Naturalezas en Conflicto: Conservación Ambiental y Enfrentamiento Social en el
Parque Natural Cabo de Gata-Níjar
José Antonio Cortéz Vázquez, Naturalezas en Conflicto: Conservación Ambiental y
Enfrentamiento Social en el Parque Natural Cabo de Gata-Níjar, Valência,
Germania, 2012, 323 páginas, ISBN: 978-84-15660-29-3.
Humberto Martins
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Centro em Rede de Investigação em
Antropologia, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Portugal,
humbmsm@yahoo.com
Cortéz Vázquez apresenta neste livro os resultados de um estudo sobre o Parque
Natural Cabo de Gata-Níjar (PNGN) na Andaluzia (Espanha). Por um lado, tenta
captar os impactos sociais (e naturais) de uma política de conservacionismo
cultural e natural que tem sido implementada pela administração ambiental
andaluza nas últimas décadas, e, por outro, o modo como as populações humanas
têm interagido no território ao longo do tempo com os elementos (recursos)
agora patrimonializados. O livro dá especial relevo às medidas proibitivas e
regulatórias com o objetivo de garantir usos respeitosos do meio ambiente e
suas implicações (materiais e simbólicas) sobre diferentes grupos sociais, em
particular aqueles que sempre têm vivido no PNGN, não esquecendo uma retórica
ambientalista (verde) mais global que tem ajudado à própria redefinição da
natureza e do mundo. O autor reconhece que, na Andaluzia, a política de áreas
protegidas tem gerado disputas e conflitos que resultam de posições e
interesses antagónicos de diferentes grupos sociais relativamente às mesmas '
análise que é extensível a todas as áreas protegidas criadas em territórios
humanamente construídos ou reconhecidos.
Na verdade, o estudo de caso apresentado visa refletir sobre a política
ambiental andaluza em termos mais globais da gestão (e patrimonialização) de
valores culturais e naturais, não descurando, todavia, uma análise de
profundidade histórica que faz explicar a paisagem, a natureza e o território
por via das diferentes ocupações e usos humanos. Assumindo uma base
etnográfica, a investigação aborda conflitos e perceções diferenciadas do
ambiente/áreas protegidas, tendo como referência os diversos usos e
apropriações dos recursos do Parque Natural por grupos sociais com interesses e
objetivos distintos. Numa perspetiva diacrónica procura averiguar diferentes
etapas do desenvolvimento económico e social do PNGN e da sua área envolvente,
considerando histórias diferenciadas dos stakeholders locais e as próprias
dinâmicas inerentes às transformações das representações, perceções e práticas
face ao ambiente.
Cortéz Vázquez desenvolve a ideia de que a natureza e a paisagem se apresentam
como valores (referentes) social e culturalmente construídos, que não só
determinam usos dos recursos e atividades mas também o modo como o território
(o espaço social) é entendido. Em particular, fala sobre as populações locais
(agricultores, pescadores, pastores) que têm vivido e desenvolvido atividades
no PNGN e abre a reflexão sobre memória e identidade, reconhecendo dimensões
sociais e culturais como cruciais para o entendimento da relação dos indivíduos
humanos com o seu meio envolvente (natural, que também é, neste sentido,
cultural) e da perceção dela resultante. Esta relação entre o vivido
(histórico) e o percebido (presente-representacional) joga-se no âmbito de
contingências sociopolíticas que o autor reconhece. Os discursos (em torno de
práticas e representações) produzidos sobre o ambiente e a paisagem surgem-nos
assim como dependentes de experiências concretas (micro), mas também de
influências políticas e culturais mais vastas (macro) que informam a vida dos
grupos sociais. É nesta produção diversificada e historicamente contingente que
Cortéz Vázquez situa a compreensão das estratégias dos atores e dos grupos
sociais com vista ao futuro das suas práticas e representações face às áreas
protegidas, em geral, e ao PNGN, em particular. Ou seja, a criação do PNGN ou
de áreas protegidas tem de ser vista como geradora de novas predisposições face
aos próprios recursos (onde se incluem os humanos).
Do ponto de vista teórico, o argumento parte de debates antropológicos
prementes sobre a construção sociocultural da natureza (e a recusa da clássica
dicotomia sociedade-natureza) e o ambiente como discurso, abordando,
igualmente, dimensões do desenvolvimento ligado ao turismo e, em particular, ao
ecoturismo ou turismo étnico (com base num maior envolvimento das comunidades
locais), conhecimentos e saberes locais ou indígenas, ecologia política (a
consideração do acesso, gestão e utilização dos recursos naturais numa
perspetiva global com referência ao modo como localmente os recursos naturais
são geridos e utilizados sob pressão dos grandes interesses económicos
mundiais). Isto é, inscreve a produção do discurso e das práticas sobre o
ambiente numa escala que também torna as populações locais produtoras criativas
dos mesmos. A proposta estende o seu alcance para além das perspetivas
construtivistas, enfatizando uma dimensão diacrónica de análise (ecologia
histórica) que torna a perceção do ambiente dependente de uma história das
próprias ideias sobre o ambiente, das relações e interações das populações com
o meio ambiente e de estruturas sociais e dinâmicas sociais mais vastas. Ou
seja, situa as práticas e os discursos sobre a natureza, paisagem e ambiente
nas próprias condições históricas de produção daquelas.
Cortéz Vázquez explora o pressuposto de que as áreas protegidas são dinâmicas e
não são apenas áreas de natureza, ou, dito de outra forma, que as populações
humanas que nelas têm vivido são constituintes imprescindíveis a ter em conta
para a sua compreensão integrada. Por outro lado, reconhece a inevitabilidade
dos conflitos que resultam de perceções, discursos (representações), relações e
interações (práticas) distintos face aos restantes coelementos dos
ecossistemas. Por outras palavras, estes elementos são moldados por políticas
económicas, culturais, ambientais e de desenvolvimento, nas quais se inclui o
turismo.
O texto recenseia um conjunto considerável de fontes muito atualizadas,
convocando não só a antropologia, mas, igualmente, áreas das ciências naturais
que nos permitem conhecer muito pormenorizadamente a biodiversidade do PNGN. Do
ponto de vista metodológico, os treze meses intervalados de trabalho de campo,
entre 2005-2008, permitiram ao investigador uma metodologia circular, como o
próprio denomina, facilitando intercalar e complementar revisões bibliográficas
com novos dados, que correspondiam à própria necessidade de captar uma
realidade dinâmica e em transformação constante. Esta é também uma etnografia
multilocal (com base em três núcleos populacionais) que visa igualmente o
conhecimento e reconhecimento de diferentes atores, grupos e atividades/
práticas que se desenvolvem no PNGN (diferentes tipos de turismo, agricultura,
pastorícia). Esta abrangência é reconhecida, ainda, na atenção às diferentes
formas como as populações humanas foram apropriando os espaços e os seus
recursos ao longo do tempo, processo que culmina presentemente num relativo
abandono de áreas anteriormente exploradas para fins agropastoris,
paralelamente à reinvenção turística das mesmas.
Em suma, o livro contribui para a necessária desconstrução de consensos sobre
áreas protegidas, em particular aqueles produzidos por discursos ambientalistas
oriundos da biologia, que tendem a negligenciar o papel ativo e produtor dos
humanos na natureza e na paisagem ' as abordagens biocêntricas/ecocêntricas. É
de destacar, neste sentido, uma perspetiva que faz reconhecer o caráter
transformativo e dinâmico do território ' os espaços têm história ' e dos
agentes sociais envolvidos. O livro revela-se, assim, como um contributo
relevante para a antropologia ambiental e o estudo das áreas protegidas
(abordando um contexto europeu que, de alguma forma, tem sido esquecido),
podendo ser igualmente apreciado pelos conhecimentos gerados na ótica dos
gestores e stakeholders do PNGN na Andaluzia; importa, neste sentido, valorizar
a sua dimensão de aplicabilidade e transdisciplinaridade (em especial, na
receção e difusão), servindo o propósito de, através de uma abordagem
etnográfica, fazer redescobrir diversidades e pluralidades de pontos de vista
que desde a ordem normativa se afiguram inacessíveis. No âmbito dos estudos
sobre relações entre indivíduos humanos e indivíduos não humanos, as
perspetivas antropológicas são, cada vez mais, necessárias como forma de
reconhecer a inevitável humanidade da wilderness das áreas protegidas.