecograficamente[6, 10]. O
objetivo desta revisão é reunir e sintetizar a informação mais recentemente
publicada acerca do contributo da ecografia no rastreio e diagnóstico precoce
da DDA e da estratégia a adotar para otimizar a sua utilização.
MÉTODOS
Efetuou-se uma pesquisa na base de dados MEDLINE (PubMed) com os termos MeSH
"congenital hip dislocation" e "ultrasonography",
limitada a artigos escritos em Português ou Inglês, referentes a investigação
realizada em humanos e publicados entre janeiro de 2000 e dezembro de 2011.
Desta busca resultaram 149 artigos, 16 dos quais foram rejeitados por não estar
disponível o seu abstract. Após leitura dos 133 títulos e abstracts restantes,
excluíram-se 81 artigos de acordo com os critérios de exclusão: abordagem
restrita a casos de DDA associados a outros distúrbios neuromusculares em idade
pediátrica; caracterização do perfil ecográfico das ancas em subpopulações
específicas; uso exclusivo da ecografia na monitorização e avaliação dos
resultados terapêuticos; estudo dos preditores ecográficos do sucesso
terapêutico; indisponibilidade do texto integral. As listas bibliográficas de
todos os estudos e revisões incluídas foram manualmente revistas e 37 artigos
foram adicionados aos 52 previamente selecionados.
DEFINIÇÃO
Displasia do Desenvolvimento da Anca substituiu a tradicional designação de
Luxação Congénita da Anca, após reconhecer-se que muitos recém-nascidos com
exame da anca normal desenvolviam doença da anca durante o primeiro ano de vida
[11, 12]. DDA é atualmente o termo usado para descrever um espetro de anomalias
anatómicas nas quais existe uma relação anormal entre a cabeça femoral e o
acetábulo[13]. Este espetro inclui: ancas instáveis (subluxáveis ou luxáveis
por manipulação); ancas subluxadas (deslocação incompleta com contato parcial
entre a cabeça femoral e o acetábulo); ancas deslocadas ou luxadas; e ainda,
displasia ou malformação acetabular (qualquer alteração no desenvolvimento do
fémur e/ ou acetábulo)[14, 15].
EPIDEMIOLOGIA
A DDA é a anomalia congénita do aparelho músculo-esquelético mais frequente na
criança[16]. A sua verdadeira incidência pode apenas estimar-se, dado que não
existe um método gold standard de diagnóstico e aqueles que estão disponíveis
podem levar a resultados falsos positivos ou negativos[12, 17, 18]. A maioria
dos países desenvolvidos apresenta incidências de 1,5 a 20 casos de DDA por
cada 1000 nascimentos, dependendo, em parte, do método de diagnóstico utilizado
[3, 16, 19-25]. Ortiz-Neira[26], a partir dos 31 estudos incluídos na sua
meta-análise, registou uma prevalência de 1,9% em crianças com idade inferior a
6 meses.
A anca esquerda é mais frequentemente afetada[5, 26, 27], provavelmente devido
à posição anterior occipital esquerda que a maioria dos recém-nascidos adota
durante a vida intrauterina[28]. Nesta posição a anca esquerda encontra-se
posteriormente contra a coluna vertebral da mãe, limitando potencialmente a
abdução[28, 29]. Em cerca de 20% dos casos a DDA apresenta-se bilateralmente
[16].
ETIOLOGIA
A etiologia exata da DDA não é conhecida. Fatores ambientais e genéticos
parecem atuar como influências externas e internas, respetivamente[11, 28]. O
posicionamento do feto in útero e da criança durante a infância, apresentação
pélvica ao nascimento, oligohidrâmnios, gestações múltiplas, macrossomia e uso
de vestuário apertado/ "enfaixamento" são os fatores externos mais
importantes[20, 28]. A presença de um acetábulo raso e acentuada frouxidão do
tecido conetivo capsular, com resistência diminuída da anca à luxação, são
reconhecidas influências internas[13]. O contributo genético é provavelmente o
fator mais importante, sugerindo uma elevada heritabilidade consistente com uma
forte suscetibilidade genética para o início da doença, mas não necessariamente
para a sua progressão ou severidade[11, 13].
APRESENTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO
Anamnese e Fatores de Risco
Na maioria dos casos de DDA não são identificáveis fatores de risco[30, 31],
verificando-se a presença de um ou mais fatores de risco em apenas cerca de 30%
das crianças afetadas[4, 19]. O género feminino, apresentação pélvica ao
nascimento e história familiar (DDA confirmada em um familiar em primeiro grau
ou em mais que um familiar afastado) são os fatores mais consistentemente
associados ao diagnóstico de DDA[1, 19, 20, 26, 32-35]. Deformidades congénitas
do pé (em especial, o pé calcaneovalgo), raça caucasiana, primiparidade,
oligohidrâmnios, torcicolo congénito e prematuridade relacionam-se também,
embora menos solidamente, ao desenvolvimento da doença[5, 19, 26, 32, 36, 37].
Apenas uma em cada 75 crianças com fatores de risco apresenta DDA [4]. Assim,
um exame físico minucioso deve sempre complementar a respetiva anamnese [31].
Exame Físico
O exame clínico da criança, dirigido ao diagnóstico de DDA, centra-se sobretudo
na realização das manobras de Ortolani e Barlow, introduzidas no rastreio
neonatal desta patologia por Von Rosen[38] e Barlow[39], respetivamente.
A manobra de Ortolani tem como objetivo reposicionar uma cabeça femoral luxada.
Na posição supina e com a pelve estabilizada, a anca é fletida a 90º e
suavemente abduzida enquanto os dedos indicador e médio do examinador seguram o
grande trocânter e o polegar apoia na face interna da coxa[8]. Num teste
positivo, é sentida a cabeça femoral a reposicionar-se no acetábulo[12, 15]. Na
manobra de Barlow, experimenta provocar-se a luxação/ subluxação de uma anca
instável: com a anca aduzida e fletida a 90º, o examinador segura distalmente a
coxa e empurra-a no sentido posterior. O teste é positivo quando a cabeça
femoral desliza posteriormente[1, 2].
A reprodutibilidade das manobras de Ortolani e Barlow depende da elasticidade
capsular e ligamentosa da articulação coxo-femoral[8]. O desenvolvimento do
tónus muscular e diminuição da lassidão capsular, por volta do 2º-3º meses de
vida, tornam estes testes úteis apenas em crianças com menos de 12 semanas de
idade[15]. "Clicks" agudos são muitas vezes palpáveis ou audíveis
durante o exame da anca e resultam do atrito entre tecidos moles e as
proeminências ósseas[8, 13]. Estes "clicks", benignos, desaparecem
com o decorrer do tempo e devem distinguir-se dos "clunks"
produzidos durante a manobra de Ortolani, quando a cabeça femoral é reduzida,
ou durante a luxação/ subluxação sentida durante o teste de Barlow[1, 2].
Distinguir uma verdadeira luxação ou subluxação dos "clicks"
benignos requer prática e experiência, pelo que ambos os testes exibem um
elevado grau de dependência do examinador[13].
Após os 3 meses de idade, a limitação da abdução (provavelmente secundária à
contratura dos músculos adutores) é um sinal clínico importante associado à
patologia, especialmente se unilateral, da anca[1, 6, 29]. Ambas as ancas devem
avaliar-se simultaneamente e, com as coxas e joelhos fletidos, a maioria das
crianças consegue uma abdução completa. O movimento assimétrico deve alertar o
examinador para um potencial problema[11-13, 15].
O encurtamento da coxa, um sinal sugestivo de DDA, pode identificar-se pelo
teste de Galleazzi[11, 12, 15]. Na criança, em decúbito dorsal e com as ancas e
joelhos fletidos a 90º, a altura de cada joelho é comparada[8, 13]. Um aparente
encurtamento femoral unilateral pode significar luxação da anca ou, mais
raramente, anomalias do fémur[8, 13]. Resultados falsos negativos ocorrem na
presença de patologia bilateral ou quando a pélvis não está nivelada devido à
presença da fralda[11].
Embora não existam sinais patognomónicos, podem ainda fazer suspeitar de DDA os
seguintes achados: discrepância no comprimento dos membros inferiores;
achatamento da nádega ipsilateral e assimetria das pregas cutâneas inguinais e
nadegueiras[11, 13, 29]. Contudo, nenhum destes sinais é particularmente
sensível ou específico[16]. A assimetria das pregas inguinais, por exemplo,
está presente em 25% das crianças sem patologia, tornando-se assim, quando
isolada, um achado clínico pouco importante[10, 40].
Em crianças mais velhas, o diagnóstico clínico de DDA é frequentemente mais
simples[11]. Após o início da marcha, os sinais físicos tornam-se mais óbvios:
há um típico coxear indolor e a criança vulgarmente anda em bicos de pés no
lado afetado[29, 41]. Não é comum observar-se um atraso na idade de início da
marcha[6, 11], embora cerca de 20% das crianças afetadas não a inicie antes dos
18 meses, em contraponto aos 5% estimados para a população normal[41].
Inversamente ao que ocorre com as ancas instáveis ou luxadas/ subluxadas, nos
casos de displasia acetabular os sinais físicos anormais podem estar ausentes,
tornando o seu diagnóstico mais delicado. O único sinal pode ser um desconforto
com a movimentação extrema, particularmente a abdução e rotação interna. O
adolescente pode claudicar e/ ou queixar-se de dor ou desconforto após a marcha
[10, 40, 41].
Radiografia
Na infância precoce, o acetábulo predominantemente cartilagíneo e a cabeça
femoral não ossificada fazem da radiografia um método imagiológico pouco
sensível e com resultados insatisfatórios[42]. Após os 4-5 meses de idade, com
o desenvolvimento ósseo, a radiografia pélvica antero-posterior apresenta a DDA
como um atraso na ossificação do acetábulo ou como uma displasia com ou sem
luxação/ subluxação da cabeça femoral[1, 32]. Uma posição estandardizada, para
obtenção de imagens exatas e reproduzíveis, é crucial para um diagnóstico
correto[11].
Medições a partir de linhas projetadas na radiografia antero-posterior ajudam a
caracterizar a relação entre a cabeça femoral e o acetábulo[15]. A linha de
Hilgenreiner, uma linha que interseta ambas as cartilagens trirradiadas, e a
linha de Perkins, traçada ao longo da margem lateral do acetábulo e
perpendicular à linha de Hilgenreiner, dividem a anca em quadrantes[42]. O
núcleo de ossificação da cabeça femoral, quando presente, deve localizar-se no
quadrante inferior-medial. Nas ancas displásicas ou luxadas o núcleo de
ossificação localiza-se, em geral, no quadrante superior-lateral[11] (Figura
1).
O índice acetabular, uma medida da "profundidade" do acetábulo,
representa o ângulo formado entre a linha de Hilgenreiner e uma linha traçada
entre as margens súpero-lateral e infero-medial do acetábulo[6]. Este ângulo
diminui gradualmente com a idade em consequência do modelamento do acetábulo
pela cabeça femoral e da maturação e desenvolvimento ósseo ao longo do bordo
súpero-lateral do acetábulo. Nas primeiras semanas de vida, as ancas
displásicas apresentam geralmente um ângulo >30º[43].
Numa anca não patológica, a linha de Shenton representa um arco contínuo de
ligação entre a metáfise femoral medial e o bordo inferior do ramo superior do
púbis. A desarticulação da cabeça femoral com o acetábulo e a interrupção da
linha de Shenton sugerem DDA[15].
Ultrassonografia (US)
A capacidade do exame ecográfico demonstrar anomalias não detetadas clínica ou
radiograficamente tem sido bem estabelecida[44]. A sua aptidão para visualizar
os componentes predominantemente cartilagíneos da anca nos primeiros 4-5 meses
de vida[11] torna-a um método particularmente útil durante esse período,
revelando-se mais sensível que a radiografia nas crianças até aos 4-6 meses de
idade[10, 13]. Habitualmente, a partir dos 12 meses, a cabeça femoral já
suficientemente ossificada impede uma boa representação ecográfica do acetábulo
[45]. Para além do contributo no diagnóstico, a US é também recomendada na
monitorização das crianças com DDA tratadas conservadoramente[15, 28, 45].
Um estudo prospetivo[21] mostrou que a indicação para tratamento conservador em
crianças com idade superior a 3 meses não deve basear-se exclusivamente em
achados ecográficos. Atendendo à diminuição no número de casos
desnecessariamente tratados, os autores defendem que, a partir desta idade,
devem ser avaliadas radiograficamente todas as suspeitas de DDA.
OPÇÕES TERAPÊUTICAS
Resultados anormais na avaliação da anca devem ser identificados e corrigidos
prontamente, dado que a janela de oportunidade para iniciar um tratamento
efetivo é estreita[11]. O objetivo primário do tratamento é conseguir uma
redução concêntrica e estável da anca que permita o desenvolvimento normal da
articulação[10, 41]. A maioria das ancas instáveis, havendo alinhamento entre a
cabeça femoral e o centro do acetábulo, apresentam uma tendência para
estabilizar espontaneamente por volta das 2-6 semanas de idade[34, 41, 46]. As
ancas que permanecem luxadas ou patologicamente instáveis, a maioria das quais
apresenta displasia ecográfica, necessitam de tratamento imediato[11, 40]. A
estratégia terapêutica e sua duração dependem da idade da criança e da
severidade da DDA[41, 47].
A armadura de Pavlik, uma ortótese dinâmica que impede a extensão e adução da
anca, constitui o tratamento de eleição para a DDA em crianças com menos de 6
meses de idade[13, 47]. Até aos 6 meses, a imobilização com talas de abdução
estáticas pode também ser utilizada para se conseguir e manter a redução da
anca[10, 11]. A ortótese deve permanecer sempre colocada, permitindo o
estiramento dos ligamentos capsulares e dos músculos adutores que estavam
contraídos, havendo a possibilidade de a ajustar à medida que a criança cresce
e a anca estabiliza [8, 10, 11]. A criança deve ser acompanhada clínica e
ecograficamente (ou por radiografia, após os 4-5 meses de idade), variando a
frequência com a patologia a ser tratada, até que a anca se apresente
clinicamente estável e a US mostre uma anca anatomicamente normal e estável ou
minimamente imatura[11]. O uso da armadura de Pavlik é controverso, ou mesmo
contraindicado, em crianças com mais de 4,5-6 meses de idade, quando a luxação
é irredutível (Ortolani negativo) e nos casos em que há recusa ou incumprimento
por parte dos pais[11, 48]. O tratamento com armadura de Pavlik ou com talas de
abdução iniciado antes das 6-8 semanas de vida tem uma maior probabilidade de
ser bem-sucedido[1, 39, 48]. As talas de abdução estáticas podem ter maior
sucesso quando o problema major é a instabilidade mas, particularmente em casos
de luxação fixa, o risco de danificar a cabeça femoral vulnerável e em
desenvolvimento é considerável. Assim, o seu uso deve ser criterioso[11, 41].
O uso de "fraldas triplas" durante o período neonatal não é
atualmente recomendado[49, 50].
Em crianças com idade superior a 6 meses, é habitualmente necessária uma
redução fechada sob anestesia ou, quando a anca se mantém irredutível ou não
foi conseguida uma redução concêntrica, uma abordagem terapêutica cirúrgica[13,
29]. As crianças que necessitam de cirurgia surgem a partir de dois grupos:
aquelas em que o tratamento conservador atempado não teve êxito e os casos
tardiamente diagnosticados nos quais uma abordagem conservadora se preveja
ineficaz[41, 51]. A cirurgia mais comum envolve a tenotomia dos adutores ou do
músculo psoas com estabilização dos tecidos moles da articulação. Tanto a
redução fechada como a cirurgia devem seguir-se de um período de imobilização,
durante 3-4 meses, com gesso pelvipodálico[41]. Quanto mais velha é a criança,
maior é a probabilidade de um procedimento mais invasivo ser exigido[10]. A
partir dos 18-24 meses de idade, é muitas vezes necessária uma osteotomia
pélvica e/ou femoral para normalizar a anatomia e orientação da anca e promover
a congruência e estabilidade da articulação[10, 41].
Todas as intervenções terapêuticas, cirúrgicas ou não-cirúrgicas, estão
associadas a possíveis efeitos iatrogénicos, de entre os quais a necrose
avascular da cabeça do fémur é a mais nociva das complicações[5, 34, 48, 52].
Compressão e paralisia temporária do nervo femoral, úlceras de pressão e
subluxação do joelho foram também descritas[13, 20, 48].
Estudos observacionais sugerem uma elevada taxa de resolução espontânea da DDA
durante os primeiros meses de vida[53, 54], pelo que a verdadeira eficácia da
intervenção terapêutica não é conhecida[1,2,6].
DIAGNÓSTICO TARDIO E PANORAMA A LONGO PRAZO
A deteção precoce e tratamento atempado da DDA são cruciais, dado que pode
estar comprometido o normal crescimento e desenvolvimento da anca[55]. Um
atraso no diagnóstico pode exigir um tratamento mais complexo e com maiores
taxas de insucesso[11]. Alterações degenerativas prematuras da articulação
coxo-femoral, anomalias da marcha e dor lombar crónica são potenciais sequelas
a longo termo da DDA, dependendo do tipo e duração da instabilidade não
tratada, do tratamento e idade em que foi instituído e da presença de necrose
avascular(1, 12). Na sua forma mais severa, a DDA é uma das mais importantes
causas de incapacidade na criança[13]. É responsável por até 9% de todas as
cirurgias de substituição da anca e até 29% dessas substituições em idades
inferiores a 60 anos[56].
A definição de diagnóstico tardio não é unânime, sendo defendidos limites entre
as 4 semanas[22, 37] e os seis meses de idade[4, 25]. Viere[48] considera
tardio um diagnóstico após as 6-8 semanas, visto que a taxa de sucesso do
tratamento conservador baixa significativamente após esta idade[48].
A probabilidade de ancas clinicamente estáveis e sem anomalias ecográficas se
tornarem patológicas tem sido consensualmente aceite como nula, tornando
prescindível o seguimento destas crianças[10, 40, 57]. Todavia, Rafique[57]
reportou um caso de DDA com apresentação tardia, aos 12 meses, apesar de um
exame ecográfico normal e ancas estáveis ao exame clínico terem sido obtidos ao
4º dia pós-natal.
RASTREIO
O sucesso de um programa de rastreio é definido por vários critérios e o debate
internacional mantém-se para apurar em que medida o rastreio da DDA os cumpre
[58]. O objetivo principal do rastreio é reduzir a prevalência de diagnósticos
tardios, conhecido que a deteção precoce permite o tratamento atempado,
reduzindo a necessidade de intervenção cirúrgica e o risco de displasia
residual[11]. Evitar as intervenções cirúrgicas em idade pré-escolar é um ponto
de referência importante para melhores resultados[3] e a incidência de
primeiras cirurgias tem sido usada para avaliar a eficácia dos programas de
rastreio em vários estudos[59]. As estratégias para o rastreio da DDA,
particularmente o método a utilizar e a população a ser rastreada, são ainda
controversos, devido em parte ao fato de a história natural desta doença ser
pouco compreendida[14, 60, 61]. Três métodos estão descritos[9, 31]: 1)
Rastreio clínico (anamnese e exame físico) em todas as consultas de rotina. 2)
Rastreio ecográfico, ou radiográfico, seletivo nas crianças com anamnese ou
sinais clínicos suspeitos. 3) Rastreio ecográfico (ou radiográfico) universal,
para além da avaliação clínica.
Duas autoridades reconhecidas, a American Academy of Pediatrics (AAP)[62] e a
US Preventive Services Task Force (USPSTF)[63], apresentaram diferentes
orientações para o rastreio e acompanhamento das crianças com DDA.
A AAP recomenda um exame físico minucioso, efetuado por profissionais
adequadamente treinados, a todos os recém-nascidos e em todas as consultas de
rotina durante o primeiro ano de vida. Quando o exame neonatal apresenta
resultados negativos ou equivocamente positivos, devem considerar-se os fatores
de risco. A avaliação ecográfica não-seletiva é desaconselhada, justificando-se
apenas, entre as 4 semanas e os 6 meses de idade, nas crianças com fatores de
risco ou exame físico duvidoso. Tendo as raparigas com história familiar
positiva para DDA ou aquelas com apresentação pélvica ao nascimento o risco
mais elevado de desenvolver DDA (44/1000 e 120/1000, respetivamente), a
ultrassonografia às 6 semanas de idade (ou radiografia aos 4 meses) é
recomendada nestes casos. Atendendo à elevada incidência de anomalias da anca
detetadas em todas as crianças nascidas em apresentação pélvica, esta
estratégia pode ser considerada em ambos os sexos[49].
As diretrizes da USPSTF são mais recentes e alguns estudos originais não tinham
ainda sido publicados aquando da divulgação das indicações da APP. A USPSTF
considerou haver evidência científica insuficiente para recomendar uma
estratégia de rastreio para a DDA como medida preventiva de consequências
adversas: o rastreio clínico quanto o ecográfico identificam recém-nascidos com
risco acrescido de desenvolver DDA, mas os benefícios do diagnóstico e
intervenção terapêutica precoces não são claros devido à elevada taxa de
resolução espontânea desta condição[63].
A preferência pelo rastreio ecográfico universal, como estratégia para reduzir
ou mesmo eliminar a incidência de casos tardios, assenta na constatação de que
na maioria das crianças com DDA não são identificados fatores de risco[13, 31].
Além disso, vários estudos apontam falhas à utilização seletiva da US na
deteção precoce de todos os casos da doença[4, 36, 52, 64, 65].
Dois ensaios clínicos randomizados compararam a eficácia dos diferentes métodos
de deteção precoce da DDA[7, 37]. Rosendahl[7] comparou as três estratégias de
rastreio e, embora verificasse uma menor prevalência de casos tardiamente
diagnosticados nas crianças sujeitas a rastreio ecográfico universal, esta
diferença não foi estatisticamente significativa. O mesmo estudo mostrou ainda
que o rastreio ecográfico universal resulta em maiores taxas de tratamento e
follow-up. Holen[37] comparou o rastreio ecográfico universal ao seletivo
(casos de alto risco). Examinadores experientes realizaram tanto os exames
clínicos como as ultrassonografias e, embora tenham surgido mais casos
tardiamente diagnosticados no grupo sujeito a rastreio seletivo, esta diferença
não foi estatisticamente significativa. A vantagem oferecida pelo rastreio
ecográfico torna-se evidente apenas quando comparado com o exame clinico
executado por examinadores não experientes[37]. No seu modelo de análise e
decisão sobre a utilidade do rastreio na DDA, Mahan[2] concluiu que o rastreio
clínico de todos os recém-nascidos e o uso seletivo da US naqueles que
apresentavam risco de desenvolver a doença, constitui a estratégia ótima
associada a uma maior probabilidade de ter uma anca não-degenerativa aos 60
anos de idade.
ULTRASSONOGRAFIA DA ANCA
Considerações Gerais
O uso da US no exame neonatal da anca foi iniciado e desenvolvido por Graf[53,
66], há mais de três décadas. Novick[67] introduziu o estudo da anca no plano
transverso e Harcke et al[68] desenvolveram a avaliação ecográfica dinâmica da
anca.
A US da anca na criança emprega uma técnica de leitura em tempo-real,
permitindo que o movimento das estruturas anatómicas seja diretamente observado
[44]. Vários tipos de transdutores, incluindo o linear, o setorial e o convexo,
podem ser usados[68]. Apesar de tanto os transdutores setoriais quanto os
convexos permitirem visualizar uma anca deslocada, distorções geométricas podem
motivar erros de diagnóstico, particularmente quando se trata de uma anca
displásica[44]. O uso destes transdutores deve, assim, limitar-se a avaliações
qualitativas. Atualmente, os requisitos para a garantia de qualidade exigem o
uso de transdutores lineares, devendo as medições da morfologia da anca fazer-
se unicamente com base em imagens obtidas por este tipo de sondas[29, 44, 45].
O transdutor de mais elevada frequência, capaz de dar profundidade suficiente
para visualizar a face medial do acetábulo, deve ser utilizado[29, 45, 68]. Uma
frequência de 7,5 megahertz é mais adequada para crianças até um mês de idade,
enquanto 5,0 megahertz são preferíveis em crianças entre um mês e um ano de
idade, quando o centro de ossificação é habitualmente muito grande e não
permite a visualização das características do acetábulo[44, 53].
Roovers[69] avaliou a precisão diagnóstica da US. Com o intuito de aferir a
capacidade de deteção precoce da DDA, obteve uma sensibilidade de 88,5% e
especificidade de 96,7%. Resultados sobreponíveis foram obtidos por outros
autores[70, 71]. Estudos comparativos mostram que a avaliação ecográfica é mais
sensível que o exame físico no diagnóstico precoce da DDA[33, 72],
identificando anomalias que não são detetadas clinicamente[33, 44]. Se a
decisão de tratar tiver em conta o resultado da US, para além dos sinais
clínicos, o número de casos tratados pode ser reduzido em mais de 40%[73].
Vantagens
A US oferece vantagens evidentes quando comparada aos restantes métodos
imagiológicos[61]. Desde logo, ao contrário da radiografia simples, distingue
os componentes cartilagíneos do acetábulo e cabeça femoral das restantes
estruturas de tecido-mole adjacentes[53, 70]. Assim, devido à ossificação
incompleta durante a infância precoce, a US torna-se mais sensível que a
radiografia nas crianças com menos de 4-6 meses de idade[13]. Em segundo lugar,
a US em tempo-real permite uma avaliação em múltiplos planos que determina com
clareza a posição da cabeça femoral em relação com o acetábulo, fornecendo o
mesmo tipo de informação obtida pela artrografia, tomografia computorizada ou
ressonância magnética, mas com menor custo[66]. Terceiro, apesar de mais
dispendiosa que a radiografia simples, a US não requer sedação e não envolve
radiação ionizante[53, 66, 70]. Por fim, contrariamente a outras técnicas,
permite observar as alterações na posição da anca provocadas pelo movimento[40,
44].
Técnicas Ecográficas
Diferentes abordagens ecográficas para avaliar a anca na criança são usadas
atualmente. O método estático proposto por Graf[53, 66] e a técnica dinâmica
descrita por Harcke[68] são os mais utilizados[6, 74].
A técnica de Graf assenta na avaliação de imagens coronais[66], obtidas a
partir de uma abordagem lateral quando a criança está na posição de decúbito
lateral e com a anca fletida a 15º-20º[45]. Este método enfatiza as
características morfológicas da articulação coxo-femoral, particularmente a
profundidade do acetábulo cartilagíneo e a posição da cabeça femoral em
repouso, classificando o estado da anca com base na medição de ângulos
acetabulares[44, 53]. A partir da imagem coronal obtida, 3 linhas são
projetadas[53]: uma linha ao longo do plano da parede lateral do ílio; uma
linha paralela ao bordo cartilagíneo do acetábulo, desde a sua extremidade
lateral até ao labrum; e uma linha ao longo do plano da convexidade óssea do
acetábulo (desde a margem ilíaca inferior, na fossa acetabular, até à
extremidade lateral do bordo ósseo do acetábulo) (Figura_2). O ângulo alfa (a),
uma medida da concavidade acetabular, forma-se na interseção da linha paralela
à parede lateral do ílio e a linha projetada ao longo do plano da convexidade
acetabular óssea. Em ancas instáveis, quanto menor este ângulo, maior é a
probabilidade de luxação. O limite inferior considerado normal para o ângulo a
são 60º[49, 53]. O ângulo beta (ß), calculado entre a linha paralela à parede
lateral do ílio e a linha paralela ao bordo cartilagíneo do acetábulo, reflete
o grau de cobertura da cabeça femoral pelo bordo cartilagíneo. Um ângulo ß <55º
é considerado normal e um ângulo ß >77º indica eversão do labrum e/ ou
subluxação da anca[49, 53]. Os achados ecográficos classificam-se segundo os
denominados tipos de anca[53], de acordo com o desenvolvimento da ossificação
acetabular. As medições dos ângulos confirmam o diagnóstico indicado pela
descrição morfológica e proporcionam um parâmetro quantitativo para comparação
dos resultados[18, 44] (Quadro_I). Ancas morfologicamente normais possuem um
risco marginal de desenvolver displasia durante a infância tardia[44, 72].
Dados sobre o curso natural da displasia ligeira sugerem que este tipo de ancas
tende a normalizar espontaneamente[20, 44, 72].
Quadro_I
Pretendendo simplificar a análise ecográfica da anca baseada no método de Graf,
Rakovac[75], em 2011, desenvolveu um novo parâmetro: o "L value". O
seu estudo mostrou uma correlação estatisticamente significativa entre a
classificação de Graf e os valores do "L value", evidenciando ainda
uma melhor concordância interobservador obtida com o novo parâmetro.
A abordagem dinâmica, com uma análise em múltiplos planos, avalia a anca em
diferentes posições provocadas pelas manobras de Ortolani e Barlow[6]. Apesar
de permitir avaliar o desenvolvimento acetabular, esta técnica evidencia
sobretudo a estabilidade da anca e a posição da cabeça femoral[68]. Ancas
instáveis com morfologia normal não requerem geralmente tratamento imediato,
visto que na maioria dos casos se desenvolvem normalmente[43, 72].
A percentagem da cabeça femoral que é coberta pelo bordo ósseo do acetábulo,
outra medida da forma ou profundidade acetabular[46], constitui, segundo
Terjesen[54], o parâmetro mais importante a ser avaliado na criança com DDA,
independentemente da sua idade. Com a cabeça femoral centrada, uma percentagem
<47% nos rapazes e <44% nas raparigas considera-se patológica(13, 19). Numa
anca instável, para além de displásica, esta percentagem varia e a medição pode
ser falaciosa[10, 11].
A dificuldade em determinar a orientação topográfica exata de um plano
ecográfico individual é considerada um inconveniente, sendo difícil estabelecer
quando o acetábulo está a ser visualizado num plano oblíquo ou na orientação
frontal correta[44]. O exame ecográfico é tecnicamente satisfatório quando o
osso ilíaco é mostrado como uma linha reta bem definida, indicando que a sonda
está perfeitamente alinhada com o centro do acetábulo[57]. Um dispositivo de
posicionamento, moldado para acomodar o tronco, a pelve e as pernas, é muito
útil para colocar a criança numa posição confortável e desejada, permitindo
obter imagens ótimas e reproduzíveis[44, 53].
Críticos do método morfológico de Graf apontam variações inter- e
intraobservador que influenciam na análise dos resultados[76]. Vários estudos
mostraram que, quando levado a cabo por profissionais treinados, a
variabilidade nas medições não é um fator importante e uma uniformização, com
resultados reproduzíveis, é facilmente estabelecida[27, 52, 77-80]. A abordagem
dinâmica parece mais propensa à subjetividade por parte do observador[44].
Independentemente da técnica, estática ou dinâmica, a US da anca é uma
modalidade operador-dependente[72, 76-78]. Assim, visando diminuir as taxas de
diagnóstico tardio e sobretratamento, vários autores defendem a utilização
conjunta de ambos os métodos[50, 51, 60, 72].
Influência do Rastreio Ecográfico na Estratégia e Resultados Terapêuticos
Além da maior sensibilidade que o rastreio ecográfico apresenta quando
equiparado ao rastreio clinico, vários estudos destacam o maior número de casos
precoces detetados com esta estratégia[20, 23, 25, 26, 42]. O diagnóstico
atempado permite um tratamento imediato, limitando a sua duração e melhorando
os resultados atingidos(3, 7). Roovers[69] mostrou que 67% das crianças
sujeitas a rastreio ecográfico não-seletivo são referenciados antes das 13
semanas de idade; uma proporção bastante superior aos 29% conseguidos pelo
rastreio clinico. Contudo, esta estratégia não alcança ainda a erradicação
total dos casos tardios de DDA[25, 69].
As estratégias baseadas no uso da US, particularmente o seu uso não-seletivo,
podem associar-se a um aumento na taxa de utilização de talas de abdução[10,
28, 81, 82]. Um maior número de casos tratados na população universalmente
rastreada por ecografia aponta a possibilidade de sobretratamento como
consequência do rastreio[69]. A prevenção do sobretratamento pode conseguir-se
com o adiamento da realização da US até à 4ª-8ª semana de vida[20, 33, 36, 41,
65, 83], idade em que se encontram já normalizadas a maioria das ancas
patológicas no período neonatal. Este adiamento tem, contudo, um efeito
negativo na idade em que é feito o referenciamento das crianças e,
consequentemente, na idade em que é iniciado o tratamento[69]. Teoricamente,
pode ser perdida a oportunidade de rastreio em alguns casos[40, 52].
A utilização da US, particularmente o rastreio ecográfico universal, associa-se
a um maior número de resultados favoráveis (aspeto radiológico após maturação
óssea) assim como uma maior proporção destes resultados conseguidos sem recurso
à cirurgia[4, 25, 84]. Contudo, subsiste um maior risco de potenciais efeitos
iatrogénicos no conjunto das crianças com rastreios falsos positivos[81]. Num
estudo que avaliou os primeiros 5 anos após introdução de um programa de
rastreio ecográfico universal na Alemanha, von Kries[59] concluiu que a
implementação deste programa diminuiu o número de primeiras intervenções
(reduções abertas ou osteotomias) de um número previamente estimado de 1 por
1000 nascimentos para 0,26 por 1000 nascimentos. Num estudo caso-controlo
publicado em 2011, o mesmo autor concluiu que a US universal, como complemento
do rastreio clinico, reduziu a taxa de intervenções cirurgicas em 52%[85]. A
mesma estratégia de rastreio, implementada em 1991 na Áustria, reduziu
consideravelmente o número de osteotomias pélvicas e acetabuloplastias,
atingindo, no ano de 2004, o valor de 0,13 por 1000 nascimentos[83]
Abordagem Custo-efetividade
Os vastos recursos inerentes a um programa de rastreio ecográfico têm impedido
a sua implementação em muitas áreas do mundo[44]. Para comparar a efetividade
dos diferentes métodos de deteção precoce da DDA e quantificar as diferenças na
utilização de recursos e os custos implicados em cada uma das estratégias, é
necessário considerar vários aspetos importantes: o número de consultas e o
número e tipo de especialistas na área da saúde envolvidos; o número de
ecografias e radiografias realizadas; o número e tipo de ortóteses usadas e a
duração da sua aplicação; o número e duração de hospitalizações e o número e
tipo de cirurgias associadas[49, 56, 86]. O equipamento médico e treino dos
clínicos são investimentos necessários e relevantes quando está subjacente a
utilização da US[87].
Brown[88] evidenciou que as estratégias baseadas no uso da US são mais eficazes
em termos de resultados favoráveis alcançados (ausência radiológica de luxação/
subluxação aquando da maturação óssea) e necessidade de recurso a tratamento
cirúrgico. A eficácia relativa entre a US seletiva e o rastreio clinico foi
pouco divergente, dependendo sobretudo dos critérios de definição de risco e da
experiência do clinico que realiza o exame físico. As estratégias que
contemplam o uso da US apresentaram-se, contudo, mais dispendiosas.
Clegg[86] e Thaler[89] mostraram que a introdução de um programa de rastreio
ecográfico universal diminuiu significativamente o número de crianças com
necessidade de tratamento cirúrgico, permitindo que, quando necessária, a
cirurgia ocorresse em idade precoce e a intervenção fosse menos invasiva. Ambos
os estudos obtiveram custos totais equiparáveis quando contrapuseram as
diferentes estratégias para o rastreio da DDA. Thaler observou ainda uma
diminuição no número de casos tratados com talas de abdução nas crianças
sujeitas a avaliação ecográfica.
Elbourne[55], num ensaio clinico randomizado abrangendo 629 crianças com
instabilidade da anca diagnosticada clinicamente no período neonatal e
acompanhadas durante um follow-up de dois anos, avaliou a eficácia e os custos
integrais da ultrassonografia quando comparada ao exame clinico isolado.
Concluiu que o uso da ultrassonografia nestas crianças permite uma redução no
número de casos tratados com talas de abdução, não se associando a um maior
risco de desenvolvimento anormal da anca, maiores taxas de tratamento cirúrgico
ou aumento significativo dos custos relacionados aos serviços de saúde. Com
base na mesma população, Gray[90] conduziu uma análise económica prospetiva e
confirmou que a utilização da ultrassonografia nos recém-nascidos com
instabilidade clínica da anca diminui significativamente os custos relacionados
ao tratamento conservador. Mostrou existir também uma redução nos custos
associados ao tratamento cirúrgico e custos totais, embora sem significado
estatístico.
Numa análise custo-benefício para explorar uma justificação económica para a
introdução do rastreio ecográfico universal na Croácia, Bralic[87] previu que
os custos associados ao tratamento dos casos tardios de DDA, detetados
clinicamente, seriam 1,6 vezes superiores aos custos relacionados à
implementação de um programa de rastreio ecográfico não-seletivo, confirmando
assim a eficiência desta estratégia.
NOTAS FINAIS
Genericamente, o objetivo das estratégias de diagnóstico para a DDA é detetar
todos os casos numa idade precoce, com um custo razoável e evitando o
sobrediagnóstico. O resultado final deve ser a eliminação dos casos tardios que
podem ser desastrosos para o doente. O ponto basilar de um diagnóstico precoce
parece alicerçar-se no exame objetivo minucioso e repetido da criança durante o
primeiro ano de vida[49]. O treino dos profissionais e aperfeiçoamento técnico
são determinantes, e apontados como o primeiro passo a adotar, na diminuição do
número de casos falsos-negativos e aumento da taxa de deteção do rastreio
clínico[22, 40]. Vários autores defendem que, quando o exame clínico neonatal é
efetuado por profissionais experientes, a taxa de diagnósticos tardios é baixa
e, neste contexto, o rastreio ecográfico universal pouco acrescenta em termos
de eficácia ao rastreio ecográfico seletivo[11, 81, 83].
Numa revisão sistemática da qualidade da informação publicada em estudos
relacionados ao uso da US no diagnóstico da DDA, Roposch[74] concluiu que
existe escassa evidência acerca da acuidade diagnóstica e dos benefícios deste
teste em termos de efeitos a longo prazo, havendo uma tendência para
sobreinterpretar os resultados. Assim, é claramente necessário melhor
investigar acerca da acuidade diagnóstica da US[74]. A US da anca praticada na
comunidade é improvável que atinja os elevados níveis de fiabilidade e
concordância intra- e interobservador reportados em alguns estudos, dado que o
examinador terá provavelmente menos experiência e treino que os examinadores
que participam nos ensaios clínicos[30]. Outra das falhas apontadas é o
inadequado seguimento dos recém-nascidos com rastreio negativo, falsamente
assumindo que nenhuma destas crianças irá desenvolver DDA. Um follow-up
prolongado de uma coorte, necessário para a validade de um estudo, é raramente
incorporado na maioria dos protocolos devido à óbvia dispendiosidade[31].
A necessidade de estudos multicêntricos para melhor compreender a história
natural da DDA e o efeito de um diagnóstico precoce na estratégia e resultado
terapêuticos é unanimemente reconhecida[40, 82]. Dado que o número de casos de
DDA que necessita de tratamento cirúrgico é reduzido, os ensaios clínicos
randomizados para avaliar o efeito do rastreio ecográfico na taxa destas
intervenções necessitam de avaliar um grande número de crianças para encontrar
resultados significativos[31]. O uso da US na DDA deve ter em conta vários
aspetos, incluindo os custos sociais de um programa de rastreio e os custos
associados aos casos tardiamente diagnosticados. É recomendado que cada país
avalie independentemente esta questão, uma vez que existem inúmeras variáveis
significativas entre cada país[40].