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BrBRCVHe0004-28032004000100013

BrBRCVHe0004-28032004000100013

variedadeBr
ano2004
fonteScielo

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Proposta de questionário para caracterização da prevalência de sintomas digestivos nas doenças difusas do tecido conjuntivo EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA CLINICAL EPIDEMIOLOGYINTRODUÇÃO As doenças difusas do tecido conjuntivo (DDTC) são enfermidades de comprometimento imunológico e inflamatório que acometem diferentes sistemas orgânicos. O sistema digestório é comumente atingido e, embora na dependência do tipo de DDTC, o comprometimento seja mais direcionado para uma víscera ou outra, todas potencialmente podem ser lesadas(25, 28, 32). Como conseqüência, os sintomas variam de uma doença para outra em função do órgão mais acometido.

Essas características das DDTC geram imprecisões na descrição das suas manifestações digestivas, agravadas pelo fato de que o cadastramento de tais manifestações tem sido esparso e freqüentemente baseado em relatos de experiências individuais ou revisão de prontuários(8, 17, 22, 24, 36). É bem conhecido, por outro lado, que informações colhidas desta forma sofrem numerosas influências, alterando a uniformidade e confiabilidade dos achados obtidos. Dentre as interferências mais comuns, ressalta-se o papel do indivíduo que coleta a informação. Dependendo do seu treino, cabedal de conhecimentos, nível de interesse, inspiração momentânea na formulação das questões, os dados recolhidos poderão ser mais ou menos representativos e fiéis. Para obtenção de informações apropriadas é, portanto, relevante alguém especificamente treinado e motivado para a tarefa, apto a realizar entrevista bem orientada e, se possível, fazendo uso de questionário preestabelecido, a ser aplicado uniformemente aos entrevistados. Seguindo-se essas normas, muitas das falhas acima apontadas poderão ser minimizadas e um rol de sintomas mais completo assegurado.

O presente estudo teve por objetivo catalogar os sintomas digestivos mais freqüentes na esclerose sistêmica progressiva (ESP), lúpus eritematoso sistêmico (LES), artrite reumatóide (AR), polimiosiosite/dermatomiosite (PM/DM) e doença mista do tecido conjuntivo (DMTC), a partir de entrevista com pacientes acometidos por essas afecções, realizada por gastroenterologista previamente treinado em coleta de dados referentes àquelas doenças e usando como roteiro uma ficha clínica contendo questionário predefinido dos sintomas gastrointestinais a serem pesquisados. A intenção do trabalho é aperfeiçoar a confiabilidade e reprodutibilidade dos resultados alcançados e estabelecer um perfil sintomático mais consistente para as DDTC.

PACIENTES E MÉTODO O trabalho constou de duas fases: a primeira chamada piloto e a segunda, definitiva.

Fase piloto Esta fase teve como objetivo testar preliminarmente a idéia da existência de discordância entre dados colhidos por intermédio do levantamento de prontuários médicos e aqueles resultantes de coleta por meio de questionário e entrevista.

A partir de uma lista de portadores de DDTC do Hospital das Clínicas de Botucatu, SP, 14 pacientes foram selecionados aleatoriamente e a seguir convocados para entrevista e preenchimento do questionário de sintomas com um gastroenterologista. A pesquisa da ocorrência de sintomas foi restringida ao período de 1 ano e meio anterior à aplicação do questionário, salvo quando havia sintomas extremamente marcantes fora dele. O mesmo questionário foi a seguir completado, a partir dos sintomas registrados no prontuário, ao longo das várias consultas pelas quais o paciente passara anteriormente.

Fase definitiva Nesta fase, foram incluídos indivíduos com diagnóstico firmado de DDTC e sem outra afecção com repercussão no sistema digestório capaz de confundir os resultados. Esta última condição implicou na eliminação de 20 dos 119 pacientes inicialmente selecionados para o estudo. Concluída a etapa de diagnóstico e seleção, os pacientes foram encaminhados ao gastroenterologista para entrevista com relação aos sintomas digestivos. Nesta entrevista, foi usada como roteiro de perguntas uma ficha clínica igual à utilizada na fase piloto, constando dos dados demográficos e diagnósticos dos pacientes e um questionário composto de 17 questões, em que as opções de respostas eram: sim (S), não (N) ou não conclusiva ou duvidosa (NC). As questões englobavam um conjunto abrangente de sintomas associados a diferentes alterações do sistema digestório. Constava ainda de um item sobre a concomitância de outras doenças crônicas (Figura_1).

Considerando a freqüente confusão no entendimento da terminologia utilizada pelos médicos, particularmente obscura para o paciente com limitado nível de instrução que constitui a maioria da clientela desta série, algumas medidas cautelares foram tomadas. Isto incluiu a criação de ambiente descontraído na entrevista, uso de palavras simples e populares sobre os motivos da consulta e do significado de cada sintoma pesquisado e a elucidação das dúvidas apresentadas pelo entrevistado. após o cumprimento desses itens é que se passava à entrevista propriamente dita. A todos os envolvidos era informado que o interesse da pesquisa era circunscrito a queixas/sintomas de caráter crônico, presentes no último ano e meio. Portanto, episódios fortuitos ou passageiros não foram incluídos, salvo fatos particularmente marcantes relatados pelo entrevistado e aceitos como tal pelo entrevistador. Quanto à fixação do prazo limite de 1 ano e meio, a intenção foi atenuar as distorções de memória que se ampliam quanto mais retroativo é o período investigado. Finalmente, foram omitidas perguntas específicas sobre o acometimento do fígado e pâncreas por serem manifestações menos freqüentes.

Dos 99 pacientes entrevistados, 35 tinham diagnóstico de AR, 26 de ESP, 21 de LES, 12 de PM/DM e 5 de DMTC. Tais diagnósticos foram baseados nos critérios internacionais recomendados. Nos portadores de AR, a idade média foi de 46,48 (DP ± 18,78), 27 eram mulheres. Na ESP a idade média foi de 48,6 anos (DP ± 14,4), 25 mulheres. Na PM/DM a idade média foi de 42,16 anos (DP ± 15,2), todas mulheres. No LES a idade média foi de 39,7 anos (DP ± 13,9), 20 mulheres. Na DMTC a idade média foi de 47,4 anos (DP ± 14,4), 4 mulheres. Quatro casos de ESP apresentavam a forma Crest. Vinte e três casos de fenômeno de Raynaud foram registrados, dos quais 20 associados à ESP, 2 à DMTC e 1 ao LES.

Todos os pacientes submetidos ao questionário foram previamente informados a respeito do protocolo de pesquisa e consentiram em dele participar.

RESULTADOS Fase piloto Os resultados da fase piloto acham-se dispostos na Tabela_1, compreendendo diagnósticos, número de sintomas observados a partir do levantamento de prontuários e da entrevista/questionário. Do total de 14 casos levantados, em nenhum coincidiu o número total de sintomas observados pelos dois métodos. Em 13, o questionário identificou número bem mais expressivo de sintomas que os registrados no prontuário, variando de 1,3 a 8 vezes mais. Tais resultados reforçaram a idéia da maior precisão do método entrevista/questionário no estabelecimento da prevalência de sintomas digestivos nas DDTC.

Fase definitiva Os resultados da prevalência de sintomas digestivos em 99 pacientes com DDTC investigados por intermédio de questionário predefinido, acham-se expostos na Tabela_2.

DISCUSSÃO Nas DDTC, o aparato neuromuscular do sistema digestório pode sofrer importantes alterações no funcionamento, ocasionando o aparecimento de sintomas de grau variado de severidade, oscilando entre simples azia na AR(1, 13), até disfagia com aspiração na PM/DM(6, 23) e refluxo gastroesofágico grave e Barrett na ESP (5, 14, 15, 18). Surpreendentemente, contudo, a despeito da variedade de tais achados, não abundância de estudos que abordem em detalhe a prevalência dos sintomas, seu grau de severidade e distribuição nas diferentes DDTC. De que se dispõe, são publicações esparsas, a maioria resultante de revisões de prontuários(7, 24), livros-textos(21, 32) e experiências pessoais(3, 22), ou então, trabalhos sobre fisiopatologia das lesões e sua correlação com sintomas e procedimentos diagnósticos(8, 10, 12, 16). O conhecimento mais apurado da epidemiologia e quadro clínico de uma doença é, no entanto, essencial para que ela possa ser melhor diagnosticada e tratada.

Na primeira fase do presente estudo, ficou evidenciado o fato referido por outros, da grande variabilidade da informação extraída a partir de prontuários.

As razões dessa variabilidade são inúmeras, duas de maior destaque: o freqüente rodízio do profissional que atende às sucessivas consultas, e o fato de que, na medida em que o paciente é atendido em uma especialidade, a anamnese é mais centrada nos aspectos desta e, portanto, menos atenta às manifestações de outros aparelhos e sistemas. Nesta fase, foi possível constatar que independentemente da afecção, 13 de 14 casos investigados exibiram número de sintomas 2 a 8 vezes superior na entrevista com questionário em relação ao encontrado no levantamento com prontuários.

Na segunda fase, em que foram investigados 99 indivíduos, os resultados obtidos foram extraídos exclusivamente do questionário/entrevista, e estão representados na Tabela_2. As diferenças de prevalência dos sintomas exibidos variaram em função da afecção, que cada uma tem seu próprio grau de agressão e sítios anatômicos preferenciais de envolvimento.

O cadastro sintomático da ESP mostrou predominância de sintomas referentes ao sistema digestório proximal. Disfagia, pirose, regurgitação, azia, plenitude gástrica atingiram percentuais acima de 40% dos casos. Impressionou a descrição de incontinência fecal em 27% dos pacientes. Embora admitido o comprometimento anorretal na ESP(10, 35), a incontinência fecal é raramente citada por outros autores. Acredita-se ter sido a maneira como foram conduzidas as entrevistas, que conseguiu contornar a natural inibição dos indivíduos em revelar a sua existência, permitindo, por outro lado, melhor conhecimento da sua real dimensão. Constipação foi manifestação comum, presente em 35% dos pacientes.

Diarréia ocorreu em 11,5% dos casos e tem sido muitas vezes associada a supercrescimento bacteriano e distúrbios motoras do delgado(8, 29, 33).

Tal como no presente estudo, a literatura registra elevado comprometimento do sistema digestório na ESP, variando entre 50% e 85%(4, 18, 24, 26, 34). Os sintomas relatados assemelham-se aos aqui catalogados; a freqüência com que cada um deles comparece, é contudo pouco referida, exceção dos esofágicos, ao redor de 75% nas diferentes casuísticas(19, 26, 28, 34). Os demais sintomas são citados de forma genérica. Essa escassez de detalhes inviabilizou comparações com os resultados do presente estudo, particularmente em relação às manifestações colorretais, motivo de persistentes controvérsias entre os que acreditam na sua presença freqüente(8, 28, 33, 35) e os que dela divergem(26).

A controvérsia é alimentada pela elevada ocorrência e inespecificidade dos sintomas constipação e estufamento na população geral. Por outro lado, é impossível ignorar que as lesões do delgado e grosso da ESP poderiam ser a origem primária de tais sintomas. Ademais, a freqüência com que eles foram encontrados é indiscutivelmente mais alta na ESP do que na população geral.

Situação paradoxal encontrada em alguns pacientes foi a existência de lesão sem sintoma correspondente, por exemplo, ausência de disfagia em acometidos de alterações motoras do esôfago detectadas pelo exame manométrico. Outros autores têm feito constatações parecidas, sem explicação clara para elas(24, 25, 26). A dissociação entre alteração anátomo-funcional e sintomas pode ser a explicação para a subestimativa do acometimento do sistema digestório por essa doença.

Na PM/DM, o número de sintomas gastrointestinais foi bastante expressivo. O segmento digestivo proximal apresentou o maior número de manifestações.

Ressalta-se o acometimento correspondente à faringe e ao cricofaríngeo, gerando sensação de engasgo em 75% dos casos. Disfagia, pirose, estufamento e constipação também compareceram em elevados percentuais. A literatura destaca a disfagia e faz apenas menção superficial às outras manifestações(6, 32).

Contudo, alguns estudos sublinham o comprometimento difuso do sistema digestório pela PM/DM(1, 12, 23, 25), caracterizado por esvaziamento esofágico lento, refluxo gastroesofágico e hérnia hiatal(1, 12), esvaziamento gástrico retardado(12) e alteração da motilidade intestinal(1, 23, 32). Desta forma, surpreende a escassez de sintomas descritos na literatura. É possível que a diferença com os resultados deste estudo decorra da metodologia de pesquisa dos sintomas.

A casuística de DMTC da presente série foi reduzida, cinco no total, o que enfraquece o peso de qualquer conclusão. Entretanto, decidiu-se incluí-los nos resultados como contribuição ao estudo daquela doença, reconhecidamente de baixa prevalência(2). Por tratar-se de condição em que se imbricam aspectos de várias DDTC, os sintomas expressam uma mistura das manifestações de todas elas.

Conseqüentemente, foi observada presença superior a 50% de disfagia orofaríngea e esofágica, assim como de pirose e regurgitação. Plenitude gástrica e estufamento abdominal também foram queixas majoritárias. Incontinência fecal apresentou valores próximos aos encontrados na ESP. Para cotejar os resultados deste estudo com os da literatura, considerou-se como limitação o fato desta ser bastante rarefeita e concentrar atenção apenas nas manifestações esofágicas da DMTC(5, 9). Contudo, vários trabalhos reconhecem que o trato gastrointestinal pode ser extensamente afetado(1, 2, 20). Em um desses(20), os autores mencionam outros sintomas de menor ocorrência: dispepsia (20%), diarréia (8%) e constipação (5%). Dor abdominal, presente em 20% dos pacientes desta série, tem sido atribuída na literatura a distúrbio motor intestinal ou vasculite. Infelizmente, entretanto, não foram encontrados estudos mais completos descrevendo o estado funcional dos diferentes segmentos digestivos na DMTC.

A literatura afirma que manifestações gastrointestinais estão presentes em mais de 50% dos portadores de LES(7, 21, 27). Nos 21 casos aqui analisados, mais da metade apresentou náusea, pirose, regurgitação e plenitude. Dor abdominal também alcançou elevada cifra (33%), assim como diarréia (28%) e constipação (28%). Foi surpresa a freqüência relatada de incontinência fecal, 19%. Na literatura, os sintomas mais citados são náusea, vômito, dispepsia e dor abdominal(32, 36). Outros, menos relacionados, são disfagia, pirose, diarréia e íleo paralítico(1, 7, 21). A maior parte deles tem sido atribuída à vasculite, que pode acometer todo o sistema digestório, determinando alterações motoras, erosões e perfurações(1, 21, 36). Estudos funcionais do trato gastrointestinal no LES revelam distúrbios motores esofágicos e intestinais(1, 9, 31). Talvez por ser uma doença com comprometimento severo de múltiplos órgãos vitais, o estudo dos sintomas digestivos e seus mecanismos subjacentes têm merecido pouca atenção e permanecem mal conhecidos no LES.

Das DDTC, AR foi a que apresentou menor número de queixas digestivas. Nela, a maioria dos sintomas afetou menos de 20% dos entrevistados. Chama a atenção, contudo, a elevada taxa de disfagia encontrada ' 31% ' achado pouco valorizado na literatura(1, 32), a despeito de alteração da motilidade esofágica ser relatada em mais de 30% dos portadores de AR(13, 16, 30). Distúrbios motores de outros segmentos do trato gastrointestinal também têm sido referidos(1, 11, 17) e poderiam ser responsáveis por manifestações, como plenitude e constipação. Ao se comparar os resultados do presente estudo com os de outros autores, foi possível verificar não a parcimônia de trabalhos sobre repercussões da AR no tubo digestivo, mas a antigüidade desses trabalhos(30, 31), alguns realizados três a quatro décadas atrás e, no entanto, continuamente citados na maioria das revisões. Estudos recentes, usando recursos atualizados, quase inexistem, prejudicando assim não a reavaliação dos trabalhos antigos, como limitando a comparação de resultados com trabalhos atuais como o presente. O que se sobressai na maioria das revisões ou livros textos consultados é a tendência repetitiva em se considerar os sintomas da AR como basicamente devidos aos efeitos dos medicamentos analgésicos e antiinflamatórios. Mas será realmente esta a única ou causa predominante de tais sintomas? Finalmente, algumas conclusões podem ser sugeridas pelos achados do presente trabalho. Primeira, a quantidade de sintomas gastrointestinais encontrados nas DDTC é expressiva. Segunda, a incontinência fecal ocorre com freqüência significativa. Terceira, cadastro de sintomas por intermédio de questionários predefinidos aparentemente garante maior abrangência e reprodutibilidade dos dados obtidos. Quarta, a escassez de trabalhos anteriores e atuais sobre as manifestações digestivas das DDTC prejudicou comparação adequada com os resultados desta série. E quinta, é recomendável a reavaliação dos resultados dos trabalhos realizados no passado usando recursos clínico-laboratoriais contemporâneos.


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