Formas de realização do pronome clítico em português europeu por falantes de
herança luso-franceses
0. Introdução
Atualmente, o multilinguismo é uma realidade instalada, pois representa cada
vez mais uma resposta a muitas das necessidades da população mundial. As taxas
de migração mais acentuadas a partir do século XX contribuíram naturalmente
para esta tendência. No que concerne ao caso lusitano, o êxodo deu-se sobretudo
para países como a França ou a Alemanha, onde o Português era deixado para
trás, como consequência do contacto permanente com a língua do país de
acolhimento e da urgência de adaptação ao mesmo.
Esta realidade constitui o ponto de partida para o surgimento de um
considerável número de estudos na área da aquisição de línguas, nomeadamente da
aquisição bilingue, distinguindo diferentes tipos de falantes: 1) falantes
bilingues simultâneos, que adquirem ambas as línguas na infância, podendo
atingir níveis de proficiência bastante aproximados entre as duas línguas; 2)
bilingues sequenciais, assim denominados por serem falantes que adquirem a
segunda língua numa fase posterior à primeira, podendo mostrar efeitos de um
período crítico para a aquisição da linguagem (Lenneberg, 1967); 3) falantes de
herança (FH), aos quais apenas recentemente se tem dado mais atenção, pois
constituem um tipo peculiar de bilinguismo, partilhando características com os
dois tipos de falantes acima descritos.
A língua de herança (LH) é um termo com forte pendor sociolinguístico, pois
refere-se à aquisição de uma língua minoritária em contexto de migração.
Caracteriza-se por ser aprendida no seio familiar desde tenra idade, pelo que,
na maioria dos casos, é a primeira língua a ser adquirida pela criança.
Contudo, em determinada fase da infância, na maioria dos casos antes da entrada
na escola, cresce o contacto diário da criança imigrante com a língua
maioritária, que convive com a LH, ou que acaba mesmo por substitui-la
radicalmente, quando este passa a usar exclusivamente a língua dominante,
recorrendo à LH em escassas situações. Assim, a LH, apesar de ser uma língua
adquirida naturalmente desde a infância precoce, não é a língua dominante do
FH.
O desempenho linguístico dos três tipos de falantes bilingues acima enunciados
pode variar substancialmente, pelo que um dos âmbitos em que se desdobram mais
investigações é na comparação entre a aquisição bilingue e a monolingue, no
sentido de perceber se são processos idênticos ou dissemelhantes. Autores como
Meisel (2007) e De Houwer (2005) acreditam que o desenvolvimento se dá de igual
forma entre os diferentes grupos de falantes, quando se trata de bilinguismo
simultâneo.
O presente artigo debruça-se justamente sobre este tipo de questões, tendo como
suporte os resultados de um estudo empírico sobre a competência de falantes de
herança de segunda e terceira geração, ou seja, filhos e/ou netos de emigrantes
portugueses que residem atualmente em França. O estudo incide especificamente
sobre a aquisição do sistema de colocação de pronomes clíticos do Português
Europeu (PE), uma propriedade gramatical complexa, que é estabilizada bastante
tarde na aquisição nativa do português. Proponho-me assim a verificar se, nesta
área, o desempenho dos FH se assemelha ao de falantes monolingues (FM)
portugueses pertencentes à mesma faixa etária.
É importante realçar que, ao comparar um grupo de falantes monolingues com um
grupo bilingue, não se pressupõe que a competência dos primeiros seja a ideal,
e a dos segundos uma cópia da primeira. Assume-se, isso sim, que a competência
bilingue tem particularidades que a tornam especial, já que os FH não são um
grupo homogéneo, podendo o seu nível de proficiência “variar de muito básico a
muito elevado” (Barbosa e Flores, 2011: 82).
O trabalho foi dividido em várias secções. Começa-se por expor sumariamente os
conceitos adjacentes ao fenómeno da cliticização nas línguas alvo, nomeadamente
o conceito de próclise. De seguida, abordam-se dois estudos prévios incidentes
justamente nesta propriedade gramatical, ainda que num se estude o Português
como LH (Barbosa e Flores, 2011), e no outro o Português como L1 (Costa e Lobo,
2013). Posteriormente, desenvolve-se a apresentação do estudo propriamente
dito, com destaque para a caracterização dos falantes, para a metodologia
adotada, para as questões de investigação inicialmente colocadas, e só depois
para os resultados. São apresentados separadamente os resultados dos dois
grupos na ênclise, na próclise, e noutro tipo de contextos, a explicar adiante.
Analisam-se ainda os resultados à luz de fatores extralinguísticos como o fator
etário e a exposição formal à língua e, por fim, discutem-se os resultados
obtidos, comparando-os com os do grupo de herança luso-alemão do estudo de
Barbosa e Flores (2011).
1. A posição dos pronomes clíticos
1.1 Em português europeu
Dada a organização morfológica que o Português exibe, podemos distinguir a
palavra, o afixo e o clítico, sendo este último um item lexical sem acento
prosódico, por oposição aos restantes dois. Isto significa que, ainda que tenha
certa liberdade posicional numa frase, o clítico depende necessariamente de uma
palavra acentuada adjacente, a que tipicamente se chama palavra hospedeira
(Martins, 2010: 25). A ligação inevitável entre o clítico e o seu hospedeiro,
através da qual se forma uma palavra prosódica, tem o nome de cliticização.
No que à posição do clítico diz respeito, o Português Europeu apresenta alguma
complexidade, no sentido de que assume três possíveis posições em adjacência
verbal: a ênclise, a próclise e ainda a mesóclise, que não será abordada neste
estudo por ser um fenómeno marginal no PE.
A ênclise consiste na colocação do clítico à direita do verbo, e parece ser a
que oferece mais facilidade aos falantes portugueses monolingues, sendo, aliás,
o primeiro contexto a ser adquirido (Costa e Lobo, 2013). Este contexto
emprega-se em:
Orações de sujeito nulo
ØVendem-se casas.
Orações de sujeito pré-verbal (com a exceção dos casos em que o sujeito faz
parte de expressões não referenciais quantificadas, a ver abaixo)
Os alunos fazem o teste. → Os alunos fazem-no.
Articulação tópico/comentário
Estes sapatos, comprei-os naquela loja.
Advérbios de frase
Normalmente ligo-lhe todos os dias.
A próclise ocorre quando o clítico precede o verbo na presença de um elemento
proclisador, a saber (Martins, 2010):
Negação
Ele não receitou nada à paciente. → Ele não lhe receitou nada.
*Ele não receitou-lhe nada.
Sintagmas Qu-
Quem comprou as bebidas? → Quem as comprou?
*Quem comprou-as?
Expressões não referenciais quantificadas
a. Quantificadores indefinidos
Alguém levou os casacos. → Alguém os levou.
*Alguém levou-os.
b. Quantificadores negativos
Nenhum aluno respeita o professor. → Nenhum aluno o respeita.
*Nenhum aluno respeita-o.
c. Quantificadores universais
Todosagradeceram ao Manuel. → Todos lhe agradeceram.
*Todos agradeceram-lhe.
Advérbios aspetuais
Jáconheci o teu irmão. → Já o conheci.
*Já conheci-o.
Advérbios focalizadores
Só tu me compreendes.
*Só tu compreendes-me.
Advérbios enfatizadores
Eu bem te avisei.
*Eu bem avisei-te.
Orações subordinadas
Perguntei-lhe ondeguardouas chaves. → Perguntei-lhe onde as guardou.
*Perguntei-lhe onde guardou-as.
Imperativas com que
Que me caia já o teto em cima.
*Que caia-me já o teto em cima.
Exposta esta panóplia de situações que impõe um posicionamento proclítico nas
frases, e mesmo sendo esta complexidade já suficiente para causar variação
linguística, acresce ainda o facto de a posição clítica ser distinta entre a
variedade europeia do Português e o Francês, como se verá de seguida.
1.2 Em francês
A nível lexical, os pronomes clíticos do Francês são semelhantes aos do
Português, na medida em que “ils s'appuient phonologiquement sur un hôte,
contrairement aux mots, et forment avec lui un seul mot prosodique” (Bluijs,
2008: 3).
O que difere realmente entre os dois sistemas linguísticos é a posição dos
clíticos na frase, sendo a proclítica a mais frequente em Francês. Ainda assim,
o paradigma não foi desde sempre este, uma vez que, olhando para a evolução da
língua francesa, como nos propõe Bluijs (2008), no francês arcaico era
gramatical usar os dois contextos, a ênclise e a próclise. Hoje, isso não é
possível. Veja-se o exemplo:
(13) Pierre le lit.
*Pierre lit le.
O único caso na língua francesa em que esta regra não se confirma é nas
construções de imperativo afirmativo, nas quais o pronome se coloca em ênclise,
seguindo o verbo. No caso do imperativo negativo, o clítico volta a ocupar a
posição proclítica: “En français standard, les clitiques apparaissent comme
enclitiques avec les impératifs positifs, mais comme proclitiques avec les
impératifs négatifs” (Miller e Monachesi, 2003, p. 8).
(14) Lis-le!
Ne le lis pas!
Também Miller e Monachesi (2003) salientam que a posição dos clíticos é
definida por princípios sintáticos e morfossintáticos : “le principe de
positionnement des clitiques fait référence à des propriétés syntaxiques
(contiguïté au verbe) et morphosyntaxiques (forme finie, non finie, impérative)
et non prosodiques”.
2. Estudos prévios sobre aquisição da colocação clítica em português L1 e
português LH
São inesgotáveis os estudos experimentais incidentes na competência linguística
de falantes bilingues. O Inglês é claramente uma língua privilegiada neste
aspeto, uma vez que serve de impulso a muitos desses estudos, no entanto o
panorama tem-se alargado, e tem crescido o interesse pela abordagem com base
noutras línguas como o Alemão, o Espanhol e mesmo o Português.
Os falantes de herança, enquanto detentores de um perfil linguístico
particular, só recentemente têm recebido atenção, pelo que há ainda muito por
descobrir relativamente ao seu perfil linguístico. Não obstante, os estudos
vindos a público lançam já algumas conclusões que nos permitem conhecer melhor
o cerne do bilinguismo, nomeadamente do bilinguismo de herança.
2.1. Barbosa e Flores (2011)
Importante para o meu presente estudo é o trabalho de Barbosa e Flores (2011),
cuja metodologia serviu de base a este estudo. O trabalho é centrado justamente
no mesmo tipo de informantes e na mesma propriedade gramatical que analiso. A
sua pesquisa é baseada na competência de falantes de herança de segunda geração
residentes na Alemanha, no que respeita à posição dos clíticos na variedade
europeia do Português. Compara, por isso, a competência do grupo de herança,
constituído por doze elementos com idades compreendidas entre os 7 e os 15
anos, com um grupo de controlo monolingue com o mesmo número de elementos e com
idades semelhantes.
O estudo é desenvolvido com o objetivo de verificar como é que os jovens
emigrantes de segunda geração, que têm o Português como LH e o Alemão como
língua dominante, desenvolvem o conhecimento do sistema clítico português, e se
o fazem de forma semelhante ao grupo monolingue. De forma a tratar os dados com
mais detalhe, foram analisados fatores extralinguísticos como a idade dos
falantes e a exposição formal à LH, uma vez que dentro do grupo havia bastante
variação relativamente ao número de horas de aulas de Português já frequentadas
pelos sujeitos até ao momento da entrevista (entre 0h a 1140h).
O teste, uma tarefa de ordenação de frases, era constituído por 18 frases (16
com clíticos, 4 delas com contextos de ênclise e 12 com elementos
desencadeadores de próclise).
Numa abordagem inicial relativamente à percentagem de acerto dos contextos
proclíticos, verifica-se que o grupo monolingue atinge uma média de 93.1%, ao
passo que o grupo de herança regista uma percentagem de 50%. Dada esta
disparidade significativa de resultados, as autoras partem para uma análise
mais minuciosa, dividindo o grupo de herança por idades e posteriormente por
nível de exposição ao ensino formal.
Com base no fator idade, são constituídos dois subgrupos, falantes mais novos
(7-10 anos) e falantes mais velhos (12-15 anos). Relativamente à produção de
próclise, o sub-grupo de falantes mais novos tem uma percentagem de acerto
significativamente mais baixa do que os falantes mais velhos (26.4% contra
73.6% de acerto, respetivamente), revelando a importância do fator etário na
aquisição da linguagem, sobretudo de uma LH.
Numa segunda etapa, as autoras dividem o grupo dos FH em três subgrupos de
falantes de herança de acordo com o número de horas de frequência do curso
extracurricular de Português Língua de Herança. Relativamente à variável
‘instrução formal', os resultados não revelam diferenças significativas entre
os grupos, o que nos leva a concluir que a exposição ao ensino formal é um
fator com menos peso na aquisição dos padrões de colocação clítica.
Em suma, os FH seguem o mesmo padrão e estratégias de aquisição que os FM,
começando por usar a ênclise em vez da próclise em faixas etárias mais baixas,
mas acabando por adquirir a próclise em idades mais avançadas. No entanto, esse
processo dá-se de forma mais lenta e tardia, uma vez que o grupo de controlo,
com 7 anos, mostra já um conhecimento robusto da cliticização, mas os FH não. O
desempenho distinto dos dois grupos tem, portanto, origem na idade dos falantes
e nas diferentes condições de input a que os FH estão sujeitos, sendo que a
exposição formal parece não ter um impacto muito significativo nos resultados.
2.2. Costa e Lobo (2013)
Costa e Lobo (2013) estudaram a aquisição dos padrões de colocação dos pronomes
clíticos por parte de crianças monolingues do PE. Os autores apontam que, no
início do processo, as crianças portuguesas tendem a produzir elevadas taxas de
omissão, derivadas de uma generalização da construção de objeto nulo (Costa e
Lobo, 2006; 2013). Segundo os autores, esse comportamento linguístico prolonga-
se, nos falantes de Português Europeu (ao contrário de outras línguas
românicas), até idades tardias. Para estudar de forma mais sistemática a
aquisição dos padrões de colocação do clítico, os autores construíram uma
tarefa de produção induzida, aplicada a dois grupos distintos: crianças
portuguesas monolingues em idade pré-escolar e escolar, entre 5 e 6 anos, e um
grupo de controlo constituído por 20 adultos, com idades entre os 19 e os 40
anos. De um conjunto de 36 frases, 12 induziam a produção de ênclise, sendo que
8 eram orações simples e 4 orações coordenadas sem proclisador. As restantes 24
frases induziam respostas proclíticas, com elementos proclisadores
cuidadosamente pensados (4 itens com negação; 4 com sujeitos negativos
‘ninguém'; 4 com sujeitos quantificados ‘todos'; 4 com advérbios ‘já'; 4 com
orações subordinadas completiva; 4 com subordinadas adverbiais causais).
Numa visão geral, verifica-se que os falantes praticamente não usam próclise
quando é requerida a ênclise (99% de acerto em todos os grupos). No entanto,
ocorre o contrário em todos os grupos, isto é, o uso de ênclise em vez de
próclise. Nestes contextos, o grupo de 5 anos atinge 36% de acerto, o grupo de
6 anos regista 53.8% e os adultos respondem acertadamente com uma média de
88.8%.
Dada esta variação, os autores analisaram cada um dos contextos proclíticos,
concluindo que existe uma ordem de aquisição dos distintos contextos de
próclise, sendo a negação a primeira variante a ser adquirida e os sujeitos
quantificados a mais tardia:
“negação > sujeitos negativos + orações completivas > advérbio já>
orações adverbiais > sujeitos quantificados” (Costa e Lobo, 2013:
280,281).
De uma forma geral, o estudo serve para concluir que, com 6 anos, os falantes
já não são suscetíveis à omissão dos clíticos, pelo menos no caso do clítico
se,ainda que a generalização da ênclise se prolongue até idades tardias.
Relativamente ao desenvolvimento díspar entre contextos proclíticos, os autores
encontram resposta na hipótese de que a complexidade e a variação do sistema
atrasa o desenvolvimento. Ou seja, Costa e Lobo (2013) consideram que “quanto
mais simples são os traços sintáticos, mais estável é o sistema num determinado
contexto e mais precoce é a aquisição” (p. 13). As estratégias de aquisição e
as tendências de produção de determinado comportamento não resultam, neste
caso, de variações no input, mas sim de fatores gramaticais e lexicais.
3. O presente estudo
Este estudo, cuja metodologia é de base experimental, é do tipo transversal,
pois é constituído por uma análise comparativa de dois grupos, distintos no que
concerne ao contexto de aquisição do Português. A recolha dos dados de cada
falante foi feita num dado momento apenas, como discriminarei adiante, e a
respetiva decomposição da informação será traduzida em resultados quantitativos
e estatísticos, de forma a auxiliar a compreensão dos dados.
3.1. Os participantes sob investigação
Esta investigação reuniu um total de 36 participantes, com idades compreendidas
entre os 7 e os 12 anos, distribuídos de forma equilibrada entre dois grupos: o
grupo experimental de 18 falantes de herança e o grupo de controlo, que inclui
18 crianças monolingues portuguesas.
3.1.1. Falantes de herança
O grupo de falantes de herança é constituído por 18 falantes com uma média de
idade de 9,33 (Desvio-padrão/DP = 1,50), 9 do sexo masculino e 9 do sexo
feminino.
Dois dos participantes nasceram em Portugal (FH_3 e FH_7), tendo emigrado para
França com cerca de 3 anos de idade, sem terem frequentado o infantário no país
de acolhimento. Os restantes elementos do grupo nasceram em França, em
Champigny-sur-Marne, cidade localizada a cerca de 12 km a leste de Paris, local
onde foram testados. Cinco deles são emigrantes de segunda geração, sendo os
restantes de terceira, uma vez que os avós já se haviam instalado em território
francês e os pais (ou o pai/mãe) cresceram, também eles, em França.
O perfil sociolinguístico destes falantes foi traçado com base num questionário
sociolinguístico. Relativamente à constituição familiar, cinco dos informantes
têm pai e mãe portugueses (FH_3, FH_7, FH_8, FH_9 e FH_18), nascidos em
Portugal, há um caso de família monoparental em que a mãe é portuguesa (FH_2),
e cinco casos em que ambos os pais são luso-franceses, já nascidos em França
sendo esses os informantes emigrantes de terceira geração (FH_10, FH_11, FH_13,
FH_16 e FH_17). Nos restantes sete casos, um dos pais é francês e outro
português. Isto tem implicações relativamente à(s) língua(s) utilizadas no seio
familiar. Em todos os casos o Francês é a língua dominante, sendo a língua de
socialização e interação diária fora de casa. Nestes sete últimos casos
específicos, o contacto com o Português dá-se sobretudo na interação com os
avós, pois estes falantes assumem falar em casa maioritariamente Francês.
Apenas quatro informantes assumem usar maioritariamente o Português em casa
(FH_7, FH_8, FH_9 e FH_18). Os restantes admitem utilizar ambas, ou mais até o
Francês, nos casos em que um dos pais não sabe tão bem Português (FH_1, FH_2,
FH_3, _FH_4, FH_5, FH_11 e FH_14).
Interrogados sobre o(s) domínio(s) do Português em que sentem mais reservas,
foi quase unânime o domínio da produção escrita, no qual registei onze
respostas. Curiosamente, apenas três dizem sentir dificuldades na produção
oral, enquanto a compreensão auditiva e a leitura reúnem cinco registos cada.
Isto comprova o prognóstico de Polinsky e Kagan (2007) que afirmam que os FH
são melhores a ouvir, falar e ler do que a escrever na sua língua de herança.
Um outro fator coincidente no percurso da maioria do grupo é a escolarização em
Português, que não se aplica apenas a dois dos informantes (FH_6 e FH_7), que
planeiam inscrever-se em breve. Dos restantes, quatro frequentam a escola
portuguesa há 1 ano (FH_2, FH_3, FH_4 e FH_14), seis há 2 anos (FH_1, FH_5,
FH_8, FH_9, FH_11 e FH_12), dois há 3 anos (FH_10 e FH_17) e finalmente três
crianças frequentam-na há cerca de 4 anos (FH_13, FH_15 e FH_16). O falante
mais velho (FH_18) diz ter frequentado a escola portuguesa ao longo de 5 anos,
tendo dado por concluído já esse processo.
Tendo em conta que estas aulas decorrem ao longo de 1h30m apenas um dia por
semana, e que a professora tem que recorrer ao Francês em determinadas
circunstâncias durante as aulas, conclui-se que, ainda que seja ótima a escola
portuguesa para que estas crianças mantenham ativo o Português no seu
quotidiano, não é de todo suficiente para desencadear por si só o processo de
aquisição. Desta forma, depreende-se que o pouco contacto que estas crianças
têm com o Português é maioritariamente informal.
3.1.2. Falantes monolingues
O grupo de controlo é constituído também por 18 falantes monolingues, 8 do sexo
feminino e 10 do sexo masculino, numa faixa etária equivalente à dos falantes
de herança (média = 9,22; DP = 1,44).
Todas as crianças residem no distrito de Braga, norte de Portugal, ainda que
algumas sejam de Vila Nova de Famalicão e outras de Vizela. Através de um
questionário sociolinguístico adaptado ao perfil dos falantes, foi possível
apurar que todos os informantes nasceram em Portugal, nunca tendo vivido fora
do país.
Na escola, todos os elementos do grupo de controlo adquirem já o Inglês como
LE, no entanto não a usam fora do contexto formal.
3.2. Metodologia
O método experimental consiste num teste de produção oral com suporte escrito,
apresentado individualmente a cada participante. Os participantes tinham a
tarefa de encarnar uma personagem e organizar as suas falas, de forma a
completar o diálogo entre um menino português e uma menina estrangeira, que
tinha dificuldades em construir frases em Português.
O teste, constituído por 22 frases, foi adaptado do estudo de Barbosa e Flores
(2011), contudo, dada a natureza de colocação clítica do francês, este teste
incluiu mais contextos de ênclise, tendo o mesmo número de frases nos dois
contextos, ênclise e próclise. A tabela 1 apresenta os contextos e respetivas
frases experimentais.
Tabela 1. Contextos e frases experimentais.
____________________________________________________________________________________
|Teste_de_produção_oral____________________________________________________________|
|Frases-despiste |Sim, eu adoro a praia! |
|____________________________________|Eu_também_tenho_fome._________________________|
| |Imperativo afirmativo |Vai lá e pede-lhe desculpa. |
| |__________________________|Procura-o_nos_bolsos_ou_na_bolsa.______________|
| | |Sim, eles assustam-me. |
|Frases | |Eu vi-a ali. |
|com |Orações de sujeito pré-|Sim, a minha mãe colocou-a na bolsa. |
|ênclise |verbal |A minha mãe preparou-nos um belo lanche. |
| | |É verdade, ela prepara-nos lanches deliciosos.|
| | |Eu senti-me muito bem. |
| |__________________________|Está_bem,_eu_levo-a.__________________________|
|_________|Orações_de_sujeito_nulo_|Para_a_próxima_(ø)_trago-os._________________|
| |Negação |Ó que pena, não os vi! |
| |__________________________|Não,_isso_não_me_agrada._____________________|
| |Advérbios aspetuais |Agora já os vi. |
| |__________________________|Talveza_minha_mãe_nos_leve_de_carro_ao_parque.|
|Frases |Orações subordinadas |A bola que me deste é muito pesada. |
|com |relativas |Sim, a pastelaria onde ela as compra é aqui ao|
|próclise|__________________________|lado.__________________________________________|
| |Orações subordinadas |Achas que a magoaste? |
| |completivas_______________|Ela_perguntou_se_eu_te_levava_para_lanchar.____|
| |Quantificadores |Ninguém me oferece um novo. |
|_________|__________________________|Alguém_o_ofereceu_ao_meu_irmão.______________|
Os pronomes clíticos foram selecionados equitativamente a nível de caso, pessoa
e número.
3.3. Questões de investigação
Uma característica crucial do bilinguismo é a convivência de dois sistemas
linguísticos distintos na mente do falante, o que motiva o objetivo central
deste estudo. Neste sentido, pretende-se essencialmente saber se, ao ter que
recorrer a uma das gramáticas, o falante é capaz de inibir a outra, ou se
permite a ocorrência de transferências de um sistema linguístico para o outro.
Sendo assim, este estudo parte de três questões de investigação (QI).
QI1: Os FH seguem o padrão de aquisição dos FM?
Segundo Costa e Lobo (2006), a aquisição nativa do sistema de clíticos no PE
não é uniforme, passando por diferentes fases, começando por uma fase de
omissão em idade pré-escolar que se prolonga até pelo menos até aos 6 anos. De
seguida, há uma tendência para a produção maciça de clíticos que favorece
fortemente o padrão enclítico, mesmo em contextos de próclise. O contexto
proclítico acaba por ser adquirido mais tardiamente, e também de forma faseada,
começando pela negação.
Se o padrão de aquisição dos falantes bilingues luso-franceses se assemelha à
aquisição monolingue, os participantes generalizarão a ênclise, mesmo em
presença de agentes proclisadores, o que por um lado demonstra que é capaz de
inibir a gramática francesa, que generaliza a próclise, e por outro que não
adquiriu ainda completamente esta propriedade gramatical.
QI2: Os FH são suscetíveis à ocorrência de transferência linguística?
Como foi sublinhado, o sistema de clíticos português não coincide com o francês
a nível da colocação dos pronomes clíticos, uma vez que o primeiro tem três
contextos possíveis (ênclise, próclise e mesóclise) e o segundo tem apenas dois
(ênclise e próclise), sendo que os casos de ênclise neste último são muito
restritos
Por isso, se ao longo do teste se verificar que o falante tende em colocar o
clítico antes da forma verbal, mesmo numa construção SVO, esta tendência terá
de ser motivada por transferência linguística, já que na aquisição do PE não
existe a tendência de uso da próclise em vez da ênclise. Esta tendência
comprovaria que os FH, nesta propriedade específica, não seriam capazes de
inibir as regras da gramática dominante, o Francês, aquando da ativação da
gramática de herança. Isto poderá comprovar, além da transferência linguística,
a hipótese da variação linguística que estipula que a construção de uma
gramática diferente por parte do FH é uma consequência do contacto de línguas e
da variação que daí resulta.
QI3: A idade dos falantes influencia o seu desempenho linguístico?
A idade parece ser um dos fatores extralinguísticos mais influentes no processo
de aquisição da linguagem. Muitos autores acreditam que existe uma fase ideal
para aquisição de uma língua nativa, a partir da qual uma língua já não é
adquirida seguindo o percurso de uma língua materna (Bley-Vronman, 1990). Tendo
em conta esta hipótese do período crítico para aquisição das línguas, a faixa
etária analisada neste estudo (7-12 anos) é a considerada fulcral no
desenvolvimento de algumas das propriedades linguísticas mais complexas.
Se o fator etário for, de facto, importante, os falantes mais velhos (9-12
anos) demonstrarão um conhecimento mais estável da cliticização, ao passo que
os mais novos (7-8 anos) revelarão uma taxa de variação mais elevada, tal como
observado por Barbosa e Flores (2011) relativamente aos falantes bilingues
luso-alemães.
Importante será também verificar o desempenho do grupo de controlo,
confirmando, ou não, a proposta de idade de aquisição dos padrões de colocação
dos clíticos em Português L1, avançada por Costa & Lobo (2013).
4. Resultados e tratamento dos dados
Os resultados serão apresentados conforme os dois contextos do teste, os
contextos de ênclise e os de próclise
4.1. Contextos de ênclise
São 10 as construções SVO que requerem a colocação enclítica. Em primeiro
lugar, serão apresentadas as percentagens de acerto do grupo de controlo neste
contexto, justamente para estabelecer um termo de comparação relativamente ao
que é expectável pelo grupo de herança.
O gráfico_1 apresenta a taxa de acerto nos contextos de ênclise dos falantes
monolingues, com indicação das percentagens de troca de ênclise por próclise,
bem como a ocorrência de outro tipo de respostas, nos quais se incluem
omissões, construções frásicas sem sentido e desistências.
Como ilustra a representação gráfica, os resultados atingidos pelo grupo de
controlo nos contextos de ênclise são relativamente altos, perfazendo uma média
de acerto de 82.2%, variando entre 40% e 100% (DP= 19.57).
Existe alguma variação, sobretudo nos falantes mais novos (7-8 anos), cuja
percentagem de acerto varia entre os 40% e os 80% (FM_1 ao FM_6). Os falantes
mais velhos (9-12 anos) apresentam taxas de acerto de ênclise mais elevadas,
variando entre os 80% e os 100%. Seis participantes apresentam 100% de acertos
neste contexto (FM_8, FM_10, FM_14, FM_15, FM_16 e FM_18). Assim, depreende-se
que os falantes mais velhos têm um conhecimento sólido da ênclise, enquanto os
mais novos parecem ainda apresentar um conhecimento instável desta propriedade.
Contrariamente ao que acontece no estudo de Barbosa e Flores (2011), no qual se
verifica que não há permuta do contexto enclítico pelo proclítico nos dois
grupos, a variação tem origem sobretudo em frases como «Sim, eles assustam-me»,
«Eu vi-a ali.» e «A minha mãe colocou-a na bolsa», havendo algumas
substituições por próclise. Contudo, ainda que este comportamento linguístico
seja um pouco surpreendente por parte do grupo de controlo, esta variação
decorre principalmente no desempenho de falantes mais novos, onde há registo de
17 trocas deste tipo, contra 5 registadas por falantes mais velhos.
Concretamente, o grupo monolingue apresenta uma média de 12.2% no que respeita
ao uso de próclise nos contextos de ênclise. Há ainda o registo de uma omissão
do clítico (FM_13), na frase «Procura-o nos bolsos ou na bolsa.», sendo essa a
única ocorrência de omissão no teste de todos os elementos do grupo de
controlo.
O grupo de herança, por sua vez, revela resultados significativamente
distintos, ilustrados no gráfico 2.
A média de acerto neste grupo é de 33.3%, significativamente mais baixa do que
a média do grupo de controlo, com uma variação entre 10% e 60% (DP= 16.8). O
subgrupo mais novo (FH_1 ao FH_7) regista uma taxa de acerto entre os 10% e os
30%, e o subgrupo mais velho acerta entre 10% e 60%, havendo, por isso, muita
variação.
Os falantes com maior percentagem de acerto neste contexto (FH_7, FH_11 e
FH_15) são os participantes que têm mais contacto com o Português no seu
quotidiano. Esse facto explica, com certeza, as taxas de acertos relativamente
mais altas.
Com resultados de 60% encontramos apenas dois falantes (FH_12 e FH_17), que
possuem entre 2 a 3 anos de instrução formal em Português, no entanto assumem
falar apenas Francês em casa, o que, neste caso, relativiza a importância do
fator da exposição informal à LH, parecendo por isso mais decisivo para os
resultados um input formal. Contudo, se a professora assume não abordar este
conteúdo gramatical nas aulas, e se o FH_16, que contabiliza 3 anos de
instrução formal, atinge uns 30% equivalentes à mesma média do FH_14, que tem
apenas 1 ano, e do FH_6, que nem sequer é escolarizado na LH, talvez a
exposição formal à LH não pese da mesma forma como o fator etário, do qual
tratarei posteriormente.
Numa visão geral do teste, além de várias construções agramaticais,
praticamente todos os FH incorrem no erro de uso de próclise em contextos
enclíticos. As frases mais problemáticas neste sentido para o grupo de herança
foram «A minha mãe colocou-a na bolsa.», a par de «Sim, eles assustam-me.» e de
«Eu senti-me muito bem.», nas quais se registaram nove a dez trocas (num total
de 18 casos possíveis) de ênclise por próclise por parte de todos os FH em cada
frase. As frases «Procura-o na bolsa ou nos bolsos.» e «Está bem, eu levo-a.»
foram as que registaram menos hesitações e erros deste tipo. A percentagem
total de substituições de ênclise por próclise ronda uma média de 38.8%, o que
perfaz mais do dobro da mesma variação do grupo monolingue.
No que concerne aos contextos de imperativo afirmativo, verifica-se um
comportamento correto de colocação de ênclise por parte dos falantes de herança
em apenas em 27.8% dos casos na frase «Vai lá e pede-lhe desculpa.». A
substituição de ênclise por próclise ocorre com uma média de 33.3%. Na frase
«Procura-o nos bolsos ou na bolsa.», o desempenho não é melhor, pelo que se
regista 22.2% de acerto da posição enclítica por parte do mesmo grupo, e também
22.2% de substituição por próclise. No entanto, como referirei adiante sobre
esta frase, os falantes poderão ter sentido mais problemas lexicais do que
dúvidas relativas à posição do clítico. Ainda assim, o seu desempenho não
parece sofrer influência do Francês neste caso, uma vez que o imperativo
afirmativo é o único caso do Francês que induz a ênclise. Se os falantes
recorrem mais à próclise neste contexto, isso significa que generalizam esse
posicionamento do clítico.
Com base nestes primeiros dados, podemos afirmar que os FM têm um conhecimento
bem mais estável da cliticização enclítica, ao contrário dos FH que, pela
constante troca de ênclise por próclise, nos levam a prognosticar que são
suscetíveis ao fenómeno de transferência linguística, pois recorrem com
frequência a uma ordem típica da sua língua dominante. No entanto, é também
possível observar que duas das frases onde o grupo de herança regista mais
variação coincidem com as mesmas do grupo de controlo, o que nos permite
concluir que ambos os grupos são suscetíveis a variação nesses contextos.
Para analisar se a diferença entre os grupos de falantes monolingues e falantes
de herança é estatisticamente relevante, recorremos a testes não paramétricos
no programa SPSS[1]. Um teste Mann-Whitney revela que de facto as diferenças
entre o grupo de FM e o grupo de FH são estatisticamente significativas (U
013,000, p< 0.001).
4.2 Contextos de próclise
O gráfico 3 mostra os resultados do grupo de controlo nos contextos de
próclise, representando as médias de acerto, de troca por ênclise e ainda de
outros contextos.
A média de acerto registada pelos falantes nativos no contexto proclítico é de
72.2%, relativamente mais baixa do que a assinalada na ênclise, o que não é
surpreendente, uma vez que a próclise é um contexto mais complexo e de
consolidação mais tardia do que a ênclise (Costa e Lobo, 2013). Para verificar
se as diferenças no desempenho deste grupo em ambas as condições são
significativas, foi aplicado um Teste de Wilcoxon, o qual revela que as
diferenças entre ambas as construções são de facto estatisticamente
significativas (Z =- 2,159, p = 0,031).
As taxas de acerto variam entre 40% e 100%, sendo que há apenas três
informantes, entre os 10 e os 12 anos, que produzem próclise em todos os
contextos proclíticos. Quatro falantes atingem os 90% de uso correto, tendo
estes entre 8 e 11 anos, sendo que os restantes falantes mais novos (FM_1,
FM_2, FM_3, FM_5 e FM_5) não vão além dos 50% de acerto. O desvio-padrão
registado é de 21.57.
A substituição da próclise pela ênclise nestas frases regista-se em maior
número do que nos casos de ênclise, com cerca de 21,6% de ocorrências de troca,
sobretudo nas frases «Ela perguntou se eu te levava para lanchar.», «Não,
alguém o ofereceu ao meu irmão.» e «Sim, a pastelaria onde ela as compra é aqui
ao lado.», nas quais mesmo os falantes mais velhos apresentam algumas
hesitações. Ainda assim, a taxa de variação continua a ser mais elevada no
grupo de falantes mais novos (FM_1 ao FM_6).
O gráfico 4 indica a taxa de desvios nos contextos proclíticos no grupo de
falantes monolingues. Como se pode ver, regista-se maior taxa de erro nas
frases com os quantificadores indefinidos ‘ninguém' e ‘alguém', confirmando,
assim, a observação de Costa e Lobo (2013), que sugerem ser esse o contexto
adquirido mais tardiamente.
O gráfico 5 mostra os resultados do grupo de FH.
A média de acerto do grupo de herança é de 43.9%. Apesar de este valor ser mais
elevado do que a taxa de acertos nos contextos enclíticos, um Teste de Wilcoxon
mostra que as diferenças entre ambas as condições não são estatisticamente
significativas (Z = -1,358, p =0,175), ao contrário do que sucede no grupo FM.
Os resultados variam entre 0% e 90%, revelando muitas dissemelhanças entre os
elementos do grupo. O desvio-padrão é de 29.13.
Duas das crianças, ambas com 8 anos (FH_4 e FH_7), não produziram corretamente
nenhuma frase proclítica, o que estará possivelmente na base do contacto mais
corrente que têm com o Português do que outros informantes, assumindo a ênclise
como posição que é adquirida primeiro na aquisição L1 do PE (Costa & Lobo,
2013).
Da mesma forma, o falante FH_7, que comunica unicamente em Português em casa,
revela uma maior taxa de troca de próclise por ênclise, pois embora perceba
perfeitamente o sentido das frases, assume o padrão enclítico como o correto,
mesmo em presença de elementos proclisadores.
No caso do falante FH_4, a percentagem de erro é proveniente sobretudo de
contextos agramaticais em que o falante ordena as frases de forma completamente
aleatória, provavelmente devido a dificuldades lexicais.
Dos restantes casos, apenas um falante (FH_18), com 12 anos, atingiu os 90% de
acerto. Também este falante admite usar maioritariamente o Português em muitas
situações diárias. O FH_18 apresenta um comportamento distinto do descrito no
FH_4, por exemplo, uma vez que a idade parece, na verdade, intervir na
aquisição desta propriedade. Veja-se o grupo de falantes mais novos (FH_1 ao
FH_7), que não ultrapassa uma percentagem de acerto de 60%, sendo que apenas um
falante atinge esse valor, estando os outros bastante aquém, comparativamente
com o subgrupo mais velho. A média de acerto nos contextos de próclise por
parte dos falantes mais novos é de 20%. Por outro lado, o subgrupo com 9-12
anos (FH_8 ao FH_18) regista percentagens acima dos 30%, com uma média de
acerto de 59%.
É visível, além disso, que o grupo mais novo também produz muitas omissões,
desistências e construções frásicas sem sentido, mostrando que os participantes
não se sentem à vontade com esta propriedade da sua LH. Estas respostas
desviantes mostram ainda que apresentaram dificuldades especialmente na
realização da tarefa, uma vez que produziram respostas absolutamente
impensáveis, que certamente não realizam no quotidiano. É o caso de, por
exemplo, * Onde ela compra é aqui ao lado sim a pastelaria as.
Este grupo também apresenta a troca de próclise por ênclise em frases como
«Sim, a pastelaria onde ela as compra é aqui ao lado.», «Talvez a minha mãe nos
leve de carro ao parque.» e «A bola que me deste é muito pesada.». Em geral,
este tipo de variação ocorreu no grupo de herança com uma média de 23.8%,
resultados significativamente mais baixos do que a troca de ênclise por
próclise por parte do mesmo grupo, o que, uma vez mais, indicia a ocorrência de
transferência linguística no desempenhodestes informantes.
O gráfico 6 mostra as percentagens de produção desviante nas diferentes
condições proclíticas, que consiste em permutas entre próclise e ênclise. Aqui
encontramos diferenças relativamente ao outro grupo.
Ao contrário do grupo de controlo, que apresenta mais dificuldades nas frases
em que o elemento proclisador é um quantificador e menos nos contextos de
negação, o presente grupo apresenta um comportamento um pouco divergente, uma
vez que revela mais variação nas orações subordinadas, particularmente nas
relativas, e menos nas expressões quantificadas. De comum há, por outro lado,
taxas mais diminutas de variação nos contextos de negação que, como Costa e
Lobo (2013) preconizam, é o primeiro contexto de próclise a ser adquirido pelos
falantes L1, e pelos vistos também pelos FH.
Estes valores de variação foram, no entanto, calculados tendo por base apenas
as trocas de próclise por ênclise, pelo que os restantes contextos serão
analisados seguidamente.
4.3. Outros contextos
Dadas as percentagens de variação entre os dois grupos, é insuficiente dizer
que esta se deve unicamente à alternância entre ênclise e próclise. Houve, da
mesma forma, registo de frases com omissões do clítico e desistências.
As permutas entre ênclise e a próclise parecem atestar que alguns falantes
ainda não dominam totalmente esta propriedade gramatical. No entanto, perante a
dúvida da ordem correta das frases, alguns falantes cometeram outro tipo de
erros, como construções frásicas sem sentido ou omissões do clítico.
No que ao grupo de controlo diz respeito, estes erros foram naturalmente menos
frequentes. Ainda assim, numa visão geral, há a ocorrência de 1 omissão, 10
desistências, isto é, os informantes passaram as frases à frente, pois não
sabiam produzir a frase. Dez construções eram agramaticais, provocadas pela
colocação aleatória do clítico. Isto constitui uma percentagem de variação de
5.5% nos contextos de ênclise, sobretudo na frase «Procura-o nos bolsos ou na
bolsa.», e de 6.1% nos contextos de próclise, com mais incidência na frase
«Sim, a pastelaria onde ela as compra é aqui ao lado.». É importante referir
que, uma vez mais, este tipo de variação ocorreu maioritariamente no grupo dos
falantes mais novos (7-8 anos), sendo que no dos mais velhos (9-12 anos) foram
registadas apenas 1 desistência e 1 omissão.
Relativamente aos FH, estes números são claramente mais elevados, perfazendo um
total de 28 omissões, 10 desistências e 70 colocações agramaticais de clíticos,
representando assim uma média de variação de 27.7% na ênclise e 32.2% na
próclise. A taxa de variação destes contextos é mais elevada na faixa etária
mais juvenil. Por um lado, as frases enclíticas em que o registo de variação
está mais patente são «Vai lá e pede-lhe desculpa.» e «Procura-o nos bolsos ou
na bolsa.», sendo esta última coincidente com a frase que causou mais
dificuldades deste tipo ao grupo de controlo. A nível de próclise, as frases
mais problemáticas neste aspeto foram as negativas «Ó que pena, não os vi!» e
«Não, isso não me agrada».
As hesitações dos FH são justificadas por dificuldades lexicais, pois alguns
falantes bilingues desconheciam o significado de vocábulos e expressões como
colocou, pastelaria e ó que pena. Além disso, penso que a frase «Procura-o nos
bolsos ou na bolsa.» terá confundido alguns falantes, pois parecem ter
confundido o clítico ‘o' com a conjunção coordenativa disjuntiva ‘ou', omitindo
o pronome ou produzindo frases como «*Procura ou nos bolsos o na bolsa.».
No caso das frases negativas, a repetição do advérbio de negação «Não, isso não
me agrada.» parece também ter sido problemática e estimulado maior percentagem
de erro.
Relativamente aos clíticos colocados aleatoriamente na frase, esse foi um dos
principais motivos de erro verificado neste teste, sendo curiosa a tendência
de, na dúvida, colocar o clítico no início ou no fim da frase, ou mesmo de
utilizar uma estrutura de redobro do clítico como em «*A minha mãe a colocou-
a na bolsa.». Isto acontece principalmente no desempenho dos falantes mais
novos, não só bilingues, mas também monolingues, o que nos remete para a
importância de uma análise por grupos etários. Apesar de serem nítidas as
diferenças entre os dois grupos investigados, é importante considerar não só a
performance, mas também os fatores extralinguísticos. A fim de analisar esse
tipo de influência, segue-se uma secção dedicada ao fator etário e à natureza
do input, respetivamente, especialmente direcionadas para o grupo de herança.
4.4. Idade
Como disse, ambos os grupos sob investigação estão numa faixa etária
equivalente, compreendida entre os 7 e os 12 anos, escolhida propositadamente,
já que é uma faixa etária considerada capital não só no desenvolvimento
linguístico, como na sua perda (Flores, 2010). Nesta linha de pensamento, esta
secção é pertinente, uma vez que nos permitirá discernir se os resultados dos
falantes mais velhos são de alguma forma mais positivos, determinando assim que
a idade é um fator importante na aquisição de certas competências por parte dos
falantes de herança.
A fim de comparar o efeito do fator idade, ambos os grupos foram divididos em
dois subgrupos, falantes mais novos (7-8 anos) e falantes mais velhos (9-12
anos).
No grupo monolingue, o primeiro subgrupo é constituído pelos falantes FM_1 ao
FM_6, e o segundo subgrupo tem na sua constituição os restantes FM_7 ao FM_18.
Os resultados referentes a este grupo são apresentados no gráfico 7. Para a
comparação estatística dos resultados obtidos pelos subgrupos, optei novamente
por correr Testes Mann-Whitney, agora com Correção de Bonferroni, uma vez que
foi necessário comparar 4 subgrupos. Assim, o ponto de corte do valor ppassou a
ser de 0,013.
O gráfico 7 mostra que as médias de acerto no segundo subgrupo são visivelmente
mais elevadas do que as do primeiro. É de igual modo manifesto um
desenvolvimento mais positivo nos contextos enclíticos em ambos os subgrupos, o
que prova que, para os falantes monolingues, a ênclise é um contexto menos
complexo. Ainda assim, os dados revelam também algum desenvolvimento do
primeiro subgrupo para o segundo, o que comprova que entre os 7 e os 12 anos,
as crianças portuguesas ainda se encontram a desenvolver o seu conhecimento dos
contextos que requerem a próclise. Dois Testes Mann-Whitney comprovam que a
diferença entre os falantes monolingues mais novos e os mais velhos é muito
significativa no caso da ênclise (U =12,000, p =0,009), mas fica acima do ponto
de corte no caso da próclise (U =17,500, p= 0,039).
Por sua vez, também o grupo de herança foi dividido com base nos mesmos
critérios, tendo o grupo de falantes mais novos sete falantes (FH_1 a FH_7), e
o grupo de falantes mais velhos os restantes (FH_8 a FH_18). O gráfico 8 agora
apresentado ilustra justamente esta divisão de resultados, com base nas médias
percentuais de acerto de cada informante testado.
É muito interessante verificar que a diferença entre os dois subgrupos no caso
da ênclise não é estatisticamente significativa (U =18,500, p= 0,064), ao
contrário do que observamos no grupo de FM mais novos. Pelo contrário, nos
contextos de próclise, o desempenho do grupo de FH mais velhos é
significativamente superior ao dos mais novos (U = 8,500, p= 0,006). Estes
resultados mostram que, no caso das crianças bilingues, o desenvolvimento dos
seus conhecimentos de próclise é muito mais acentuado que o conhecimento da
ênclise.
Ainda que sejam percentagens abaixo dos resultados monolingues, podemos
comprovar que os resultados dos FH a partir dos 9 anos são mais elevados do que
os resultados dos falantes com 7 e 8 anos, quer na ênclise, quer na próclise.
No entanto, olhando para as percentagens de acerto de ambos os contextos no
desempenho dos falantes mais velhos, é percetível um melhor desempenho na
próclise do que na ênclise, o que não é surpreendente se associarmos esse
desempenho à ocorrência de transferência linguística procedente do Francês,
língua dominante dos FH. Ainda que pareçam seguir o mesmo padrão de aquisição
que o grupo monolingue, à medida que vão adquirindo os contextos de próclise,
nos FH essa aquisição parece ser reforçada pelo padrão do sistema de clíticos
do Francês, onde a próclise é claramente dominante. Neste sentido, encontramos
casos de transferência numa estrutura linguística comum entre os dois sistemas
linguísticos.
De facto a comparação estatística entre os subgrupos de FM e FH mostra que
estes subgrupos apenas não diferem significativamente no caso dos falantes mais
velhos no contexto proclítico (U = 20,000, p= 0,024), ou seja, com o avançar da
idade, na próclise, os falantes de herança conseguem atingir um desempenho
muito próximo dos falantes monolingues.
No entanto, os falantes mais novos comportam-se de maneira antagónica,
apresentando uma taxa de acerto ligeiramente mais elevada na ênclise, o que
sugere que em estádios iniciais de aquisição da colocação clítica, os FH seguem
o mesmo padrão que os FM. Assim sendo, embora os níveis de transferência
linguística não sejam tão acentuados, os contextos de próclise vão sendo
gradualmente adquiridos, tal como no processo de aquisição monolingue, ainda
que de forma mais morosa.
Nos contextos de ênclise o desempenho dos falantes também melhora com a idade,
ainda que não tão nitidamente como na próclise. Isto significa que parece haver
influência positiva no caso da próclise e influência negativa no caso da
ênclise. Este comportamento é distinto entre FM e FH, uma vez que nos FM mais
velhos o desempenho nos contextos ênclise é melhor do que nos de próclise, e
nos FH passa-se o contrário.
Em suma, após esta análise, é possível afirmar que o fator etário tem um papel
importante na competência dos falantes, quer monolingues, quer bilingues, na
medida em que um falante bilingue ou monolingue com 12 anos parece ter já um
conhecimento relativamente estabilizado do sistema de clíticos de PE.
4.5. Exposição à língua de herança
Se tivesse em conta o uso diário doméstico que os FH fazem da LH, bem como o
número de horas de escolarização em Português até ao momento da entrevista,
teria que separar o grupo em dois, sendo a sua distribuição bastante desigual,
uma vez que apenas 4 falantes (FH_7, FH_8, FH_9 e FH_18) pertenceriam ao grupo
com mais input, visto que são os únicos que dizem falar exclusivamente a LH no
seio familiar, e três deles têm ou tiveram entre 2 a 5 anos de exposição
formal.
Na sequência dessa dificuldade de subdividir o grupo de herança com base nas
condições de input que recebem, e após uma breve análise de casos pontuais,
concluí que a instrução formal parece não ter muito peso sem o suporte do
contacto naturalístico, como comprovam os seguintes casos:
• Os falantes FH_1, FH_2 FH_4, com 7 e 8 anos, apesar de terem entre 1 a 2 anos
de contacto com a LH na escola, revelam resultados pouco positivos, que variam
entre 0% e 30% na ênclise e na próclise, advindos provavelmente do escasso
contacto que têm com o Português em casa, pois usam apenas o Francês;
• O FH_5, com 8 anos, por sua vez, contabiliza também 2 anos de instrução
formal até ao momento da entrevista, mas revela resultados mais positivos (30%
na ênclise e 60% na próclise), pois além de ter mãe francesa e pai português,
usando um pouco a LH em casa, tem uma irmã mais velha, que também frequenta a
escola portuguesa, pelo que isso estimula a comunicação entre as duas na LH;
• O FH_6, com 8 anos, assume nunca ter frequentado a escola portuguesa, no
entanto, sendo filho de mãe francesa e pai português, e estando o avô paterno
presente no agregado familiar, convive diariamente com as duas línguas, o que
creio que o terá ajudado na produção do teste, com 30% de acerto na ênclise e
40% na próclise;
• Os falantes FH_10, FH_13 e FH_16, com 10 e 11 anos, apesar de terem um número
de horas de aulas que varia entre 149h e 198h, 3 e 4 anos respetivamente,
atingem resultados que não passam além de 30% na produção enclítica, o que se
justifica com o baixo contacto naturalístico com a LH, uma vez que estes
informantes assumem falar apenas Francês com a família;
• O mesmo não se passa com o FH_14, de 10 anos, que tem 50h de instrução formal
(1 ano), e assume usar ambas as línguas em casa, conseguindo uma percentagem de
acerto de 30% em contextos enclíticos e 70% em contextos proclíticos.
Como vemos, este é um critério menos uniforme, que não me permite portanto
tirar ilações de forma tão categórica como acontece com o fator etário. Ainda
assim, é óbvio que ter o estímulo do contacto formal com a LH é mais benéfico
do que não ter estímulo algum. Contudo, esse não é um fator que vá alterar em
grande medida os resultados, tendo, a meu ver, mais importância o contacto
doméstico, até porque, como mencionei anteriormente, a colocação do pronome
clítico não é um conteúdo abordado pelo plano curricular das aulas de Português
destes falantes.
4.6. Comparação entre falantes de herança luso-franceses e falantes de herança
luso-alemães
De uma forma geral, fazendo uma abordagem comparativa entre o presente estudo e
o de Barbosa e Flores (2011) anteriormente referido, podemos sintetizar aspetos
comuns e aspetos dissemelhantes, sendo no entanto mais nítidas as similaridades
do que os contrastes entre os dois grupos de falantes de herança.
Os FH lusodescendentes residentes na Alemanha do estudo de Barbosa e Flores
(2011) têm em comum com os luso-franceses do meu estudo um nível de
proficiência distinto dos FM compreendidos na mesma faixa etária, ainda que a
faixa etária analisada pelas autoras seja um pouco mais abrangente, uma vez que
os falantes mais velhos têm até 15 anos.
Quanto à próclise, contexto ao qual dedicaram mais atenção, os FM do seu estudo
atingem 93% de acerto, ao passo que os analisados aqui atingem 72%, um
resultado relativamente mais baixo. Os FH, por sua vez, têm resultados mais
aproximados, sendo que os luso-alemães contabilizam 50% de acerto e os
franceses perfazem uma média de 43.8%.
Por outro lado, os FH alemães empregam a ênclise em contextos de próclise,
sendo que o inverso não se verifica. Este comportamento estará na base do facto
de o Alemão ser uma língua sem clíticos, o que não permite que os falantes
estabeleçam um termo de comparação entre sistemas linguísticos. Acabam por
adquirir esta propriedade gramatical partindo do zero, o que não se passa com
os franceses, que usam ênclise nos contextos de próclise, mas também fazem o
inverso, facto que advém da influência da língua dominante.
Ainda no mesmo estudo, as autoras comentam a importância do fator etário, que
parece ser decisivo, na medida em que os FH que têm entre 7 e 10 anos de idade
revelam uma percentagem de acertos na próclise significativamente menor (26.4%)
do que a dos falantes com idades entre os 12 e os 15 anos (73.6%), o que também
se verifica na minha análise. Ainda assim, as médias que obtive são mais baixas
de parte a parte, uma vez que os FH mais novos atingiram uma média de 20%,
enquanto os mais velhos acertam em 59% dos casos.
Finalmente, no que concerne à instrução formal, este parece ser o fator com
menos impacto significativo no desempenho dos falantes de ambos os estudos, uma
vez que os falantes alemães com menos input formal têm um melhor desempenho
linguístico que outros colegas com mais horas de aulas contabilizadas. No
presente estudo decorre exatamente o mesmo, sendo que a análise do desempenho
individual dos falantes segundo esse fator não é clara nem uniforme.
5. Discussão e conclusão
Os dados empíricos obtidos permitem agora tecer algumas considerações que
respondem ao objetivo primário da minha análise, cujos resultados quantitativos
se encontram compactados na seguinte tabela.
Tabela 2. Condensação dos resultados obtidos pelos dois grupos sob análise.
______________________________________________________________________
|__________________________________________________________|FM___|FH___|
| |Média_de_acerto________________|82.2%|33.3%|
|Ênclise |Troca_ênclise_–_próclise____|12.2%|38.8%|
|_________________________|Média_de_erro_(outros_contextos|5.5%_|27.7%|
| |Média_de_acerto________________|72.2%|43.8%|
|Próclise |Troca_próclise_–_ênclise____|21.6%|23.8%|
|_________________________|Média_de_erro_(outros_contextos|6.1%_|31.1%|
| |7-8 anos |Ênclise______________|70%__|24.3%|
|Média de acerto por idad|_________|Próclise_____________|62.2%|20%__|
| |9-12 anos|Ênclise______________|94.4%|39%__|
|_________________________|_________|Próclise_____________|82.2%|59%__|
De forma sumária, verifica-se que as médias de acerto do grupo de controlo são,
em todos os casos, superiores, com mais destaque no contexto de ênclise. Embora
ambos os grupos incorram no erro de troca entre contextos enclíticos e
proclíticos, os FH apresentam mais variação nesse aspeto, sobretudo nas frases
enclíticas, em que usam a próclise com mais frequência. No contexto proclítico,
as médias de troca entre os dois grupos são até bastante aproximadas. No que
respeita a outros contextos, a média de erro dos FH é naturalmente mais
notória, traduzindo-se, na maioria dos casos, em dificuldades lexicais,
omissões e desistências. Relativamente às médias de acerto por idade, são
visíveis resultados mais proficientes no grupo mais velho, quer monolingue,
quer bilingue, sendo que os resultados monolingues são proporcionais, na medida
em que, tanto o grupo mais novo como o mais velho acertam mais na ênclise do
que na próclise. Pelo contrário, no grupo de herança, os falantes mais novos
apresentam menos dificuldades na ênclise e o grupo mais velho na próclise.
Após um apanhado geral dos resultados, podemos, neste momento, responder às
questões de investigação colocadas anteriormente.
QI1: Os FH seguem o padrão de aquisição dos FM?
Em primeiro lugar, verifica-se que há taxas de omissão mais elevadas no grupo
dos FH do que no grupo monolingue, o que se assume como dificuldade na tarefa.
Além de dificuldades de cariz lexical, acredita-se que os FH, perante a dúvida
quanto à posição correta do clítico na frase, omitiam-no com medo de errar.
Relativamente ao favorecimento de ênclise como comportamento tipicamente
monolingue, mesmo em contextos em que é induzida a próclise, podemos dizer que
esta estratégia de aquisição parece ocorrer também no desempenho do grupo de
herança, mas não com resultados equitativos aos do grupo de controlo. Os FM
fazem mais trocas de próclise por ênclise (21.6%) do que o contrário, ou seja,
recorrem mais à ênclise. Os FH, apesar de incorrerem nessa troca também, têm
uma média de permuta de ênclise por próclise maior (38.8%), recorrendo mais à
próclise, o que nos remete para casos de transferência linguística, uma vez que
no Francês a próclise é o padrão predominante.
Ainda assim, faz sentido dizermos que os FH seguem um percurso de aquisição
semelhante aos FM, pelo menos em estádios iniciais de aquisição, uma vez que os
falantes de herança mais novos (7-8 anos) parecem acertar mais na ênclise do
que na próclise, tal como os FM. Isto é um sinal de que, até determinada idade,
a aquisição é feita justamente nos mesmos moldes. Contudo, a presença do
Francês vem alterar um pouco esse paradigma, pois à medida que vão aprendendo
os contextos de próclise, os FH vão demonstrando mais efeitos de transferência
linguística. Este efeito mais visível de transferência poderá dever-se ao facto
de a próclise ser uma estrutura comum aos dois sistemas linguísticos do
falante. Estamos, por isso, na presença de reforço de uso de uma propriedade
também existente na língua dominante. Além disso, como apontam Costa e Lobo
(2013), alguns contextos de próclise são adquiridos mais cedo do que outros por
parte de ambos os grupos, ainda que a aquisição do grupo de herança se
desenvolva de forma mais lenta e tardia. Isto confirma ainda que a pobreza de
estímulo atrasa o processo de aquisição, mas não o impede.
QI2: Os FH são suscetíveis à ocorrência de transferência linguística?
Como foi dito anteriormente, os FH incorrem mais nas trocas de ênclise por
próclise do que o contrário, o que tem na sua origem um fenómeno de
transferência linguística. Isto comprova que os FH, nesta propriedade
específica, não são capazes de inibir as regras da gramática dominante aquando
do uso da gramática de herança.
QI3: A idade dos falantes influencia o seu desempenho linguístico?
Nitidamente sim, o fator etário tem um papel de relevo no desempenho
linguístico dos falantes, não só nos monolingues, mas sobretudo nos bilingues.
Os FH mais novos comportam-se de maneira um pouco diferente do grupo mais
velho, no sentido de que apresentam percentagens de acerto mais elevadas na
ênclise do que na próclise, demonstrando que há um desenvolvimento
significativo de um grupo para o outro. Os falantes mais velhos apresentam
taxas de acerto mais elevadas do que o primeiro grupo, quer na ênclise, quer na
próclise, o que atesta que a idade é aliada de uma proficiência com mais
sucesso. No mesmo sentido apontam os resultados dos FM, cujas diferenças das
taxas de acerto entre faixas etárias são também bastante evidentes, sendo
demonstrado um conhecimento mais estável desta competência pelos falantes mais
velhos, e com mais variação por parte do outro grupo.
Em suma, a exploração desta área linguística foi, pessoalmente, de extremo
interesse. Creio que esta análise poderá ter revelado bastante sobre a mente
dos falantes bilingues, que é bem mais complexa do que aquilo que qualquer
estudo possa demonstrar. Confirmou-se que a inibição de um sistema linguístico
aquando do uso de outro mais estável pode efetivamente ser um processo difícil,
sobretudo quando os diferentes sistemas linguísticos que convivem na mente dos
falantes têm a mesma propriedade gramatical mas com regras distintas.
Mais do que procurar respostas sobre o mundo do bilinguismo de herança e os
processos biológicos a ele inerentes que me pudessem valer conclusões
inovadoras, procurei essencialmente aprender, equacionando conceitos e teorias
sobre as quais tinha um conhecimento limitado. Tentei, por isso mesmo,
conciliar a teoria estudada com a prática experimental que desenvolvi, o que,
confesso, sinto que enriqueceu indescritivelmente o meu conhecimento sobre esta
área. Esta experiência talvez me venha a estimular e abrir pistas de trabalho
para projetos futuros, como por exemplo um estudo experimental da mesma estirpe
com falantes de uma língua segunda.