Ésteres triterpênicos de Himatanthus sucuuba (Spruce) Woodson
INTRODUÇÃO
Himatanthus sucuuba (Spruce) Woodson (Apocynaceae) é uma planta conhecida na
região norte do Brasil como sucuuba, janaguba ou sucuba. Esta planta é
amplamente utilizada na medicina popular como antitumoral, antifúngica,
vermífuga e anti-anêmica1.
Estudos anteriores revelaram a presença de depsídeos, terpenos e iridóides em
H.sucuuba2,3. Dentre os iridóides foram encontrados a fulvoplumierina,
isoplumericina e plumericina, de comprovada ação antineoplásica, antiflogística
e antimicrobiana4-10. Os depsídeos isolados de H.sucuuba apresentaram atividade
como inibidores da enzima beta monoamino-oxidase (MAO-B)3. No entanto, como
foram encontrados nas cascas podem não ser provenientes da planta e sim de
líquens infestantes.
No presente trabalho são descritos os resultados do estudo fitoquímico do
extrato hexânico das cascas do caule de H.sucuuba. Este extrato é constituído
basicamente por uma mistura de ésteres triterpênicos, que corresponde
aproximadamente a 7% do peso do extrato. Estes ésteres triterpênicos já foram
descritos no gênero Himatanthus11,12. A atividade fungicida apresentada pelo
extrato foi monitorada por bioautografia, utilizando-se o fungo fitopatogênico
Cladosporium sphaerospermum13-14. A análise das frações bioativas por CGAR-EM,
RMN 1H e 13C revelou a presença dos iridóides plumericina 1 e isoplumericina 2.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O extrato hexânico das cascas do caule foi submetido a bioautografia,
utilizando o fungo Cladosporium sphaerospermum. A cromatoplaca de sílica foi
eluída com uma mistura de hexano e acetato de etila (6:4). Uma zona de inibição
intensa na cromatoplaca indicou a presença de substâncias fungitóxicas.
O extrato hexânico foi fracionado em coluna de SEPHADEX-LH 20, usando hexano,
diclorometano, acetona e metanol como eluentes. Das oito frações obtidas, a
segunda e a terceira frações apresentaram zona de inibição na bioautografia. A
cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas destas duas frações
mostrou a presença dos iridóides plumericina 1, isoplumericina 2, e de uma
mistura de ésteres triterpênicos das séries lupano e ursano, como constituintes
em maior proporção na mistura.
Ao extrato hexânico dissolvido em clorofórmio adicionou-se etanol. Este
procedimento levou à obtenção de um sólido amorfo que foi cromatografado em
coluna de gel de sílica. A eluição da coluna com uma mistura de hexano/benzeno
em gradiente de polaridade crescente forneceu uma mistura de duas substâncias e
um sólido cristalino. A análise da mistura, por cromatografia gasosa acoplada a
espectrometria massas, mostrou o mesmo íon molecular de m/z 556 para as duas
substâncias, compatível com a fórmula molecular C39H56O2. Foram observados íons
característicos de triterpenos das séries lupano de m/z 189 (32%) e D12-urseno
ou oleaneno de m/z 218 (46%), este último proveniente de um rearranjo de tipo
retro- Diels-Alder15-16. O íon de m/z 408 (M+·-148), resultante da perda de
C9H8O2 , acompanhado do fragmento de m/z 131 (100%) levaram a suposição da
presença de um grupamento cinamoíla no esqueleto triterpênico17-18.
Os espectros de RMN 13C (desacoplado e DEPT 90o e 135o) da mistura registraram
os pares de deslocamentos químicos 124.5 (CH) e 139.8 (C), e 109.6 (CH2) e
151,1 (C), característicos para as ligações duplas C(12) - C(13) da série
urseno e C(20)- C(29) do grupo isopropilideno do esqueleto lupano19-20,
respectivamente. A unidade cinamoila foi confirmada através dos deslocamentos
químicos em d 128,2 (C-2' e C-6'), 129,0 (C-3'e C-5'), 130,3 (C-4') e 134,3 (C-
1') do anel aromático e em 119,0, 144,4 e 166,3 da unidade (CH=CH-COO). O par
de dubletos no RMN 1H em d 7,70 (1H, J=16Hz) e 6,48 (1H, J=16 Hz) e 7,65 (1H,
J=16Hz); e 6,42 (1H, J=16 Hz.) mostram que a ligação dupla tem configuração
E21-22. A hidrólise básica desta mistura levou a obtenção de ácido cinâmico,
lupeol e a-amirina23, cujas as estruturas foram confirmadas através de seus
espectros de massas (CGAR-EM) e co-injeção com padrões.
O sólido cristalino 5mostrou o íon molecular de m/z 468, compatível com a
fórmula molecular C32H52O2, e fragmentos no espectro de massas característicos
do esqueleto lupano19-21,24-26.
A unidade acetil foi caracterizada pelos espectros de RMN 1H e 13C de 519-21,
24-26, que foi identificado como acetato de lupeol.
O fracionamento guiado por bioensaio das frações bioativas levou à obtenção de
uma mistura dos iridóides 1e 2. A análise por CGAR-EM mostrou que ambos os
iridóides tem o mesmo peso molecular (M+290, C15H14O6). Os fragmentos de m/
z 258 (M+-32, 42%) e de m/z 230 (M+-60, 85%) são provenientes da perda de
MeOH e de formiato de metila, enquanto o de m/z 193 (M+-97, 78%) é resultante
da perda do anel da lactona.
O espectro de RMN 1H desta mistura registrou um par de dubletos de quartetos em
d 7,14 (1H, J=1,0 e 7,0 Hz) e 6,80 (1H, J=1,0 e 7,0 Hz), que foram atribuídos
ao hidrogênio olefínico no C-13 da plumericina 1e isoplumericina 2,
respectivamente.
A avaliação biológica foi feita utilizando a suspensão de esporos do fungo
fitopatogênico Cladosporium sphaerospermum. Pelo método da autobiografia
utilizando diferentes concentrações das substâncias 1 e 2 , verificou-se que o
limite de deteção, tanto para plumericina 1quanto para isoplumericina 2está
abaixo de 1mg. Este resultado indica uma atividade fungitóxica para estes
iridóides cinco vezes maior do que o observado para o antibiótico nistatina
(5mg), usado como padrão.
EXPERIMENTAL
Planta- Coletada em janeiro de 1995 no município de Santarém, estado do Pará. A
exsicata está depositada no Herbário do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil, registrada sob No5436.
Extração e separação- 350g de material botânico (casca do caule) de Himatanthus
sucuuba, seco e moído, foram submetidos a extração em aparelho Soxhlet por 3
dias, utilizando-se sucessivamente, hexano, clorofórmio e etanol. O resíduo
hexânico (28,7g), de coloração laranja e consistência pastosa, foi tratado com
clorofórmio e etanol, precipitando 2,0 g de um sólido branco amorfo. 200 mg
deste sólido foram cromatografados em coluna de gel de sílica (hexano/benzeno
em gradiente crescente de polaridade), fornecendo uma mistura constituída de 3e
4 (58,8 mg) e um sólido 5 (25,2 mg). 6,0 g da fração hexânica bruta foram ainda
cromatografados em coluna aberta utilizando SEPHADEX LH-20 (60 g) como fase
estacionária e como eluentes hexano, diclorometano, acetona e metanol em
gradiente de polaridade crescente fornecendo: (A) C6H14 (5,0 g); (B) C6H14:
CH2Cl2 (8:2; m=0,5 g); (C) C6H14:CH2Cl2 (6:4; m=0,3 g); (D) C6H14:CH2Cl2 (2:8;
m=0,05 g); (E) CH2Cl2:C3H6 O (8:2; m=0,08 g); (F) CH2Cl2:C3H6 O (6:4; m=0,03
g); (G) CH2Cl2:C3H6 O (2:8; m=0,008 g); (H) MeOH (m=0,002 g).
A cromatografia em camada fina das frações obtidas indicou a presença de
substâncias com o mesmo Rf nas frações B e C. Estas frações foram reunidas
(m=0,8 g) e cromatografadas em coluna de gel de sílica tendo como eluentes
hexano, diclorometano, acetato de etila e metanol em gradiente de eluição. Após
a bioautografia das frações (vide procedimento abaixo), a fração eluída com
CH2Cl2:AcOEt (8:2,108 mg) foi cromatografada em coluna de gel de sílica com
hexano/acetato de etila em gradiente de eluição, obtendo-se oito frações das
quais a fração eluída com C6H14 : AcOEt (7:3) é uma mistura constituída pelos
iridóides 1 e 2 (16,3 mg).
Hidrólise da mistura de 3 e 4 -45 mg deste material foram refluxados com 6 ml
de solução metanólica de KOH a 5% em 60 ml de hexano. Após evaporação do
metanol e adição de água, extraiu-se a solução com clorofórmio, obtendo-se uma
fração insaponificável, que foi identificada por co-injeção em CGAR como lupeol
e a-amirina. A fração aquosa alcalina acidificada com HCl e extraída com
acetato de etila forneceu um sólido cristalino que foi identificado por
comparação com amostra autêntica, através de CCD, IV e co-injeção em CGAR, como
o ácido cinâmico.
Bioensaio - A análise do extrato hexânico foi realizada em cromatografia de
camada fina, tendo como sistema de solventes hexano:acetato de etila (6:4).Após
o registro das bandas cromatográficas que absorveram na luz ultravioleta, fez-
se a aplicação da suspensão, contendo Cladosporium sphaerospermum,sobre a
cromatoplaca com subsequente deposição em atmosfera úmida para incubação por um
período de dois a três dias.
Suspensão de Cladosporium sphaerospermum - Uma solução contendo KH2PO4 (7 g),
Na2HPO4. 2H2O (3 g), KNO3 (4 g), MgSO4. 7H2O (1 g) foi autoclavada a 120oC por
20 minutos. A 60 ml desta solução foram adicionados 10 ml de uma solução de
glicose a 30% e, em seguida, adicionou-se o fungoCladosporium sphaerospermumaté
obter-se uma suspensão.
Dados físicos e espectrométricos:Plumericina (1). IV(KBr) nmax cm-1 (mistura de
1 e 2): 1757, 1707, 1685 e 1647. EM m/z (int.rel.): 290(30), 230(60), 201 (70),
193(80), 173 (40), 160 (70), 139 (100) e 115 (60). RMN 1H (300 MHz, CDCl3.): d
7,14 (dq, J=1,0 e 7,0 Hz, H-13), 6,04 (dd, J=2,0 e 5,0 Hz, H-6), 5,64 (dd,
J=2,0 e 5,0 Hz, H-7), 5,30 (sl, H-10), 4,00 (m, H-5), 3,76 (COOMe), 2,01 (d,
J=7,0 Hz, H-14). RMN 13C (75,25 MHz, CDCl3): 102,3 (C-1), 153 (C-3), 38,4 (C-
5), 141,1 (C-6), 126,4 (C-7), 53,9 (C-9), 80,3 (C-10), 144,6 (C-13)27-29.
Isoplumericina (2).IV (KBr) nmaxcm-1(mistura de 1 e 2): 1757, 1707,1685 e 1647.
EM m/z (int.rel.): 290 (29), 230 (94), 201 (100), 193 (80), 173 (40), 160 (98),
139 (90) e 115 (60). RMN 1H.(300 MHz, CDCl3.): d 6,80 (dq, J=1,0 e 7,0 Hz, H-13
), 6,04 (dd, J=2,0 e 5,0 Hz, H-6), 5,64 (dd, J=2,0 e 5,0 Hz, H-7), 5,30 (sl, H-
10), 4,00 (m, H-5), 3,76 (COOMe), 2,01 (d, J=7,0 Hz, H-14). RMN 13C (75,25 MHz,
CDCl3): 102,3 (C-1), 153 (C-3), 38,4 (C-5), 141,16 (C-6), 126,4 (C-7), 53,9 (C-
9), 80,3 (C-10), 144,6 (C-13)27-29.
Cinamato de lupeol (3). IV (KBr) nmaxcm-1: 2940, 2860, 1709, 1638, 1458, 1171,
766 e 706 cm-1. EM m/z (int.rel.): 556[M]+ (2), 408 (2), 337 (2), 218 (46), 190
(14), 189 (32), 131 (100) e 103 (26). RMN 1H (300MHz,CDCl3): d 7.70 (d, J=16,0
Hz, H-7'), 7,35-7,55 (m, Ar-H), 6,42 (d, J=16 Hz, H-8'), 4,67 (m, H-29b), 4,57
(m, H-29a). RMN 13C (Tabela_1).
Cinamato de a-amirina (4). RMN 1H (300 MHz, CDCl3 ): d 7,65 (d, J=16,0 Hz, H-
7), 7,35-7,55 (m, Ar-H), 6,48 (d, J=16,0 Hz, H-8'), 5,14 (t, J=3,4 Hz , H-12).
RMN 13C (Tabela_1).
Acetato de lupeol (5).p.f.154-156oC; IV (KBr) nmaxcm-1: 2950, 1734, 1244 e 1173
cm1. EM m/z: 468 [M]+ (11), 408 (4), 218 (44), 189 (100), 121 (66). RMN 1H (300
MHz,CDCl3): d 4,69 (m), 4,57 (m), 2,04 (s), 1,03 (s), 0,94 (s), 0.85 (s) e 0.79
(s). RMN 13C (Tabela_1)
Instrumental -Os espectros de RMN de 1H e 13C (300 e 75,25 MHz,
respectivamente) foram obtidos em um espectrômetro Bruker, utilizando CDCl3
como solvente e TMS como padrão interno. A análise por CGAR (Cromatografia
Gasosa de Alta Resolução) foi realizada em cromatógrafo HP5890 - Condições:
injetor: 260oC; detetor por ionização de chama: 330oC (DIC), gás carreador H2;
vazão: 2ml/min; temperatura programada: 250-320oC (5o C/min), 320oC (30min);
injeção com divisão de fluxo (20:1); coluna capilar de sílica fundida, fase
estacionária SE-54, 25 m, dext=0,3mm, dfase=0,2 nm. CGAR/EM - Cromatógrafo a
gás HP-5880 acoplado a um espectrômetro de massas computadorizado HP-5897A com
analisador de íons quadrupolo e ionização por impacto de elétrons, 70eV;
Temperatura programada: 40o-320oC (10oC/min); injeção on colunm, coluna capilar
de sílica fundida, fase estacionária Silarem-30, 10m. dext 0,3 mm. Os espectros
de IV foram realizados em espectrômetro Nicolet: Magna-IR 760
Os fracionamentos cromatográficos foram realizados em coluna de vidro,
empacotadas com Si 60-MERCK e SEPHADEX LH-20 (PHARMACIA); a CCD foi realizada
em cromatofolhas MERCK PL, Si 60 F254, 0,2mm de espessura. Os pontos de fusão
foram obtidos em aparelho MICROQUÍMICA MQAPF-301 e não foram corrigidos.