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BrBRCVHe0034-71672014000300381

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variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Perfil sociodemográfico de tabagistas internados em enfermaria psiquiátrica de hospital geral INTRODUÇÃO O tabagismo tem sua raiz em um passado distante, conhecido e de valor histórico-cultural, o descobrimento da América do Norte. Quando Colombo chegou ao continente americano (1492), o tabaco era cultivado pelos nativos e seu consumo constante nas cerimônias religiosas, quando os pajés ou caciques aspiravam fumo a fim de conferir aos rituais um caráter mágico-religioso. A partir do século XV, o tabaco disseminou-se por todo o mundo civilizado e entre todas as classes sociais, constituindo um dos maiores fenômenos de aculturação da história da humanidade com implicações no contexto econômico mundial. Nos países europeus, por exemplo, o tabaco foi transformado na fonte de renda mais significativa dos governos e, no Brasil colônia, foi utilizado como moeda na troca de escravos africanos(1-2). Assim, com esse epítome histórico, percebe-se que o tabagismo surgiu e manteve-se sustentado por alicerces fortes: a economia, a história e a cultura.

Antes do século XX, o tabagismo era considerado um hábito socialmente aceito, símbolo de status social; no final do século XX, passou a ser considerado um hábito potencialmente nocivo à saúde, o que despertou o interesse dos órgãos que determinam as políticas de saúde mundiais e a necessidade de seu controle pelos governos locais.

A conscientização da população sobre os malefícios do cigarro à saúde tem contribuído para prevenir o seu uso e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes, o que resulta na redução do tabagismo na população geral. Com isso, tornou-se evidente a limitação dessas estratégias na população psiquiátrica, visto que a frequência de tabagistas entre essas pessoas se mostrou superior (2 a 3 vezes) à encontrada na população em geral(3-6).

A frequência elevada de uso de tabaco entre os pacientes psiquiátricos contraria o interesse mundial a respeito de seu controle. Essa limitação, integrada à tendência de humanização da assistência em psiquiatria com foco na saúde e não na doença, revela a necessidade de olhar o tabagismo além da dependência, ou seja, olhar para quem fuma a partir do conhecimento desses sujeitos.

Diante do exposto, este estudo teve por objetivo o de identificar o perfil sociodemográfico de portadores de transtorno mental, tabagistas, internados em enfermaria psiquiátrica de hospital geral, comparando-o com o de ex-tabagistas e não tabagistas.

MÉTODO Realizou-se uma pesquisa exploratório-descritiva, parte de um projeto, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que estuda diferentes aspectos relacionados ao tabagismo entre portadores de transtorno mental.

Participaram 270 pessoas, portadoras de transtorno mental, internadas em enfermaria psiquiátrica de um hospital universitário, público e estadual, de uma cidade do interior paulista. Foram excluídos os menores de 15 anos, pessoas com diagnóstico de retardo mental, usuários de álcool e outras drogas sem comorbidades psiquiátricas e pessoas impossibilitadas de se comunicar. A amostra foi selecionada de modo probabilístico (precisão de 95%).

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (EERP/USP, 1173/ 2010), com autorização da diretoria do Hospital das Clínicas de Marília. Os sujeitos, esclarecidos, assinaram duas vias do Termo de Consentimento (TCLE).

Para a coleta dos dados, realizada no período de agosto de 2010 a fevereiro de 2012, foi utilizado o "Instrumento de Identificação de Tabagistas em Unidade Psiquiátrica de hospital geral - ITUP".

Realizou-se análise descritiva dos dados, no Stata (versão 10.10), testando a associação entre as variáveis por meio do teste exato de Fisher, sob a probabilidade máxima de erro (alfa) de 5%. Os resultados foram discutidos com base na literatura sobre o tema.

RESULTADOS No período da coleta dos dados, 433 pessoas internaram-se na enfermaria psiquiátrica do Hospital das Clínicas de Marília. Ao excluir os sujeitos que não aceitaram participar do estudo (20,9%), os menores de 15 anos de idade (23,3%), aqueles com diagnóstico de retardo mental (11%), os com impossibilidade de comunicação (20,2%) e que receberam alta sem planejamento prévio (24,5%), a amostra ficou constituída por 270 sujeitos (62,4%).

Dentre os 270 sujeitos, houve predomínio de portadores de transtornos mentais severos - esquizofrênicos (36,3%), do humor (35,2%) e da personalidade (12,2%), com média de oito anos de diagnóstico. Os 270 sujeitos tiveram, ao longo da coleta dos dados, um total de 364 internações na enfermaria psiquiátrica, sendo 94 (25,8%) reinternações. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 16,7 dias (0 - 107 dias, DP: 11,5). Do total da amostra, 96 (35,6%) sujeitos declararam-se tabagistas, 38 (14,1%) ex-tabagistas e 136 (50,4%) não tabagistas.

Na Tabela_1, observam-se os dados sociodemográficos dos tabagistas, ex- tabagistas e não tabagistas, assim como do total da amostra. maior proporção de tabagistas entre os sujeitos de 30 a 49 anos (38,3%), maior proporção de ex- tabagistas entre os mais velhos (50 anos e mais - 20,3%) e maior proporção de não tabagistas entre os sujeitos com até 29 anos (59%). Apesar das diferenças proporcionais, o teste exato de Fisher não evidencia associação entre tabagismo e grupo etário (Fisher = 0,182).

Tabela 1 Distribuição de tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas, entre portadores de transtorno mental, internados em hospital geral, de acordo com as informações sociodemográficas  Tabagistas Ex- Não tabagistas (n= Total (n=   Variáveis (n= 96) tabagistas 136) 270) (n= 38) n  % n  %  n  %  n  %  Sexo Feminino 59 30,9 25 13,1 107 56,0 191 70,7   Masculino 37 46,8 13 16,5 29 36,7 79 29,3 Grupo etárioAté 29 anos 26 33,3 6 7,7 46 59,0 78 28,8   30 a 49 anos 49 38,3 19 14,8 60 46,9 128 47,4   50 anos e 21 32,8 13 20,3 30 46,9 64 23,7 mais Escolaridade Fundamental 51 43,2 19 16,1 48 40,7 118 43,7   Médio 33 28,2 10 8,6 74 63,3 117 43,3   Superior 12 34,3 9 25,7 14 40,0 35 13,0 LocalizaçãoUrbana 88 35,2 37 14,8 125 50,0 250 92,6 residência   Rural 8 40,0 1 5,0 11 55,0 20 7,4 Estado civil Solteiro 42 38,9 9 8,3 57 52,8 108 40,0   Casado 32 30,5 18 17,1 55 52,4 105 38,9   Separado/ 17 46,0 7 18,9 13 35,1 37 13,7 divorciado   Viúvo 5 25,0 4 20,0 11 55,0 20 7,4 Arranjo Vivem sós 9 37,5 3 12,5 12 50,0 24 8,9 domiciliar Sem   companheiro, 48 38,1 17 13,5 61 48,4 126 46,7 com outros   Apenas com 8 32,0 7 28,0 10 40,0 25 9,3 companheiro Com   companheiro 31 32,6 11 11,6 53 55,8 95 35,2 e outros Ocupação Sim 59 33,5 28 15,9 89 50,6 176 65,2   Não 37 39,4 10 10,6 47 50,0 94 34,8 Renda R$ 600 28 41,8 9 13,4 30 44,8 67 24,8   R$ 1000 23 35,4 8 12,3 34 52,3 65 24,1   R$ 1800 27 37,5 8 11,1 37 51,4 72 26,7   > R$ 1800 18 27,3 13 19,7 35 53,0 66 24,4 Religião Católica 55 39,6 21 15,1 63 45,3 139 51,5   Evangélica 23 26,4 12 13,8 52 59,8 87 32,2   Espírita 6 50,0 1 8,3 5 41,7 12 4,4   Outra 3 27,3 2 18,2 6 54,6 11 4,1   Sem religião 9 42,9 2 9,5 10 47,6 21 7,8 Total   96 35,6 38 14,1 136 50,4 270 100,0 Entre os homens, prevalecem os tabagistas (46,8%), tendo, entretanto, 16,5% ex- tabagistas e 36,7% não tabagistas. Entre as mulheres a relação é inversa, pois maior predomínio de não tabagistas (56%), seguidos de tabagistas (30,9%) e ex-tabagistas (13,1%), (Tabela_1 e Gráfico_1). O teste exato de Fisher confirma esta associação (Fisher = 0,013).

Gráfico 1 Distribuição de tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas, entre portadores de transtorno mental, internados em hospital geral, segundo sexo  O teste exato de Fisher também evidencia associação estatística entre tabagismo e escolaridade (0.002), estando associado ao seu menor nível; 43,2% dos sujeitos com ensino fundamental são tabagistas, enquanto que a maioria dos sujeitos com ensino médio e superior não são tabagistas (63,3% e 40%, respectivamente). Verifica-se que a maior proporção de ex-tabagistas encontra- se entre os sujeitos com ensino superior (25,7%), enquanto que a maior proporção de não tabagistas encontra-se entre os sujeitos com ensino médio (63,3%), (Tabela_1 e Gráfico_2).

[/img/revistas/reben/v67n3//0034-7167-reben-67-03-0381-gf02.jpg] Gráfico 2 Distribuição de tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas, entre portadores de transtorno mental, internados em hospital geral, de acordo com sua escolaridade  Embora não haja evidência de associação estatística entre tabagismo e localização da residência atual (Fisher = 0,560), verifica-se que a proporção de tabagistas e não tabagistas é maior entre os sujeitos provenientes da área rural (40% e 55%, respectivamente), ao passo que a maior proporção de ex- tabagistas encontra-se entre os provenientes da área urbana (14,8%).

Do mesmo modo que a maior proporção de tabagistas ocorre entre os separados/ divorciados (46%), a maior proporção de tabagistas ocorre também entre os que vivem sem companheiro, mas com outras pessoas (38,1%). A mesma lógica não pode ser usada para os ex-tabagistas e não tabagistas, pois enquanto a maior proporção desses sujeitos é encontrada entre os viúvos (20% e 55%, respectivamente), a maior proporção de ex-tabagistas e não tabagistas em relação ao arranjo domiciliar é encontrada entre os que vivem apenas com companheiro (28%) e entre os que vivem com companheiro e outras pessoas (55,8%) (Tabela_1).

Não evidência estatística de associação entre tabagismo e ocupação (Fisher= 0,415) e entre tabagismo e renda familiar mensal (Fisher = 0,590), porém observa-se que a proporção de tabagistas é maior (41,8%) nos sujeitos com renda em torno de um salário mínimo (R$ 600) e a de ex-tabagistas nos sujeitos cuja renda familiar está em torno de três salários mínimos ou mais (>R$1800).

A proporção de tabagistas é maior entre os espíritas (50%) e entre os sujeitos sem religião (42,9%), enquanto que a menor proporção é encontrada entre os evangélicos (26,4%). maior proporção de tabagistas entre os sujeitos que não praticam sua religião (47,5%) e maior proporção de ex-tabagistas e não tabagistas entre os sujeitos que a praticam (16,6% e 54,4%, respectivamente).

Considerando o conhecimento de que a prática religiosa comumente está associada a hábitos de vida saudáveis e que o p-value é um valor subjetivo, apesar de o teste exato de Fisher não demonstrar evidência de associação entre prática religiosa e tabagismo (Fisher = 0,061), indícios de tendência de associação entre essas duas variáveis.

DISCUSSÃO A frequência de tabagistas entre os pacientes psiquiátricos deste estudo é superior à da população brasileira (17,5%)(5). Esse resultado é semelhante ao encontrado em pesquisas nacionais e internacionais(3,7-9).

Diferente da amostra, como um todo, que tem como característica o sexo feminino, alto nível de instrução, ocupação e renda bem distribuída, os tabagistas deste estudo possuem baixo nível de instrução (ensino fundamental) e não trabalham, apesar da baixa renda familiar. Constatou-se que maior proporção de tabagistas entre os sujeitos provenientes de área rural, entre os sujeitos do sexo masculino, entre os separados/divorciados e entre aqueles com idade entre 30 e 49 anos. Esse perfil está de acordo com as características sociodemográficas associadas ao tabagismo descritas em estudos nacionais e internacionais, tanto da população geral como da população psiquiátrica(3,5,10- 13).

A maior proporção de tabagistas entre os sujeitos com vulnerabilidade socioeconômica (ausência de vínculo empregatício, baixo nível de instrução e renda) pode estar relacionada à dificuldade desses sujeitos em ter acesso à informação sobre os malefícios do tabaco. Entretanto, a maior frequência de tabagistas entre o sexo masculino reflete uma tendência histórica e cultural desse hábito(1,13).

A redução da frequência de tabagistas entre os sujeitos mais idosos reproduz uma tendência da população tabagista brasileira(5,14). Para estudiosos, esse fato se deve à mortalidade precoce associada ao uso de tabaco, à cessação do tabagismo a partir do surgimento de complicações à saúde e ao envelhecimento da população, diminuindo a proporção de tabagistas nesse grupo etário, porém sem redução do número absoluto(15-16). Pode-se considerar ainda o efeito das campanhas de conscientização do governo brasileiro.

Coerente com a redução do número de tabagistas com o avançar da idade, a maior frequência de ex-tabagistas neste estudo é encontrada entre os sujeitos mais idosos. Além dessa característica, vale salientar que a proporção de ex- tabagistas também é maior entre os sujeitos com melhor nível de instrução (ensino superior), provenientes de área urbana, com algum tipo de ocupação e com melhores condições financeiras, sugerindo que o abandono do tabagismo está intimamente ligado à possibilidade de acesso à informação e a recursos de apoio. Ressalta-se que a prevalência de ex-tabagistas neste estudo é semelhante à encontrada na população brasileira (18,2%)(5).

Outra variável sociodemográfica que parece ser importante na definição da condição do tabagismo é a religião. Constatou-se que a maior proporção de não tabagistas ocorre entre os evangélicos e entre aqueles que praticam sua religião, assim como relatado em outros estudos(11,13-14,17). Autores acreditam que isso ocorra devido à maior adesão dos evangélicos à religião, ao suporte social oferecido e ao conhecimento de que o uso de substâncias, incluindo o tabaco, fere os princípios do protestantismo(11,13,18).

A despeito desse posicionamento, alguns estudiosos questionam a religião evangélica como fator de proteção ao tabagismo por acreditarem que o conhecimento, amplamente difundido, da não aceitação de determinados hábitos por essa religião possa funcionar como uma barreira para que os tabagistas e usuários de outras substâncias tornem-se adeptos ao protestantismo. Nesse sentido, o papel da religião não seria o de aumentar a motivação para abandono do uso de tabaco e de outras substâncias, mas o de não agregar fiéis que não sigam suas crenças e costumes(13).

Reconhecendo-se a elevada frequência de tabagistas entre os pacientes psiquiátricos, internados em hospital geral, e o fato de que diferença no perfil sociodemográfico desses sujeitos conforme o uso de tabaco (tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas), questiona-se como o enfermeiro, que atua diretamente no cuidado dessas pessoas, pode intervir a favor de sua saúde.

Diante disso, destacam-se duas possibilidades de intervenção que podem integrar o cuidado de enfermagem: ações preventivas para o início do tabagismo e ações terapêuticas para auxiliar os tabagistas e ex-tabagistas no abandono da dependência e na manutenção da abstinência. Nesse sentido, o conhecimento do perfil dos sujeitos ajuda o enfermeiro a identificar as necessidades para melhor intervir nessa população, tanto pela identificação das atividades a serem realizadas e adaptações necessárias de acordo com as possibilidades dos sujeitos como pelo reconhecimento dos recursos humanos essenciais para sua implantação.

Além da associação entre tabagismo e algumas características sociodemográficas entre os pacientes psiquiátricos, confirmada neste estudo, pesquisas revelam maior frequência de tabagistas entre aqueles com doenças severas e com mais tempo de diagnóstico(19-20), o que sugere a possibilidade de investigar as associações do tabagismo com o perfil clínico da população psiquiátrica.

CONCLUSÃO Este estudo mostra que diferença no perfil sociodemográfico dos pacientes psiquiátricos tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas.

O conhecimento dessas diferenças ajuda o enfermeiro a planejar intervenções preventivas, educativas e terapêuticas no cuidado prestado de acordo com as necessidades e possibilidades dos sujeitos.


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