Demandas do trabalho e controle: implicações em unidades de terapia intensiva
pediátrica e neonatal
INTRODUÇÃO
A relação entre o estresse ocupacional e a saúde mental do trabalhador vem
sendo tema de várias pesquisas nos últimos anos, em nosso meio e em outros
países, pois são preocupantes os índices de incapacitação temporária,
absenteísmo, aposentadoria precoce e riscos à saúde associados à atividade
laboral(1).
Diversos estudos desenvolveram modelos teóricos a fim de avaliar a prevalência
de distúrbios emocionais e disfunções profissionais no ambiente ocupacional e,
identificar os fenômenos que são comparáveis em múltiplos postos de trabalho e
em grupos ocupacionais distintos(2-4).
Um dos modelos conceituais mais utilizados é o Modelo Demanda-Controle(2), que
privilegia duas dimensões psicossociais no trabalho: o controle sobre o
trabalho e a demanda advindo do trabalho. Karasek define que a tensão no
trabalho (job strain) ocorre quando as demandas (exigências) do trabalho são
altas e a margem de tomadas de decisões é baixa. Essa condição pode acarretar
consequências nocivas à saúde física e psicológica.
O processo de trabalho nas UTIs demanda importantes atribuições, uma vez que a
gravidade e complexidade dos pacientes impõem a necessidade de lidar com
equipamentos sofisticados, realizar avaliações clínicas constantes e
procedimentos complexos, com tomada de decisões imediatas.
O estresse pode ser especialmente importante em Terapia Intensiva Pediátrica e
Neonatal. Médicos e enfermeiros têm sido identificados como um grupo de
extensiva atividade laboral, com demandas físicas e emocionais, ocasionada
pelas implicações de suas atividades ocupacionais(5-19).
Na maioria das vezes, o médico lida com a complexa relação entre os diversos
profissionais, combinando funções administrativas com a de ensino e
assistência, enquanto o enfermeiro coordena os serviços auxiliares e de apoio à
assistência. Assim, enquanto o médico fica mais sujeito a uma sobrecarga
emocional(20), o enfermeiro parece sofrer mais com a sobrecarga física do
trabalho(21-24).
Diante do exposto acima, o principal objetivo desse estudo é comparar a demanda
e o controle sobre trabalho de médicos que trabalham em UTI Pediátrica e
Neonatal, e, também, entre enfermeiros que trabalham nas mesmas unidades. O
estudo também pretende avaliar se há diferença entre o controle sobre o
trabalho e a demanda psicológica na mesma categoria profissional, mas diferindo
de acordo com a unidade de terapia intensiva.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal, que incluiu médicos e enfermeiros, que
trabalhavam em UTI Pediátrica (35) e Neonatal (22), na Universidade Federal de
São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Foram avaliados ao todo 25
médicos e 10 enfermeiros da UTI Pediátrica e 12 médicos e 10 enfermeiros da UTI
Neonatal, constituindo-se a amostra total de 57 profissionais, que aceitaram
participar espontaneamente do estudo. O critério de inclusão consistia em ser
médico ou enfermeiro contratado para trabalho na UTI e médico-residente
cursando o estágio de UTI.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
UNIFESP/EPM (nº 1604/04) e todos os participantes assinaram o termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Utilizou-se o Job Content Questionnarie (JCQ) com 49 questões, elaborado por
Robert Karasek (Universidade de Massachusetts, Lowell, 1979) e traduzido e
adaptado no Brasil por Tânia M. Araújo Núcleo de Epidemiologia (Universidade de
Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2001).
As variáveis analisadas foram: controle sobre o trabalho (autoridade decisória
e autoridade decisória no nível macro); demandas psicológicas do trabalho;
esforço físico; carga isométrica física; demandas físicas do trabalho;
insegurança no emprego; suporte social proveniente do supervisor; suporte
social proveniente dos colegas de trabalho. A medida de resposta de cada item é
avaliada em 4 níveis: 1 = discordo fortemente, 2 = discordo, 3 = concordo e 4 =
concordo fortemente. O coeficiente de Alfa Cronbach geralmente aceito para
mulher é 0,73 e para homem é 0,74(2).
As comparações entre unidades de trabalho (UTI Pediátrica e UTI Neonatal) e
categoria profissional (Médicos e Enfermeiros) foram estudadas utilizando o
teste Mann-Whitney U.
RESULTADOS
Os médicos eram predominantemente do sexo feminino (76 %) com média etária de
34,70 ± 7,11 anos, e trabalhavam em UTI, em média há 7,17 ± 6,89 anos. Os
enfermeiros eram predominantemente do sexo feminino (95%), com média etária de
31,55 ± 6,37 anos, e trabalhavam na UTI, em média, há 5,85 ± 4,40 anos.
Na análise do JCQ pode-se dizer que médicos da UTI Pediátrica comparados aos da
UTI Neonatal apresentam valores médios superiores nas seguintes variáveis
estudadas: controle sobre o trabalho autoridade decisória (35,68 ± 5,88)
(p=0,19); esforço físico (6,32 ± 1,46), (p=0,22); carga isométrica física (5,00
± 1,29), (p=0,62) e suporte social proveniente de colegas de trabalho (11,84 ±
0,98), (p=0,29). Nas demais variáveis: demanda psicológica do trabalho (43,58 ±
4,89), (p=0,92); insegurança no trabalho (6,25 ± 2,86), (p=0,43), médicos da
UTI Neonatal apresentaram valores médios superiores, comparados aos da UTI
Pediátrica, além de suporte social recebido do supervisor (14,83 ± 1,16),
(p=0,01), com diferença estatisticamente significante (tabela 2).
Em relação à análise realizada com os enfermeiros que compõe a UTI Pediátrica,
obtiveram-se valores médios superiores nas seguintes variáveis, comparados com
os da UTI Neonatal: controle sobre o trabalho autoridade decisória (33,20 ±
4,64), (p=0,83); esforço físico (7,40 ± 1,40), (p = 0,09); e suporte
provenientes dos colegas (11,50 ± 0,71), (p=0,11), sem diferença
estatisticamente significante. Enfermeiros da UTI Neonatal apresentaram valor
com significância estatística na variável insegurança no trabalho (5,80 ±
2,44), (p=0,05). Nas demais variáveis: demanda psicológica do trabalho (35,70 ±
7,47), (p=0,93); carga isométrica física (4,90 ± 0,99), (p=0,26) e suporte
social proveniente do supervisor (11,10 ± 5,72), (p=0,68), nenhuma diferença
estatística foi encontrada, quando comparados com enfermeiros da UTI Pediátrica
(tabela 2).
Quando comparadas categorias profissionais nas diferentes unidades de trabalho
pode-se dizer que médicos e enfermeiros da UTI Pediátrica diferem nas seguintes
variáveis, com diferenças estatísticas significantes: controle sobre o trabalho
autoridade decisória (p=0,02); demanda psicológica do trabalho (p=0,03);
esforço físico (p=0,02) e suporte proveniente do supervisor (p=0,04) (Tabela
2).
Tabela_1
Em relação a médicos e enfermeiros que compõe a UTI Neonatal, diferenças
estatísticas significantes foram encontradas nas variáveis: controle sobre o
trabalho autoridade decisória (p=0,02); esforço físico (p=0,05) e suporte
proveniente do supervisor (p=0,02).
DISCUSSÃO
A utilização do instrumento JCQ, para avaliar o estresse ocupacional de
enfermeiros, tem sido recurso metodológico em alguns estudos(25-27).
Nestes estudos, pode-se verificar que um dos pressupostos adotado por Karasek
(2,28), que a tensão psicológica sofrida no trabalho, ou seja, quando a as
demandas são altas e o trabalhador tem baixa autonomia, como conseqüência
gerando tensão no ambiente organizacional, é observada, assim como na presente
pesquisa.
Em nosso estudo encontramos valores estatísticos significantes na variável
suporte social proveniente do supervisor, presentes em médicos da UTI Neonatal.
A possibilidade de apoio social diminui a tensão psicológica, que pode depender
do grau de interação social e emocional e da confiança que se estabelece entre
os membros da equipe e o supervisor(2,28).
Em contrapartida observou-se que enfermeiros da UTI Neonatal apresentam valores
estatísticos significantes na variável insegurança no trabalho. Este fato é
descrito por Karasek(2,28), como alta exigência e baixo controle, somado a um
baixo apoio social, com maiores riscos para o desenvolvimento de patologias
físicas e mentais.
Quando comparamos médicos e enfermeiros da UTI Pediátrica, observamos
diferenças estatísticas significativas em relação às variáveis: controle sobre
o trabalho, demanda psicológica do trabalho, esforço físico e suporte social
proveniente do supervisor. Estas diferenças retratam um ambiente organizacional
que apresenta grande tensão, ou seja, a autonomia dos profissionais para tomar
decisões (controle sobre o trabalho) e a alta demanda, produz desmotivação e
dificuldade no aprendizado em novas tarefas, além de reduzida habilidade para
gerenciar situações organizações(2,28). Da mesma forma, podemos afirmar em
relação às comparações entre médicos e enfermeiros da UTI Neonatal, onde
apresentam diferenças significativas nas variáveis: controle sobre o trabalho,
esforço físico e suporte social provenientes do supervisor.
No estudo de Rijk(25), apesar de enfermeiros de UTI, apresentarem alto controle
sobre o trabalho, tendia a uma maior exaustão emocional, em virtude da demanda
advinda do mesmo; o que corrobora nossa pesquisa.
Apesar de não avaliarmos as diferenças entre gêneros, LaMontagne(29) e Muhonen
(30), demonstraram que o controle sobre o trabalho e demandas advindas do
mesmo, são vivenciadas de forma diferente por homens e mulheres. No primeiro
estudo a prevalência de tensão no trabalho é maior em mulheres, e as altas
demandas têm um efeito direto sobre a saúde da mulher, enquanto que no sexo
masculino, influência as relações sociais, fato observado no segundo estudo.
A maioria da população por nós avaliada faz parte do universo feminino, e
nossos resultados apresentam ambientes organizacionais marcados pelo estresse e
altas demandas, apontando baixa autonomia no trabalho vivenciada pela maioria
dos sujeitos analisados.
Vale ressaltar que estudos de corte transversal caracteristicamente apresentam
dois tipos de limitações: só incluem aqueles indivíduos que "sobreviveram" à
doença e, por coletarem simultaneamente dados de exposição e da doença, têm
dificuldade para estabelecer uma relação de causalidade entre ambos. Desta
forma, não podemos deixar de considerar as possibilidades de havermos perdido
informações daqueles que: (1) não devolveram os questionários; ou (2) por
alguma razão, estavam ausentes do trabalho na época da coleta de dados.
O tipo de amostragem de conveniência utilizado pode ter comprometido a
representatividade.
CONCLUSÕES
Apesar do número limitado de participantes, o estudo tem importantes
implicações para futuras pesquisas com o instrumento JCQ em UTIs, na tentativa
de verificar fatores ocupacionais, bem como comparar dados sócio-demográficos
com o controle e demanda no trabalho, além de apoio social advindo do trabalho,
visando instrumentar profissionais de áreas afins, quanto à detecção e redução
de fatores de riscos ocupacionais, bem como direcionar o trabalhador para
redução de formas inadequadas de lidar com as exigências advindas do trabalho.