Análise da complexidade nas estruturas de governança entre supermercados e
produtores agrícolas convencionais e orgânicos no Brasil e nos Estados Unidos:
a influência do custo de transação e de mensuração
1. INTRODUÇÃO
A demanda mundial por produtos alimentícios saudáveis, seguros e ambientalmente
corretos vem crescendo de maneira considerável desde a década de 1990. Em
resposta a essa demanda, os produtores agrícolas estão comercializando cada vez
mais orgânicos e outros alimentos de qualidade diferenciada, que incluem
práticas ambientais, sociais e de bem-estar animal (McCLUSKEY, 2000; DIMITRI e
OBERHOLZER, 2009). Sua produção é um dos ramos do setor alimentício mundial de
maior crescimento (FARINA et al., 2002; DIMITRI e OBERHOLZER, 2009),
encontrando-se difundida em mais de 142 países. Em termos de vendas, no período
de 11 anos, a expansão mundial do produto passou de US$ 3,6 bilhões em 1997
para 50,9 bilhões em 2008 (CUNHA, 2006; WILLER e KILCHER, 2010).
Em termos teóricos, as formas de governança são, em geral, analisadas pela
economia dos custos de transação (ECT), que possui duas vertentes: a abordagem
da governança, proposta por Williamson (1985) e a de custo de mensuração,
proposta por Barzel (1982). Dessa forma, de acordo com esses autores, o
estabelecimento de determinada estrutura de governança para realizar uma
transação levará em conta critérios de custo de governança ou de custo de
mensuração (ZYLBERSZTAJN, 2005b). Assim, em termos teóricos, e à luz da
abordagem da ECT, em suas duas vertentes, as relações verticais (ou sistêmicas)
da produção de orgânicos deveriam apresentar-se mais coordenadas verticalmente
que as do mercado convencional (BARZEL, 1982; WILLIAMSON, 1985; MENARD, 1996).
Esse resultado decorre das hipóteses subjacentes às duas teorias. Na vertente
Williamson, a produção de orgânico depende de investimentos específicos
realizados ao longo da cadeia produtiva; na vertente Barzel, há significativas
dificuldades de mensuração dos atributos do bem, conforme o bem se distancia da
produção primária.
O advento de padrões e regras de certificações apresenta, portanto, uma
interessante questão de pesquisa, já que se trata de um importante redutor dos
custos de transação (informação) para consumidores e compradores a jusante do
setor agropecuário. Na visão de custo de mensuração (BARZEL, 1982), a
informação presente na certificação poderia indicar uma tendência de
convergência das formas de governança entre os dois mercados ' convencionais e
orgânicos ', enquanto na visão de Williamson, mantendo-se os investimentos
específicos nas relações entre os agentes da cadeia, não haveria razões para
tanto. Com o intuito de observar essa possível convergência e as demais
hipóteses levantadas neste artigo, foi realizada uma pesquisa empírica
comparativa em dois mercados distintos (orgânicos e convencionais) em dois
ambientes institucionais diferentes (Brasil e Estados Unidos). Dessa forma, a
principal motivação é discutir a complexidade das estruturas de governança.
Para isso, alguns questionamentos foram realizados, a saber:
• Seriam as estruturas de governança distintas em diferentes ambientes
institucionais? Em caso afirmativo, como é o comportamento dessa distinção em
relação à complexidade? Ademais, qual(quais) é(são) o(s) principal(is) fator
(es) que influencia(m) essa diferença de complexidade em cada um desses
ambientes institucionais?
Dessa forma, pretende-se investigar tais questões por meio da ECT em suas duas
vertentes, da governança (WILLIAMSON, 1985) e da mensuração (BARZEL, 1982). A
escolha dessas duas vertentes decorre da importância delas para o entendimento
das relações contratuais entre os agentes econômicos. Na abordagem de
Williamson, é prioritária a discussão dos atributos da transação: frequência,
especificidade de ativos e incertezas. Na abordagem de Barzel, o foco de
análise é a dificuldade de mensuração dos atributos relevantes da transação,
gerado, principalmente, devido à existência da assimetria de informação.
Para responder à questão proposta neste artigo, foi realizada uma pesquisa
empírica comparativa, por meio da análise das relações contratuais entre
produtores rurais de frutas, legumes e verduras (FLV) ' orgânicos e
convencionais ' e os supermercados, em dois ambientes institucionais diferentes
(Brasil e Estados Unidos). Tem-se como hipótese central que, com o
desenvolvimento do mercado de orgânico e com a disseminação da certificação,
haveria uma mudança na estrutura de governança dessa cadeia. A governança entre
os agentes tenderia para a padronização das relações entre varejistas e
produtores, independemente do tipo de produção, principalmente motivada pela
maior facilidade de mensuração do atributo orgânico proporcionada pela
certificação. Essa dinâmica permitiria que tais relações ocorressem de forma
similar às do mercado convencional.
Ademais, busca-se entender como essas mudanças ocorrem em diferentes ambientes
institucionais. Dessa forma, o objetivo geral do artigo, à luz da nova economia
institucional (NEI), é entender e explicar as possíveis diferenças de
complexidade de estruturas de governança nos dois mercados estudados em
ambientes institucionais distintos. A escolha do mercado de FLV deve-se a seu
papel de destaque nas vendas do varejo brasileiro e também americano, sejam
esses orgânicos ou convencionais. A implicação do ambiente institucional na
formatação das estruturas de governança será avaliada por meio da comparação
dessas relações no Brasil e nos Estados Unidos, mais especificamente no estado
brasileiro de São Paulo e nos estados norte-americanos de Virginia e
California. Dada essa contextualização, podem-se determinar os objetivos
específicos do trabalho: criar um índice de complexidade de estrutura de
governança, com o intuito de mensurar essa complexidade; e verificar, por meio
dos índices recém-criados, as possíveis diferenças de complexidade entre as
estruturas de governança de ambientes institucionais diferentes.
2. AS REGRAS DO JOGO NO MERCADO DEORGÂNICOS: A VISÃO DA NOVA ECONOMIA
INSTITUCIONAL
A análise do ambiente institucional é de suma importância para responder à
pergunta central deste trabalho no sistema agroindustrial (SAG) de FLV. Nesse
sentido, usa-se o arcabouço teórico da NEI para analisar essa relevância.
Segundo Furubotn e Richter (2000), a mensagem central da NEI é que as
instituições importam para a análise de desempenho econômico, visão oposta à da
abordagem da economia neoclássica (walrasiana), a qual negligencia as
instituições e os custos de transação. Afinal, o que são as instituições? As
instituições representam restrições às interações humanas, elas são formais
(tais como regras, leis, constituições etc.) e informais (tais como normas de
comportamento, convenções, códigos de condutas autoimpostos etc.) (NORTH,
1994b). Sendo assim, no caso dos mercados em questão (convencionais e
orgânicos), as instituições são compostas, por exemplo, por leis que os
regulamentam e normas de comportamento dos agentes envolvidos em suas cadeias
produtivas, tais como produtores, supermercadistas e consumidores.
Essas instituições estruturam as atividades do dia a dia, reduzindo as
incertezas (NORTH, 1990; 1991; 1997) e definindo as estruturas de incentivos
para a sociedade, especialmente para a economia (NORTH, 1991; 1994a; 1997). No
caso de instituições econômicas, observa-se que lidam com sistemas que
restringem os potenciais comportamentos dos indivíduos, mediante o uso de
sanções, estabelecidas por lei ou por costumes ' inclusive enforcement social
ético e código de conduta moral (FURUBOTN e RICHTER, 2000). As instituições
definem e delimitam as escolhas dos indivíduos, afirmando o que é permitido
para determinadas atividades, algo similar às regras do jogo (NORTH, 1990).
Assim, o ambiente institucional estabelece a estrutura essencial em que as
ações humanas e/ou trocas acontecem (KLEIN, 2000), ou seja, determina os custos
de transação.
Como um exemplo desses custos de transação, Douglas (1992) ressalta a
dificuldade que o consumidor enfrenta para avaliar a qualidade de um produto na
hora da compra em função da característica desses bens e serviços. Segundo
Douglas (1992), bens e serviços podem ser classificados em bens de pesquisa, de
experiência e de crença, com base na dificuldade e no custo que o consumidor
enfrenta para avaliar a qualidade de um produto na hora da compra. Os custos da
informação para o consumidor aumentam a partir dos bens de pesquisa para os de
experiência (NELSON, 1970) e para os de crença (DARBY e KARNI, 1973), pela
dificuldade de avaliação dos atributos. Os produtos orgânicos devem ser
considerados como bens de crença, pois seu atributo orgânico tem um alto grau
de dificuldade de avaliação pelo consumidor, mesmo depois do consumo (DARBY e
KARNI, 1973). Essa dificuldade de avaliação dos bens de crença faz com que esse
mercado tenha mais assimetria de informação que o convencional, sendo
necessários mecanismos que reduzam essa assimetria (AKERLOF, 1970; NAYYAR,
1990; HENNESSY, 1996; GIANNAKAS, 2002). Essa redução pode ser feita pelas
próprias instituições (FURUBOTN e RICHTER, 2000) ou por certificadoras de
produtos orgânicos, cujo objetivo é criar um padrão nesse mercado. Ao se
observarem as legislações sobre certificação orgânica nesses dois ambientes
institucionais, notam-se algumas semelhanças e dissimilaridades. Observam-se no
Quadro_1 diversas semelhanças e dissimilaridades.
Observa-se que a certificação modificou o ambiente institucional do mercado de
orgânicos e tem implicações sobre a governança das relações entre os agentes
privados. Para analisar essa alteração, utilizou-se a economia dos custos de
transação e suas duas vertentes (custos de governança e de mensuração), as
quais possuem enfoques diferentes sobre essa mudança.
Um passo importante para compreender a ECT é entender a diferença entre a
análise neoclássica ortodoxa (walrasiana) e a análise institucional ou nova
economia institucional (NEI). Enquanto a primeira vê a firma como uma função de
produção regida pelo mecanismo de preço, a segunda enxerga o universo das
organizações e instituições econômicas por meio de um corte analítico, que
privilegia o estudo da eficiência das relações contratuais intra e entre
organizações (COASE, 1937; ZYLBERSZTAJN, 1995; SYKUTA e COOK, 2001; WATANABE,
2007). Essa nova visão das firmas abre a possibilidade do estudo das
organizações como arranjos institucionais que regem as transações por contratos
formais (amparados pela lei) ou por acordos informais (amparado por
salvaguardas reputacionais e outros mecanismos sociais). Nesse sentido, com o
surgimento da ECT, as formas de governança das firmas poderiam ser previstas
com variáveis passíveis de análise, pautadas pelas regras institucionais
(MACNEIL, 1978; LEVIN, 2003; ZYLBERSZTAJN, 2005b).
Desse modo, a ECT permite a elaboração de hipóteses testáveis e aplicações aos
problemas empíricos do mundo real. Na abordagem da ECT, além dos custos ex ante
de procurar, preparar, negociar e salvaguardar um contrato, os agentes
defrontam-se com custos ex post de monitoramento, ajuste e adaptação, devido às
alterações de execução causada por falhas, erros, omissões e mudanças
inesperadas; em suma, os custos para conduzir o sistema econômico (WILLIAMSON,
1985).
Segundo Williamson (1985), há três determinantes das formas de relações e dos
tipos de transações: especificidade do ativo envolvido, incerteza e frequência.
Quanto à especificidade de ativo, em que há uma particularidade relacionada a
uma transação, observa-se que os produtos FLV orgânicos apresentam os seguintes
tipos:
• especificidade temporal, devido a sua perecibilidade, que causa
perda de valor se houver alguma demora em sua entrega (FARINA e
MACHADO, 1999);
• especificidade de marca, devido à necessidade de certificação para
comercialização desses produtos, pois é demandado um investimento
para que essa relação ocorra (a certificação), o qual será perdido
caso não haja a transação;
• especificidade de ativos humanos, pois esse tipo de produção e a
consecutiva relação com os agentes exigem um conhecimento humano
específico dadas suas peculiaridades.
A incerteza abordada por Williamson (1985) refere-se ao ambiente institucional
que garante que os contratos sejam honrados, isto é, que haja garantia de
compra em uma dada transação, não possibilitando hold-up nessa relação. Já a
frequência se detém, principalmente, a quantas vezes essa relação e/ou
transação se repete em determinado tempo.
Essa vertente especifica três possíveis formas de organização para minimizar o
custo de transação: mercado (sistema de preços); forma hierárquica; e formas
híbridas, contratos complexos e arranjos de propriedade parcial de ativos que
criam dependência bilateral (WILLIAMSON, 1985).
Essas formas organizacionais surgem como estruturas de amparo às transações que
visam controlar a variabilidade e mitigar riscos, aumentando o valor da
transação ou de um conjunto complexo de transações (ZYLBERSZTAJN, 2005a). Para
Williamson (1991), o principal determinante da alteração dessas estruturas de
governança é o ativo específico. Dessa forma, não havendo mudanças na
especificidade de ativos, não há modificações no modo de governança, mesmo que
a incerteza da transação se altere.
No caso dos produtos orgânicos, observa-se que a certificação altera a
especificidade de ativos na transação, pois há um investimento apenas válido
caso essa relação entre os agentes ocorra, o que cria uma quase renda que pode
ser capturada por uma das partes. No entanto, essa certificação orgânica,
apesar de aumentar a certeza das características dos produtos por meio de sua
padronização, não altera a incerteza da transação, ou seja, o ambiente
institucional que garanta que o contrato possa ser honrado, permanecendo a
mesma possibilidade de hold-up (WILLIAMSON, 1985; 1991). Dessa forma,
considerando as características mencionadas, os agentes da cadeia de orgânicos
buscarão, por meio dessas estruturas, criar uma organização econômica que gere
sistemas eficientes em um ambiente de racionalidade limitada e oportunismo
(WILLIAMSON, 1991; MILGROM e ROBERTS, 1992).
Na criação desse sistema, o conhecimento da outra vertente da ECT (custos de
mensuração) também é importante. A teoria dos custos de mensuração (TCM) é um
ramo dos custos de transação (LANGLOIS, 1992). Sua proposição básica é que
atributos mais facilmente mensurados nas transações são contratados fora da
empresa, dada a definição do sistema legal e o enforcement a baixo custo via
corte judicial. Já os de difícil mensuração permanecem dentro da firma, devido
ao risco de expropriação de valores e sua dissipação (ZYLBERSZTAJN, 2006). A
TCM difere da vertente de custo de governança, pois esta pressupõe a
maximização de valor (BARZEL, 1982) e a primeira a minimização dos custos de
transação (ZYLBERSZTAJN, 2005b). Ademais, segundo Zylbersztajn (2005b), a
vertente de custo de governança dá maior ênfase aos modos de governança
extremos (mercado e integração vertical), sendo as formas alternativas a eles
mais bem compreendidas levadas em conta as variáveis da TCM. Todavia, essas
duas teorias devem ser interdependentes (WILLIAMSON, 1985) e não concorrentes
no poder de explicação da estrutura de governança mais eficiente, dadas as
características das transações.
Para Barzel (2001), as transações podem ser decompostas em diferentes dimensões
e atributos. A aquisição de um produto agrícola (tomate, por exemplo) não é uma
transação simples, por causa de seus diferentes atributos: teor de licopeno; se
ele é ou não orgânico; se foi colhido com o nível de maturação adequado etc.
Segundo Barzel (1997), a firma é um nexus de garantia de produtos, sendo os
contratos formas de prover ao processo de troca essas garantias, qualidade e
atributos. Os custos de transação são gerados para transferir, capturar e
proteger os direitos de propriedade dos produtos. Na ausência de custos de
informação e/ou transação, os delineamentos desses direitos são perfeitos.
Outro conceito importante é que os contratos são acordos formais ou informais
entre agentes, nos quais ocorre troca de direito de propriedade (ALCHIAN e
DEMSETZ, 1972). Quanto à troca de direito de propriedade, observa-se que os
indivíduos somente realizam essa permuta quando recebem mais do que o que têm.
Para garantir isso, precisam medir os atributos dos bens e seus valores, tarefa
que não é fácil devido ao alto custo de mensuração de alguns deles (BARZEL,
1982). Conclui-se, portanto, que custos de mensuração e de informação devem ser
levados em conta nas análises das instituições e de governança das organizações
(BARZEL, 2001), porque se nota que o consumidor já se preocupa com esses
atributos dos produtos comprados, principalmente com os de sustentabilidade,
isto é, se o produto a ser comprado foi ou não produzido com atenção à
sustentabilidade dos negócios (CUNHA, SPERS e ZYLBERSZTAJN, 2011). Considerando
a TCM, a escolha da forma mais eficiente de governança depende da possibilidade
de mensuração do atributo transacionado e do custo envolvido. Assim, para
identificar a forma mais eficiente da governança, não é necessária a medição
efetiva do custo de mensuração, mas tão somente conhecer a possibilidade ou não
de sua realização (BARZEL, 2001).
Dado que os produtos se caracterizam por vários atributos diferentes (BARZEL,
1997; CUNHA, SPERS e ZYLBERSZTAJN, 2011), é fundamental conhecer e coletar as
informações sobre cada um desses atributos, pois esse conhecimento possibilita
a realização de suas transações e troca de direito de propriedade. Segundo
Barzel (1997), o direito de propriedade deve ser bem estabelecido para evitar a
captura de valor, em que o proprietário original de um bem não recebe os
dividendos totais por essa troca, sendo esse montante detido pela outra parte.
O alto custo de mensuração dos atributos pode impossibilitar que a transação
seja efetivada. Diante de elevados custos de mensuração, abre-se espaço para a
ineficiência, desde que os ativos sejam alocados junto ao agente que não
representa a aplicação mais eficiente dos recursos, gerando menor valor para a
transação (BARZEL, 2004a).
A teoria sugere que o custo de mensuração é um aspecto-chave na definição do
escopo de uma firma. A possibilidade de o ganho positivo da transação dissipar-
se ou de ser capturado pode resultar em esforços cooperativos dos agentes para
controlar essa captura, utilizando para isso mecanismos privados ou públicos
(ZYLBERSZTAJN, 2006). Há, também, indícios teóricos e empíricos de que a
dificuldade de mensuração de atributos pode atrapalhar fortemente o custo de
desempenho das empresas (POPPO e ZENGER, 2002). Dois aspectos podem alterar os
custos de mensuração: a tecnologia de mensuração de alguns atributos e a
padronização (BARZEL, 2001; 2002). O desenvolvimento tecnológico é uma
importante alternativa às inovações institucionais, pois, por meio de
organização e proteção de direitos mais eficientes, reduz-se o custo de
transação (FOSS, 1996). Já a padronização é útil para reduzir a dupla
mensuração de alguns atributos, economizando-se em custo de mensuração
(ZYLBERSZTAJN, 2006).
O contrato ideal combina componentes explícitos e implícitos, sendo a proporção
de cada um deles influenciada pela mensuração objetiva e subjetiva. Com a
redução do custo de mensuração, há uma substituição de contratos com
componentes de mensuração subjetiva e garantias de longo prazo/reputacional por
outros com componentes de mensuração objetiva, cujo enforcement ocorre via
corte judicial (BAKER, GIBBONS e MURPHY, 1993; GANESAN, 1994; BARZEL, 2004b).
Dessa forma, as partes estipulam nos contratos atributos em que o ganho de sua
adição seja superior a seu custo de delineamento e de mensuração. Os atributos
que não satisfazem esse critério são transacionados em relações de longo prazo
ou retirados do acordo (BARZEL, 2004b). Assim, a combinação de ambas as formas
de transação reduz as perdas do peso morto advindas do risco moral (BARZEL,
2002). Essa combinação pode ser afetada por dois fatores: a confiança no
sistema legal ' que pode influenciar o estabelecimento do nível de atributos
estipulados em um contrato ' e o surgimento de novos padrões ' que faz com que
componentes regrados por contrato aumentem em detrimento daqueles regrados por
relações a longo prazo. Além de influenciar a combinação, o estabelecimento de
padrão reduz a probabilidade de integração vertical e aumenta a chance de o
mercado virar uma "competição perfeita" (BARZEL, 2004b; 2005).
Para Barzel (2005), a padronização é um passo mais próximo da "competição
perfeita" e mais distante de jogos não cooperativos e repetidos. No entanto,
esse conceito difere da concepção walrasiana de competição perfeita, pois esta
desconsidera a existência dos custos de transação/mensuração no sistema. Assim,
para o autor, nessa primeira situação, os fornecedores igualam-se perante aos
compradores à medida que novos padrões são estabelecidos.
A padronização reduz a quase renda e o incentivo de sua captura porque diminui
conflitos, transformando uma situação atípica em padrão. Essa transformação
acontece, porque há redução do custo de mensuração, o que diminui as barreiras
para elaborar contratos mais completos. Com a redução dos custos de mensuração,
há melhor definição dos direitos de propriedade e melhor apropriação da renda
gerada (BARZEL, 2002).
Desse modo, nota-se que o aumento dos custos de mensuração eleva a importância
dos arranjos institucionais e organizacionais, sendo fundamental para a
viabilização de transações de bens de crença. Há três alternativas possíveis
nesse caso: a integração vertical; os contratos de longo prazo com
monitoramento; e a certificação por auditoria externa de elevada reputação.
Todas com controle vertical e observação do processo produtivo para auferir
informações (AZEVEDO, 2000).
Portanto, a especificação de padrão de qualidade e os meios de assegurar o
cumprimento desse conjunto de regras afetam os meios de governança das
transações (ZYLBERSZTAJN e FARINA, 1999; RAYNARD, SAUVEE e VALCESCHINI, 2002 e
2005). Logo, a certificação reduz o custo de mensuração de um atributo muito
relevante nas transações, neste estudo em questão, a característica orgânica.
Com esse padrão, há uma tendência de os mercados convencionais e orgânicos,
antes vistos como diferentes, assumirem características bastante próximas de
uma "competição perfeita", como previsto por Barzel (2002).
Dessa forma, a incorporação da visão da TCM possibilita maior flexibilidade de
análise, visto que o arranjo institucional não é previamente estabelecido em
função de atributos da transação (frequência, incerteza e ativo específico),
mas com base em um modelo dinâmico que permite uma análise caso a caso. Nesse
caso, é necessário identificar o atributo-chave e verificar a possibilidade ou
não de mensuração. Ressalta-se que este custo pode alterar-se ao longo do
tempo, o que pode modificar o arranjo eficiente da coordenação das transações
(CALEMAN, 2005).
Por conseguinte, observa-se que os preceitos da ECT podem ser aplicados ao
estudo do SAG de produtos orgânicos, porque seus problemas e conflitos são
definidos como questões contratuais, em que aspectos relacionados com
assimetria de informação, racionalidade limitada dos agentes, oportunismos e
especificidade do ativo são variáveis presentes e determinantes na
identificação da melhor estrutura de governança (REZENDE e FARINA, 2001). Outra
característica importante nessa identificação também está presente nesses
produtos: a dificuldade da mensuração de seus atributos (BARZEL, 2004a). Assim,
por envolver um ativo altamente específico e com difícil mensuração, há um
maior risco da existência de hold-up nos contratos (MENARD, 2002). Observa-se
que as relações nesse SAG têm idiossincrasias (grande número de produtores,
problemas de perecibilidade, clima etc.) que implicam relações contratuais mais
complexas e dependem cada vez mais da coordenação para que o sistema se
mantenha abastecido de forma ininterrupta. Em outras palavras, há grande
complexidade na transação de produtos orgânicos e na garantia de coordenação
eficiente, principalmente por tratar-se de um produto com forte assimetria
informacional. Desse modo, conclui-se que as instituições importam,
principalmente, devido à influência do ambiente institucional nas escolhas das
estruturas de governança. Adicionalmente, a certificação é uma instituição que
pode influenciar as relações de mercado, ao estabelecer as regras para que um
produto seja orgânico, aumentando assim sua especificidade de marca, na visão
de Williamson (custo de governança), reduzindo a dificuldade de obtenção de
informação e, consecutivamente, os custos de mensuração nessa relação, na visão
de Barzel (TCM).
3. O PADRÃO DE TRANSAÇÃO ENTRE SUPERMERCADOS E SEUS FORNECEDORES NOS MERCADOS
NACIONAL E NORTE-AMERICANO DE FLV ' CONVENCIONAL E ORGÂNICO
O suprimento ininterrupto de FLV é importante, porque esses produtos são
estratégicos tanto para os supermercados brasileiros como para os varejistas
norte-americanos, devido a diversas características, tais como as maiores
margens serem bens de destino e haver a possibilidade de diferenciação de seus
serviços para seus consumidores. Apenas dois pontos diferem entre os dois
países, o que torna esses produtos ainda mais estratégicos no caso norte-
americano: a maior renda gasta com esses produtos e seu maior consumo per
capita. Devido às características estratégicas e para suprir essas exigências
dos consumidores, as empresas varejistas adotam o uso de contratos com seus
fornecedores, prática comum na indústria de produção no mundo inteiro e
aplicáveis no caso de novos segmentos de mercado, como no caso de FLV orgânico
(MAINVILLE, 2004), podendo ser essa uma estratégia de criação e captura de
valor nesse setor (SAES, 2010).
No Brasil, esses contratos são feitos com as distribuidoras de produtos
orgânicos. Nota-se que esse emprego de contratos não se repete nas relações com
os agricultores, pois mais de 88% dos produtores paulistas de FLV orgânicos não
apresentam contratos formais nem com as distribuidoras nem com as grandes redes
varejistas (COSTA, 2005). Isso abre uma possibilidade de comportamento
oportunista de alguma das partes na negociação, principalmente devido à venda
desses produtos ser por consignação, em que o FLV não vendido é descontado
financeiramente do montante final da compra e não devolvido (COSTA, 2005;
ANTIQUEDA, SAES e LAZZARINI, 2007). Além desse desconto de consignação, esses
agricultores paulistas têm os valores de suas vendas reduzidos devido a uma
comissão de marketing (aproximadamente 17%) e outros custos, como taxas,
transporte e outras tarifas explícitas (MAINVILLE e REARDON, 2007).
Já nos Estados Unidos observa-se que, devido ao aumento de concentração dos
estabelecimentos varejistas norte-americanos, houve uma mudança na natureza das
transações e da coordenação entre os agentes atuantes no setor de FLV
(KAUFMANet al., 2000). Um efeito dessas mudanças nas transações foi a
introdução da exigência dos fornecedores do varejo em realizar serviços de
marketing (como colocar os produtos em embalagens antes da chegada ao
supermercado, por exemplo), assim como a adoção de novas práticas comerciais
mais agressivas (LUCIER et al., 2006). Segundo Dimitri, Tegene e Kaufman
(2003), a consolidação do varejo também resultou em mudanças tecnológicas na
produção e na comercialização, que alteraram as relações entre produtores,
distribuidores e varejistas.
O efeito do aumento da demanda de FLV também foi um fator que motivou maior
interesse dos supermercados no aumento da eficiência do fornecimento, o que faz
com que alguns desses varejistas tenham preferência em negociar com
fornecedores que possam prover sem interrupção ao longo do ano todo, o que,
consequentemente, coloca os provedores que têm pequena variação, mesmo que
sazonal, em desvantagens (LUCIER et al., 2006).
Para assegurar essas maiores vendas de FLV, mediante um suprimento contínuo e
de qualidade a seus consumidores, muitas redes de supermercados estão fazendo
contratos com seus fornecedores de FLV, o que representa uma inovação
institucional recente para esse tipo de produto, mas já utilizada há mais de 50
anos entre esses varejistas e seus fornecedores de produtos processados
(REARDON, 2006). O estabelecimento desse instrumento inicia-se quando o
varejista, diretamente ou por meio de seus atacadistas/distribuidores, lista
seus fornecedores preferenciais de FLV. Para Reardon (2006), esses contratos
servem como incentivos para fornecedores ficarem com os compradores e
investirem em ativos específicos (por exemplo, conhecimento e equipamentos).
Esses instrumentos têm uma grande representatividade no setor de orgânicos,
pois mais de 70% dos casos de comercialização desses produtos são coordenados
por contratos (DIMITRI e OBERHOLZER, 2008).
Dois tipos de contratos podem ser feitos entre os fornecedores de FLV orgânicos
e os supermercados: formal e informal. Segundo Dimitri e Oberholzer (2008),
esses dois contratos também buscam garantir alguns atributos dos fornecedores,
importantes na relação deles com os supermercados. Observa-se que muitos desses
atributos têm diferentes graus de mensuração: alguns de baixa dificuldade
(disponibilidade o ano todo, tempo de certificado orgânico e diversidade de
produtos disponíveis) e outros de média e/ou alta (produção local, duração da
relação com facilidade, flexibilidade no encontro das necessidades,
conhecimento dos produtos orgânicos e reputação por qualidade), o que
possivelmente faça com que esse conjunto de atributos seja satisfeito com
diferentes instrumentos de governança. Como recompensa desse conjunto de
atributos, estabelece-se um preço a ser pago por esses produtos. No entanto,
mesmo sem esse sobrepreço, os agricultores podem ser beneficiados com essa
venda ao grande varejista devido, principalmente, a dois fatores: maior
exposição de seus produtos aos consumidores; e, devido à reputação adquirida,
algo semelhante a um selo de qualidade, o que faz com que outras possíveis
formas de comercialização desses produtores sejam beneficiadas pela boa fama
adquirida, como visto em Zylbersztajn, Spers e Cunha (2008). Ao se compararem
as informações coletadas na literatura e nas entrevistas realizadas no Brasil e
nos Estados Unidos, observa-se que esses dois países apresentam algumas
diferenças e semelhanças quanto a suas estruturas de governança (Quadro_2).
4. ANÁLISE EMPÍRICA DOS DADOS DAS PESQUISAS BRASILEIRA E NORTE-AMERICANA
Na seção anterior, observou-se que o mercado norte-americano e o brasileiro
apresentaram várias semelhanças e distinções com relação à estrutura de
governança (Quadro_2), mas o que pode explicar esses aspectos semelhantes e
distintos entre esses dois ambientes institucionais? Com o objetivo de
responder a essa pergunta, neste artigo buscou-se testar empiricamente como as
variáveis teóricas do custo de transação, em suas duas vertentes (governança e
custo de mensuração), influenciam a complexidade da estrutura de governança a
ser utilizada para as transações.
Ademais, busca-se entender se está ocorrendo convergência das estruturas de
governança entre os produtos orgânicos e convencionais com a adoção de
certificações nos dois países. A análise empírica utilizou dados primários
coletados em entrevistas com os principais agentes do SAG FLV orgânico e
convencional nos dois países estudados (Brasil e Estados Unidos). As variáveis
de custo de governança e de teoria de custo de mensuração foram analisadas com
base em 67 questões. Optou-se pela aplicação de questionários por duas razões:
os contratos realizados entre fornecedores de FLV e supermercados têm
observação reservada e restrita às partes, devido a seu caráter estratégico que
lhes possibilita obtenção de vantagens competitivas perante seus concorrentes;
os contratos possuem muitas regras que não estão escritas: informais, tácitas e
contingenciais, elas são acordadas entre as partes e não seriam captadas apenas
com a leitura dos contratos (HUETH et al., 1999).
A amostragem realizada foi não probabilística, do tipo snowball, modalidade
escolhida porque um dos dois grupos desejados (os produtores orgânicos) tem uma
população pequena e com uma característica específica. Nas entrevistas
conduzidas no Brasil, iniciou-se o processo de coleta de informações com a
realização de entrevistas semiestruturadas com os dois maiores supermercados no
País (Companhia Brasileira de Distribuição [CBD ' Pão de Açúcar] e Carrefour),
os quais, no final das entrevistas, indicavam seus principais fornecedores de
FLV, convencionais e também orgânicos. Ao todo, foram entrevistados 64
produtores rurais brasileiros, sendo 33 convencionais e 31 orgânicos. No caso
dos Estados Unidos, escolheram-se dois grandes supermercados atuantes nas
regiões estudadas (Kroger e Food City), solicitou-se uma prévia indicação de
nomes de alguns de seus fornecedores de FLV, de onde se partiu para a
elaboração da amostra com o uso do mesmo procedimento adotado previamente no
Brasil. Ao todo, foram entrevistados 64 produtores rurais norte-americanos,
sendo 32 convencionais e 32 orgânicos. As regiões estudadas foram: no Brasil, o
cinturão verde em São Paulo, por ser a maior região produtora de FLV no País;
nos Estados Unidos, os estados da Virgínia e da Califórnia, principalmente
devido à grande importância desse último estado na produção de FLV convencional
e orgânico.
Visto que todas as variáveis teóricas estudadas neste artigo são caracterizadas
por diversas dimensões e atributos, foi necessária a criação de um índice
composto por essas dimensões e atributos para representá-las, a fim de
responder às questões objetivos deste estudo. A proposta metodológica da
geração de cada um dos índices a serem usados no artigo está presente na Figura
1.
Nota-se na Figura_1 que a relação contratual (RC) escolhida, e sua
complexidade, depende de diversas variáveis teóricas: custo de mensuração (CM),
custo de governança (CG), tipo de produção (TP), grau de dependência (GD),
incerteza ambiental (IA) e cultura produzida (C). Contudo, cada uma dessas
variáveis é constituída de diversos atributos, os quais as caracterizam,
inclusive a própria relação contratual. Após a decomposição desses elementos
influenciados e influenciadores em suas várias dimensões e atributos, optou-se
por pegar os seus principais atributos e iniciar a elaboração dos índices
propostos (IRC, ICM, ICG, ITP, IGD, IIA e IC). Para tanto, esses atributos
foram levantados por meio das questões elaboradas no questionário desta
pesquisa, sendo que essas perguntas foram tratadas como dados intervalares,
pois "dados relativos a atitudes obtidos por escalas de classificação costumam
ser tratados como dados intervalares" (MALHOTRA, 2006, p.240).
A criação desses índices consistiu de quatro etapas, descritas a seguir.
• Etapa 1 ' transformação das respostas obtidas pelos questionários
em números. Dessa forma, as respostas dicotômicas foram numeradas com
dois valores de acordo com a variável estudada (por exemplo, Sim =1 e
Não = 0) e aquelas com mais de duas opções foram numeradas de acordo
com sua ordem lógica e relação com a variável estudada (por exemplo,
Semanal = 1, Mensal = 2, Semestral = 3, Anual = 4). Os números
correspondentes a cada uma das respostas encontram-se abaixo delas
entre parênteses nos questionários aplicados (por exemplo, Sim (1)).
• Etapa 2 'cálculo das médias, desvios padrão, coeficientes de
variação, valores máximos e mínimos encontrados em cada uma das
respostas. Os resultados das estatísticas serviram de critério de
exclusão na elaboração dos índices, tendo sido eliminadas as que
apresentaram resultados com coeficiente de variação inferiores a 15%,
por serem consideradas constantes e, portanto, não contribuírem para
os índices (HAIR JR. et al., 2008).
• Etapa 3 'após a seleção das perguntas a serem incluídas nos
índices, realizou-se uma padronização pelo Z-Scorecom o objetivo de
se somarem as respostas, uma vez que elas não poderiam ser somadas
sem essa transformação por serem de diferentes tipos (dicotômicas e
múltiplas respostas), para assim gerar esses índices.
• Etapa 4 'após essa geração dos índices, testaram-se sua validade e
confiabilidade. O teste realizado foi o valor do alfa de Cronbach
(α), em que o critério de definição de um índice confiável e válido
foram valores superiores a 0,70 (HAIR JR. et al., 2008). Portanto, os
índices com valores de alfa superiores a 0,70 permaneceram
inalterados e foram diretamente utilizados na regressão dos modelos
propostos a seguir, uma vez que esse resultado indicou que apenas um
fator estava sendo medido por essas respostas. Já os indicadores que
apresentaram valores de alfa inferiores a 0,70 passaram por mais uma
transformação antes de entrarem na regressão dos modelos, por
possuírem mais de um fator relacionado à variável estudada. Essa
transformação foi uma análise fatorial para determinar quantos
fatores estavam presentes nesses índices. Após essa etapa, esses
índices foram transformados pela soma dos scores de cada um dos
fatores encontrados.
Após a criação desses índices, um modelo empírico foi proposto. O modelo 1 foi
elaborado com base nos índices criados, em que se segmentaram os mercados de
produtos orgânicos e convencionais em cada um dos países estudados (Brasil e
Estados Unidos).
em que:
IRC = (Índice de Relação Contratual) ' complexidade das relações
contratuais. A criação desse índice faz-se necessária para capturar
as diversas dimensões e os vários atributos dessas relações como, por
exemplo: se essa relação contratual é formal (por escrito) ou
informal (apenas verbal); número de cláusulas; qual seu tempo de
duração; o tipo de decisão nelas incluída (área plantada, volume a
ser produzido etc.); tipo de renegociação dos contratos (automática
ou anual); número de desacordos ao longo dessa relação; e resolução
desses potenciais desacordos. Esse índice mensura a complexidade das
relações contratuais entre os agentes estudados; assim, quanto maior
esse índice, maior a complexidade desses contratos.
β0 = Intercepto da regressão.
β1*X1= Índice de Custo de Mensuração (ICM) ' quanto maior seu valor,
maior será o custo de mensuração da transação.
β2*X2= Índice de Custo de Governança (ICG) ' por ser o determinante
de custo de governança mais relevante, segundo Williamson (1985), a
especificidade de ativos foi a base para a criação desse índice.
Assim, quanto maior ele for, mais específico será o ativo nessa
relação contratual. Dois tipos de especificidade de ativos foram
consideradas nesse índice: a temporal (produtos perecíveis) e a de
marca (produtos certificados).
β3*X3= Índice de Tipo de Produção (ITP) ' variável dummy que captura
o tipo de produção que os entrevistados têm em sua propriedade, sendo
esse valor zero para a produção convencional e um para a produção
orgânica.
β4*X4= Índice de Grau de Dependência (IGD) ' um aumento desse índice
representa um maior grau de dependência dos produtores rurais na
relação com os supermercados.
β5*X5= Índice de Incerteza Ambiental (IIA) ' quanto maior esse
índice, maior a incerteza ambiental.
β6*X6= Índice da Cultura (IC) ' três variáveis dummies relacionadas à
cultura cultivada na fazenda ' alface (ICa), batata (ICb) e tomate
(ICt), sendo a cultura padrão a de morango.
ε = Erro estocástico.
Os índices IGD, IIA e IC foram usados no modelo 1 como variáveis controle para
uma maior distinção e menor interferência nos três índices de maior interesse
(ICM, IGC e ITP).
Após a criação desse modelo, analisou-se a escolha da estrutura de governança
pelo método dos mínimos quadrados ordinários (MQO) com estimação robusta de
erro, pois a variável dependente (complexidade dos contratos, medidos pelo IRC)
é uma variável contínua, e essa estimação de erro pode lidar com uma série de
erros menores sobre as falhas nas condições exigidas para as pressuposições do
MQO, tais como normalidade, heteroscedasticidade, ou algumas observações com
grandes resíduos (CHENet al., 2003; GUJARATI, 2003).
Além desse modelo empírico, elaborou-se um modelo teórico (modelo A), baseado
na teoria dos custos de mensuração para auxiliar a elaboração das hipóteses
referentes ao índice ICM. O modelo A baseia-se em duas proposições:
• Proposição 1 ' a qualidade de um produto FLV é uma função de
diversos atributos, incluindo tamanho, cor, acidez, origem etc.
Assim: Qualidade do FLV convencional = ƒ(tamanho; cor; acidez;
origem; outros atributos).
• Proposição 2' a qualidade do FLV orgânico tem os mesmos atributos
do convencional mais um conjunto de atributos específicos (O), as
características orgânicas. Assim: Qualidade do FLV orgânico = ƒ
(tamanho; cor; acidez; origem; outros atributos; O), em que: O =
ƒ(não uso de agrotóxicos; proteção ao meio ambiente;
responsabilidade social; outros atributos orgânicos).
De acordo com as entrevistas realizadas, observa-se que, no início da
comercialização de orgânicos nos dois países, era necessário o monitoramento
dos supermercados para garantir que as características orgânicas estivessem
presentes no produto. No entanto, com a adoção de certificação, principalmente
de terceira parte, tal monitoramento não é mais necessário, visto que agora as
certificadoras fazem esse trabalho. Assim, esses varejistas passaram a ter
apenas de inspecionar os atributos em comum entre os FLV convencional e
orgânico, gerando uma redução em seus custos de mensuração, devido ao
estabelecimento e ao aprimoramento da certificação dos orgânicos.
Apresentam-se a seguir as hipóteses de todas as variáveis estudadas neste
artigo. Na elaboração dessas hipóteses houve um único pressuposto básico (P.1),
o de que a certificação dos produtos orgânicos reduz a assimetria de informação
e, consecutivamente, o custo de mensuração dos agentes envolvidos na transação.
Observa-se que o índice de incerteza ambiental (IIA), o índice de grau de
dependência (IGD) e o índice da cultura (IC) não têm hipóteses esperadas, pois
são variáveis controle nos modelos estudados.
Hipótese 1a (H1a) O ICM apresentará coeficiente significativo e
positivo, porque o custo de mensuração tem uma influência positiva no
IRC; assim, quanto maior esse valor, maior a complexidade do
contrato.
Hipótese 1b (H1b) O ICG apresentará coeficiente significativo e
positivo, pois o aumento desta variável tem influência positiva no
IRC; assim, quanto maior esse valor, maior a complexidade do
contrato.
Hipótese 2 (H2) O ITP apresentará coeficiente significativo e
positivo, uma vez que se espera a existência de diferença entre os
dois tipos de produção e maior complexidade no relacionamento com
produtores orgânicos, por causa da maior especificidade de ativos e/
ou do maior custo de mensuração em relação aos convencionais.
A Figura_2 resume as hipóteses levantadas neste artigo.
O modelo 1 foi testado com os dados coletados no Brasil e contou com as 64
observações brasileiras, mais do que o dobro do mínimo exigido para a
estimativa das seis variáveis independentes desse modelo, uma vez que
"uma regra geral é que a razão jamais deve ficar abaixo de cinco para
um, o que significa que deve haver cinco observações para cada
variável independente na variável estatística" (HAIR JR. et al.,
2008, p.148).
A Tabela_1 mostra as estimativas dos coeficientes das variáveis estudadas,
estando em destaque os coeficientes significativos, e a Figura_3 mostra os
principais resultados encontrados com os dados da pesquisa brasileira, sendo
que dois coeficientes não foram significativos (ns), o de tipo de produção
(ITP) e o de custo de mensuração (ICM), e um foi significativo em nível de 1%
de significância (***), o coeficiente de custo de governança (ICG), o qual
apresentou uma influência negativa (-) na variável de análise (IRC).
Observa-se na Figura_3 que a hipótese H1a foi rejeitada por ser o coeficiente
estimado negativo, além de não apresentar significância ao nível de 10%, o que
indica que o índice ICM não teve influência no IRC, ou seja, na complexidade
dos contratos escolhidos. O motivo de o ICM não influenciar o IRC pode ser
explicado pelo fato de um atributo importante nessa relação, e de difícil
mensuração (a característica orgânica), não ser negociado por meio dos
contratos, mas sim pela existência prévia de uma certificação desses produtos.
A hipótese H1b foi rejeitada devido ao fato de o coeficiente obtido ter sido
significativo ao nível de 1%, mas com diferente sinal do esperado. Dessa forma,
observa-se que os custos de governança têm influência negativa no IRC,
indicando que, quanto maiores esses custos, menor será a complexidade dos
contratos. Essa relação negativa entre governança e IRC pode ser explicada pelo
fato de um importante componente dessa especificidade de ativos (a
especificidade de marca, representada pela certificação de produtos) não ser
negociada por contratos entre supermercados e fornecedores, mas sim mediante a
exigência da presença de um selo orgânico emitido por uma terceira parte
(certificadora) que esse varejista faz. A hipótese H2 foi rejeitada porque,
apesar de ser igual ao esperado, nota-se que o sinal do coeficiente obtido não
apresentou significância ao nível de 10%, o que indica que as médias de IRC são
estatisticamente iguais entre produtores orgânicos e convencionais, isto é, a
complexidade de seus contratos é estatisticamente igual. Tal resultado pode ser
explicado pelo fato de os supermercados serem encarregados de apenas negociar
os atributos iguais entre os dois tipos de produção.
O modelo 1 também foi testado com os dados coletados nos Estados Unidos, com as
64 observações norte-americanas, número também suficiente para a estimativa das
seis variáveis independentes desse modelo (HAIR JR.et al., 2008). A Tabela_2
mostra as estimativas dos coeficientes das variáveis estudadas, estando em
destaque os coeficientes significativos, e a Figura_4 mostra os principais
resultados obtidos na pesquisa norte-americana, sendo que um coeficiente não
foi significativo (ns), o de tipo de produção (ITP), mas dois foram
significativos em nível de 1% de significância (***), o coeficiente de custo de
governança (ICG) que apresentou uma influência negativa (-) na variável de
análise (IRC), e o coeficiente de custo de mensuração (ICM), tendo ele uma
influência positiva (+) no índice de relação contratual.
Observa-se na Figura_4 que uma hipótese inicialmente proposta (H1a) não foi
rejeitada, devido ao fato de o coeficiente estimado ter sido positivo, conforme
sinal esperado, e apresentou significância ao nível de 1%, o que indica que o
índice ICM tem influência no IRC, ou seja, na complexidade dos contratos
escolhidos. A hipótese H1b foi rejeitada, devido ao fato de o coeficiente
obtido ter sido significativo ao nível de 1%, mas com sinal diferente do
esperado. Dessa forma, observa-se que os custos de governança têm influência
negativa no IRC, indicando que, quanto maiores esses custos, menor será a
complexidade dos contratos. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de um
importante componente dessa especificidade de ativos (a especificidade de
marca) ser negociado mediante a exigência que o varejista faz da presença de um
selo orgânico emitido por uma terceira parte (certificadora) e não por meio dos
contratos. A hipótese H2 foi rejeitada, pois o sinal obtido no coeficiente foi
diferente do esperado e não apresentou significância a nível de 10%, o que
indica que as médias de IRC são estatisticamente iguais entre produtores
orgânicos e convencionais, ou seja, a complexidade de seus contratos é
estatisticamente igual. Ressalta-se que tal resultado pode decorrer do fato de
os supermercados serem, atualmente, encarregados de apenas negociar os mesmos
atributos entre os dois tipos de produção ' orgânica e convencional.
Observa-se que as pesquisas brasileira e norte-americana apresentaram algumas
semelhanças e diferenças. As principais semelhanças foram: o coeficiente do
índice ICG teve significância ao nível de 5%, indicando influência negativa
dessa variável no IRC em ambos os países; e o coeficiente do índice ITP não
teve significância a 10% em ambas as pesquisas, indicando que não há distinção
na complexidade entre os contratos de orgânicos e convencionais nos dois
países. Já a principal diferença foi a variável de influência na complexidade
dos contratos, pois no Brasil esse papel foi da variável custo da governança
(ICG) e nos Estados Unidos foi do custo de mensuração (ICM).
Assim, nota-se que o custo de governança é uma variável que influencia, de
forma distinta, a escolha de estrutura de governança nos dois países estudados.
No entanto, ao contrário do previsto anteriormente, a especificidade de ativos
não teve influência positiva sobre os arranjos de governança observados. Esse
achado ocorreu possivelmente devido à exigência da certificação que implicou
negativamente sobre os custos de transação nas relações com os produtores
orgânicos. Cabe ressaltar também que foi observado que tanto a produção
orgânica quanto a convencional não influenciaram a escolha de estrutura de
governança dos supermercados. Em ambos os países, as duas produções, orgânica e
convencional, apresentaram, na média, a mesma complexidade nas estruturas de
governança. Portanto, como previsto antes na literatura, as estruturas tendem a
convergir, principalmente devido ao custo de mensuração (BARZEL, 2004a).
5. CONCLUSÕES
O presente artigo foi motivado pela problemática da compreensão dos principais
critérios influenciadores da complexidade das estruturas de governança nas
relações contratuais, tendo como fator discriminante a influência do ambiente
institucional. A análise foi realizada à luz da nova economia institucional
(NEI), com foco na abordagem da teoria da economia dos custos de transação
(ECT) em suas duas vertentes, custo de governança (WILLIAMSON, 1985) e custo de
mensuração (BARZEL, 1982). O objeto de pesquisa foi o sistema agroindustrial do
FLV orgânico e convencional no Brasil e nos Estados Unidos. Tinha-se como
hipóteses que os custos de governança e os custos de mensuração implicariam de
forma diferenciada a complexidade das transações entre produtores e varejistas
de produtos orgânicos e convencional e entre os dois diferentes ambientes
institucionais ' o Brasil e os Estados Unidos. Acreditava-se que transações dos
produtos orgânicos à luz da teoria dos custos de mensuração seriam formatadas
por estruturas de governança mais complexas que as dos produtos convencionais,
dadas suas características de bens de crença. Entretanto, esperava-se que essa
complexidade entre os diferentes tipos de produção pudesse estar sendo
relativizada devido à maior utilização da certificação orgânica, o que
reduziria os custos de mensuração das relações entre os agentes, levando,
assim, a uma convergência entre essas estruturas de governança inicialmente
distintas. Já com relação aos países estudados, previa-se uma diferença de
complexidade em suas estruturas de governança, e as ocorridas nos Estados
Unidos poderiam ser as menos complexas, principalmente devido à sua maior
consolidação nesses mercados estudados e à sua maior alternativa de canais de
comercialização dos produtos FLV. Para testar tais hipóteses, fez-se necessária
a criação de índices, levando em conta as variáveis determinantes de cada uma
das abordagens: custo de governança (ICG) e de mensuração (ICM). Os índices
foram construídos com os dados da pesquisa de campo realizada com produtores de
FLV (orgânico e convencional) no Brasil e nos Estados Unidos.
A principal conclusão da análise foi que, apesar de algumas semelhanças
observadas nesses dois mercados estudados (Brasil e Estados Unidos), o ambiente
institucional importa, sim, na complexidade das estruturas de governança. Esse
resultado decorre do fato de empiricamente ter sido possível observar que, em
função do ambiente institucional, o custo de governança e o de mensuração
resultaram em determinadas estruturas de governança nos dois países, conforme
se observou no modelo 1. Em outras palavras, a influência individual de cada
uma dessas diferentes variáveis teóricas (custo de mensuração e de governança)
depende do país considerado na análise. Logo, o ambiente institucional em que a
decisão de governança é tomada exerce poder decisivo sobre qual das abordagens
teóricas da economia do custo de transação (ECT) será mais ou menos importante
na explicação da complexidade da estrutura de governança escolhida.
Outra constatação deste trabalho é que, apesar de indícios teóricos apontarem
que a produção orgânica deveria ser mais coordenada verticalmente, devido à sua
maior especificidade de ativos e ao seu maior custo de mensuração em suas
transações (BARZEL, 1982; WILLIAMSON, 1985), tal modo de governança não foi
observado em nenhum dos dois mercados. Portanto, conclui-se também que a
potencial convergência nos relacionamentos entre os produtores de diferentes
tipos de produção (orgânicos e convencionais) e os supermercados, também
prevista no referencial teórico (BARZEL, 2004a), já ocorreu. Essa constatação
pode ser entendida devido ao avanço da certificação dos produtos orgânicos, que
tem importante papel de padronizar os produtos orgânicos, reduzindo, dessa
forma, o seu custo de mensuração (BARZEL, 1982; 1997). A certificação
possibilita que a negociação de um atributo de crença (atributo orgânico)
ocorra cada vez mais de forma semelhante à de um atributo de procura,
principalmente porque a necessidade e os procedimentos de rastreamento feitos
pelos supermercados em seus fornecedores de FLV não diferem por tipo de
produção (orgânica ou convencional), pois apenas os atributos comuns entre eles
(modelo A) são rastreados por essa vistoria. Dessa forma, nota-se que, nos dois
países estudados, a maioria das transações entre os produtores rurais
(orgânicos e convencionais) e os supermercados caracterizou-se da seguinte
forma: relações contratuais informais entre os agricultores e os
distribuidores; e relações contratuais formais entre os distribuidores e os
supermercados.
Também é possível concluir que essa diferença entre a complexidade de estrutura
de governança entre os agentes nos dois ambientes institucionais ocorreu no
sentido previsto das percepções iniciais neste estudo, principalmente devido à
constatação observada ao longo do trabalho, que mostrou a presença de contratos
formais menos complexos nos Estados Unidos em relação aos encontrados no
Brasil. Assim, essa confirmação de percepção também contribuiu para que as
estruturas de governança, sua complexidade e suas escolhas fossem mais bem
compreendidas. Portanto, as conclusões apresentadas proporcionaram mais um
passo em direção ao melhor entendimento do fenômeno de escolha de estrutura de
governança e seus principais critérios de influência e complexidade em
diferentes ambientes institucionais, o que possibilitará melhor previsão dessas
estruturas, bem como melhor compreensão da dinâmica da complexidade delas ao
longo do tempo.
Uma limitação deste estudo foi o tipo de amostra utilizado (snow ball), a qual
é não probabilística, significando que a extensão de seus resultados para a
população inteira deva ser feita com cuidado. Além dessa limitação, algumas
perguntas apresentaram pequena variação de respostas obtidas, eliminando-as da
elaboração de alguns índices, o que significa que alguns aspectos levantados
foram desconsiderados na composição de alguns índices. Fica como sugestão para
próximos trabalhos replicar a análise executada neste artigo para outras
culturas ou mesmo aplicar essa análise para as mesmas culturas abordadas, mas
com diferentes tipos de amostragens, com o objetivo de verificar os resultados
encontrados neste estudo. Adicionalmente, outras relações entre produtores
rurais e diferentes tipos de varejistas podem ser objeto de estudos futuros,
tais como lojas especializadas, feiras e/ou outros canais de importância na
comercialização agrícola.