As primeiras mulheres repórteres: Portugal nos anos 60 e 70
Ventura, Isabel (2012), As primeiras mulheres repórteres. Portugal nos anos 60
e 70, Lisboa, Tinta da China, 206 páginas.
Teresa Alvarez
CEMRI/Universidade Aberta, Portugal
Este livro de Isabel Ventura tem por base a tese que defendeu no Mestrado em
Estudos sobre as Mulheres, na Universidade Aberta, sobre seis mulheres
jornalistas, da imprensa escrita, que iniciaram a sua atividade profissional no
início de 1960: Alice Vieira, Edite Soeiro, Diana Andringa, Leonor Pinhão,
Maria Antónia Palla e Maria Teresa Horta. Porquê estas jornalistas e não
outras? Foram estes os nomes que, em entrevistas exploratórias realizadas pela
autora a um conjunto de jornalistas que exerciam a sua atividade nas décadas de
1960 e 1970, foram unanimemente identificados como "casos paradigmáticos
do jornalismo português " deste período (p. 30).
No Prefácio, Fernando Alves evidencia os dois elementos de contextualização da
atividade destas seis mulheres, privilegiados por Isabel Ventura: o regime
político que vigorava no país e suas repercussões na atividade jornalística,
por um lado, e a cultura androcêntrica, e frequentemente sexista, que configura
os contextos, os ambientes de trabalho e as práticas profissionais do
jornalismo no mesmo período. As duas situações são vivenciadas, recordadas e
narradas de formas diversas, em alguns momentos, e inequivocamente
convergentes, em muitos outros, por estas seis jornalistas, conferindo ao
percurso profissional de todas elas, como de tantas outras mulheres em outros
contextos profissionais, o denominador comum de luta redobrada, como refere
Fernando Alves, tendo todas elas "conquistado o seu lugar num
"território de homens", num tempo de opressão " (p. 12).
Na explicação da escolha do período em análise, Isabel Ventura refere o aumento
da percentagem de mulheres jornalistas sindicalizadas entre 1960 (2%) e o
início de 1980 (10%). Para explicar este crescimento, mas também a lentidão da
mudança que ele representa, a autora parte da problemática da relação entre o
regime político do Estado Novo e as condições que pautam o jornalismo da
imprensa escrita, no mesmo período, centrando-se depois nos fatores que, na sua
opinião, são exemplificativos desses mesmos condicionalismos: a legislação em
vigor, legitimadora da subordinação das mulheres ao poder masculino (pai e
marido), a educação, que sustentava a ideologia do pater famílias, a censura e
os seus efeitos no funcionamento das redações, na produção jornalística e no
"ritual de espera dos veredictos dos censores" (p. 178) e, por fim,
a guerra colonial e os movimentos de apoio que a mesma suscitou. A par deste
cenário, a autora vai passando em revista um outro, o da resistência ao Estado
Novo, ao longo da década de 60 e, em especial, durante a Primavera Marcelista,
percorrendo alguns dos acontecimentos que exemplificam a contestação ao regime:
a publicação de Novas Cartas Portuguesas e seu impacto político e mediático, as
eleições de 1958 e a candidatura de Humberto Delgado, a agitação académica como
reflexo dos movimentos de contestação de Maio de 68 e a atuação das primeiras
Organizações Não Governamentais de Mulheres por altura das eleições de 1969.
O mundo do jornalismo é, por sua vez, apresentado através da atuação da censura
na imprensa escrita e das suas repercussões nas práticas jornalísticas, bem
como das alterações que se vão operando na produção jornalística neste mesmo
período. Evidenciam-se o papel dos novos grupos económicos detentores dos
principais jornais, que trazem consigo "novas lógicas comerciais e
editoriais" (p. 20), os novos critérios de recrutamento profissional e a
entrada nas redações de jovens escritores/as e de estudantes universitários/as
que vão modificando a constituição das equipas de redação, traduzindo-se, entre
outros aspetos, em níveis mais elevados de qualificação académica.
Foi neste "início da rutura com o estatuto de caixa de ressonância"
(p. 177), que carateriza os jornais portugueses, que as seis jornalistas
entrevistadas por Isabel Ventura iniciaram a sua atividade profissional e foi
ao longo destas duas décadas que todas se afirmaram no mundo do jornalismo.
Assim, na revisitação deste período, a autora conduz-nos através de dois fios
condutores:
' A preocupação por demonstrar o carácter estruturante das
representações sociais de género na ideologia do Estado Novo, por um
lado, e na cultura e organização do trabalho das redações dos jornais
diários portugueses, que condicionam significativamente o lugar
ocupado pelas mulheres jornalistas, por ouro lado.
' O espaço dado pela autora, de forma regular e quase sistemática, às
vozes das seis jornalistas, revelando-nos o modo como cada uma
vivenciou situações concretas no âmbito dos fenómenos e dos
acontecimentos que a autora privilegiou. Pelas narrativas destas
jornalistas, a autora evidencia igualmente o lugar epistemológico e
metodológico que as fontes orais têm, hoje, no quadro dos Estudos
sobre as Mulheres e dos Estudos de Género.
No último capítulo, a autora apresenta-nos um "breve perfil" de
cada uma das seis jornalistas, confirmando o que, ao longo da obra, se foi
revelando como marcas fundamentais de todas elas: a sua afirmação no jornalismo
generalista e não temático, a escolha da profissão de jornalista onde constroem
a sua carreira, o reconhecimento profissional obtido junto do seus pares, o
exercício de cargos de chefia, a atividade de denúncia do regime
"chamando a si causas que lhes eram caras" (p. 21), a relação com o
feminismo e, ainda, o envolvimento, mais ou menos direto, em muitos dos
acontecimentos revisitados pela autora.
Pelo livro de Isabel Ventura compreendemos a dimensão histórica da vida e da
ação das diferentes gerações de mulheres e do modo como elas tecem um mesmo
percurso de emancipação, de liberdade individual e de construção da igualdade
social.