Literacia em saúde mental de adolescentes: Um estudo exploratório
Introdução
Os pilares da saúde mental fundam-se nos primeiros anos de vida. A Organização
Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 20% das crianças e adolescentes
sejam afetados por problemas de saúde mental com expressão antes dos 18 anos de
idade (World Health Organization, 2000), e que destas, cerca de metade
desenvolve uma perturbação psiquiátrica com reflexo na idade adulta, implicando
diminuição da qualidade de vida e aumento do consumo de cuidados. Contudo, na
maioria destas situações os adolescentes não recebem a ajuda adequada, ou
recebem-na com muito atraso (Kelly, Jorm & Wright, 2007).
A ansiedade, a depressão, o risco de suicídio e outros comportamentos de risco
constituem as problemáticas com prevalência mais significativa, começando
também a tornar-se mais frequentes as patologias aditivas, requerendo novas
formas de intervenção ao nível da avaliação e tratamento (Coordenação Nacional
para a Saúde Mental/Administração Central do Sistema de Saúde, 2011).
O atendimento de adolescentes com perturbações psiquiátricas apresenta
caraterísticas particulares. As questões relacionadas com o desenvolvimento têm
um papel determinante nessa etapa do ciclo vital, onde experiências
particularmente desestabilizadoras poderão determinar sofrimento psíquico e o
surgimento de perturbações psiquiátricas cujo agudizar se deve, entre outros
fatores, a estereótipos que conduzem à ausência de comportamentos de procura de
ajuda profissional (Loureiro, Mateus e Mendes, 2009).
Reconhecendo que a prevalência de problemas de saúde mental na adolescência é
significativa e que as atitudes estigmatizantes fazem prevalecer uma visão
preconceituosa das doenças e dos doentes fortemente enraizada cultural e
socialmente (Loureiro et al., 2012); que as atitudes relativas a estes
problemas são adquiridas precocemente desenvolvendo-se de forma gradual e
consolidando-se na idade adulta (Wahl, 2002); e que a escola é um contexto
privilegiado de acesso aos adolescentes, tem-se assistido nos últimos anos a
uma preocupação crescente com a promoção da literacia em saúde mental enquanto
pré-requisito para um reconhecimento precoce e intervenção atempada nas
perturbações mentais (Scott & Chur-Hansen, 2008), através da educação e
sensibilização para a saúde mental e do combate ao estigma.
Jorm et al. (1997) introduziram o conceito de literacia em saúde mental' e
definiram-no como conhecimento e crenças sobre as perturbações mentais que
ajudam o seu reconhecimento, gestão e prevenção.
Os estudos têm demonstrado que os níveis de literacia em saúde mental são
baixos, independentemente da população considerada. As pessoas têm dificuldade
em identificar corretamente as perturbações mentais, têm baixa compreensão dos
fatores causais, crenças erradas sobre a efetividade do tratamento, são
relutantes em procurar ajuda profissional e não sabem como ajudar os outros
(Jorm, Wright & Morgan, 2007).
Este estudo tem como objetivo explorar os conhecimentos dos adolescentes
relativamente a três problemas de saúde mental, depressão, ansiedade e abuso de
álcool, bem como compreender a tipologia de ações e a importância atribuída à
ajuda profissional, centrando-se nas componentes do reconhecimento da doença e
comportamentos de procura de ajuda.
Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa. Foi utilizado o
focus group como método de recolha de informação, por ser particularmente
adequada quando se pretende aprofundar informação sobre um conceito, um
problema ou experiências (Krueger & Casey, 2009), mas também para explorar
as perceções e vivências de cada um dos participantes.
O focus group privilegia a observação e o registo de experiências e reações dos
indivíduos participantes, que não seriam possíveis de captar por outros métodos
(Galego e Gomes, 2005). Para além disso, permite criar espaço para a dinâmica
de grupo, possibilitando que os participantes se expressem numa discussão
flexível, usando as suas próprias palavras e de acordo com as suas prioridades.
Sendo este um estudo preliminar de um estudo mas amplo de construção e
validação de um instrumento de avaliação da literacia em saúde mental em
adolescentes, recorreu-se ao método de focus group, na medida em que pode ser
utilizado como técnica de pesquisa exploratória para o levantamento de dados
preliminares sobre determinado objeto de pesquisa, sendo um instrumento
fundamental na criação de questionários, permitindo que, através dos
investigadores, se possam ouvir o que as pessoas têm a dizer acerca da área a
investigar (Galego e Gomes, 2005).
Participantes
O estudo integra-se num projeto mais abrangente de educação e sensibilização
para a saúde mental: um programa de intervenção escolar para adolescentes e
jovens, projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e
autorizado pela Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do
Ministério da Educação do Governo Português. Foi solicitado o consentimento
prévio aos encarregados de educação e aos participantes, antes do início de
cada sessão.
Neste estudo participaram 23 adolescentes, estudantes do ensino secundário
público em três escolas da região centro, com frequência do 7º ao 12º ano. As
idades variaram entre 12 e 17 anos (M= 14.91 e DP= 1.73), sendo 16 (69.6%) do
género feminino e 7 (30.4%) do género masculino. Todos os participantes eram
solteiros e de nacionalidade portuguesa.
Os pais tinham habilitações literárias compreendidas entre o 1º ciclo e o
mestrado, tendo a grande maioria habilitações entre o 2º ciclo e o ensino
secundário. Relativamente à situação profissional, 78.3% dos pais e 78.3% das
mães encontravam-se empregados.
Procedimento
Foram realizados três focus group em escolas secundárias sendo uma situada em
zona urbana, outra em zona rural e uma terceira em zona suburbana. Esta opção
metodológica justifica-se pelo facto de existir evidência científica de que
fatores como o estigma assumem um papel fundamental na ausência de
comportamentos de procura de ajuda, sobretudo em populações rurais (Scott &
Chur-Hansen, 2008).
As sessões tiveram uma duração de 70 minutos e decorreram durante os meses de
Maio e Junho de 2013, em espaço e tempo cedidos para o efeito pelos diretores
das escolas. No início de cada sessão os participantes foram informados sobre
os objetivos do estudo, os limites de confidencialidade, e o direito de, em
qualquer momento, poderem retirar-se. De seguida assinaram um termo de
consentimento e preencheram um questionário demográfico de caraterização. Foi
ainda solicitada autorização para audiogravar as sessões.
As entrevistas foram orientadas por um guião estruturado, elaborado a partir da
revisão da literatura atual, contendo os temas chave a serem explorados, sendo
projetado para melhorar a interação do grupo. A sequência dos temas foi
ordenada, primeiramente por questões gerais e, em seguida, por questões
específicas, permitindo que os elementos essenciais surgissem de forma natural
(Borges e Santos, 2005).
Foram formuladas quatro questões gerais relacionadas com a literacia em saúde
mental nas componentes do reconhecimento da doença mental, comportamentos de
procura de ajuda, incluindo barreiras e facilitadores:
- Que pensamentos, palavras ou imagens associam à doença mental?
- Se estiverem preocupados com o facto de terem um problema de saúde mental,
quem procurarão para falar sobre isso?
- Que fatores consideram importantes para vos levar a procurar ajuda
profissional?
- Quais os fatores que consideram poder constituir impedimento para procurar
ajuda profissional?
As questões específicas integravam um conjunto de pistas que, pelo seu
pormenor, permitiam aprofundar as questões ou melhorar a sua explanação.
Para explorar a dimensão reconhecimento da doença mental', para além do guião,
foram utilizadas vinhetas clínicas retratando três problemas de saúde mental:
depressão, ansiedade e abuso de álcool.
A primeira questão era introdutória sendo projetada para envolver os
participantes no tema. As restantes três questões eram as fundamentais visando
explorar as componentes da literacia em saúde mental em estudo. As sessões
foram moderadas pelo investigador principal.
As entrevistas foram transcritas e sujeitas a análise qualitativa de conteúdo
com o programa Nvivo9. O método de análise, centrado em procedimentos fechados,
incluiu categorias pré definidas anteriormente à análise propriamente dita,
associadas ao quadro empírico a partir do qual se formularam as questões da
entrevista.
Os resultados qualitativos são apresentados como resumos descritivos no âmbito
das componentes do estudo: reconhecimento, comportamentos de procura de ajuda
(incluindo barreiras e facilitadores).
Análise dos Resultados
De seguida apresentaremos os resultados considerando o sistema de categorias
emergente das narrativas dos participantes. Serão analisadas as categorias de
primeira e segunda geração.
Reconhecimento da doença mental
Os enunciados dos participantes na análise às três vinhetas apresentadas
(depressão, ansiedade, abuso de álcool) traduzem o recurso ao uso de rótulos
adequados como por exemplo tem uma depressão', sofre de ansiedade'; tem
problemas com álcool', mas também a utilização inadequada de rótulos como
estado de espírito passageiro', esgotamento', vício' e stress'que, pela sua
conotação, são inibidores dos comportamentos de procura de ajuda.
Ao longo do discurso dos participantes vão surgindo enunciados relativos a
outros problemas de saúde mental como esquizofrenia', baixa autoestima',
distúrbio alimentar'; relativos a caraterísticas de personalidade e problemas
comportamentais (e.g. falta de confiança', problemas de adaptação',
bulling'); e ainda a outros problemas de saúde tais como cancro' e doença do
sistema nervoso', que são considerados pelos adolescentes como perturbações
mentais ou erroneamente identificados nas vinhetas apresentadas. Esta
diversidade de respostas representa uma lacuna importante, colocando ênfase na
falta de conhecimentos relativamente a estas questões.
Comportamentos de Procura de Ajuda
Na dimensão comportamentos de procura de ajuda' foram exploradas três
categorias: recursos e opções de ajuda', barreiras' e facilitadores'.
Recursos e opções de ajuda.
A primeira categoria integra as opções dos adolescentes em termos de procura de
ajuda e a identificação dos recursos disponíveis. Os adolescentes identificam
sete subcategorias sendo a sua maioria referidas de forma transversal na
literatura: amigos, familiares próximos, especialistas, médico de família,
professores, grupos de autoajuda, bruxa. Destas, duas foram repetidamente
retratadas dentro de uma estrutura hierárquica evidenciando uma clara
preferência dos adolescentes pelas ajudas informais, traduzida numa maior
intenção de procurar ajuda na família e nos amigos do que em fontes formais
(ajuda profissional), tal como ilustram as seguintes expressões: Na nossa
geração, as primeiras pessoas a quem se vai recorrer é aos amigos mais próximos
e depois à família; Podemos procurar ajuda junto de alguém que já tenha
passado pela mesma situação, por exemplo, grupos de autoajuda.
As ajudas formais são também consideradas úteis como podemos verificar através
da verbalização de uma participante: Primeiro procuraria um psicólogo e
depois, se fosse caso disso, um psiquiatra ( ) os enfermeiros especializados
também poderiam ajudar. Contudo, o reduzido número de referências em cada uma
das subcategorias mostra uma baixa intenção de procurar ajuda de especialistas.
Outra participante refere: Inicialmente falaria com os pais ou os amigos e
através dos conselhos deles, procuraria uma ajuda mais específica, como por
exemplo um psicólogo. Esta narrativa demonstra uma preferência inicial por
fontes de ajuda informais mas reconhece também a importância de, em sequência,
procurar ajuda profissional. Em ambas as situações anteriores os participantes
considerem ser menos útil consultar o médico do que outros profissionais de
saúde.
Ao longo do discurso verbalizado pelos participantes, surgem enunciados
relativos a outros tipos de opções de ajuda. Refere um participante:Podemos
procurar alguém que nos vá ouvir e compreender, mesmo sem ser técnico ( )
alguém que não nos vá julgar. Outro participante residente em zona rural
refere: Há pessoas que poderão ir à bruxa ou à cartomante ( ) há pessoas que
têm crenças e acreditam que isso resolve. Estes dois exemplos enfatizam a
falta de conhecimento e compreensão das perturbações com desvalorização da
importância da ajuda profissional, bem como a existência de crenças que são
inibidoras dos comportamentos de procura de ajuda profissional.
Barreiras.
Neste estudo o estigma e alguns fatores associados às caraterísticas do
profissional de saúde surgem ao longo das narrativas como as barreira mais
importantes na procura de ajuda profissional para problemas de saúde mental.
As perceções estigmatizantes estão presentes de forma transversal embora sejam
mais evidentes no discurso dos participantes residentes em zona rural. Os dois
excertos seguintes são um exemplo. Diz uma participante: Se precisasse e
tivesse que procurar ajuda, teria algum receio do que os outros poderão pensar
( ) na sociedade onde estamos inseridos, se eu chegar hoje à escola e disser
que tenho um problema mental, vou ser considerada como louca. Outra
participante elabora e antecipa a reação estigmatizante dos amigos: Eu teria
medo da reação dos meus amigos, do seu afastamento, de falarem mal de nós por
sermos diferentes, e acrescenta: também teria receio de encontrar alguém
conhecido que vá divulgar ( ) preferia que ninguém soubesse.
Embora de forma menos vivenciada, os adolescentes residentes em zona urbana
também fazem referência ao estigma como podemos verificar pela narrativa de uma
participante: Os estereótipos e preconceito que acabam por estar associados
às doenças mentais podem dificultar a procura de ajuda ( ) por essa razão,
muitas vezes, numa fase inicial, a pessoa pode querer lidar com a situação e
resolvê-la sozinha.
As barreiras relacionadas com o estigma verificam-se sobretudo aquando da
procura de ajuda profissional e, na sua maioria, são preocupações com o que os
outros poderão pensar, incluindo a própria fonte de ajuda. Fatores associados
às caraterísticas do profissional de saúde como preocupações de
confidencialidade',confiança', personalidade',profissionalismo' entre
outros, impregnam as narrativas dos participantes, independentemente da sua
origem. Os dois excertos seguintes permitem-nos perceber algumas das suas
preocupações. Diz um participante: O profissional de saúde com quem vamos
falar pode, por exemplo, ser antipático, fazer juízos de valor sobre o nosso
problema ou divulgá-lo a outras pessoas ( ),Gostava que fosse alguém em quem
eu pudesse confiar, que conseguisse criar afinidade, fosse compreensivo mas que
também fosse ao mesmo tempo direto, uma pessoa aberta mas direta, que dissesse
o que está a acontecer.
Facilitadores.
Nesta categoria analisamos os fatores que os adolescentes consideram como
facilitadores da procurar ajuda. São identificadas quatro subcategorias:
acompanhamento', apoio social', consciência e aceitação do problema',
experiência prévia positiva'.
Os participantes consideram o acompanhamento' e a experiência prévia
positiva' como os dois principais facilitadores, no sentido em que são mais
vezes referenciados. A este propósito diz-nos um participante: As pessoas não
querem ajuda porque têm vergonha mas gostam que alguém os acompanhe ( ) eu
gostava de ser acompanhado por amigos mais próximos ou familiares, a pessoa
sente-se bem ao pé dessas pessoas.
Outro participante elabora e enfatiza a preferência pelo acompanhamento dos
pares em detrimento de outras pessoas, como por exemplo os pais. Diz-nos: Na
adolescência os pais não nos compreendem, dizem que é uma fase ( ) preferia ir
com um amigo da minha idade. Nós também achamos que os pais não estão do nosso
lado.
A experiência prévia positiva' emerge enquanto facilitador em duas vertentes:
a vivência própria e o conhecimento de outras pessoas. Uma participante refere:
se eu tivesse um problema de saúde mental e precisasse de ajuda, inicialmente
gostaria de falar com alguém que tenha tido uma boa experiência. Outros
participantes reforçam a ideia e acrescentam os aspetos da motivação que advém
do conhecimento de situações e experiências positivas: Se eu visse que uma
pessoa que passou pelo que eu estou a passar, conseguiu ultrapassar e hoje
estava bem estava feliz (...) então era sinal que eu também iria conseguir e
dar-me-ia força para ir ( .) é a prova de que é possível.
Outra participante acrescenta: Às vezes associamos as doenças mentais a coisas
más e dolorosas mas se tivermos uma pessoa que passou por isso e conseguiu
superar, vai sempre motivar, se os outros conseguiram nós também vamos
conseguir.
Uma participante com antecedentes de problemas de saúde mental diz-nos: Eu já
tive que ir à psicóloga porque não andava bem. A primeira vez não queria ir,
foi a minha mãe que me obrigou ( ) mas depois até gostei de falar com ela.
Agora não custa nada ir e falar dos meus problemas. Nesta narrativa é a
própria vivência que se constitui como fator facilitador.
Do discurso verbalizado pelos participantes emergem enunciados relativos a
outros facilitadores como o apoio social' e a consciência e aceitação do
problema'. Os dois excertos seguintes traduzem-no de forma clara. Refere uma
participante: Gostava de me sentir apoiado pelos meus amigos, pelo menos
aqueles em quem mais confio, e acrescenta: ( ) é também importante ter o
apoio dos pais e até dos professores. Outra participante, contrapondo e
realçando a importância da aceitação do problema refere: Eu acho que se não
houver uma aceitação própria da nossa parte e dizer eu não estou bem', é muito
difícil mesmo com o apoio do pai ou da mãe ou dos amigos. Diz-nos ainda outra
participante: Eu posso achar que numa fase inicial, sozinha vou conseguir
lidar e resolver a situação. Mais tarde irei perceber que não vou conseguir
porque é totalmente impossível a uma pessoa que está com distúrbios
psicológicos lidar com uma situação deste calibre sozinha. Então aí vou ter que
interiorizar que tenho que procurar ajuda. Este excerto introduz uma variável
fundamental na facilitação dos comportamentos de procura de ajuda, a
consciência da gravidade do problema e não só da sua existência.
Discussão dos Resultados
De seguida serão discutidos os resultados mais proeminentes colocando-os no
contexto de revisões e estudos prévios relacionados.
Dos resultados do estudo sobressai a dificuldade dos adolescentes para
reconhecer as perturbações mentais bem como para identificar os seus sintomas
chave, traduzindo-se pelo recurso frequente ao uso de rótulos inadequados, que
pela sua conotação, são inibidores dos comportamentos de procura de ajuda
profissional. Este dado é sustentado por Wright, Jorm, Harris & McGorry
(2007) que nos referem que o reconhecimento e o uso de rótulos adequados é o
preditor mais frequentemente associado com a procura de ajuda e tratamento
pelos adolescentes.
Estudos recentes (Leighton, 2009; Olsson & Kennedy, 2010) têm centrado a
sua atenção sobre se os adolescentes têm o conhecimento suficiente para
identificar corretamente a doença mental em si próprios ou nos seus pares. As
conclusões destes estudos mostram que o nível de reconhecimento das doenças
mentais e dos seus sintomas é baixo. Para além disso, o uso inadequado de
rótulos, além de traduzir a dificuldade de reconhecimento das perturbações,
pode estar relacionado com o estigma e ser um dos fatores associados com a
recusa na procura de ajuda (Rose, Thornicroft, Pinfold & Kassam, 2007).
Vários estudos sobre comportamentos de procura de ajuda identificam dois tipos
de fontes de ajuda utilizadas, as formais (profissionais) e as informais, como
por exemplo os amigos e a família (Rosa, Loureiro e Sousa, 2014). Os
adolescentes a experienciar problemas de saúde mental deveriam aceder a
profissionais e serviços preparados para dar respostas ajustadas e eficazes.
Porém, a realidade é outra. Como se verifica neste estudo, os adolescentes
desvalorizam as ajudas profissionais e mostram maior intenção de procurar ajuda
junto do grupo de pares e noutras fontes informais como a família, os
professores e os grupos de autoajuda. Estes resultados relacionam-se de forma
consistente com as conclusões de estudos anteriores que revelam que as fontes
de ajuda informais são preferidas às fontes formais em todas as idades, e em
ambos os géneros (Cotton, Wright, Harris, Jorm & McGorry, 2006).
Outro dado relevante e que reforça as conclusões do estudo de Jorm et al.
(2007) resulta da desvalorização do papel do médico relativamente a outros
profissionais de saúde, ainda que todos sejam considerados úteis.
Estudos realizados com populações de adolescentes identificam dois tipos de
barreiras na procura de ajuda: as logísticas e as pessoais (Rosa et al., 2014).
Neste estudo, as barreiras pessoais como o estigma e as preocupações sobre os
profissionais de saúde, associadas aos constrangimentos de confidencialidade e
à confiança, surgem como as principais barreiras na procura de ajuda para
problemas de saúde mental.
O estigma assume-se como uma barreira importante sobretudo em populações
rurais. Este resultado é consistente com as conclusões de outros estudos
anteriores, de que o estigma é um fator determinante e contribui para a
relutância de muitos adolescentes em procurar ajuda (Rose et al., 2007),
afetando mais a busca de ajuda em populações rurais do que urbanas (Scott &
Chur-Hansen, 2008).
Uma grande preocupação para muitos dos participantes é a confiança no
profissional de saúde e a confidencialidade da informação. Esta preocupação foi
identificada em estudos anteriores que concluíram que os adolescentes
apresentam maior intenção de procurar ajuda em fontes confiáveis (Rickwood,
Dean & Wilson, 2007) e confidenciais (Scott & Chur-Hansen, 2008). As
preocupações com a confidencialidade e confiança podem também estar
relacionadas com o estigma. Neste caso, o medo da violação de sigilo decorre da
vergonha de que a família e os amigos descubram que o adolescente procurou
ajuda (Gulliver, Griffiths & Christensen, 2010).
O estudo explorou também os facilitadores percebidos na procura de ajuda.
Os participantes consideram o acompanhamento' e a experiência prévia
positiva' como os dois principais facilitadores. Este resultado reforça as
conclusões de outros estudos prévios. Numa revisão sistemática da literatura
realizada por Gulliver et al. (2010), três estudos examinam os facilitadores e
todos mencionam as experiências prévias positivas, sendo também o tema para o
qual foi relatado o maior número de facilitadores individuais.
O acompanhamento é um fator facilitador que assume uma grande importância no
nosso estudo apesar de não ser referido de forma isolada em estudos prévios.
Podemos no entanto entendê-lo como parte integrante do apoio social. Esta
variável, que também emergiu no nosso estudo, é referenciada de forma reiterada
na literatura, em estudos como o de Sheffield, Fiorenza & Sofronoff (2004)
ou o de Gulliver et al.(2010).
Conclusões
Este estudo permite concluir que os adolescentes demonstram dificuldades
significativas no reconhecimento das perturbações mentais e na identificação
dos seus sintomas chave, traduzindo-se, na prática, por comportamentos de
procura de ajuda desajustados das necessidades, com desvalorização das ajudas
profissionais e preferência por fontes informais como o grupo de pares ou a
família.
Os resultados da análise revelam que os adolescentes comungam de uma visão que
assenta tanto no saber médico da doença como no saber popular, onde o recurso a
rótulos inadequados é frequente, traduzindo um desconhecimento efetivo da
doença e das suas implicações.
Para além das dificuldades de reconhecimento, fatores como o estigma, a falta
de confiança nos profissionais de saúde e os constrangimentos de
confidencialidade, constituem barreiras no acesso à ajuda profissional. Pelo
contrário, há também alguma evidência de que o apoio social e as experiências
prévias positivas, enquanto fator promotor da literacia em saúde mental, podem
reduzir o estigma, sendo facilitadores da procura de ajuda neste grupo etário.
Assim, como implicações, surge a necessidade de criar programas para promover a
literacia em saúde mental, por um lado, aumentando os conhecimentos sobre os
próprios sintomas e a compreensão dos conceitos associados à saúde mental, por
outro, minimizando os constrangimentos associados ao estigma e outras barreiras
na procura de ajuda. No entanto, barreiras e facilitadores podem variar entre
os diferentes pontos do processo de procura de ajuda. É necessária investigação
mais avançada sobre estes fatores e como eles operam em cada nível do processo
de procura de ajuda.