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EuPTCVHe1646-69182012000400007

EuPTCVHe1646-69182012000400007

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2012
Issue0004
Article number00007

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Risco e Profilaxia do Tromboembolismo Venoso em Doentes Cirúrgicos

INTRODUÇÃO O tromboembolismo venoso (TEV) é uma doença frequente [1,2] e complexa, de etiologia multifatorial, representado clinicamente pela trombose venosa profunda (TVP) e pelo tromboembolismo pulmonar (TEP) [1,3-5]. As bases fisiopatológicas do TEV têm sido estudadas progressivamente desde 1856, com a tríade etiológica de Virchow (estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade) [1,3,5-7]. As principais complicações do TEV são o síndrome pós-trombótico a longo prazo e a hipertensão pulmonar crónica [8], para além da mortalidade causada pelo TEP [3-5,7-13].

Na Europa, o TEV é considerado um problema de saúde pública, ocorrendo cerca de 370.000 óbitos anuais por TEP [14]. Nos EUA, o panorama é semelhante, estimando-se 2 milhões de casos de TVP e 600.000 casos de TEP por ano [15], enquanto 300.000 morrem por causas relacionadas [14].

De acordo com o Estudo ENDORSE [8], o embolismo pulmonar é causa de 5-10% das mortes em doentes hospitalizados. O TEV torna-se, assim, uma das maiores causas de morbimortalidade prevenível em doentes internados, nomeadamente por TEP [4,5,8,15]. No entanto, a verdadeira incidência de TEV permanece subestimada5,16.

Os procedimentos cirúrgicos, por si , acarretam um estado pró-trombótico que ainda pode ser agravado por outros fatores de risco associados ao doente [4,6,8,9,12,13,16-18]. Segundo o American College of Chest Physicians (ACCP) [17], o risco aproximado de TVP em doentes hospitalizados na Cirurgia Geral varia entre 15 e 40%. Caprini e Arcelus apresentam que 14-16% dos TEV sintomáticos diagnosticados, no mundo ocidental, ocorrem no pós-operatório, sendo mais de metade da Cirurgia Geral [12].

Emerge, assim, a necessidade e a indicação da profilaxia do TEV em doentes cirúrgicos mediante a estratificação do risco [1,5,7,10-12,15,20]. Nas últimas 2 décadas, a sua prevenção tem sido aceite como estratégia efetiva e com boa relação custo-benefício, sendo recomendada tanto por guidelinesamericanas como europeias [3,5,7,12,12,15,20]. No entanto, apesar das evidências o demonstrarem, alguns estudos feitos nesta área têm revelado que a profilaxia do TEV/TVP tem sido subutilizada [2,3,8,11,15,21]. Segundo o Estudo ENDORSE, no total dos 32 países avaliados, envolvendo mais de 30.000 doentes cirúrgicos, 64% dos doentes com risco tromboembólico recebiam profilaxia, encontrando-se Portugal abaixo dessa média com 61% [8].

Perante a importância desta problemática, pelo facto de ser uma causa de morbimortalidade passível de ser prevenida, é importante a sensibilização da população médica. Numa realidade local, propõe-se, em doentes cirúrgicos, a estratificação do risco de TEV, a avaliação da profilaxia e a ocorrência de eventos trombolembólicos aos 6 meses de follow-up.

MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliados e acompanhados, de modo prospetivo, 86 doentes, que reuniram os critérios de inclusão (Quadro_1), admitidos no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Amato Lusitano da Unidade Local de Saúde de Castelo Branco (ULSCB), durante o período de 8 de novembro a 9 de dezembro de 2009. O acompanhamento foi apenas observacional, sem qualquer intervenção, tendo-se recolhido dados através de entrevista clínica e consulta de processos clínicos.

O protocolo de investigação foi submetido e aprovado pela comissão de ética da ULSCB, no qual foi assegurada a confidencialidade e o cumprimento das normas vigentes no âmbito dos trabalhos de investigação. Os doentes que participaram no estudo assinaram o consentimento informado. A folha de colheita de dados foi desenhada de forma a obter os dados que permitiram a estratificação dos doentes relativamente ao risco de TEV e apurar as medidas de profilaxia.

A estratificação do risco de TEV nos doentes foi obtida de acordo com 2 scoresdos Modelos de Avaliação de Risco (RAM): o elaborado pelo CCVSPC (Tabela 1)[22], e o scoreelaborado por Caprini (RAMCA), atualizado em 2005 [18,20] (Tabela_2), bem como os regimes profiláticos: scoredo CCVSPC (Tabela_1) e os critérios do RAMCA (Tabela_3).

O follow-uppor via telefónica decorreu aos 6 meses após internamento, com o intuito de averiguar se algum evento do espectro do TEV ocorreu. Os doentes foram abordados de forma similar, acessível e pelo mesmo interlocutor, de forma a maximizar a imparcialidade e objetividade das respostas.

Para realizar a análise estatística descritiva e correlacional utilizou-se o Software Estatístico SPSS® versão 17.0 para Microsoft Windows®.

RESULTADOS Dos 86 doentes analisados no âmbito deste estudo, 52.3% (n=45) correspondem ao sexo feminino. Os doentes participantes têm em média 62.90 anos de idade, tendo no mínimo 18 e no máximo 93 anos de idade (Tabela_4). O tempo médio de internamento foi de 9,24 dias, observando-se no mínimo internamento de 3 dias e no máximo de 28 dias.

Na Tabela_5, encontram-se os antecedentes pessoais médico-cirúrgicos utilizados na estimação do risco de TEV para cada doente. Na totalidade dos doentes com história de neoplasia pregressa ou ativa, 14 tinham neoplasia ativa. Vinte e oito (32.6%) dos doentes analisados referiam história familiar positiva para tromboembolismo/trombose venoso, mas nenhum tinha conhecimento acerca da existência de trombofilias.

Sessenta e oito doentes foram submetidos a procedimentos cirúrgicos (79%), dos quais 50 foram programados. Pelo Serviço de Urgência, foram internados 36 doentes no serviço, sendo 50% destes submetidos a intervenção cirúrgica urgente. No cálculo dos graus de risco de TEV, as cirurgias laparoscópicas foram contabilizadas como cirurgias minorpelo facto de terem duração inferior a 45 minutos. Do total de cirurgias major, 12 correspondiam a cirurgias oncológicas. Na amostra estudada, 27 doentes (39.7% dos doentes intervencionados) foram submetidos a modalidades cirúrgicas consideradas de menor risco (apendicectomias, reparação cirúrgica de hérnias inguinais, colecistectomias laparoscópicas e tiroidectomias) [12].

Os doentes do sexo feminino ainda foram caracterizados em relação a dados relevantes relacionados com o sexo: uma das doentes estava grávida, seis tomavam contracetivos orais (CO) ou terapia hormonal de substituição (THS), enquanto cinco tinham história de nado-morto, aborto espontâneo recorrente, parto prematuro com toxémia ou insuficiência placentária.

As tabelas_6 e 7 contêm a classificação dos doentes em graus de risco de acordo com os scoresapresentados previamente.

A profilaxia farmacológica do TEV foi realizada apenas com uma heparina de baixo peso molecular (HBPM) - a enoxaparina - em 59 doentes, correspondendo a 68.6% dos doentes. Segundo o CCVSPC, 70 doentes precisavam de profilaxia, que se encontravam nos graus moderado e alto de risco, e 77.1% deles receberam-na. Mediante o RAMCA, 82 doentes tinham indicação para profilaxia, tendo sido administrada a 72.0%.

Para se verificar se as classificações de risco são mais elevadas no grupo de doentes que recebeu profilaxia (independentemente da dose administrada), aplicou-se o teste de Mann-Whitney, no qual se verificou esse pressuposto com significância estatística. Os valores de p são, respetivamente, 0.0002 e 0.01, tendo em conta o RAM do CVSPCG e o RAMCA. A estes dados, acrescenta-se que a aplicação dos scoresnos doentes estudados apresenta uma correlação positiva média no coeficiente de Kendall's Tau-B (0.440), estatisticamente significativa no teste exato de Fisher (p=0.000).

A profilaxia através de meios mecânicos foi aplicada concomitantemente com a profilaxia farmacológica, nos doentes submetidos a procedimentos laparoscópicos e aos sujeitos a cirurgia oncológica com necessidade de posição de litotomia.

Relativamente à profilaxia farmacológica, usaram-se doses profiláticas de enoxaparina de 20mg em 33 (38.4%) e 40mg em 26 (30.3%) doentes.

Na globalidade dos doentes estudados, apenas um apresentou uma contra-indicação absoluta - hemorragia intracraniana - não recebendo profilaxia farmacológica do TEV. As contra-indicações relativas, como o uso de aspirina e o uso de AINE's, por dificuldades na precisão da sua toma na maioria dos doentes, não foram contabilizadas.

No follow-up, aos 6 meses, 80 (93.0%) doentes referiram não ter tido nenhum sinal ou sintoma de tromboembolismo nem recorreram ao médico assistente por esses mesmos motivos. Quatro (4.7%) não atenderam o telefone ou tinham disponibilizado um contacto telefónico errado. Dois doentes (2.3%) faleceram por causas não relacionadas com o espectro clínico do TEV.

DISCUSSÃO O TEV é um problema de saúde pública pertinente por se assumir como uma das maiores causas de morbimortalidade em doentes hospitalizados e também com um importante impacto económico pelos custos e gasto de recursos que causa [5,7,11,13-15,24]. mais de vinte anos que se considera que a profilaxia do TEV reduz o risco relativo pós-operatório de TVP para 75% e reduz o de Embolismo Pulmonar não-fatal e fatal para 40% e 64%, respetivamente [25].

Apesar da profilaxia adequada ser aceite como efetiva e segura na prevenção do TEV, os médicos parecem continuar reticentes, havendo comprovada subutilização [2,3,8,11,21,23-26].

Várias entidades nacionais e internacionais têm-se preocupado com a elaboração de guidelinese scores- RAM's - para facilitar a estratificação dos doentes nas respetivas classes de risco [1,5,7,12,15,17,18,20,21,23,25,28,29]. No entanto, estas guidelinesapresentam várias desvantagens associadas, que não podem ser ignoradas (tabela_8) [5,17,29]. Deste modo, a prescrição da profilaxia do TEV continua a ser pouco baseada nos RAM, devido, por um lado, à inadequada validação e à pouca adaptação à prática clínica, e por outro, ao fraco conhecimento acerca da interação dos vários fatores de uma forma quantitativa para se conseguir determinar a posição de cada doente numa escala objetiva de risco tromboembólico [17,29]. Vários fatores de risco devem ser contabilizados na estratificação de risco de TEV, não no que concerne ao internamento cirúrgico atual, mas também às comorbilidades e características do doente [6,12,14,17,18].

A idade é um dos fatores de risco a considerar. Vários estudos apontam para um aumento da incidência de TEV com o aumento da idade [5,12]. No presente trabalho, verifica-se que 88.4% dos doentes tem idade superior a 40 anos e 25.6% apresentavam idade superior a 75 anos. No entanto, a idade é um dos fatores considerados minor(odds ratio<2) [14,31].

Relativamente aos antecedentes médico-cirúrgicos as veias varicosas apresentavam maior frequência, com 38.4%, seguidas da história pregressa ou atual de neoplasia (20.9%), da obesidade (18.6%) e história de TEV (15.1%).

consenso quanto ao papel das veias varicosas enquanto fator de risco para TEV [5,7,12,14,18,20,31,32]. Um dos problemas é a subjetividade da avaliação da gravidade da doença varicosa, fazendo deste um fator de risco minor[31].

As neoplasias acarretam um risco aumentado de TEV [5,7,12,14,18,20,31,32] de modo que um doente oncológico sujeito a procedimentos cirúrgicos tem 2 a 5 vezes mais risco de TEV pós-operatório [1,2]. O risco difere conforme o tipo de cancro (gástrico, pancreático, ginecológico, renal e colorectal, apresentam maior risco), e a sua classificação [12]. Na amostra estudada todos os doentes oncológicos (excluindo aqueles somente com história anterior de cancro) tinham um dos tipos oncológicos de maior risco.

A obesidade é um fator de risco menos consensual, mas parece que o risco de TEV aumenta quando o IMC>29kg/m2 e perímetro abdominal >100cm5. Na amostra, a maioria dos doentes apresenta um IMC>25Kg/m2 (62.6%), passando a ser o principal fator de risco presentes nos doentes estudados, considerando IMC >25Kg/m2 (segundo o RAMCA).

Doentes com um evento prévio de TEV têm grande risco de recorrência, particularmente quando expostos a outros fatores de risco [5,31]. Na amostra estudada, 15.1% tinham esse risco.

A história familiar de trombose/tromboembolismo é das informações mais complicadas de obter, pela sua subjetividade, e ainda que relevante é frequentemente esquecida na estratificação do risco [12,13,18].

O tipo de cirurgia a que os doentes são sujeitos constitui um fator preditivo de TEV, sendo de maior risco as ortopédicas e as neurocirúrgicas [12]. No entanto, a Cirurgia Geral comporta várias modalidades de grande risco, como a cirurgia majorabdominal e a oncológica [12]. Segundo as definições associadas aos scoresutilizados, 44.2% dos doentes foram submetidos a cirurgias major.

A profilaxia do TEV na cirurgia laparoscópica continua controversa [33]. O pneumoperitoneu e a posição de Trendelenburg condicionam a coexistência de todos os elementos da tríade de Virchow, sugerindo-se que a tromboprofilaxia farmacológica e a mecânica sejam semelhantes às usadas na cirurgia aberta [34].

No presente estudo, foram submetidos 11.6% dos doentes a cirurgia laparoscópica, mas todas num tempo inferior a 45 minutos, daí serem contabilizadas como minorno cálculo do risco de TEV. Nestes doentes aplicou-se a profilaxia mecânica através de meios de contenção elástica.

Neste estudo, utilizaram-se dois RAM's: o elaborado por Caprini et al.para doentes cirúrgicos e médicos [18,20], e o elaborado pelo CCVSPC em 2009 [22]. Existem algumas diferenças entre os dois sistemas, nomeadamente, o scoredo CCVSPC apresenta 3 graus de risco, enquanto Caprini apresenta 4, ao acrescentar "muito elevado" risco. Salienta-se que nenhum dos RAM's contempla como fator de risco o tipo de anestesia, quando segundo o ACCP, na ausência de tromboprofilaxia o risco de TVP é superior nos doentes submetidos a anestesia geral [17]. A inclusão do scoredo CCVSPC neste estudo prendeu-se, primeiro, pela necessidade de avaliar a sua aplicabilidade numa população de doentes, uma vez que não se encontrou, na literatura pesquisada, um estudo que incidisse nesse score. Sendo um scoreproposto por um grupo de trabalho português apresenta toda a vantagem de ser aplicado numa população portuguesa. A sua comparação com o scorede Caprini permitiu uma avaliação, ainda que subjetiva, da estratificação do risco para tromboembolismo venoso.

A administração da profilaxia aparenta estar mais concordante com a estratificação de risco do CVSPCG, sendo administrada numa percentagem considerável em doentes em risco (77.1%).

Aos 6 meses de follow-up, nenhum evento tromboembólico foi referido pelos doentes aquando da entrevista telefónica, de modo que nenhuma correlação estatisticamente significativa foi possível. Vários fatores condicionam este resultado, nomeadamente a manifestação subclínica do TEV, e quando acompanhado de sintomas, estes serem inespecíficos e desvalorizados pelos doentes e clínicos [5,7,12,13,16,28]. Este estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente o tamanho da amostra e o tempo de follow-upde 6 meses.

Apesar destes aspetos, verificou-se uma aparente melhoria do uso da profilaxia do TEV face a estudos anteriores. Torna-se pertinente desmistificar o risco hemorrágico associado à tromboprofilaxia e enfatizar os dados epidemiológicos que demonstram que o TEV se assume como uma das primeiras causas de morte intra-hospitalar prevenível [15].

CONCLUSÕES A profilaxia farmacológica para o tromboembolismo venoso é ainda subutilizada.

Parece haver uma melhoria de utilização de profilaxia em doentes cirúrgicos, comparada com a descrita no Estudo ENDORSE, no entanto, mantém-se inferior à observada noutros países europeus. Do total, entre os 75.6% dos doentes com risco tromboembólico elevado, a profilaxia foi administrada e 77.1%. O scoredo CCVSPC é facilmente aplicado, podendo ser uma ferramenta de primeira escolha para estratificação do risco de tromboembolismo venoso nos serviços de Cirurgia. Não foram verificados eventos tromboembólicos no período em estudo.


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