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BrBRCVHe0034-71672005000400011

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variedadeBr
ano2005
fonteScielo

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Nível de dependência de idosos e cuidados no âmbito domiciliar PESQUISA

Nível de dependência de idosos e cuidados no âmbito domiciliar

Dependence level of elderly and care in the household scope

El nivel de dependencia de ancianos y la atención en el contexto domiciliario

Evelise ThoberI; Marion CreutzbergII; Karin ViegasIII IEnfermeira (FAENF/PUCRS) evelisethober@ig.com.br IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem (UFRGS). Doutoranda em Gerontologia Biomédica (PUCRS) Professora e Vice-Diretora da FAENF/PUCRS, marionc@portoweb.com.br IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem (UFRGS). Professora da FACENF/PUCRS, kviegas@terra.com.br

1. INTRODUÇÃO As transformações do perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira demandam a adaptação dos serviços de saúde para suprir a demanda emergente. Com a melhora da qualidade de vida e a diminuição na taxa de natalidade, um aumento da proporção da população de 60 anos ou mais, o que representa, atualmente, em torno de 14 milhões de pessoas(1,2). Com o aumento da expectativa de vida têm crescido os fatores de risco associados às doenças crônico-degenerativas acentuando os índices de morbidade que podem comprometer a independência(3-5)da população idosa. Repensar as prioridades na área da saúde, a atenção à saúde do idoso dependente e um suporte ao cuidador familiar representa novos desafios para o sistema de saúde brasileiro(6).

A Política Nacional de Saúde do Idoso(7) apresenta como pressuposto básico a permanência do idoso em seu meio familiar. Nesse sentido, manter o idoso fragilizado sob os cuidados familiares, pelo maior tempo possível. Isso somente é possível com recursos, infraestrutura e apoio disponível, especialmente de um cuidador e equipamentos específicos para a realização das atividades da vida diária (AVD)(4,8). O cuidado em gerontologia pode ser prestado tanto pela família ou cuidadores informais, como pelos profissionais e instituições de saúde(9).

De acordo com os conceitos gerontológicos o idoso que mantém a sua autodeterminação, sem necessitar de nenhum tipo de ajuda ou supervisão para realizar seus afazeres diários, é considerado um idoso saudável, ainda que possua uma ou mais doenças crônicas. Daí decorre o conceito de capacidade funcional, ou seja, a capacidade de manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida independente e autônoma. Este é um conceito que, do ponto de vista da saúde pública, é mais adequado para instrumentalizar e operacionalizar a atenção à saúde do idoso(8). A determinação da capacidade funcional do idoso é um indicador imprescindível para adequar os cuidados de enfermagem tanto ao paciente como ao familiar. A família é fundamental nesse processo de prestação de cuidados ao idoso e deve ser compreendida quando os cuidados excedem as suas capacidades(3).

A efetivação de políticas públicas na questão da saúde do idoso fornece às famílias apoio para o cuidado dos seus idosos. Na Conferência Municipal de Saúde de Porto Alegre(10) foram ratificados os direitos que garantem os princípios de atendimento domiciliar para idosos e portadores de deficiência física, em todos os distritos sanitários. A assistência domiciliar contribui para a humanização da assistência, buscando envolver o familiar no cuidado e na construção de um ambiente favorável para a recuperação(8). O processo de educação em saúde acontece de forma mais efetiva e participativa, se desenvolvido no domicílio(11). A assistência domiciliária ao idoso não beneficia somente a este, mas contribui para melhorar a qualidade de vida dos familiares também. Esta assistência demanda para os profissionais da saúde uma parceria com as pessoas que cuidam dos idosos, possibilitando a sistematização das tarefas a serem realizadas no próprio domicílio, dando maior atenção àquelas relacionadas à promoção da saúde, à prevenção de incapacidades e à manutenção da capacidade funcional do idoso dependente e do seu cuidador, evitando-se assim, na medida do possível, hospitalizações, asilamentos e outras formas de segregação e isolamento(8,11).

Os objetivos do estudo foram identificar o nível de dependência de idosos e compreender as percepções do cuidador/ familiar sobre os cuidados domiciliários que decorrem do nível de dependência do idoso.

2. MÉTODO O estudo tem delineamento exploratório descritivo, com abordagem quantitativa e qualitativa. Foi realizado em domicílios de pacientes pertencentes ao Programa de Gerenciamento de Casos da GEAP, em Porto Alegre. Trata-se de uma entidade fechada de Previdência Complementar, sem fins lucrativos, que oferece aos servidores públicos federais planos e programas de saúde, assistência social e previdência complementar. Foram incluídas no estudo 12 das 250 famílias cadastradas no Programa, que aceitaram participar do estudo. O número foi determinado pela saturação dos dados qualitativos.

A coleta de dados deu-se com a aplicação de um instrumento de classificação do nível de dependência do idoso de Katz(12), relacionado à prática das atividades da vida diária (AVD). Através deste índice é possível classificar o desempenho nas atividades de banhar-se, vestir-se, usar o vaso sanitário, fazer transferências, continência e alimentação. Para cada uma das funções atribui-se a classificação dependente ou independente. A coleta dos dados qualitativos foi realizada com entrevista semi-estruturada com 14 cuidadores, com questões norteadoras acerca do cotidiano do cuidado, das facilidades, das dificuldades, da relação entre cuidador e idoso, que foi gravada e transcrita.

Os informantes foram os idosos e o cuidador principal.

Os dados quantitativos foram analisados com estatística descritiva. Para a interpretação dos dados qualitativos foi utilizada a análise de conteúdo(13).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da PUCRS. Foram observadas as questões éticas em pesquisa(14), levando em consideração a decisão voluntária na partição deste estudo. Após a exposição dos propósitos do mesmo, os cuidadores assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 3.1 Caracterização dos idosos e cuidadores Os idosos do estudo encontram-se na idade entre 63 e 97 anos, dos quais 7 são mulheres e 5 são homens. Em 90% dos casos o cuidado do idoso fragilizado é realizado por mulheres, sendo que o único cuidador masculino contava com o auxílio de ajudantes contratadas. Dentre as mulheres 40% são esposas, 25% filhas, 16% contratadas. Estudos realizados no Brasil e no mundo constatam que os idosos dependentes recebem o apoio de uma ou mais pessoas dentre familiares, especialmente, mulheres que residem no mesmo domicílio e se tornam as cuidadoras de seus maridos, pais e irmãos(6,11). Em apenas um caso o cuidador principal não mora com o idoso, sendo os cuidados repassados a outro familiar.

O idoso fragilizado, bem como o seu cuidador que muitas vezes também é idoso, são muito apegados ao seu ambiente e objetos pessoais. A mudança do ambiente, da moradia, do distanciamento dos conhecidos pode gerar depressão e desencadear outras patologias. Nesse sentido, a importância de se preservar o idoso em seu ambiente é muito significativo e levou 75% dos idosos deste estudo a permanecerem no seu domicílio.

A faixa etária de 75% dos cuidadores estava acima de 50 anos, sendo que destes, 50% têm mais de 60 anos. Tal fato demonstra que pessoas idosas são cuidadas por idosos deixando a saúde destes em constante risco(6).

3.2 Grau de dependência do idoso para realização das AVD As atividades que exigem movimentação e deslocamento (banhar-se, vestir-se, usar vaso sanitário e transferências) são as que indicam maior dependência dentre os idosos do estudo. 91,7% apresentam dependência importante de seu cuidador. Essas dependências geram maiores demandas de cuidados e exigem do cuidador esforço físico e atenção constante. Em relação à continência, 75% necessitam auxílio. para a alimentação, 58%.

A dependência gradual leva um tempo para ser compreendida pelo familiar implicando em tomadas de decisões em relação ao cuidado e a eleição de um cuidador. Depois de identificada pelo profissional a dependência precisa ser trabalhada com a família.

Embora não se possa, a partir deste resultado, inferir sobre o grau de dependência dos 250 pacientes vinculados ao programa, os dados demonstram que as famílias participantes deste estudo têm, sob seus cuidados, pessoas idosas que demandam muito envolvimento no cuidar.

3.3 A percepção dos cuidadores frente ao cuidado Da análise dos dados provindos da entrevista com os cuidadores principais emergiram três categorias, quais sejam "o cotidiano do cuidar: mudanças, facilidades e dificuldades", "os participantes do cuidado" e "o cuidador, o idoso e o cuidado: que relação é essa?" com seus respectivos temas. No sentido de aproximar o leitor das famílias, foram incluídas algumas de suas falas.

3.1.1 O cotidiano do cuidar: mudanças, facilidades e dificuldades De acordo com os cuidadores entrevistados, as maiores mudanças do cotidiano acontecem na vida pessoal e profissional do próprio cuidador. O cuidado constante dispende do cuidador praticamente todo o seu tempo, as suas forças, o seu lazer e até as suas emoções. Alguns cuidadores abdicaram do seu emprego, outros vão trabalhar, mas carregando uma preocupação com a saúde do seu familiar.

O cuidado a um familiar envolve projetos de vida(15). Dentre casais, a situação de cuidar do cônjuge gera menos conflito, pois os dois compartilham de um mesmo projeto de vida, o que é percebido contrariamente em alguns casos no presente estudo. Para os filhos a exigência pode ser maior, pois os projetos de vida são diferentes e terão que ser redefinidos ou até mesmo abandonados em detrimento do familiar.

Eu me aposentei porque pela doença dele eu não podia mais cumprir horário no trabalho(E7). Agora, interfere em tudo, no meu sono, na comida, no meu tempo. Se tiver feriado não posso passear(E9). Às vezes eu fico meio chateada! Quero fazer uma coisa e não tenho muita condição pra fazer, tem que estar pedindo pra outra. Não pra pegar ônibus, não posso sair sozinha, tenho um problema de coluna e me sinto meio desequilibrada, e isto é difícil (E13). Tem dias que a gente discute, a gente se estranha, e isso não é legal na nossa idade, nem na situação que vive os dois aqui (E4).

Outro estudo(9) concluiu que os "cuidadores tanto tem percepções de benefício (psicológicos e sociais) quanto de ônus (físico) acerca dessa experiência". Tal ambigüidade também é identificada nas entrevistadas, quando se referem com prazer à condição de cuidadoras: Eu me sinto realizada e parece que é algo meu, que ninguém pode vir tirar, que eu tenho que estar sempre ali cuidando, sempre olhando, sempre protegendo(E6). E o cuidado interfere na tua vida pessoal.

Não, até é uma terapia pra mim fazer isso. Adoro cuidar dela (E5).

A rotina diária que determina os afazeres do cuidador exclui a sua vontade ou preferência. O cuidador abre mão da sua vida pela daquele ao qual ele está cuidando.

...porque eu acordo as 5 horas da manhã e levanto, troco a minha mãe, limpo ela, lavo, dou café e quando é 7:15 eu to saindo pra trabalhar. Chego em casa quase 3 horas da tarde e esse tempo todo ela fica sozinha, e depois eu chego pra dar o almoço(E3).

Enquanto para o cuidador familiar a rotina de cuidar é algo que pode se tornar exaustivo e comprometer sua integridade física observou-se as que são contratadas para esse serviço, enxergam o cuidado como algo que não fadiga. A ausência da ligação familiar facilita o cuidado, pois o envolvimento emocional torna-se bem menor, por maior que seja a afinidade entre o cuidador e o idoso.

Alguns cuidadores familiares continuam a exercer sua atividade profissional não transformando o cuidado como sua ocupação(3,9): ...no meu emprego eles entendem a minha situação e assim se eu tiver que sair mais cedo... eles procuram facilitar a minha vida. Eles entendem.(E3).

Além da mudança que ocorre na vida do cuidador, mudanças na vida do idoso, decorrentes de alguma fragilidade, porém sem perda da autonomia, pode ocasionar diminuição das interações sociais. Demonstra a cuidadora: ...não vamos a nada, não saímos, é muito difícil a gente sair. A gente ta tendo uma vida muito restrita e ele se sente meio constrangido porque de vez em quando a bolsa (colostomia) infla, ou enche e ele então não quer sair, não quer ir nos lugares (E4).

O ambiente doméstico passa a ser adaptado para as necessidades emergentes.

Objetos de decoração passam a ser substituídos por medicações, materiais de curativo, uma série de objetos que fazem parte do cuidado. As adaptações facilitam o cuidado, mas tornam o ambiente menos aconchegante: A gente adaptou toda a nossa vida para o cuidado dele. A gente tem cadeira, a gente colocou colchão piramidal... (E7) Então se montou aqui o que tu viu aqui, um mini hospital. Tem cama hospitalar, cadeira de rodas (E9).

A perda da autonomia resulta, às vezes, na mudança de endereço residencial para mais perto de outro familiar mais capacitado, gerando ansiedade no cuidador e no idoso. Isso ocorre principalmente quando tanto o cuidador quanto o idoso possuem idades mais avançadas.

Os filhos procuram trazer seus pais para mais perto deles ou de recursos de saúde. Essas mudanças geram no idoso um sentimento de perda de autonomia e de familiaridade com o ambiente: E ela quer me levar mais pra perto dela, porque aqui fica meio longe pra ela vir. A condução é bem mais cara. Por isso eu fico meio assim, meio querendo ir, querendo não ir. Aqui é meu e eu estou ambientada nisso aqui (E13).

experiências e saberes que se tornam facilidades no cuidar: Eu tenho 2 meninos, então a gente, eu venho com esse lado de casa, então eu trato ela com bastante amor e carinho(E5). Cuidado quando nasce um bebê, assim ela sabe o que é ter uma pessoa que depende dela. Não adianta tu fabricar isso numa pessoa. Isso tem que vir com ela (E9).

Além da maternidade, a experiência na área da saúde, facilita o cuidado, na expressão das famílias: Então eu me sinto extremamente tranqüila em cuidar dele até porque eu era auxiliar de enfermagem, e aqui em casa, todo mundo tem muito preparo para cuidar dele (E7). Não sei se é porque eu tenho experiência (auxiliar de enfermagem), mas isso facilita mais! (E2). É eu que decidi assim porque uma também que eu trabalhei 8 anos nessa área e eu tenho mais prática e tudo para lidar com ela e assim( E1).

Uma das principais dificuldades encontradas, também em outros estudos(16), é a escassez de recurso financeiro, pois com este é possível obter outros, como recursos humanos e materiais. Condições financeiras adequadas possibilitariam a contratação de pessoal qualificado para prestar o cuidado, por exemplo. A falta de dinheiro pode gerar angústia no cuidador que quer dar o melhor para o seu familiar idoso.

...eu podia ficar o dia inteiro, eu teria muito mais a oferecer a ela... E poderia haver pessoas muito mais qualificadas pra ficar aqui de noite com ela. E pra ti ter uma pessoa qualificada que fique a noite tem preço (E6). Ela fica sozinha e isso graças... eu sou funcionária pública federal, mas a gente ta ganhando uma miséria. O meu dinheiro não para pagar uma pessoa, assim, pra ficar aqui, então... (E3) O aumento do grau de dependência do idoso gera para o cuidador a dificuldade na mobilidade. As dificuldades vêm desde a falta de condicionamento físico para realizar a movimentação até o medo de não conseguir realizar esse movimento de forma adequada(15). A habilidade e o conhecimento da atividade de cuidar são construídos na prática diária, na qual o familiar aprende com os seus erros e acertos, seguindo um caminho inverso da trajetória profissional, o qual primeiro tem contato com o conhecimento e é treinado e depois está habilitado para exercer a atividade. A falta de preparo para o cuidado gera no cuidador uma ansiedade que é substituída por segurança a partir do momento em que consegue organizar-se e perceber o cuidado como fácil. Essa situação, porém não é estável, posto que o estresse leve uma mesma pessoa a passar por experiências ambíguas em relação ao mesmo evento(5).

Ela vai se segurando na porta, e uma vez ela se sentiu mal, tive até que por fralda nela. Levantei ela, mas ela é pesada demais (E5). Se eu pudesse puxar ela pra trás, mas eu não posso; daí tem que ter alguém(E13). Tem que levar ela na aula de pintura. Daí, eu tenho que ajudar a carregar ela, no andador, ou caminhar um pouco, essas coisas. Ela tem dificuldade pra caminhar (E5).

3.2.1 Os participantes do cuidado A necessidade leva à família à (re)organização e realização do cuidado.

Designar um cuidador principal, assim como atitudes do escolhido, que se sente na preferência ou responsabilidade de tomar as decisões pode gerar conflitos.

Outras vezes os familiares apenas concordam com as condutas delegando ao cuidador principal a tomada de decisão.

Eu que tomo a decisão é lógico, e eles (filhos) me apóiam. (E14).

A decisão nós tomamos. Porque nós somos em 3, eu e um filho, pensamos mais ou menos igual, agora o outro é completamente diferente, porque o outro é igual ao pai dele, escrito. Então as minhas opiniões com as dele nunca são as mesmas. Geralmente quem prevalece são as opiniões dele (filho), porque ele é muito bravo(E8).

Um estudo demonstrou que no início do processo de cuidar de um familiar dependente os papéis e as atividades da família não estão claros(17). Com o passar do tempo a família vai se organizando e isto é benéfico para ela, pois não risco de sobrecarregar a nenhum familiar. Porém famílias em que essa dinâmica não funciona. Alguns familiares tomam pra si a responsabilidade, enquanto outros ignoram ser esta uma responsabilidade sua.

Essa outra minha irmã que tava junto, misturava um pouco entende?! A vida dela, do neto, do marido, da filha, com os cuidados dela (mãe). Pra ela atrapalhava... mas pra mim não (E10).

A respeito delas cuidar assim, elas vem mais assim pra visitar, no caso, claro, quando ela vai pro hospital, alguma coisa, elas participam, elas vão e ficam com ela à noite, o dia a gente se revesa, sabe, mas assim, o dia a dia eu que cuido dela (E1).

A família é fonte de apoio. Cada parte colabora e a sua contribuição para o cuidado. Seja no cuidado direto ao familiar ou apoiando, seja se importando com o que tem sido feito. Esse tipo de apoio é muito significativo para o cuidador principal: Os meus filhos que moram comigo que me dão apoio e participam de tudo (E10).

Karsch(6) verificou que o cuidador familiar é o ator social principal na dinâmica dos cuidados pessoais do idoso dependente. A maior parte dos cuidadores entrevistados presta os cuidados sem nenhum tipo de ajuda. Para Elsen(17), o fato de apenas um familiar assumir o cuidado sozinho, pode representar a falta de apoio e comunicação entre os seus membros, o que na prática pode afetar a saúde familiar. Isto é percebido nos relatos: Não dão nenhuma ajuda, nada e estão satisfeitos que eu cuido dela. Os familiares se preocupam, telefonam, mas eles não sabem nem a metade do que eu passo aqui sozinha com ela (E3).

E os outros apareceram aqui, me trataram muito mal. Com muito desprezo, sabe? Pediram até dinheiro da passagem! (E6).

A família é compreendida como um lugar em que se encontra apoio, ajuda, compreensão, compartilhar das dificuldades e fortalecimento através da união para enfrentar os obstáculos. Quando essa função da família não é bem estruturada, gera conflitos na realização do cuidado.

...isso é uma coisa que eu não estou tendo(paz), eu não tenho, inclusive, com esse problema da minha filha, cada vez que ela vem desestrutura toda minha vida (E3).

A relação do cuidador com o seu familiar é uma relação fundamentada em uma história anterior e a fragilidade gera novas percepções. Para o idoso pode gerar um sentimento de impotência frente à impossibilidade de fazer por si mesmo, para o cuidador, a percepção da necessidade de dependência é constante.

Assim, ao mesmo tempo em que a dependência do idoso causa no cuidador o peso da responsabilidade pode surgir o sentimento de posse sobre o outro em detrimento de sua autonomia levando a uma relação ambígua entre cuidador e idoso(15).

Olha, na verdade a gente observa que como ela esteve com as outras irmãs, existe um sentimento de possessividade de cada uma de achar que cuida melhor e isso ai tu nota em qualquer uma delas. Na minha casa ta melhor. (E10).

É importante a família possibilitar o máximo de oportunidades possíveis para que o idoso participe da tomada de decisões sobre si e nas questões familiares.

Esse respeito com a individualidade do idoso proporciona bem estar, que por várias ocasiões pode sentir-se como um fardo para a sua família: Eu me sinto bem assim, porque ela se ajuda bastante, ela não depende muito de mim. O mais que depende de mim é pra ajudar a vestir ela, então isso me alivia um pouco, não fico tanto em cima dela (E5).

A vida restrita do idoso pode significar mais autonomia para o cuidador, pois as tarefas de cuidado estão pré-estabelecidas e a rotina do idoso também: Não tem nada que dificulta o cuidado, porque ele anda dentro de casa e ali na área e eu acompanho, às vezes ele sai, vai até o portão! Ele anda sozinho, de andador e sempre tem cadeira fora, ele senta aqui, quando sai daqui vai pra cozinha tomar café, isso tudo sozinho e eu cuidando, sempre de olho (E2).

A participação de não familiares no cuidado, isto é, profissionais, amigos, vizinhos ou pessoas contratadas, auxiliam em muito no cuidado, esclarecendo dúvidas e tornando o cuidado mais leve. Esta situação pode ser classificada como um cuidado indireto e é bem recebido pela família.

Os cuidados profissionais, o suporte social e de saúde é muito desejado pelo cuidador, embora nem sempre esteja ao seu alcance(18). Estudos têm investigado e descrito aspectos contributivos à metodologia do cuidado domiciliar, pelo profissional de saúde(19). O cuidado profissional é técnico, com subsídios científicos e deve usar da experiência familiar para ensinar o cuidado. As observações feitas pelo cuidador são muito importantes para a identificação de problemas passíveis de intervenção.

Com a assistência e com a orientação, a gente tem tudo. Da enfermeira que nos assiste aqui, ela sempre procurando um material ou alguma coisa que melhore (E4).

A ajuda das fisioterapeutas, eu aprendi com elas, como é que ele tem que se levantar, sem as pessoas fazerem força. Ele que tem que fazer a força e não a pessoa que ta levantando. Antes de eu saber disso, eu fazia muita força(E8).

A gente tem procurado também, no posto, que eles dão uma assistência também para os ostomisados, então tudo que ensinam, tanto da parte da enfermeira, como do posto, que possa melhorar essa situação a gente aplica, eu aplico e ele se submete, ele aceita. (E4) A participação de amigos e vizinhos também é indispensável no 'gerenciamento' de cuidado que o cuidador principal assume: Tem meninas que me ajudam. Eu sou o administrador da coisa. Elas que fazem a dieta, colocam a dieta, tem hora de dar remédio, tem que dar o banho... (E9).

Quando eu preciso eu telefono pra uma ou pra outra. Os vizinhos se preciso ajudam (E13).

3.3.1 O cuidador, o idoso e o cuidado: que relação é essa? Para os cuidadores as palavras cuidar e cuidado fundem-se no mesmo significado, tanto em termos de definição, como através da identificação das atividades que o envolve(20). Mas o que destacam, são as qualidades do cuidador. Referem que as qualidades e habilidades do cuidador, na maior parte das vezes, são adquiridas pelas necessidades emergentes do dia a dia. Muitos cuidadores aprenderam através das dificuldades adaptar a sua vida e o ambiente para o cuidado.

Segundo as opiniões dos entrevistados as qualidades essenciais de um cuidador consistem em possuir afinidade e amor pelo idoso e gostar do que faz: Eu acho que tem que gostar da pessoa que esta sendo cuidada (E7).

Muitas vezes a gente quer se desesperar. E daí tem que parar, o amor fala mais alto porque tu quer a pessoa junto contigo(E4).

Isso não é banco, não é escritório, não é firma, tu tem que ter vocação tem que ter todo o jeitinho (E9).

Tem que gostar do que faz (E5).

Competência na realização do cuidado: E onde tu acha que a gente encontra gente especializada pra cuidar de uma pessoa idosa?! As pessoas estão ficando cada vez mais idosas, vivendo mais e não tem curso para cuidar de pessoas idosas. Não inventaram ainda. Então são geralmente o que o pessoal chama de doméstica e que na marra vão se especializando (E9).

Percepção e atenção aos sentimentos do idoso, garantindo bem estar e segurança e paciência: Eu achar que ela esta bem acomodada, achar que ela ta se sentindo bem... E ela não tem nenhuma comunicação com a gente. Toda comunicação dela é um braço que é quase uma comunicação mecânica , e tu tem que adivinhar o que ta acontecendo, daí tem que estar sempre atenta (E10).

Ele me chama toda hora e eu to sempre de olho nele e tenho medo que ele caia e ele cai mesmo(E2). É importante ter paciência. Aquela outra que tinha aqui, Deus me livre. Ela tinha que fazer as necessidades na hora que ela queria, não podia fazer depois que ela arrumasse... (E13).

Estar de bem consigo mesmo e com Deus: ...tem que ter paz de espírito (E3) ...ter muita em Deus e fazer tudo por amor a Deus, porque no mais não vale a pena fazer (E8).

A atitude do idoso em relação ao cuidador pode muitas vezes interferir na forma como este é tratado. O cuidador sofre influência da personalidade e caráter do idoso e do relacionamento durante o decorrer dos anos. Percebeu-se que se o idoso trata com desprezo é tratado dessa forma, se trata com carinho, dessa forma também será tratado. A forma negativa como o idoso trata o cuidador, de certa forma pode ser compreendido como não aceitação da relação de dependência.

Isso ocorre principalmente na relação entre cônjuges, quando o marido passa a depender da sua esposa e esta, por sua vez, precisa assumir a total responsabilidade.

Quando chega uma pessoa ele é completamente diferente, ele muda, por isso eu te digo, depende muito da pessoa que cuida, depois, muito do caráter do doente também. Vi a minha mãe doente, minhas irmãs doentes, e elas não tinham esse tipo de comportamento. Eu não sei se isso é peculiar dos homens, pode ser que seja também. Eu vi no hospital também ele tem atitudes completamente diferentes comigo e com as enfermeiras. Ele é um homem agressivo comigo, posso até dizer que ele é um homem mau (E8) a forma positiva no tratamento do idoso com o cuidador e vice-versa, é um reflexo do bom relacionamento que existiu entre as partes, e na ocasião da dependência, o cuidado é visto como uma retribuição pelo bom relacionamento cultivado.

Como eu te disse, ele foi uma pessoa muito boa comigo e com as filhas. Então aqui a gente cuida dele porquê a gente quer sempre o melhor pra ele. Apesar de saber que ele vai cada vez piorando mais, porque é coisa da doença mesmo, mas se dependesse da gente a gente queria que ele saísse de andando (E7).

Dentre os motivosque levam um familiar a assumir o cuidado principal do idoso, está a obrigação moral, questões religiosas, culturais, a designação ou ainda a experiência(5). A Constituição Brasileira(21:artigo299) assinala que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice carência ou enfermidade".

Dentre as entrevistadas o cuidado é visto como uma obrigação do cuidador tanto bem aceita como não tão bem vinda: Me sinto quase como obrigada. Como um dever meu... é tranqüilo, sem mistério nenhum (E10).

Me sinto realizada e, mas é obrigação da gente como filho fazer isso ( E1).

Eu faço tudo que precisa pra ele; não tem o que facilitar, porque tem coisas que eu não tenho vontade de fazer, mas eu sou obrigada a fazer. (E14).

Também é visto como uma obrigação religiosa, como um serviço prestado a Deus.

Ou uma forma de humanidade para com quem necessita mais.

Eu sou religiosa praticante. Mas se eu não tivesse isso, eu acho que eu seria muito pior do que eu sou, porque eu não me considero uma santa. Então o que eu faço atualmente é exclusivamente por amor a Deus, não por amor a ele porque tem doente que não merece. Ele é um caso desses que não merece (E8).

Outros expressam o cuidar de seu familiar como forma de garantir o retorno diante da necessidade de ser cuidado: Tem que saber que pode ser a gente amanhã! Pode ser que eu chegue a ter a idade dela. Tomara que eu tenha sorte de encontrar alguém que me cuide (E3).

O cuidado também é percebido como gratidão ao familiar idoso e zelo por seu bem-estar. O cuidar quando se torna gratificante é uma demonstração de reconhecimento pela família e algumas vezes pelo idoso. Alvarez(5) afirma que a percepção do cuidador de estar se sacrificando através do cuidado gera um sentimento de estar cumprindo com sua obrigação e torna o cuidado gratificante.

Bom, espiritualmente tu fica gratificado, ainda mais que é minha mãe. Me cuidou quando era pequenino. Agora eu to cuidando dela que ficando pequenina de novo. É o ciclo da vida (E9).

Cuidar de seu idoso fragilizado como missão, os sentimentos de gratidão, a perspectiva de uma reciprocidade esperada e o comprometimento entre as gerações foi identificado também no estudo de Creutzberg(22).

O idoso não é visto pelos cuidadores somente como pessoa isoladamente, mas tudo ao seu redor passa a fazer parte do seu bem-estar. Nesse sentido, ao falarem das ações de cuidado, contribuem com o conceito de cuidar: Cuidar de tudo que é do paciente, além do próprio paciente. Se preocupar com o dia a dia do paciente, se preocupar com a saúde, com a alimentação, com a higiene, com a técnica, com o medico, quando ela tem que voltar ao medico, quando ela tem que fazer o próximo exame, perceber quando algo está errado. Se o intestino não esta funcionando, se ela esta retendo urina (E6).

Ressaltam os cuidados voltados à higiene corporal e ao bem-estar físico: Cuidado é levantar cedo, dar banho nela, escovar os dentes, lavar a cabeça, cortar as unhas é muita mão de obra, sabia ! (E13).

Fazer os curativos (E4) Expressam a necessidade de atenção à saúde mental do idoso: Então nem adianta tu entrar ali dentro pra judiar! Maltratar a pessoa, não é sempre que ela bem. Nem sempre faceira, mal humorada(E5).

E as ações de cuidado vão além do corpo, da saúde mental. Entendem que cuidar do ambiente também faz parte do cuidado à pessoa: ... o quarto limpo (E14). Tudo que for necessário, a casa (E6).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O grau de dependência influencia diretamente na vida do idoso e de sua família, pois a dificuldade de realizar as AVD determina a necessidade de um cuidador que se disponibilize para auxiliá-lo. O conhecimento da realidade das famílias do ponto de vista de suas necessidades, das dificuldades e facilidades geradas no cotidiano, como também os sentimentos que envolvem o cuidado é fundamental para a assistência da enfermagem e demais profissionais, oferecendo subsídios para a atenção da saúde do idoso como a seus familiares no domicílio.

O cuidador familiar possui um conhecimento apurado das necessidades físicas e emocionais do idoso. Cabe aos profissionais ter esse cuidador como elo entre o idoso e a equipe multiprofissional. Por outro lado é relevante o auxílio de profissionais de saúde para a adaptação adequada e educação para a saúde dos cuidadores, bem como para a manutenção do idoso o maior tempo possível em seu lar, favorecendo a familiaridade como também a diminuição dos riscos e custos numa internação hospitalar ou em instituição de longa permanência.

Os resultados deste estudo subsidiarão o Programa de Gerencia-mento de Casos da GEAP a definir estratégias para ampliação do suporte oferecido às famílias.

Sugere-se que se realize a avaliação do nível de dependência para AVD com todos os idosos do Programa, periodicamente, para uma análise sistemática das demandas deste grupo.


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