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BrBRCVHe0034-71672005000200012

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variedadeBr
ano2005
fonteScielo

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Explorando a "fotovoz" em um estudo etnográfico: uma estratégia de coleta de dados PESQUISA

Explorando a "fotovoz" em um estudo etnográfico: uma estratégia de coleta de dados

Exploring the photovoice in an ethnographic research: a strategy for data collection

Explorando la "fotovoz" en un estudio etnográfico: una estrategia de colecta de datos

Marta Maria MelleiroI; Dulce Maria Rosa GualdaII IProfessora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP. melleiro@usp.br IIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP

1. INTRODUÇÃO Não existem fotografias que não sejam portadoras de um conteúdo humano e conseqüentemente, que não sejam antropológicas à sua maneira.

Toda fotografia é um olhar sobre o mundo, levado pela intencionalidade de uma pessoa, que destina sua mensagem visível a um outro olhar, procurando dar significação a este mundo.

[Ethienne Samain] O emprego de recursos visuais nas pesquisas científicas, sobretudo nos espaços socioculturais, tornou-se mais sistemática, nas últimas décadas, devido a possibilidade de uma maior participação dos sujeitos no processo investigativo.

Os pioneiros na aplicação desses recursos em pesquisas foram Margaret Mead e Gregory Batenson, os quais na década de 30, elaboraram um trabalho sem precedentes na história das ciências sociais, cujo objetivo foi entender, por meio do recurso fotográfico, o comportamento dos balineses(1). Para tanto, utilizaram mais de seis mil metros de filme e vinte e cinco mil fotografias, culminando no livro intitulado Balinese Character: a photographic analysis.

Essa obra, publicada em 1942, revolucionou as técnicas de coleta de dados, tendo consolidado a fotografia como importante instrumento para as pesquisas sociais.

Na década de 70, a utilização do recurso fotográfico foi preconizado como um método de coleta de dados, devido ao seu poder para o registro de material cultural de interação social e, nas entrevistas etnográficas, como uma ferramenta para inspirar e estimular a discussão(2).

Nos últimos anos, tem aumentado o número de trabalhos voltados para a análise social da imagem e de seus aspectos cognitivos e que buscam avaliar a importância das imagens na vida dos indivíduos e dos grupos sociais(3). No entanto, existem enfoques diferenciados da utilização do recurso fotográfico nesses estudos; os trabalhos históricos lançam mão de fotografias tiradas, os de ciências políticas têm trabalhado com montagens e supressões de personagens e posições nas fotografias, enquanto que os estudos antropológicos e sociológicos lidam com a fotografia desde a produção(4).

O estudo da imagem é fundamental para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito de si mesmos e dos outros, de seus comportamentos, seus pensamentos, seus sentimentos e suas emoções em diferentes experiências de tempo e espaço. Trata-se de tomar a imagem com objeto, procurando compreender o lugar dos ícones como parte constitutiva dos sistemas simbólicos, estendendo a eles as mesmas preocupações teóricas e metodológicas presentes no estudo das representações sociais(5).

Todavia, o uso abrangente dos métodos visuais não é uma panacéia para todos os problemas etnográficos e nem o ponto de partida para o início das descobertas etnográficas. Esses métodos podem mostrar as tendências etnográficas, permitindo que os olhos façam os trabalhos que muitas vezes era realizado pela linguagem escrita nos estudos etnográficos. É necessário lembrar que quando se faz um trabalho de campo, os etnógrafos devem empenhar todos os seus sentidos, sendo a visão um deles(6).

A pesquisa etnográfica tem mostrado como a compreensão da realidade é também composta por sensações e sentimentos. Assim como na antropologia, a fotografia tem um observador participante que escava detalhes e fareja com seu olhar o alvo e o objeto de suas lentes e de sua interpretação. Nessa linha, o valor da câmara como um instrumento etnográfico é similar ao gravador de áudio: a câmara fornece um traço preciso dos eventos que deixam uma grande liberdade para a interpretação analítica(1).

No entanto, para a etnografia, a fotografia, por si , não transmite informações; é por meio das análises, que os etnógrafos são capazes de realizar os registros acerca dos indivíduos, dos lugares e das atividades.

As descrições etnográficas que incluem fotografias, necessariamente, devem empregar descrições por escrito. A proposta de interpretação de fotografias é um ato de descrever um olhar persuasivo. Enquanto as imagens não podem falar por elas mesmas, estas demandam que alguém fale por elas(7,8).

As dimensões comunicativas e interpretativas das representações visuais são polissêmicas, ou seja, as fotografias aparentemente produzem um testemunho de um momento fugaz. e parecem constituir uma mensagem sem regras(9). Entretanto, algumas vezes, as fotos podem conter informações que não foram mencionadas pelos etnógrafos, assim, elas podem ter um excesso de significado sobre o qual o etnógrafo não tem controle.

Nessa perspectiva, é que acreditamos que o pesquisador deva conhecer, minuciosamente, o contexto cultural estudado, uma vez que poderá detectar fatos ou situações não apreendidas pelo recurso fotográfico ou não referidas ou descritas parcialmente pelos participantes do estudo.

A concepção de interpretação da imagem não fornece uma autoridade para aquele que está vendo. Por outro lado, marca um grande repertório pela produção fotográfica, mas nada menos essencial que a noção do contexto. A partir do momento em que a imagem foi gravada e colocada em público, ela está aberta a todo tipo de interpretação, adquirindo significado do seu contexto como qualquer outro objeto cultural(10).

dois grandes tipos de concepção para o recurso fotográfico: a foto como espelho do mundo e a foto como operação de codificação das aparências e que têm como denominador comum a consideração da imagem fotográfica como portadora de um valor absoluto, ou pelo menos geral, seja por semelhança, seja por convenção (11).

A fotografia contém a vantagem de uma comunicação inicial direta, que ultrapassa códigos dos diferentes tipos de discurso, nas várias culturas(4).

As imagens dialogam com a realidade e com a representação dessa realidade as imagens também são observações estéticas e documentais da realidade, carregando significados transparentes de emoção, afetividade e religiosidade. O processo de percepção ao fotografar assemelha-se ao observador na antropologia perceber o outro, suas diferenças e registrá-las é a principal tarefa da fotografia(1).

Acreditando nessas premissas e desenvolvendo atividades de ensino e pesquisa na área de gerenciamento de serviços de enfermagem materno-infantil, é que descreveremos a seguir a experiência em empregar o recurso fotográfico em um estudo etnográfico. Assim, foram convidadas a participar desse estudo, gestantes-usuárias de um serviço de saúde, onde as mesmas tiveram a oportunidade de registrar, por meio do recurso fotográfico, as suas expectativas e os seus sentimentos com relação a uma instituição hospitalar.

Dessa forma, pudemos aliar a linguagem visual com a verbal e perceber a relação de complementariedade existente entre ambas.

2. RELATANDO A EXPERIÊNCIA DAS GESTANTES-FOTÓGRAFAS EM UM HOSPITAL DE ENSINO O Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) desenvolve atividades assistenciais e educativas, durante o ciclo gravídico-puerperal, às gestantes de sua área de abrangência. Dentre as ações e programas desenvolvidos, destaca-se uma visita oferecida às gestantes e seus acompanhantes, por volta da 28ª. semana de gestação, visando apresentar a instituição à essas mulheres e familiares, bem como iniciar o seu acolhimento.

Durante essas visitas pudemos perceber os interesses e as inquietações dessas mulheres com relação ao contexto hospitalar e, dessa forma, resolvemos desenvolver um trabalho de cunho etnográfico, lançando mão da "fotovoz", com a finalidade de compreender a percepção dessas usuárias com relação ao local onde dariam à luz à seus filhos. Para tanto, um projeto de pesquisa foi encaminhado e aprovado pela Câmara de Pesquisa e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HU- USP.

As gestantes que participaram da referida visita, no período de julho a agosto de 2002, foram esclarecidas do objetivo do trabalho e, posteriormente, convidadas a fotografar o contexto hospitalar, sendo fornecidas as câmeras fotográficas, munidas de filmes de 36 poses.

A idéia central era que essas gestantes captassem, na sua própria perspectiva, os aspectos que expressassem as suas idiossincrasias, não havendo a preocupação com a qualidade técnica das fotografias e nem com o seu caráter ilustrativo, outrossim com a identificação do foco para o qual elas direcionariam suas lentes, sobretudo com o intuito de responder as seguintes indagações: Por quê as gestantes fotografariam determinados cenários, pessoas e objetos? Qual o significado atribuído a esses temas? Qual o papel do simbolismo visual na construção da realidade? Assim, as participantes do estudo seis gestantes - produziram as fotografias, não havendo interesse em apresentar-lhes o cenário cultural da pesquisa, sob o prisma de outras pessoas. Após a revelação das fotografias foram agendadas entrevistas, de acordo com a disponibilidade de cada uma delas, tendo o conteúdo fotográfico subsidiado e direcionado as suas narrativas. Durante o processo de elaboração das narrativas, as pesquisadoras, também, recorriam ao material fotográfico, o qual esclarecia condições relatadas pelas gestantes.

Das narrativas foram extraídas oito categorias, das quais emergiram três temas culturais, onde as gestantes, a princípio, resgataram e classificaram, por meio de sua memória autobiográfica, as suas experiências e as suas histórias de vida, na condição de ratificar os resultados dos eventos significativos considerados positivos ou de fazer uma releitura dos eventos tidos como negativos. A partir dessa concepção, prosseguiam vislumbrando o processo de nascimento em todas as suas dimensões, utilizando, para o alcance dessa finalidade, o olhar fotográfico, que ora permitiu que fatos fossem registrados e absorvidos e ora evitou que suas lentes captassem aquilo que seria difícil elaborar naquele momento(12).

A fotografia possui três grandes funções: documental - reflexo, testemunho e representação da realidade, artística - busca criar emoções e textual - meio de transmitir ideologias e valores(13).

A inserção do recurso fotográfico, neste estudo, foi considerada tanto documental quanto textual, uma vez que, concomitantemente, teve o caráter de testemunhar uma dada realidade e de transmitir as crenças e os valores das gestantes.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conteúdo extraído do material fotográfico produzido pelas gestantes revelou, durante as entrevistas, as suas idiossincrasias e permitiu a compreensão da sua experiência com relação à interação com o ambiente hospitalar, especificamente, com a área materno-infantil. No decorrer das narrativas fica explícito a necessidade que essas mulheres têm de encontrar, no cenário deste estudo, um ambiente receptivo, que as acolha e as torne, verdadeiramente, protagonistas do processo de nascimento.

Ler imagens significa classificar seus significados, é necessário detalhar esses sinais por meio de outras fontes: o trajeto do olhar, as impressões visuais globais, as rupturas ou contradições entre o que é percebido e o que é compreendido(14).

Considerando que as imagens não devem ser vistas como um mero registro da realidade e entendendo que as participantes deste estudo carregam crenças, valores que absorvem de sua cultura e de sua sociedade, acredito que a linguagem visual possui a autonomia de registrar e, ainda, de transmitir as emoções deste grupo cultural. Nesse sentido, as fotos realizadas por elas expressaram os seus interesses, as suas idiossincrasias e os seus sentimentos pelo objeto fotografado.

A leitura do conteúdo extraído desse material fotográfico, a partir da ótica das gestantes, contribuiu, portanto, para a compreensão do comportamento desse grupo cultural e para a reflexão sobre o que é possível inferir da experiência com as situações, objetos e relações pessoais, revelando, assim aspectos relevantes a serem analisados e discutidos pelos profissionais de saúde envolvidos na assistência à mulher.

Assim, a "fotovoz" vem abrindo espaço para novas metodologias e discutindo o quanto a narrativa da visualidade fornece muito mais que dados: ela é parte integrante do nosso entendimento. Entretanto, em revisão de literatura, observa-se que em nosso meio a utilização de métodos visuais em pesquisas é, ainda, incipiente(15).

Nesse contexto, acreditamos que é possível ampliar ainda mais o alcance da antropologia visual, salientando-se que ela pode contribuir para a identificação e o reconhecimento de sentimentos e expressões e, como afirma o antropólogo Geertz, dentro de um contexto próprio para que esses gestos sejam melhor interpretados(16).

Torna-se imperativo, face ao exposto, a necessidade de despertarmos para a relevância de não tornarmo-nos consumidores, mas também produtores de pesquisas que envolvam a inserção de novas metodologias, ampliando, assim, o fornecimento de subsídios para a adequação de intervenções que melhorem a qualidade de vida daqueles que assistimos.


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