Em direção a uma demografia ambiental? Avaliação e tendências dos estudos de
população e ambiente no Brasil
População e ambiente no Brasil: uma história abepiana
Os estudos de População e Ambiente (P-A) têm se desenvolvido rapidamente nos
últimos anos. Seguindo uma tendência que se observa em todos os campos do
conhecimento, a temática ambiental foi incorporada aos estudos demográficos
procurando elucidar as complexas relações estabelecidas entre a dinâmica
demográfica e o ambiente. Internacionalmente, criaram-se fóruns, organizaram-se
eventos e desenvolveram-se grupos e projetos de pesquisa que procuraram
estabelecer os termos desta relação.
Interdisciplinar desde o seu início, o campo dos estudos P-A, como acontece com
novos ramos de investigação científica, foi formado por pesquisadores oriundos
de diferentes tradições filosóficas, abordagens metodológicas e com as mais
diversas formações. A exemplo de outras questões nos estudos populacionais, que
são inerentemente interdisciplinares, a preocupação ambiental em seu interior
não foi incorporada, a priori, por meio de uma questão ou problemática
propriamente demográfica. Ao contrário, a inclusão se deu em virtude de sua
relevância inequívoca assumida nos últimos 30 anos no âmbito da sociedade, da
política e da ciência. Além disso, o caminho percorrido pelos primeiros
estudiosos a fazerem tal incorporação diz respeito às suas trajetórias e
interesses prévios, resultando num campo absolutamente plural e, num primeiro
momento, heterogêneo do ponto de vista temático, metodológico e epistemológico,
o que coloca, para qualquer campo de investigação emergente, questões sobre sua
autonomia e legitimidade diante de outras áreas já consolidadas.
O primeiro desafio que o campo enfrentou na busca desta legitimidade foi a
disputa contra os fantasmas do neomalthusianismo e da vinculação simplista do
crescimento populacional com a degradação e a mudança ambiental (HOGAN, 1991;
MARTINE, 1993a; SAWYER, 1993). Muito presente nos debates ambientais e sobre
desenvolvimento, esta problemática recebe nova vida de tempos em tempos, em
novas versões de ligação direta entre pobreza, degradação ambiental e
crescimento populacional.
A importância do tema urbano nos primeiros anos do GT foi, de certa forma,
direcionada pelo desejo de se distanciar de uma visão neomalthusiana, para
estudar o impacto da degradação ambiental para o bem-estar da população. Da
mesma forma, muitos dos primeiros estudos sobre população e desmatamento da
Amazônia buscaram abordagens alternativas da relação P-A que não culpavam a
vítima (isto é, que não era o pequeno agricultor-colono o responsável pelo
desmatamento). Considerando-se que no contexto internacional a relação P-
A quase sempre foi reduzida à pressão dos números sobre os recursos, as
temáticas e abordagens do GT evoluíram na contramão desse contexto.
O campo atravessou os anos 90 e entrou no novo século ampliando suas questões e
incorporando perspectivas, temáticas e pesquisadores oriundos de diferentes
áreas, com seus interesses e perspectivas teórico-metodológicas. Um certo
ecletismo marcou este desenvolvimento nos últimos 20 anos, num esforço de
compor uma comunidade com interesses comuns e legitimidade social e acadêmica.
Atualmente, pode-se dizer que este espaço foi plenamente conquistado. A relação
quase corriqueira entre número populacional e degradação ambiental foi
marginalizada nos debates acadêmicos e na agenda política, o que poderia ser
considerada a primeira vitória dos estudos de P-A. No entanto, desafios bem
maiores manifestam-se atualmente para os pesquisadores do campo. Após os
primeiros anos de esforços no sentido de reunir um conjunto de interessados e
estabelecer uma problemática, muitos têm questionado se este é de fato um campo
de estudos específico. Da Demografia, parte o questionamento sobre a dimensão
propriamente demográfica dos estudos sobre P-A e sua contribuição para o
conjunto dos estudos populacionais. Em vista disso, após os primeiros anos nos
quais o grupo passou respondendo a demandas e problemáticas oriundas de
diferentes campos, talvez o momento atual seja o de olhar para si, para seu
próprio desenvolvimento, avaliando sua trajetória e procurando repensar seus
próprios caminhos a partir de elementos internos, ou seja, que respondam ao
escopo específico da Demografia. Se os estudos sobre P-A são um campo de
investigação próprio, do ponto de vista dos estudos populacionais, há
necessidade de delineamento do que poderia ser aventado, no futuro, como uma
Demografia Ambiental, ou seja, um tratamento propriamente demográfico da
relação P-A, a partir de uma construção epistemológica de sua problemática e
objeto.
No Brasil, assim como na comunidade internacional, um grupo se organizou no
seio da sua instituição, a Associação Brasileira de Estudos Populacionais
(Abep), reunindo não apenas abepianos de longa data, mas também pesquisadores
engajados em temas correlatos que começavam a aparecer em diferentes fóruns de
pesquisa no Brasil, todos gravitando em torno da questão ambiental. O Grupo de
Trabalho População e Meio Ambiente, recentemente renomeado População, Espaço e
Ambiente, constituiu-se, desde sua criação, como principal locus de
desenvolvimento e difusão deste campo de pesquisa no Brasil.
Criado em 1990, o GT teve sua primeira sessão temática realizada no Encontro
Nacional da Abep de 1992, em Brasília. Naquele ano, foram apresentados seis
trabalhos em três sessões, iniciando uma trajetória nos encontros da Abep que
se mantém crescente e mais consolidada a cada ano. Embora possa ser considerado
pequeno numericamente, o GT tem desenvolvido e promovido pesquisas e o
interesse na temática no país, participando do avanço da área em âmbito
internacional, através de seus membros, principalmente ligados à International
Union for the Scientific Study of Population (IUSSP) e aos encontros da
Population Association of America (PAA).
No Brasil, a difusão se dá também para além do escopo da Abep, especialmente
por meio das vinculações institucionais e disciplinares originais dos membros
que, ao aderirem e contribuírem com o estudo de P-A, estabelecem uma rede de
relações interdisciplinares que incorporam Sociologia, Planejamento Urbano e
Regional, Geografia, Economia, Antropologia, entre outras áreas, no núcleo
central de discussão e de inspiração temática, metodológica e epistemológica do
GT.
É evidente que esta abertura, que não é uma particularidade desta temática, mas
está ligada à própria Abep, produz conseqüências do ponto de vista da
consolidação dos estudos demográficos. Há um questionamento interno sobre a
abertura e o ecletismo que têm caracterizado, senão todos, vários grupos de
trabalho da Associação. Sob o rótulo "estudos populacionais", as questões
demográficas nem sempre têm sido o enfoque principal das sessões temáticas e
das reuniões da Associação. O GT sente esta questão de forma especial, pois a
interdisciplinaridade é inerente à própria discussão ambiental em geral,
marcando profundamente estes estudos, inclusive institucionalmente (vide a
formação de programas de pós-graduação e de núcleos interdisciplinares de
pesquisa). Além disso, o pouco tempo de existência desta discussão no âmbito da
Demografia demandou que, neste período de emergência e consolidação da
temática, fosse necessário o diálogo intenso com interlocutores que, mesmo sem
um enfoque especificamente populacional, estivessem dispostos a interagir com o
grupo, auxiliando no enfrentamento de questões até então não trabalhadas pelos
demógrafos e na própria composição teórico-metodológica de um tratamento
propriamente demográfico de tais questões.
Um olhar retrospectivo na produção do grupo aponta para várias destas ligações
e sua importância no desenvolvimento destes estudos. No entanto, após 17 anos,
aumentam os questionamentos sobre "a pergunta demográfica" do campo: até que
ponto muitas das questões (teóricas, metodológicas e temáticas) trazidas ao seu
interior foram ou não incorporadas e, principalmente, até que ponto estamos ou
não caminhando para a composição de uma base epistemológica da construção do
problema (P-A), legitimando assim a existência do GT e desta temática? Talvez,
17 anos depois do ponta-pé institucional, o momento seja de reflexão sobre a
trajetória realizada até aqui e para quais direções devemos caminhar e,
sobretudo, como chegar lá.
Este artigo tem o objeto de contribuir para tal reflexão. Parte-se de uma
compilação e avaliação da produção do grupo desde sua formação, analisando os
diversos momentos pelos quais ele passou (Vislumbres, Precursores e
Consolidação), apontando que se está exatamente no momento de mudar de fase,
caminhando para a discussão sobre a natureza epistemológica da área. Neste
caso, é indicada a necessidade de recolocar a pergunta demográfica no centro do
debate e, ao mesmo tempo, avaliar como incorporar as contribuições advindas dos
interlocutores de outras áreas disciplinares, possibilitando assim uma
construção coletiva do campo específico de estudos em P-A.
Nossa opção metodológica para esta análise será internalista. Investiremos nos
elementos que estão sendo trabalhados no interior do grupo, procurando partir
da própria Demografia para a delimitação das permanências, mudanças e demandas
que se revelam ao longo dos mais de 20 anos de desenvolvimento da temática no
país. Em vista disso, nos concentraremos na produção ligada de forma direta à
Abep, incluindo os 15 encontros nacionais da Associação, além dos dois
encontros intermediários (2003 e 2005)1 e dos três livros (Martine, 1993b;
Torres; Costa, 2000; Hogan; Berquó; Costa, 2002) organizados pelo GT.
Incorporamos à análise também as nove teses de doutorado defendidas por membros
do grupo em P-A (entre 1995 e 2006), não apenas por representarem os frutos,
mas por serem trabalhos de grande fôlego elaborados por membros comprometidos
com o campo e que trouxeram inovação teórica, metodológica e temática para o
GT.
É evidente que este desenvolvimento, quando aparece na Abep de forma explícita,
representa a culminação de processos que vinham sendo gestados alguns anos
antes. Não nos ocuparemos, no entanto, em localizar cada um dos eventos e
publicações que possuem influência (direta ou indireta) neste desenvolvimento,
como aqueles presentes nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), principalmente ligados ao grupo de
trabalho Ecologia, Política e Sociedade (fundado antes do GT População e Meio
Ambiente da Abep) ou nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur). Partimos de uma perspectiva
internalista, mesmo sabendo que isto acarreta a adoção, a priori, de um quadro
institucional e científico no país que não será problematizado neste momento.
As influências e desenvolvimentos paralelos, além do contexto sócio-histórico,
poderão ser objetivo de uma análise complementar em outra ocasião.2
Nos concentraremos, portanto, na produção do GT, pois os desenvolvimentos que
ocorreram nas diferentes instituições (como projetos de pesquisa e outros
eventos) e em outros fóruns de discussão foram trazidos em algum momento para o
interior do grupo, estando assim contemplados em nossa análise.3 Para tanto,
temos como foco desta avaliação duas questões metodológicas que auxiliam a
considerar a potencialidade do campo em caminhar em direção da consolidação e
da discussão epistemológica: o uso da abordagem espacial, essencial para estes
estudos; e o uso de múltiplas escalas e metodologias de análise. A primeira é
um dos principais vieses de análise dos estudos do GT, estando a distribuição
espacial da população no cerne da maioria das preocupações, seja em enfoques
regionais ou urbanos. Entretanto, a utilização crescente de Sistemas de
Informação Geográfica (SIG) e sua rápida disseminação ao longo da década de 90
contribuíram para reforçar esta orientação, enfatizando a importância da
análise espacial para estes pesquisadores. Refletir sobre como esta tem sido
trabalhada será um caminho metodológico para avaliar o desenvolvimento destes
estudos. De tão fundamental, tal questão elevou-se ao próprio nome do GT, que o
alterou após o Encontro Nacional da Abep de 2006. Essa decisão recente reflete
a convicção do GT de que é preciso superar dicotomias simples, como rural-
urbano, para alcançar uma visão mais consistente, menos voltada a problemas
específicos e mais comprometida com explicações teórico-metodológicas
integradas.
Quanto às metodologias e escalas de análise múltiplas, estas ainda têm sido
pouco incorporadas às pesquisas. Em vista das próprias temáticas que têm
interessado o GT, o desenvolvimento de metodologias quanti-quali e de múltiplas
escalas seriam de grande valia para ampliar a capacidade analítica e permitir
um olhar mais refinado, principalmente em microescalas (enfoque recorrente e
importante para o grupo). Discutir e incorporar as aplicações já realizadas
neste campo também são fundamentais para tal construção.
O texto se encaminha, portanto, para a necessidade de um repensar o estatuto
epistemológico da questão P-A, procurando identificar os elementos presentes em
seu desenvolvimento interno que possam contribuir para a consolidação de um
conjunto metodológico específico e de uma formulação da problemática de um
ponto de vista mais complexo. Estaria o campo de P-A caminhando para esta
consolidação? O que emerge como possibilidades e desafios do desenvolvimento da
problemática no Brasil? A partir da análise metodológica e temática da produção
do GT, o texto aponta para a oportunidade de dar um salto qualitativo do ponto
de vista epistemológico, aumentando a aderência interna das problemáticas em
sua dimensão propriamente demográfica. Estaria o campo de P-A no Brasil em
direção à construção de uma Demografia Ambiental, tal como provoca Leff (1993)?
O que isto implica? Que ganhos os estudos populacionais e os ambientais
derivariam de tal construção?
Análise do desenvolvimento e da produção do GT: uma perspectiva internalizada
Nossa análise seguirá dois eixos principais: a fase de desenvolvimento da
temática; e a produção histórica do GT, considerando-se os diferentes papéis
dos pesquisadores em relação ao grupo. A primeira foi baseada nos anais dos
encontros, nos números da Revista Brasileira de Estudos de População (Rebep) e
nos livros publicados.4 Quanto aos anais, não pudemos controlar os trabalhos
que não foram efetivamente apresentados, encontrando-se na listagem aqueles
enviados e constantes nos anais e na programação do evento. No que se refere
aos artigos, embora pudéssemos eleger alguns trabalhos publicados em outros
periódicos ou coletâneas externos ao GT (alguns ligados ao Grupo de Trabalho
Ecologia, Política e Sociedade, da Anpocs, seriam bons exemplos), a opção pela
análise das repercussões internas à comunidade abepiana concentrou a discussão
em torno dos frutos e problemáticas desenvolvidas com o foco propriamente
demográfico.
A análise do desenvolvimento da temática, portanto, está limitada aos registros
publicados, avaliados com um olhar retrospectivo de quem acompanhou todo o
processo, mas procura revelar a manifestação da temática. As tabelas e gráficos
auxiliam a visualizar este desenvolvimento, à medida que procuramos organizar a
produção do grupo de acordo com a evolução do interesse e da consolidação da
temática no interior da Abep.
Já a análise por categoria de autor visa identificar os atores e suas
respectivas instituições que têm constituído o núcleo duro da temática no país,
assim como aqueles que, mesmo não se comprometendo com a Demografia stricto
sensu, tiveram/têm papel fundamental neste desenvolvimento. Esta análise também
fornece elementos para que o próprio GT avalie seu percurso e planeje seu
futuro.
A mensuração da produção não incorpora uma noção de produtividade ou um fluxo
de produção, atentando mais ao peso das categorias de autores na composição ao
longo do tempo das atividades do GT, no sentido de apontar seu envolvimento e
contribuição nos diferentes momentos pelos quais passou o grupo. É evidente que
os da Primeira Geração estiveram mais tempo expostos ao "risco de produzir",
enquanto aqueles da Terceira Geração ainda estão no início de suas carreiras
acadêmicas. O principal não é o volume de produção acumulado, mas sim a
intensidade de sua participação, aqui captada pelos trabalhos científicos
escritos e publicados nos veículos privilegiados de discussão do GT, no âmbito
abepiano. Esta análise é indicativa do desenvolvimento do grupo, mas não esgota
as variáveis envolvidas. Se há uma ênfase nas publicações é porque elas são o
documental que pode ser acessado e localizado por pesquisadores e novos
interessados, constituindo-se no material que permanece e que se torna, ele
mesmo, o relato da produção do grupo. Assim, embora este material não revele
outros elementos importantes da produção científica (vínculos institucionais,
circunstâncias políticas e sociais, contexto intelectual, etc.), as publicações
são a principal expressão de todo este desenvolvimento.
Nossa análise visa muito mais "mapear" esta produção do que quantificá-la,
permitindo-nos, a partir deste "desenho", refletir sobre seu significado. Esta
incorpora os elementos contextuais da evolução dos estudos, a partir da
perspectiva de quem acompanhou o processo e que agora o olha de maneira
retrospectiva, refletindo sobre ele.
Desenvolvimento da temática
Um olhar em perspectiva nos permite delimitar pelo menos três fases na evolução
do grupo que expressam o grau de incorporação da temática P-A nas preocupações
abepianas: Vislumbres, Precursores e Consolidação.
A primeira estende-se desde o primeiro encontro nacional da Abep, em 1978, até
aquele realizado em Águas de São Pedro, em 1986. Neste período, a problemática
ambiental estava sendo formulada em âmbito mundial, não tendo ainda entrado na
agenda das Ciências Sociais em geral, nem da Demografia em particular. Em vista
disso, identificamos apenas alguns trabalhos que discutiam temáticas que viriam
dar à luz, no contexto da Abep, as discussões P-A. Destes, só não encontramos
nenhum trabalho específico no encontro de 1986.
São nove trabalhos (incluindo participações em sessões plenárias) que
abordavam, sobretudo, dois dos temas que permanecem até hoje como marcantes no
GT: colonização/fronteira na Amazônia; e as condições de vida nas cidades. No
entanto, além destes indícios mais gerais, é importante a menção direta à
questão ambiental no texto do relatório do Comitê de Trabalho "A dinâmica
demográfica em situação de crise". Após expor que não havia pertinência da
instalação de um GT para discutir Demografia e Conjuntura, o relator aponta:
O que a experiência levanta, para nós, é a necessidade de enfocar
mais sistematicamente os fatores não-demográficos que exercem
influência direta na dinâmica demográfica. As discussões mais ricas
sobre a conjuntura, além da questão do emprego (que pode
perfeitamente ser desenvolvido no Comitê "Força de Trabalho"), foram
aquelas sobre a política social, alimentação, e saúde. Quando forem
superados os problemas de dados, poderá ser viável um grupo dedicado
à análise conjuntural. Mas, por enquanto, aprofundaremos mais a nossa
compreensão da dinâmica demográfica através de pesquisas sobre temas
afins. À essa lista poderia se acrescentar a ecologia (poluição,
esgotamento de solos e outros recursos naturais, o desflorestamento,
etc.), a tecnologia, e os problemas urbanos como transporte e
habitação. (HOGAN, 1984, p.1.366, grifo nosso)
Esta citação direta mostra que a questão ambiental, embora ainda não
incorporada ou sem um corpo mais bem delineado, já se colocava nos debates
abepianos, reunindo elementos para seu desenvolvimento.
Os dois encontros seguintes, de 1988 e 1990, constituem a fase que denominamos
Precursores, pois é quando aparecem, pela primeira vez, trabalhos
explicitamente com a temática P-A, iniciando o processo que culminaria com a
criação do GT em 1990. Desta fase têm-se quatro trabalhos: dois que abordam a
relação migração-saúde-poluição; um sobre condições de vida; e outro sobre
política ambiental.
A terceira fase, chamada de Consolidação, inicia-se em 1992, com a primeira
presença do GT no encontro da Abep. Naquele ano, o GT participou de pelo menos
três sessões temáticas, discutindo temas como espaço urbano e a questão
ambiental, estado e ecologia, impactos econômicos e populacionais de projetos
industriais, recursos hídricos, emprego rural e degradação ambiental em áreas
de favelas. Foram seis trabalhos que trouxeram elementos fundamentais ao grupo,
como as questões de produção do espaço urbano e a associação perversa entre
degradação ambiental e social.
Em 1993 foi publicado o primeiro livro do GT, uma coletânea organizada por
George Martine (1993b): População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e
contradições. Os temas refletiram diretamente os dois últimos encontros, com
nove artigos que eram um "choro de nascimento" de um grupo e de uma temática.
Pouca Demografia mas muitas preocupações legítimas no campo urbano-ambiental
dão o tom ao livro que, embora bastante vinculado àquele momento de
desenvolvimento do grupo (a preocupação em diferenciar os estudos P-A do debate
neomalthusiano), continua a ser referência fundamental a um público bastante
amplo.
A partir de 1994, o grupo passou a ganhar, gradativamente, consistência e novos
componentes, o que deu respaldo aos oito trabalhos apresentados nas duas
sessões daquele ano, com os temas "Novos padrões de urbanização e problemas
ambientais" e "População em situação de risco ambiental".
Em 1996, os dez trabalhos foram discutidos em três sessões: "Populações em
situações de risco ambiental"; "População e qualidade de vida"; e "Políticas
públicas, população e meio ambiente". No encontro de 1998, o GT organizou, além
de três sessões ("Assentamentos Rurais e Meio Ambiente", "Políticas Públicas e
Meio Ambiente", "Qualidade de Vida nas Megacidades"), totalizando 12 trabalhos,
uma mesa redonda intitulada "Os desafios da demografia 200 anos após Malthus:
planejamento e impactos ambientais".
O maior desdobramento do encontro de 1998 foi a organização do segundo livro
coletivo do grupo (População e meio ambiente: debates e desafios). Haroldo
Torres e Heloisa Costa se encarregaram de coordenar o processo de seleção das
contribuições que vinham sendo discutidas no interior do grupo, ao longo dos
últimos anos, culminando com sua publicação em 2000, o que se tornou marco
importante na evolução e amadurecimento do GT (TORRES; COSTA, 2000).
Em comparação ao livro anterior, que era mais um aglomerado dos interesses dos
pesquisadores, em boa parte ainda tangenciando a discussão sobre P-A, esta
publicação apresenta significativos avanços, com o refinamento de muitos
olhares e a ampliação das temáticas. As seções em que foram organizados os
artigos ajudaram a cristalizar algumas das tendências temáticas principais do
grupo. Além de uma seção reflexiva acerca do próprio campo, com três artigos,
há outros três textos na seção "Capacidade de suporte em ambientes
tradicionais", quatro na seção "Novas configurações de ambientes em construção"
e dois em "Riscos sociais e ambientes industriais". Os temas riscos/
vulnerabilidade, cidade/degradação social e ambiental e conflito população-
recursos no enfoque regional consolidam-se como os grandes temas de interesse
do GT.
No encontro nacional de 2000, outras duas sessões plenárias foram organizadas,
"Indicadores de sustentabilidade" e "Trinta anos de Transamazônica: a
recorrência dos projetos de infra-estrutura na Amazônia e seus significados
demográficos e ambientais", acompanhando os 12 trabalhos apresentados nas três
sessões temáticas e os três apresentados em pôster. Os temas das sessões foram
"Interações rurais-urbanas e meio ambiente", "População e risco ambiental" e "A
questão demográfica nas análises de impacto ambiental e nos instrumentos de
planejamento e política ambiental".
No intervalo entre os encontros de 2000 e 2002, o GT, em conjunto com a
Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), a Abep e o Núcleo de
Estudos de População (Nepo/Unicamp), organizou sua terceira coletânea:
Population and environment in Brazil: Rio+10, coordenada por Daniel Hogan, Elzá
Berquó e Heloisa Costa, em inglês, com o objetivo de traçar um panorama das
contribuições brasileiras a esta discussão por ocasião da reunião Rio+10, em
Johanesburgo, em 2002 (HOGAN; BERQUÓ; COSTA, 2002). Com este caráter, o livro
não procurou refletir apenas o trabalho dos membros do GT; antes, os
organizadores traçaram um quadro das questões que deveriam ser contempladas,
angariando também contribuições de outros pesquisadores que discutissem tais
temas, mesmo que não integrantes do GT.
Com a crescente abertura para os grupos de trabalho na programação da Abep, o
grupo organizou em 2002 cinco sessões temáticas (totalizando 20 trabalhos),
duas mesas redondas e expôs 12 pôsteres. As mesas tiveram como temas "Migração
e ambiente: São Paulo e Centro-Oeste" e "Implicações demográficas dos novos
arranjos territoriais na gestão ambiental". As sessões temáticas foram "Justiça
socioambiental, populações excluídas e movimentos sociais", "População, meio
ambiente e processos de gestão", "Políticas públicas e população:
vulnerabilidade, adensamento e condições de habitabilidade", "Políticas
públicas e populações em situação de risco/vulnerabilidade socioambiental" e
"Políticas públicas e populações em situação de risco/vulnerabilidade
socioambiental ' II".
Em 2003 foi organizado o primeiro encontro intermediário do GT, em conjunto com
os grupos de trabalho de Migração e de População e Trabalho, com o título
"Encontro Transdisciplinar sobre Espaço e População". A idéia foi pôr em
discussão uma temática de interesse comum: as definições e redefinições entre o
campo e a cidade e a problemática das delimitações oficiais. O GT se reuniu
para discutir os oito trabalhos encaminhados.
Em 2004, foram apresentados 24 trabalhos, organizados em seis sessões
temáticas, cujos temas reforçaram as tendências históricas do grupo: "Justiça
socioambiental, conflitos de uso e populações em situação de risco/
vulnerabilidade"; "Políticas públicas e processos de gestão ambiental: aspectos
populacionais"; "População, meio ambiente e território: metodologias de
investigação"; "Condições de vida e condições ambientais: em busca de
metodologias para análise integrada"; "Implicações socioambientais da
redistribuição espacial da população brasileira"; e "Amazônia: novos e antigos
dilemas". Foram realizadas também duas plenárias: "Perspectivas para o século
XXI: mudanças ambientais globais e padrões de consumo"; e "Urbanização,
desigualdade e movimentos migratórios", esta organizada em conjunto com o GT de
Migração.
O segundo encontro intermediário, agora sem a companhia dos outros grupos de
trabalho, foi organizado em 2005, tendo como foco "População e Meio Ambiente:
metodologias de abordagem", com um especial interesse na abordagem espacial e a
proposição de organizar um livro (que se concretizou neste número especial da
Rebep) que discutisse a evolução do campo e o instrumental metodológico
desenvolvido no interior do grupo. Seria um aceno para a consolidação? Nossa
expectativa é que ele possa marcar no futuro uma passagem de fase, do período
da consolidação para o de discussão epistemológica de uma base teórico-
metodológica própria do campo, fortalecendo o aspecto demográfico e
redesenhando as relações com as temáticas e disciplinas colaboradoras.
O XV Encontro da Abep, realizado em setembro de 2006, foi marcado por esta
busca de consolidação e, ao mesmo tempo, de ampliação do escopo do grupo. O
tema geral da chamada de trabalhos foi "População e meio ambiente, impactos
ambientais, uso e ocupação do solo", cuja resposta foi mais de 60 trabalhos
encaminhados, dos quais 20 compuseram as cinco sessões temáticas, quatro foram
expostos na sessão "Jovens pesquisadores", 13 apresentaram-se como pôsteres e
outro foi incorporado à mesa-redonda organizada pelo GT ' "População e meio
ambiente: além da pressão dos números sobre os recursos". Os temas das sessões
expressam o momento que o GT está atravessando, com atenção nas questões
metodológicas ("População e meio ambiente: novas abordagens e discussões" e
"População e meio ambiente: questões metodológicas"), além da presença de temas
permanentes ("População e meio ambiente: questões urbanas e metropolitanas"),
novos ("Dinâmicas populacionais e o consumo do espaço urbano") e aqueles que há
algum tempo não eram discutidos ("População e meio ambiente: relações com a
morbidade e a mortalidade").
Além destas atividades, alguns membros do grupo organizaram uma sessão
especial, demandada pela direção da Abep, sobre "Demografia Aplicada,
Demografia Intra-Urbana, Planejamento, Geodemografia", a qual recebeu um número
considerável e até certo ponto surpreendente de trabalhos que, se de um lado
também fazem parte do escopo de interesses do GT, de outro, não estavam sendo
encaminhados para ele. As três sessões organizadas, com quatro trabalhos cada
uma, tiveram os seguintes temas: "Demografia para o planejamento urbano e
regional"; "Demografia intra-urbana" e "Geodemografia", além de uma sessão de
pôsteres com 13 trabalhos. Três eixos que se converteram em temas de sessões
são questões tradicionalmente abordadas no GT (planejamento urbano e regional,
a cidade e as novas tecnologias de informação), mas que nos últimos encontros
não têm freqüentado com tanta força as sessões. Esta experiência ajudou a
apontar interesses e demandas que são importantes para o GT e que precisam ser
incorporados, estando clara sua pertinência e lugar dentro do grupo,
contribuindo assim no seu direcionamento pós-encontro, inclusive na redefinição
do seu nome, como veremos adiante.
O Gráfico_1 mostra a série histórica de trabalhos apresentados sobre a temática
(a partir de 1992, apenas aqueles relacionados ao GT), podendo-se verificar a
ascendência contínua do grupo e o novo patamar que adquiriu, com maior espaço
aberto aos grupos de trabalho na Abep, onde tem se mantido desde 2002.
Não é demais lembrar que, nos últimos dez anos, com o aumento e o processo de
avaliação da pós-graduação no Brasil, houve um incremento tanto de pessoas
dedicadas à pesquisa quanto no sentido da necessidade de publicar. Isto se
reflete no tamanho dos eventos, que registraram sensível crescimento em todos
os campos. Assim, observar no gráfico o número de trabalhos aponta que a
temática teve como responder ao espaço que lhe foi aberto no âmbito da
Associação. No entanto, permanece oculto o fato de até que ponto tais trabalhos
e sessões estão comprometidos com o campo propriamente demográfico (e, em
alguns casos, até mesmo populacional).
A análise por autor, a partir do seu comprometimento com a temática e com o GT,
ajuda a qualificar melhor estes dados e a considerar de forma ponderada este
crescimento do volume de produção associada ao GT.
Análise internalista
A análise que faremos a seguir concentra-se especificamente nos membros do
grupo, separando-os de acordo com seu papel no quadro histórico traçado. Esta
classificação não é um reflexo direto da análise anterior da produção do grupo,
mas se baseia no desenvolvimento qualitativo da temática, avaliando-se
principalmente quatro critérios: (1) presença e produção nos encontros e
publicações do GT; (2) reconhecimento do grupo da pertinência e importância de
seu trabalho para a temática; (3) compromisso com os estudos de P-A de um ponto
de vista demográfico; e (4) envolvimento e colaboração continuada. A partir de
tais critérios, podemos distinguir três categorias de autores que podem ser
classificados como o núcleo duro do campo no Brasil:
* Primeira Geração: abepianos de longa data (todos fundadores), com papel
central no grupo desde as duas primeiras fases (Vislumbres e
Precursores);
* Segunda Geração: os que têm o mesmo papel central no grupo, mas que
começaram a participar ativamente a partir da terceira fase
(Consolidação);
* Terceira Geração: recém-doutores que têm envolvimento ativo com o grupo e
a temática principalmente nos anos 2000, compondo também este núcleo
central.
Os demais autores foram classificados em duas outras categorias, que não
atendem em sua totalidade aos critérios anteriores: os Interlocutores, que são
pesquisadores de outras áreas do conhecimento que têm constantemente dialogado
com o grupo, contribuindo para seu desenvolvimento, com reconhecimento por
parte do grupo da importância e contribuição para o desenvolvimento do GT, mas
que não têm compromisso específico com a Demografia; e os Participantes
Ocasionais, que são aqueles que apareceram uma ou mais vezes, mas, por qualquer
motivo, acabaram não estabelecendo uma colaboração continuada com o GT. Muitos
destes são estudantes de pós-graduação, pesquisadores de outras áreas que
encontram em dado momento abertura temática para ir à Abep discutir seu
trabalho, ou abepianos que ocasionalmente estabelecem pontes entre sua temática
de origem e os debates P-A, em especial aqueles ligados ao GT de Migrações.
Alguns destes autores poderão no futuro integrar-se de forma mais estreita ao
GT, mas não consolidaram tais posições até o momento.
Toda nossa análise está esteada nestas cinco categorias, a partir das quais
produzimos uma tabulação da produção do grupo (trabalhos nos encontros
nacionais e nos intermediários, participação em mesas, artigos publicados na
Rebep, até o volume 23, n.2, de 2006, e textos publicados nos três livros do
grupo). Nesta tabulação, como estamos considerando o papel das categorias de
autor, contamos por autoria, e não por artigo, ou seja, um artigo que possui
quatro autores aparece quatro vezes na tabulação. Estes dados correspondem ao
período a partir de 1988, pois a fase de Vislumbres é muito incipiente em
referências a P-A.
A Tabela_1 mostra a produção do grupo organizada por categorias de autor.
Listamos a produção por autor nas três gerações e nos Interlocutores, enquanto
para os Participantes Ocasionais os dados estão agregados.5 O Gráfico_2
apresenta o total desta produção por categoria de autor e tipo de produção, de
1988 a 2006.
Nota-se, no Gráfico_2, a relação entre a produção das categorias e o papel
preponderante, em termos de quantidade, dos Participantes Ocasionais,
principalmente nos eventos. Mesmo somando-se todos os outros trabalhos, estes
não têm o mesmo volume daqueles (Gráfico_3). A ausência dos Participantes
Ocasionais na Rebep, por exemplo, expressa sua pouca relação com o grupo e com
a Demografia de uma maneira mais ampliada, mas verifica-se sua participação
significativa nos livros e nas mesas, o que pode ser entendido como a
necessidade de trazer interlocutores para debater temas de interesse comum. Por
outro lado, há um certo equilíbrio no peso das demais categorias (excluindo-se
a Terceira Geração), perfazendo juntas 33% do total da produção. As três
gerações somadas (que podem ser consideradas o núcleo duro do grupo) perfazem
apenas 26% do total da produção, confirmando a tendência de abertura e busca de
diálogo.
O Gráfico_4 mostra os mesmos dados do Gráfico_2, mas sem os Participantes
Ocasionais, para permitir uma melhor visualização sem a distorção causada pelo
valor destes. O papel da Segunda Geração e dos Interlocutores nas sessões
temáticas dos encontros e a presença constante da Primeira Geração ficam mais
evidentes neste gráfico. Entretanto, a ainda pouca produção da Terceira Geração
(em geral, recém-doutores) também se destaca.
Entre os Participantes Ocasionais, a maioria (80%) teve apenas uma única
participação (em qualquer modalidade), ou seja, somente uma pequena porcentagem
retornou ou continuou o contato com o grupo (Gráfico_5). Embora muitos destes
possam ser alunos de mestrado ou doutorado dos membros da Primeira e Segunda
Gerações ou dos Interlocutores, o não retorno atesta seu não envolvimento
continuado com a temática. Mesmo no caso de alguns que voltaram mais vezes
(três a seis participações), este retorno pode ser explicado pelo interesse em
temas correlatos ou, algumas vezes, um interesse maior na dimensão ambiental da
questão. Muitos destes interesses podem ter sido absorvidos pelos encontros da
Anppas, Anpocs ou da Anpur, além de outros fóruns que têm possibilitado, no
campo das Ciências Sociais, dar vazão à discussão ambiental.
Outra explicação possível é o embate entre a dimensão populacional da discussão
e aquela propriamente demográfica. Esta talvez seja uma questão maior no âmbito
da própria Abep, mas que produz rebatimentos na organização dos grupos de
trabalho e no desenvolvimento das temáticas. P-A é uma expressão ampla o
suficiente para abarcar um número razoável de perspectivas. Isto é de certa
forma proposital, pois as questões abordadas na discussão são razoavelmente
amplas. No entanto, esta abertura também possui o risco de a discussão ficar
tão ampla que não possua um foco específico, havendo o predomínio de debates
correlatos em detrimento das questões centrais. E neste sentido o volume tão
grande de Participantes Ocasionais, principalmente nos eventos do GT, faz
pensar em até que ponto esta pluralidade é proveitosa para o grupo (enriquece
por introduzir novos temas e metodologias) ou prejudicial (dificulta a
sistematização epistemológica e ajuda a desfocar as questões propriamente
demográficas).
É evidente que P-A é um campo essencialmente interdisciplinar, mas a construção
do estatuto epistemológico de um campo ambiental específico na Demografia tem
de ser foco de preocupação, uma vez que a própria identidade e legitimidade do
GT diante da Abep podem ser consideradas uma questão em aberto enquanto esta
transição metodológica não for completada.
Um ponto importante a se destacar é o ainda pequeno número de artigos na Rebep
(reforçado agora com a edição deste número especial). Os dados expressos nos
gráficos totalizam apenas 14 textos, dos quais cinco são resenhas.6 Talvez seja
necessário preocupar-se mais em "marcar presença" no principal veículo de
comunicação científica da demografia brasileira e, ao mesmo tempo, utilizar
este espaço na delimitação mais clara das variantes demográficas da discussão.
Outra sistematização elaborada foi a participação histórica nos encontros da
Abep (nacionais e intermediários), segundo as respectivas categorias (Tabela
2). Neste caso, a classificação considerou a categoria do primeiro autor, já
que a intenção é considerar a natureza do trabalho. Os dois primeiros encontros
nacionais (1978 e 1980) tiveram apenas discussões em sessões plenárias (mesas-
redondas), não havendo submissões de trabalhos para apresentação em sessões
temáticas. O encontro de 1986 foi o único no qual não se identificou nenhuma
referência à temática P-A.
É evidente o papel numérico dos Participantes Ocasionais nos encontros
nacionais, desde que estes passaram a contar com submissões de trabalhos e com
a organização de sessões temáticas. O Gráfico_6 mostra estes dados somando as
participações em mesas redondas (sem que a diferença entre as categorias de
autor se altere significativamente), mostrando uma tendência de aumento
crescente dos Participantes Ocasionais, apenas com uma pequena queda em 2000,
mas com uma forte retomada nos encontros seguintes (2002, 2004 e 2006).
Podemos notar que a participação absoluta de Participantes Ocasionais cresce
nos primeiros anos do GT, num período em que o grupo ainda estava se
organizando. A partir de 2002, no entanto, há um salto, tornando-
a significativamente maior em relação às demais categorias. Isto reflete tanto
a abertura que o GT deu a novos trabalhos, quanto o aumento do espaço de
discussão que a própria Abep abriu aos grupos, superando assim a capacidade dos
membros do GT em preencher este espaço. O gráfico também mostra a constância da
Primeira e Segunda Gerações e dos Interlocutores, compondo a espinha dorsal do
grupo.
O Gráfico_7 permite observar a proporção relativa de cada categoria em cada
encontro. Aqui incluímos apenas os dados a partir da segunda fase de
desenvolvimento (Precursores), quando iniciou-se a produção específica na área.
Também evidencia-se a porcentagem de participação, bem como o número absoluto,
de cada categoria, deixando mais evidente o processo que mencionamos
anteriormente.
Verifica-se, também, que 1998 foi o primeiro ano em que as demais categorias
somadas superaram os Participantes Ocasionais. No entanto, esta situação só se
manteve até 2000, pois em 2002, 2003 e 2004 a balança voltou a pender para
aquele lado. No encontro intermediário de 2005, a situação se inverteu
novamente, mas não se manteve em 2006, talvez devido à participação de alguns
membros do GT na sessão sobre "Demografia Aplicada, Demografia Intra-Urbana,
Planejamento, Geodemografia", e à própria abertura para participação de novos
integrantes. O resultado destes anos está sintetizado no Gráfico_8, em que se
observa uma significativa vantagem no total geral histórico dos Participantes
Ocasionais (67%) sobre as demais categorias (33%).
O conjunto destes dados indica que houve momentos distintos no desenvolvimento
do grupo, no sentido de acolher mais ou menos trabalhos "extra-grupo", o que
refletia em parte a ausência dos componentes do próprio grupo, mas também a
sempre necessária abertura para temáticas e pesquisadores correlatos. No
entanto, um dos desafios que emergem deste sobrevôo sobre a produção do grupo é
a necessidade de reflexão acerca do significado deste quadro em termos da
consolidação e avanço epistemológico do campo. É necessário avaliar como os
trabalhos de pessoas que participam uma, duas ou três vezes apenas, em geral
pouco ou nada comprometidas com a Demografia, são absorvidos pelo grupo e, de
outro lado, até que ponto tais estudos têm contribuído para o desenvolvimento
da problemática. Estaria aí a principal explicação para a ainda não formulação
clara de uma problemática demográfica, ou esta responsabilidade está mais com
os componentes das três gerações? Não há dúvidas de que todos aqueles que têm
participado ao longo deste desenvolvimento tiveram sua parcela de contribuição.
A questão aqui envolve a direção que o grupo quer tomar e o papel que atribuirá
a cada uma destas contribuições que recebe continuadamente.
Os dados são apenas indicativos do "mapa" da produção. Identificar o papel de
cada categoria de autor e as modalidades de produção em que aparece com maior
freqüência ajuda a compreender aspectos que são relevantes para o
amadurecimento da temática. Cada tipo de produção tem, do ponto de vista
científico, um peso e um objetivo diferentes. É evidente que um evento como o
da Abep, mesmo sendo organizado a partir dos GTs, atrai a atenção e o interesse
de um público amplo que não está comprometido com o desenvolvimento de uma
temática específica, diferentemente da Rebep, que divulga e expressa o conjunto
de interesses e temáticas propriamente demográficas da comunidade brasileira.
Por outro lado, as gerações possuem papéis diferentes e complementares neste
desenvolvimento. A Primeira, ligada às fases dos Vislumbres e dos Precursores,
teve que vencer barreiras e justificar diante da comunidade demográfica a
pertinência da temática ambiental, ao mesmo tempo em que procurava incorporar a
seus próprios temas de interesse este novo olhar. A Segunda Geração, que se
associou ao GT na década de 90, já tem outro cenário intelectual: a questão
ambiental é amplamente aceita e há um crescente esforço nas Ciências Sociais de
incorporá-la, o mesmo acontecendo nos âmbitos políticos e governamentais. Com
formação nos anos 70 e 80, os estudiosos também vêm de tradições de pesquisa
que, a princípio, não possuem a questão ambiental em foco. Sua participação se
dá no sentido de consolidar uma área na Demografia brasileira, trazendo seus
interesses e pressupostos teórico-metodológicos para o interior do grupo. É por
isso que a Segunda Geração é também uma das mais ativas, uma vez que são
pesquisadores que já fizeram seus doutorados dentro da temática, com outras
histórias de pesquisa, possuindo condições de contribuir de maneira mais
efetiva na consolidação do campo.
A Terceira Geração, por outro lado, tem um papel a desempenhar ainda. Esses
estudiosos, que concluíram recentemente seus doutorados e ainda estão iniciando
suas carreiras, podem possuir uma produção numericamente pequena, mas orientam
suas pesquisas e interesses aos estudos de P-A. Com formação nos anos 90, são
pesquisadores que já possuem seus interesses desde cedo vinculados à temática
ambiental, sendo a primeira geração que é consolidada a partir de temáticas
estabelecidas pelo grupo. Este é um sinal de amadurecimento do tema: se as duas
primeiras gerações mais trouxeram questões, problemas e pressupostos teórico-
metodológicos, a Terceira é a primeira a ter um cenário consolidado com
problemáticas específicas, que já têm um histórico de discussão e que precisam
ser desenvolvidas.
Tanto os Interlocutores quanto os Participantes Ocasionais são grupos muito
mais heterogêneos em suas motivações para participar do grupo. Mesmo incluindo
pessoas que se associaram em diferentes momentos, eles mantêm uma constância
significativa que não dá sinais de diminuir. Os dados indicam que estes grupos,
em termos de espaço nas publicações e eventos, possuem uma participação
bastante relevante, e por isso o GT precisa avaliar o que esperar destes e em
que medida é necessário exigir, também deles, uma maior atenção às questões
demográficas. Como ambos não têm um comprometimento estrito com a temática P-
A do ponto de vista demográfico, cabe às três gerações refletirem sobre este
papel e estabelecerem os termos deste diálogo e participação.
Evolução temática e metodológica
Os temas tratados ao longo destes 17 anos têm sido amplos e variados.
Elaboramos uma sistematização panorâmica, procurando colocar em relevo as
tendências e os horizontes principais, sem realizar uma análise pormenorizada
de todo o conjunto desta ampla produção. Tanto a intencionalidade (a direção
dada aos eventos, os temas das sessões, as propostas de trabalho) quanto a
efetividade (aqueles temas permanentes que foram incorporados ao grupo às vezes
de forma imprevista) serão colocadas em perspectiva. Além disso, por
constituírem produções de maior fôlego, além de seu caráter de inovação
temática e metodológica, as nove teses de doutorado defendidas na área serão
objeto de atenção especial, principalmente no que tange aos aspectos
metodológicos relevantes para a discussão em tela: a abordagem espacial; a
discussão metodológica sobre as escalas; e a aplicação e uso de metodologias
quanti-quali.
Abordagem espacial nos estudos P-A
No início, a discussão concentrou-se muito na relação com o desenvolvimento
(SAWYER, 1993; MARTINE, 1993c), estando o debate muito vinculado às políticas
públicas, à gestão e ao planejamento regional, ligando-se, a partir daí, com a
discussão ambiental. Em vista disso, o enfoque preponderante centrou-se no
embate população versus recursos, trazendo daí visões neomalthusianas de
explicação da poluição e da degradação ambiental vinculada, sobretudo, à
pressão do número populacional sobre o ambiente. A noção de capacidade de
suporte foi freqüentemente evocada de forma simplista e descontextualizada em
relação às dinâmicas política, social e cultural do lugar (HOGAN, 1993; LEFF,
1993). A primeira coletânea organizada pelo grupo refletiu esta orientação (o
título População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições já
atesta isso), com um nítido esforço inicial de incorporar os temas
desenvolvimento e ambiente ao escopo das preocupações populacionais, sem, no
entanto, uma delimitação clara de questões demográficas na maior parte dos
artigos (MARTINE, 1993a).
A questão do consumo aparece derivada desta discussão, ligada ao uso dos
recursos e às necessidades e demandas que uma população exige de seu ambiente
(SAWYER, 1993). Este debate, embora tenha permanecido pouco explorado pelo
grupo, voltou nos últimos anos a chamar atenção, apontando talvez para uma
direção pouco explorada que se mostra essencial para a discussão (SAWYER, 2002;
MELLO; HOGAN, 2006).
Mas quando se pensa no núcleo central da questão P-A, parece haver um certo
consenso de qual a porta da Demografia usada por estes estudos: a distribuição
espacial da população (HOGAN, 1991, 2000; MARTINE, 1991, 2001a, 2001b). A
partir deste núcleo gravitam diferentes temas de interesse que podem ser
divididos em duas escalas espaciais que orientam a tematização e a análise: a
cidade e a região. As duas escalas estão relacionadas ao recorte epistemológico
escolhido pelos autores no tratamento das questões, selecionando a partir de
tal escolha os fenômenos e processos que a abordagem investiga (MARANDOLA JR.,
2004).
Sobre a cidade, há estudos a respeito das condições de vida, segregação e
favelização, perigos ambientais, metropolização, urban sprawl, pobreza,
poluição, impactos ambientais e a questão do planejamento e da gestão da
cidade. Os trabalhos regionais enfocam capacidade de suporte em ecossistemas,
manejo e uso de recursos naturais, uso e cobertura da terra, desmatamento,
colonização da fronteira, relações de trabalho no campo, recursos hídricos,
unidades de conservação, bacias hidrográficas e a influência de especificidades
culturais e demográficas no relacionamento P-A. Na verdade, quase todos estes
temas podem ser trabalhados em ambas as escalas, de forma separada ou
articulada.
Alguns destes talvez não sejam exatamente temas, mas enfoques metodológicos. Na
introdução da segunda coletânea do GT, Torres e Costa (2000) listam os quatro
temas predominantes, em sua leitura: capacidade de suporte; risco ambiental;
qualidade de vida; e implicações ambientais e sociais do processo de
urbanização. Estes também se aproximam mais de enfoques metodológicos do que de
temas, embora possamos confirmar sua permanência nos títulos das sessões
temáticas dos encontros da Abep, indicando a intencionalidade e o interesse em
torno destas questões (Tabela_3). Os autores ainda afirmam que os trabalhos têm
como pano de fundo a busca por uma "maior justiça socioespacial" e "eqüidade
ambiental", o que poderia ser encarado como valor e direção ideológica.
No entanto, dois eixos temáticos podem ser considerados mais amplos: situações
de risco e vulnerabilidade e mobilidade. Estes talvez sejam o pano de fundo
principal dos trabalhos, por constituírem o enfoque que direciona os autores a
tratarem a questão da distribuição da população no espaço sob a ótica P-A. Em
grande medida, a perspectiva do risco dita a forma como se encaram os conflitos
entre população, recursos e Estado, e a migração é o principal componente da
dinâmica demográfica que influencia as problemáticas estudadas, seja na escala
regional ou urbana. A Figura_1 sistematiza estes temas, enfoques e escalas.
A questão escalar é fundamental para estes estudos, já tendo sido apontada como
essencial ao campo (TORRES, 2000; HOGAN, 2000; Bremner; Bilsborrow, 2005). Ela
é uma das entradas mais importantes da abordagem espacial, por contribuir
enquanto recorte epistemológico de análise, e não apenas como recorte espacial.
Neste sentido, seria de muito proveito para o grupo aprofundar as pesquisas
transescalares, experimentando novas escalas de análise e desenvolvendo
técnicas e metodologias que possibilitassem uma conversão maior de dados de
diferentes escalas espaciais. Arizpe, Stone e Major (2002) chamam a atenção
para a necessidade de incorporação de análises de escalas micro, focalizando
comunidades e lugares específicos para possibilitar o aprofundamento da
compreensão da relação P-A de uma maneira mais ampliada e complexa, o que
envolve uma nova postura epistemológica de construção do problema e de
encaminhamento metodológico.
As relações de causalidade não se constroem em apenas uma escala, sendo
fundamental que na investigação sobre P-A haja a incorporação de escalas macro,
médio e micro, para que possa haver a interrelação entre os fatores causais e
os termos de relacionamento entre a dinâmica populacional e o ambiente. A
própria noção de ambiente, como tem sido trabalhada pelo grupo, não é sinônimo
de ambiente físico. Adota-se a idéia dupla do ambiente construído (que além da
materialidade inclui as instituições) e o ecossistema. Esta é uma influência
clara da Ecologia Humana que, ao trazer a preocupação espacial/ambiental para
as Ciências Sociais, procurou dar à natureza e ao seu relacionamento com a
sociedade um significado social (DUNCAN, 1959; MORAN, 1990).
Por outro lado, a Sociologia Ambiental, em desenvolvimento principalmente a
partir das discussões da Ecologia Política, da Modernização Ecológica e da
Sociedade de Risco, tem tido um papel fundamental nas posições do GT. Neste
caso, a relação P-A é vista de um ponto de vista mais geral, no contexto dos
processos atuais de globalização e de mundialização (BECK, 1992; SPAARGAREN;
MOL; BUTTEL, 2000; DUNLAP et al., 2002). Esta discussão desloca, portanto, as
questões de um simples contexto circunscrito espaço-temporalmente (esta
população neste lugar) para uma trama mais complexa de causalidades, envolvendo
maior número de dimensões e escalas em sua análise.
Dentro da tradição crítica das Ciências Sociais, os estudos que enfocam as
dinâmicas econômicas, sociais e políticas foram fundamentais para o
desenvolvimento do campo. Tanto a abordagem espacial da economia regional
quanto vertentes contemporâneas de consideração da produção social do espaço
(como os estudos sobre segregação e pobreza) foram trazidas também ao interior
do grupo como forma não apenas de contextualizar, mas sobretudo de
complexificar a trama causal dos termos da relação P-A (LEFEBREVE, 1991; SOJA,
1993). As questões sobre produção e uso do espaço, interferências do grande
capital em ecossistemas, segregação socioespacial do espaço urbano, políticas
públicas e relações de responsabilidade sobre poluição foram incorporadas às
dinâmicas demográficas e ambientais, ampliando consideravelmente o leque de
relações e possibilidades enfocadas nos estudos.
Por outro lado, o avanço na compreensão dos estudos da relação P-A, a partir
tanto da Ecologia Humana como da Sociologia Ambiental ou da Economia Regional,
trouxe o espaço como elemento fundamental e, de certa forma, unificador do
campo. Esta talvez seja uma das contribuições fundamentais dos estudos de P-A à
Demografia: a incorporação definitiva da dimensão espacial ao seu escopo,
tradicionalmente ocupado pela dimensão temporal.
Nesta linha, uma outra disciplina que tem contribuído para o desenvolvimento
dos estudos, embora ainda não plenamente explorada pelo GT, é a Geografia. Com
relações históricas com a Demografia, é uma parceira natural, embora no Brasil
as duas não estejam, institucionalmente, tão próximas quanto estão no âmbito
internacional, por motivos que não cabe aqui desenvolver. Isto se reflete na
subutilização do escopo teórico-metodológico geográfico, que tem muito a
contribuir aos estudos de P-A. A disciplina trabalha com as relações sociedade-
natureza do ponto de vista espacial, discutindo todos os temas pertinentes ao
grupo, além de ter servido ao longo destes anos de matriz para várias das
questões abordadas no GT, como a discussão sobre riscos, perigos e
vulnerabilidades (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2006).
Todas estas contribuições têm sido absorvidas pelos estudos de P-A pelo menos
de três formas: incorporação de temáticas antes não abordadas; colaboração
interdisciplinar, com aproximação entre Demografia e outras áreas do
conhecimento; e incorporação de metodologias de investigação. Por outro lado,
este feixe de influências também tem contribuído para a realização de
abordagens transescalares, não apenas no espaço como no tempo, além da
incorporação cada vez maior de dimensões antes não consideradas. A análise das
teses defendidas expressa algumas das relações entre estas orientações e suas
conseqüências metodológicas.
Escalas e metodologias quanti-quali
Um conjunto significativo de teses de doutorado, defendidas por integrantes do
grupo a partir de 1995, é uma forte indicação da pujança da pesquisa nesse
campo. As dissertações incluem a fruição de estudos de alguns dos primeiros
membros do GT (COSTA, 1995; MONTE-MÓR, 2004; SYDENSTRICKER-NETO, 2004); em
alguns casos são resultados diretos de discussões no interior do grupo (TORRES,
1997; CARMO, 2001); e também incluem trabalhos elaborados em estreito contato
com o GT nos anos 2000 (D'ANTONA, 2003; DESCHAMPS, 2004; ALVES, 2004; BARBIERI,
2005).
Todos esses estudos refletem a preocupação central com as questões de
distribuição populacional, mobilidade ou urbanização. Metade das teses ainda
reflete o viés urbano do grupo, mas os processos de mobilidade e a ocupação de
fronteiras (incluindo não só a Amazônia mas também a Mata Atlântica)
representam outra metade dessa produção. A maioria desses trabalhos mobiliza
paradigmas teóricos e tradições de pesquisa encontrados nos estudos
demográficos há muito tempo ' sem que predomine nenhum enfoque específico. Em
alguns casos, o refinamento técnico-metodológico desenvolvido nas teses
(TORRES, 1997; ALVES, 2004; SYDENSTRICKER-NETO, 2004; BARBIERI, 2005)
representa avanços para esta comunidade e são importantes indicadores do
trabalho futuro do grupo. Todas se basearam em cortes territoriais específicos,
enfocando cidades ou regiões ' fato que reforça a centralidade do fator
espacial nesse campo.
Das nove teses que podem ser consideradas ligadas diretamente a P-A, duas foram
defendidas em programas de Demografia, três em Ciências Sociais (área de
concentração em Estudos de População), duas em Planejamento Urbano e Regional,
uma em Sociologia do Desenvolvimento e outra em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(Quadro_1).
Classificando as teses de acordo com os termos da Figura_1 (escala de análise,
problemática e enfoque), verificamos que três utilizaram a escala da cidade,
problematizando os impactos e conflitos sociais e ambientais da urbanização,
segundo as políticas públicas e planejamento, enquanto as demais adotaram a
região. Entre estas, poderíamos dizer que quatro abordam as problemáticas
propriamente regionais (uso e cobertura da terra em relação à capacidade de
suporte de ecossistemas regionais), enquanto as outras duas tocaram questões
mais transversais, discutindo, ao mesmo tempo, uso e cobertura da terra e
impactos e conflitos sociais e ambientais da urbanização, num caso, e políticas
públicas e planejamento juntamente com capacidade de suporte de ecossistemas
regionais, no outro (Quadro_2).
Sobre os eixos temáticos, o conjunto das nove teses contempla de diferentes
perspectivas as questões principais trabalhadas pelo GT, trazendo contribuições
principalmente na abordagem de novas problemáticas (algumas delas foram
introduzidas justamente a partir da tese) e novos métodos. Neste sentido, estas
teses estão marcadas pelo uso e aplicação de geotecnologias e pelas análises
multiescalar e multimetodológica.
Quanto ao uso e aplicação de geotecnologias, os membros do GT estão entre os
primeiros a utilizar estas novas ferramentas no seio das Ciências Sociais no
Brasil, permitindo a abertura de uma nova gama de possibilidades analíticas
para a área. Entre estes, a tese de Torres (1997) merece destaque, por ser a
primeira a fazer tal aplicação na Demografia, problematizando as relações entre
pobreza e risco ambiental no contexto urbano na cidade de São Paulo. Outra tese
de destaque foi defendida por Alves (2004), sobre o uso e cobertura da terra no
Vale do Ribeira (SP). Sua principal contribuição foi a adequação dos setores
censitários a uma base georreferenciada, permitindo assim realizar uma análise
demográfica do processo de alteração da cobertura da terra a partir de unidades
espaciais, incorporando o sensoriamento remoto.7
A partir destas contribuições, a ênfase em "populações em situação de risco"
evoluiu para olhar com mais detalhes aqueles grupos populacionais sujeitos a um
determinado perigo ambiental. Considerando-se que as fontes tradicionais dos
demógrafos (o censo, por exemplo) diluíram o impacto de danos ambientais (e,
assim, minimizaram a sua importância), era preciso localizar o impacto e as
populações em situação de risco. Esse trabalho levou ao desenvolvimento do uso
de dados georreferenciados pelos demógrafos, e esta é uma linha que, se não
consolidada, avança rapidamente.
Sobre as análises multiescalares e utilização múltipla de metodologias, dois
trabalhos merecem referência. O primeiro é o de Barbieri (2005), que, a partir
da aplicação de uma análise multiescalar no estudo da mobilidade na Amazônia
equatoriana, procurou investigar os diferentes elementos determinantes da
mobilidade, incorporando assim várias dimensões da problemática e lançando mão,
para isso, de um conjunto de metodologias que permitem discutir as diferentes
escalas. O outro trabalho, talvez o mais audacioso no que diz respeito à
utilização de várias metodologias, foi a tese defendida por Sydenstricker-Neto
(2004) sobre a mudança da cobertura da terra e a organização social na Amazônia
brasileira. Sua abordagem mixed-method incluiu desde análise a partir de
imagens de satélite e processamento digital de informações geográficas,
passando pela estrutura familiar e história migratória, até práticas
antropológicas, como história de vida e entrevistas baseadas em amplo trabalho
de campo. O resultado foi um engenhoso corpo teórico-metodológico que aponta um
caminho que se mostra não apenas promissor, mas sobretudo necessário para o
desenvolvimento dos estudos de P-A, que ainda não foi enfrentado pelo GT.
Estas teses incorporaram em primeira mão outra escala de análise, que se
articula com a urbana e a regional: a da unidade domiciliar. Em especial, as
teses que trabalham com o uso e a ocupação do solo na Amazônia (D'ANTONA, 2003;
SYDENSTRICKER-NETO, 2004; BARBIERI, 2005) trouxeram esta perspectiva para o
interior do GT, aproximando-se também da análise antropológica de trabalho de
campo e investigando os rebatimentos que a organização familiar e espacial na
microescala produzem nos processos regionais de uso e ocupação do solo.
Contudo, se as geotecnologias já fazem parte do cotidiano das discussões do
conjunto dos pesquisadores, o mesmo não se pode dizer da articulação entre as
escalas micro, meso e macro (tanto temporais quanto espaciais) e do uso de
metodologias qualitativas. Os fenômenos que podem ser apreendidos em cada uma
das escalas variam; daí a razão de se relacionarem escalas micro a metodologias
qualitativas, por exemplo, como forma de aprofundar a compreensão das dinâmicas
populacionais e ambientais em várias escalas. Além disso, é fundamental para os
estudos P-A a identificação do ritmo dos processos, nas diferentes escalas de
tempo. Por tratar da relação de elementos de instâncias diferentes (sociedade e
natureza), é fundamental trabalhar cada uma em sua correspondente escala
temporal, identificando no ritmo o elemento agregador ou desagregador que
aumenta o ajuste ou adaptação da população àquele ambiente ou, ao contrário,
que marca sua distância e potencializa a vulnerabilidade/degradação. Wood
(1993) aponta a necessidade de trabalhar hierarquias de tempo visando
estabelecer as relações causais e os elementos que interferem com maior ou
menor intensidade em cada relação P-A específica. Por outro lado, podemos
acrescentar que uma hierarquia de tempo não pode existir sem uma hierarquia
espacial que lhe seja correspondente, permitindo assim o trabalho com as
escalas e a identificação dos fatores endógenos e exógenos que interferem na
sustentabilidade do sistema/lugar.
As metodologias qualitativas foram acolhidas no GT principalmente em estudos
que tratavam não apenas da "situação" (espacialidade do risco), abordagem mais
comum ao campo, mas também da "população" (grupos indígenas, pequenos
agricultores, moradores de favelas, moradores de unidades de conservação).
Nessa linha, nem sempre (raramente?) os grupos populacionais estudados o foram
em função de processos ou variáveis demográficos. Como o foco era na escala
local, muitos desses estudos foram apresentados por antropólogos, contribuindo
para a compreensão das dinâmicas sociais e culturais ' mas não demográficas '
que regem a vida das populações estudadas.
Ainda não colhemos os frutos desses trabalhos para a Demografia. Em especial no
campo metodológico, enquanto contribuição para a integração quanti-quali, o
grupo ainda não absorveu estas discussões, em particular a necessidade de
integrar a análise das diferentes escalas no estudo de um determinado fenômeno.
A Demografia (incluído o GT) usa abordagens qualitativas para: explorar um novo
assunto para o qual não há tradição metodológica anterior; preparar uma
pesquisa mais quantitativa ' refinando questões, testando linguagem e
verificando os limites de tolerância de potenciais entrevistados; e compreender
mais satisfatoriamente um determinado fenômeno. Os primeiros dois motivos
encaram a pesquisa qualitativa de forma instrumental, sendo que a meta seria
enquadrar o fenômeno nos seus aspectos numéricos. Poucas vezes a pesquisa
qualitativa é respeitada tanto quanto a quantitativa. Exceções importantes são
os estudos no campo de sexualidade e reprodução, relações conjugais e
familiares. Mas o GT se restringe a oferecer um palco para a discussão das
abordagens qualitativas, sem incorporá-las em projetos multiescalares. Aqui a
responsabilidade é dos grandes centros, já que os demógrafos ou estudiosos de
população que trabalham fora desses centros dificilmente podem congregar um
grupo de especialistas com as diferentes qualificações exigidas. Porém, o Nepo/
Unicamp, o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap), a Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (Seade) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE) tendem a
compartimentalizar e não integrar as abordagens qualitativa e quantitativa. O
desafio é montar o projeto da perspectiva de que as diferentes abordagens
trazem olhares distintos, mas mutuamente necessários para entender o fenômeno
em estudo ' e não subordinar uma à outra.
A ênfase em abordagens quanti-quali pode ser um salto metodológico importante
que permitirá a absorção destas contribuições que ainda não foram incorporadas
ao escopo metodológico dos estudos. Por outro lado, os trabalhos sobre riscos e
vulnerabilidade também necessitam da convergência entre metodologias quanti-
quali para poder avançar da constatação das áreas e pessoas vulneráveis,
passando à discussão e compreensão das alternativas que grupos demográficos, em
cada lugar/território, têm para responder aos perigos. Nos estudos sobre
migração e sobre uso e cobertura da terra, tais abordagens podem igualmente
contribuir com a dimensão que se aproxima da percepção e das atitudes das
pessoas, analisadas em seus respectivos contextos social, cultural, espacial e
demográfico, dando nova amplitude à dimensão ambiental da relação P-A.
Direções e perspectivas para a pesquisa em P-A: os desafios ainda não
enfrentados
O GT conseguiu, nestes mais de 17 anos, construir uma respeitável produção,
avançando sobretudo no instrumental metodológico e temático, o que tem
permitido ao grupo alçar vôos mais ousados, incorporando aspectos das dinâmicas
espaciais e ambientais com cada vez mais propriedade. No entanto, um dos
desafios que ainda não foi enfrentado é a necessidade de incorporar, de forma
mais intensa, todos os componentes da dinâmica demográfica. Ainda não temos
elementos para discutir a mortalidade, a fecundidade, questões de gênero ou de
sexualidade em sua dimensão ambiental.
Por outro lado, muitas das aplicações metodológicas não tiveram reflexões
epistemológicas quanto às conseqüências de sua adoção para o campo, o que
contribui para algumas fragilidades. Isto ocorre, por exemplo, no caso das
pesquisas que têm aplicado as técnicas geoestatísticas (especialmente ligadas
aos SIGs). A base epistemológica dos problemas, bem como os resultados obtidos
e o alcance da abordagem, ainda não foi discutida de forma satisfatória. É
fundamental não apenas refletir sobre estas metodologias, mas também
estabelecer uma agenda que faça isso sistematicamente de uma maneira mais
abrangente e continuada, dando seqüência à tendência iniciada desde a
proposição do encontro intermediário de 2005. Esta iniciativa teve continuidade
no Encontro da Abep de 2006 e agora se consolida na forma deste número especial
da Rebep. Mas a maior parte ainda está por ser feita.
Muito envolvidos com pesquisas empíricas, os pesquisadores deste campo ainda
estão devendo reflexões mais substanciais sobre a natureza epistemológica da
área, que avance em relação às discussões instrumentais das metodologias
adotadas. Há necessidade urgente de reflexão acerca dos caminhos dos estudos de
P-A e das implicações teórico-metodológicas das abordagens utilizadas no
contexto interdisciplinar em que se colocam estes estudos, visando estreitar os
laços entre os campos do saber envolvidos, bem como melhor conduzir os
trabalhos empíricos na direção desejada. Mesmo considerando esta pluralidade
uma virtude e a riqueza desta área, é possível que a ausência de algumas linhas
mestras e direções comuns signifique a fragilização a longo prazo do tema, num
contexto de pulverização de interesses direcionados aos seus objetos de estudo.
Por outro lado, a própria legitimidade do campo diante da ciência demográfica é
colocada em questão enquanto o grupo não consegue delimitar seu enfoque
propriamente populacional.
Em introdução à publicação avaliativa do campo, Lutz, Prskawetz e Sanderson
(2002a) questionam se P-A é uma área específica de estudo e apontam três
critérios para reflexão sobre a possível resposta: (1) a existência de uma
massa crítica que trabalhe sobre o assunto; (2) um conjunto de questões de
pesquisa estabelecidas; e (3) um conjunto de metodologias comuns. Do ponto de
vista da literatura internacional, os autores concluem que, pelos dois
primeiros critérios, P-A já se consolidou como uma área específica. No entanto,
ainda falta um esforço maior de delimitação de um conjunto de metodologias
próprias a este campo de investigação.
O mesmo podemos dizer do caso brasileiro, conforme a avaliação da produção e
desenvolvimento do GT sugere. As três gerações conduziram o campo a uma
consolidação e à formação de uma massa crítica que tem respondido às chamadas
para discussão nas mais diferentes esferas, ocupando o espaço destinado aos GTs
da Abep, assim como continuam formando novos interessados e pesquisadores para
adensar este núcleo duro.
Sobre o segundo critério apontado por aqueles autores, caminhamos para 20 anos
de GT com temas plenamente consolidados (impactos e conflitos sociais e
ambientais da urbanização; políticas públicas e planejamento; uso e cobertura
da terra; e capacidade de suporte de ecossistemas). Estes são temas próprios do
GT, não sendo discutidos em nenhum outro grupo da Abep. Por outro lado, seus
enfoques metodológicos, apesar de não serem exclusivos (produção do espaço,
mobilidade e riscos e vulnerabilidades), já são característicos, estando a
produção do grupo claramente identificada com a análise de seus temas a partir
destes enfoques.
Assim como no âmbito internacional, a dificuldade para os demógrafos
brasileiros é chegar ao terceiro item: um conjunto metodológico comum. Embora
haja o compartilhamento de certas metodologias (como as de geoprocessamento), a
verdade é que metodologicamente o GT está estruturado a partir das formações
básicas originais dos seus pesquisadores (sobretudo da Primeira e da Segunda
Gerações). O esforço de discussão metodológica está se manifestando agora,
reflexo do próprio estágio de desenvolvimento do campo, e este número especial
da Rebep, dedicado a esta discussão, é um passo importante nesta direção.
Enquanto novo campo científico, os estudos P-A precisam de uma construção
própria do problema/objeto, indo além de uma reunião de interesses e dados
trabalhados por outras disciplinas (o que tem marcado seu desenvolvimento até
aqui), sendo compreendidos por meio de métodos trabalhados a partir da própria
disciplina (BUNGE, 1980).
Neste sentido, Leff (1993, 2000) levanta a necessidade de um paradigma para uma
Demografia Ambiental, que formule a questão a partir de suas determinantes
demográficas, superando os reducionismos sociologista e biologista,
desenvolvendo uma análise complexa, multiescalar e multidimensional e fugindo
das relações causais simplistas que têm marcado o enfoque população versus
recursos. Em sua opinião, é necessário "Articular procesos de naturaleza
diversa y de diferentes escalas espaciales y temporales" (LEFF, 1993, p.31).
Assim, algumas das matrizes teórico-metodológicas trazidas para o interior do
grupo podem servir de base para esta construção epistemológica. Entre estas,
temos a Geografia, que, além de possuir relações históricas com a Demografia,
aborda tradicionalmente a relação sociedade-natureza de uma maneira integrada,
a Ecologia Humana, que tem influenciado grandemente as ciências sociais, os
estudos críticos sobre a espacialidade e a organização e produção do espaço,
provenientes, sobretudo, dos estudos urbanos e regionais, além de
desenvolvimentos provenientes da própria teoria social, como a Ecologia
Política e as teorias da Modernização Ecológica e da Sociedade de Risco,
discutidas pela Sociologia Ambiental contemporânea. Estas podem ser matrizes
teórico-metodológicas que auxiliem na construção deste estatuto próprio de uma
Demografia Ambiental.
No âmbito do GT, esta situação está colocada, apresentando-se as condições que
permitem realizar esta discussão. Se é necessária uma Demografia Ambiental,
tanto a discussão metodológica quanto a epistemológica possuem campo fértil
para germinar. O momento atual do desenvolvimento da temática encontra-se
justamente no esgotamento da fase de Consolidação, partindo para uma discussão
metodológica mais consistente. No entanto, esta não pode estar dissociada da
busca de um paradigma que dê consistência e unidade epistemológica ao campo.
Não uma teoria comum que sirva de modelo ou de norma. Antes, o que se faz
necessário são a reflexão e a discussão interna, para que a construção da
problemática P-A seja especificamente demográfica. Como os paradigmas
demográficos tradicionais não são suficientes para tal intento, há necessidade
de construção de um novo, específico.
Neste sentido, Lutz, Prskawtz e Sanderson (2002b) apontam três critérios para
os estudiosos de P-A refletirem e avaliarem a consolidação dos estudos em
relação a seu estabelecimento enquanto campo próprio de estudo: (1)
explicitação sobre ambas as dinâmicas (P e A); (2) explicitação sobre os
mecanismos de mediação entre P e os elementos de A em análise; e (3)
explicitação da questão específica P-A no contexto geral das relações entre a
população e seu ambiente. Estes critérios são mais do que uma lista para
preencher, constituindo-se em verdadeiros desafios que estão postos diante dos
pesquisadores e que o GT também terá de enfrentar.
O primeiro critério volta à questão da necessidade de eliminar a análise de mão
única, que atribui maior peso ora às dinâmicas populacionais, ora às
ambientais. A legitimidade de um campo de estudos sobre P-A não pode abrir mão
justamente do mais importante: as relações entre os elementos que compõem o
objeto de estudo, assim como é crucial que os mecanismos que operacionalizam
estas relações sejam explicitados. Para isso, será necessário dar um passo
adiante na compreensão das relações causais que geram o envolvimento P-A.
O grande desafio é conseguir superar a pretensa dicotomia estabelecida na
relação P-A, o que, na verdade, é uma dificuldade inerente a todos que procuram
abordar de alguma forma a relação sociedade-natureza. Esta, para que seja de
fato integrada, não pode partir de um dos termos da relação: sociedade
(população) ou natureza (ambiente). Conforme mostram Lutz, Prskawetz e
Sanderson (2002a), os estudos têm partido de duas perguntas que se colocam nos
dois pólos: quais os impactos da mudança populacional no ambiente (P-A)? Quais
os impactos da mudança ambiental na população (A-P)? O desafio que se coloca é
conseguir orientar as pesquisas a partir de um olhar integrado e conjuntivo,
que enfoque a relação entre estes termos, num dado espaço e tempo.
No GT não existe a confluência de pesquisadores que se dedicam às ciências da
natureza, por exemplo. Geógrafos, que seriam parceiros óbvios, ainda estão
timidamente vinculados aos debates e não houve aproximação de outros cientistas
que pudessem contribuir para dar à relação P-A um estatuto mais relacional de
fato. No entanto, mesmo com esta defasagem, o GT tem conseguido trazer, até
certo ponto, elementos referentes ao ambiente, embora estes tenham um nível de
elaboração e ênfase significativamente menor. Para isso, a interação e
incorporação de temas e, sobretudo, metodologias que permitam que os
questionamentos também partam do ambiente são aspectos fundamentais para o
amadurecimento da discussão.
O terceiro ponto para reflexão apontado pelos autores coloca em tela uma
questão tão importante para o campo quanto aquela que diz respeito à
necessidade de legitimação de seu estatuto demográfico: qual a contribuição dos
estudos de P-A para a compreensão mais global das relações sociedade-natureza?
Este tema compõe outra pauta para reflexão e discussão para GT nos próximos
anos.
Para alcançar tal estatuto epistemológico, Leff (2000) chama atenção para sete
problemas conceituais e metodológicos que precisam ser solucionados pelo campo
de P-A:
1. a multicausalidade e indeterminação dos processos populacionais e
ambientais;
2. a desagregação da relação P-A em temáticas limitadas e escalas locais de
estudo;
3. a aplicação de métodos de análises de sistemas complexos ao estudo;
4. a investigação sobre sistemas socioambientais deve passar de estudos
sobre o impacto conjugado de diversos processos para um enfoque
prospectivo, orientado a reintegrar a população ao seu ambiente, através
de seus valores e suas práticas culturais de uso sustentável dos recursos
naturais;
5. a emergência do saber ambiental abre perspectivas para a construção de um
paradigma de uma Demografia Ambiental;
6. as relações entre a Demografia com outras disciplinas sociais;
7. a análise das relações P-A põe em primeiro plano a questão da qualidade
de vida da população.
Alguns destes pontos já estão plenamente incorporados às análises do GT, como o
sexto e o sétimo. Outros, como o primeiro, o segundo e o terceiro, estão sendo
abordados, como nos trabalhos que trouxeram a discussão da multiescalaridade e
do uso múltiplo de metodologias, embora ainda tenham que ser discutidos e
desenvolvidos de maneira mais ampliada. O quarto ponto tem sido enfocado
principalmente em dois contextos: nos estudos sobre risco e vulnerabilidade,
que possuem esta perspectiva prospectiva inerente ao próprio olhar
metodológico; e nos estudos que discutem planejamento e políticas públicas.
De todos, certamente aquele que apresenta o maior desafio é o quinto: a
oportunidade de construção de um paradigma de uma Demografia Ambiental. Este,
certamente, seria um salto epistemológico que elevaria os estudos de P-A de um
grupo temático interdisciplinar para um campo de estudos próprio, cujo
paradigma estaria fundado numa base teórico-metodológica e numa formulação de
um problema científico próprio. Este é um projeto bem mais ambicioso que
População e Ambiente, pois significa partir de uma leitura de que a dinâmica
demográfica não pode mais ser pensada sem começar pela dinâmica da natureza,
com as possibilidades e os limites do mundo natural para os processos
demográficos. É bem mais radical do que temos feito até hoje, analisando como
processos populacionais impactam a natureza ou como a natureza incide na
dinâmica demográfica.
A reflexão passa pelo repensar o papel de cada uma das categorias de autores
que têm composto os encontros e as publicações do grupo. O GT precisa discutir
a forma de inserção de novas contribuições e interesses correlatos. Mas só
poderá fazer isso se, primeiro, delinear seus caminhos e interesses. Por outro
lado, é necessário ter clareza do impacto teórico-metodológico que tais
trabalhos têm no seio do grupo e da temática. Só com estas reflexões será
possível ter uma avaliação mais concreta do papel que o grupo reservará para
tais aberturas, bem como a intensidade do esforço de colocar a questão
demográfica cada vez mais central nas discussões do GT.
Como os estudos de P-A estão na periferia da Demografia e não no seu núcleo
mais tradicional, as incertezas são inerentes e, por isso, o esforço de
sistematização é fundamental para adquirir uma maior consistência. Avançar na
compreensão do significado do uso da abordagem espacial, incorporando-a para
além do simples "localizar", é um desafio que poderá contribuir para a
construção desta epistemologia. Já o aprofundamento das relações entre as
metodologias quanti-quali também é fundamental para ampliar o escopo analítico
em direção ao âmago da relação P-A: as especificidades das formas como as
pessoas se relacionam com o ambiente, presentes em todas as escalas, desde o
indivíduo, passando pela "casa, família, comunidade, estado e nível
internacional" (HOGAN, 2000, p.47).
Em texto preparado para o Cyberseminar Population Dynamics and Millennium
Development Goal 7: "Ensuring Environmental Sustainability", da Population and
Environment Research Network (PERN), Jason Bremner e Richard Bilsborrow (2005)
sintetizam com muita propriedade a situação da pesquisa em P-A:
The initial scholarly debate as well as the popular media's depiction
of population-environment relationships focused on one aspect of
demography (population growth) and its relationship to the
environment and development. More recent research, however, has begun
to deal with additional dimensions of demography, including
population mobility (in-migration, out-migration, urbanization,
temporary migration, and even international migration), age and sex
composition, and mortality and morbidity. In addition, there is
growing research at multiple scales which is finding that the
relationships between demographic aspects and the environment may
differ at different scales (individual, household, community,
regional, and global). While recent population-environment research
has not led to a new comprehensive and accepted theory, there is
great excitement about the empirical evidence coming forth which may,
inductively, lead to significant theoretical advances in the near
future. Unlike many other special areas or subfields of demography,
the population-environment nexus is inherently multidisciplinary,
which makes it more difficult to achieve theoretical advances or even
to conduct empirical research which all can accept as valid. On the
other hand, there is widespread agreement about the complexity of the
relationships and the importance of the topic at local, national and
global scales.
As incertezas vividas pelo grupo brasileiro não é uma particularidade sua. Esta
situação é a mesma em todo o mundo, apresentando aos pesquisadores os mesmos
desafios: construir uma base epistemológica própria; manter um relacionamento
multidisciplinar profícuo; articular as escalas de ocorrência e análise dos
fenômenos de maneira eficiente, mantendo a forte base empírica, mas procurando
ampliar a capacidade analítica através da composição de quadros mais gerais de
leitura das problemáticas estudadas; e, principalmente, incorporar de forma
mais explícita e consistente as demais variáveis da dinâmica demográfica (além
da distribuição espacial da população) ao escopo das análises e da própria
compreensão da relação P-A.