Guerra do Golfo: a crise da nova ordem mundial
Introdução
A Segunda Guerra do Golfo deve ser balizada não como um confronto desigual
entre Estados Unidos - a única hiperpotência1 - e o Iraque - um Estado
periférico - alquebrado por conflitos militares nos últimos vinte e cinco anos
e sanções econômicas internacionais há mais de uma década. Indo-se além da
conjuntura imediata, poder-se-ia extrair a visão de que a nova ordem mundial,
proclamada no interstício entre o fim do socialismo real e o desaparecimento
formal da União Soviética, estala, em função de contradições aparentemente
insolúveis das desigualdades inerentes ao processo de globalização. A União
Soviética desapareceria, em curto espaço de tempo, sem confrontação militar,
sem violência exacerbada e, por fim, sem movimento algum de vanguarda. Em suma,
1989 expressaria o fim de "(...) um longo período da história internacional no
qual um movimento de contestação da forma capitalista hegemônica foi
identificável"2.
Atualmente, enfatiza-se a inexistência de contrapartidas ideológicas
significativas: apesar do argumento de que a China oficialmente ainda pertence
ao campo socialista, deve-se reconhecer seu redirecionamento, ainda que
bastante gradativo, à economia de mercado, de modo que "(...) nenhum programa
de desafio político revolucionário ao capitalismo liberal vindo da esquerda
teria hoje qualquer crédito ou apoio sério: o desafio comunista está
esgotado"3. Restariam as variantes sociais-democratas, as quais, para
sobreviver perante a nova ordem, reformular-se-iam como Terceira Via,
justificada como uma atualização do ideário de igualdade e justiça social, ou
seja, compor-se-ia como fusão madura das qualidades do capitalismo e
socialismo, com a suposta superação dos radicalismos por que havia passado o
mundo - principalmente a Europa - durante o século passado. Anteriormente, a
ausência de uma alternativa político-econômica mediana representaria para os
reformadores comunistas no final dos anos 80 a resignação final 4.
A nova ordem, proclamada com vistas à promoção permanente do desenvolvimento e
da paz, residiria no binômio político-econômico da democracia (neo)liberal,
considerada o último estágio da evolução do espírito, de forma que a humanidade
assistiria ao fim da história. A extinção da Guerra Fria assinalaria o
nascimento eufórico de um mundo em via de uniformidade tanto política como
econômica. As divergências remanescentes seriam de ordem menor e poderiam ser
solucionadas diplomaticamente. O multilateralismo se reforçaria mais e,
conseqüentemente, o direito internacional. Os interesses nacionais das grandes
potências convergiriam naturalmente. Finalmente, chegar-se-ia à paz perpétua
kantiana, corolário da ratificação dos princípios universais da razão.
Antecedentes da Nova Ordem: a extinção do "socialismo real" como contraponto
Durante décadas, a União Soviética seria encarada como uma ameaça de grau
variado, porém real, à manutenção do capitalismo como modus operandi do sistema
internacional, especialmente quando de seu nascimento ainda durante a Primeira
Guerra Mundial. Seu poder de encantamento sensibilizaria tanto colônias
européias como países da América Latina, em decorrência de sua doutrina de
apelo universal - autodeterminação dos povos, antiimperialismo e prevalência
dos direitos de subsistência sobre os de propriedade, internacionalismo
proletário.
A resposta ideológica não viria da Europa, mas dos Estados Unidos, ao evocar
também a autodeterminação, além da emancipação material do cidadão comum -
consumo em massa - acima dos direitos absolutos de propriedade e do governo.
Ambos os lados se veriam de modo excludente, de forma que, após a Primeira
Guerra Mundial, os Estados Unidos se preocupariam em assegurar sua primazia
dentro do sistema capitalista e, ao mesmo tempo, bloquear o avanço comunista
representado pela União Soviética, que optaria pelo isolamento.
Cerca de sete décadas depois, o único setor em que os soviéticos se
desempenhariam bem comparativamente com os norte-americanos seria o militar.
Outrossim, obteriam relativo sucesso na competição estratégica-ideológica por
países do Terceiro Mundo, especialmente na Ásia 5.
Causas da derrocada
As raízes dos elementos que eliminariam a União Soviética da competição
intersistêmica encontrar-se-iam nos primeiros anos da década de 1970, em que, à
primeira vista, havia a possibilidade real de o Ocidente ser superado.
Destaque-se, no entanto, que a robustez do Leste europeu ocorreria mais em
termos de prestígio e influência, visto que mesmo a elevação média dos padrões
de bem-estar material jamais granjearia condições de equipará-lo com o Primeiro
Mundo. O ponto de partida seria a crise provocada na política norte-americana
por causa do desastre na Guerra do Vietnã. Como extensão, o país decretaria o
fim do padrão-ouro em 1971, haveria o Primeiro Choque do Petróleo em 73 e
surgiria uma onda nacionalista/ comunista no Terceiro Mundo.
A reação dos Estados Unidos seria ampla e vigorosa: internamente, nas linhas
demarcatórias do sistema capitalista, haveria a reestruturação da divisão
internacional do trabalho, com a transferência para o Terceiro Mundo de
unidades produtivas que empregassem maciçamente, de modo que se reduzissem os
custos salariais, além de reforçarem-se diplomaticamente os laços com os países
receptores do investimento externo direto (IED)6.
Externamente, o acirramento da concorrência com a União Soviética em três
campos: intensificação da corrida armamentista, ampliação de restrições
econômicas e tecnológicas por parte dos países-membros da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) e dilatação dos auxílios aos movimentos de
guerrilha anticomunista na periferia. Isoladamente, não causariam o
desmoronamento do bloco soviético, mas integrados, promoveriam sua liquidação7.
(a) Corrida armamentista
Ao longo do período bipolar, o Pentágono se transformaria no principal indutor
do desenvolvimento da maior parte das indústrias de ponta do país. Consoante o
então Comandante da Força Aérea, Stuart Symington, segurança carrearia
subsídios, de modo que setores como os da tecnologia da informação e
telecomunicações seriam prioritários 8.
Os soviéticos sempre gastaram mais em termos de produto interno bruto (PIB) do
que os norte-americanos, sem, no entanto, conseguir plena igualdade. Com isso,
privaram-se de recursos importantes para outros setores estratégicos. Todavia,
a extensão do seu arsenal representaria prestígio e status, principalmente na
periferia. Desse modo, seria a continuação da política por outros meios.
A grandeza relativa dos gastos do PIB não teria, na prática, maior significado,
dado que, em termos absolutos, os Estados Unidos sempre deslocaram mais
recursos. A competição fez com que a União Soviética procurasse debalde
equiparar-se com os Estados Unidos, senão qualitativa, ao menos
quantitativamente.
Ainda assim, os Estados Unidos, em face do fracasso do Vietnã, do Primeiro
Choque do Petróleo e do aparente crescimento geográfico do bloco soviético,
promoveriam sua reestruturação bélica. Na metade da gestão Carter, os seus
planejadores afirmaram que, se não houvesse a re-configuração imediata do
perfil militar do país, os soviéticos poderiam interpretar que o Ocidente se
enfraquecia, o que estimularia mais ainda o avanço comunista. Castells, no
entanto, discorda:
(...) embora haja coincidência histórica entre a concentração de
novas tecnologias e a crise econômica da década de 70, sua sincronia
foi muito próxima e o 'ajuste tecnológico' teria sido demasiadamente
rápido (...) os caminhos seguidos pela indústria, economia e
tecnologia são, apesar de relacionados, lentos e de interação
descompassada (...)"9.
De toda forma, três acontecimentos irmanados no Oriente Médio e adjacências
efetivariam a opção mais conservadora de Carter: a emergência do II Choque do
Petróleo; a Revolução Iraniana; e a ocupação do Afeganistão pela União
Soviética. Ante eles, Carter, em mensagem ao Congresso em 1980, cunharia sua
doutrina, que asseguraria a primazia da presença de seu país no Oriente Médio.
A partir dessa mudança, seria possível, entre outros, ampliar o número de
mísseis na Europa, apoiar a nascente guerrilha fundamentalista afegã e criar a
Força de Deslocamento Rápido (FDR), que se tornaria o embrião do Comando
Central Norte-Americano (CCNA), que teria por raio de ação a área compreendida
entre a África Oriental e o Afeganistão, onde tropas poderiam ser deslocadas de
modo célere para evitar a chance de mais turbulências políticas na região.
Apesar de restrições à presença de tropas americanas em território árabe-
muçulmano, o país conseguiria estabelecer uma base de estocagem em Omã.
Embalados por alianças anticomunistas, Arábia Saudita e Turquia passariam a
receber quantidades expressivas de armamentos sofisticados.
Paralelamente, haveria a realização de outras ações como: a conclusão de dois
acordos com o Panamá sobre o uso do seu canal; a articulação da paz entre
Israel e Egito, que se reconciliariam em março de 1979; a conclusão do processo
de reatamento de relações com a China; a assinatura do segundo acordo de
redução de armas estratégicas - Strategic Arms Limitation Talks (SALT) - em
junho de 1979 com a União Soviética que, posteriormente, não seria ratificado
pelo Senado, como retaliação à ocupação do Afeganistão, encerrando mais de uma
década de negociação10.
A nova postura não foi suficiente para garantir a reeleição de Carter, mas
seria mantida pelo seu sucessor republicano, Ronald Reagan, que a aprofundaria,
com projetos dispendiosos como o da Guerra nas Estrelas, que alterariam
sobremaneira o modus operandi do país, ao disseminar:
O uso de tecnologias de informação e comunicação, com vistas a
melhores condições de desempenho nas operações de guerra;
aperfeiçoamento dos mecanismos de precisão de bombas e mísseis;
desenvolvimento de armas a serem utilizadas sob comando remoto;
aplicação de novas técnicas de blindagem aos veículos de combate.
Todas essas medidas emulariam a União Soviética a responder à
altura11.
Tradicionalmente, se o recurso à força é endereçado como ultima ratio do
sistema internacional, a partir do advento dos armamentos nucleares,
forçosamente ambas as superpotências teriam de estabelecer a coexistência
pacífica, em virtude do medo da destruição mútua. É possível que a União
Soviética tenha transformado a corrida armamentista como um fim em si mesmo,
decorrente do fato de ser o único campo em que realmente podia competir, embora
com êxito relativo.
Uma outra interpretação possível para o grau em que se manteve a disputa
militar seria encontrada no campo econômico, ou seja, uma saída para a absorção
crescente de mão-de-obra e recursos destinados à hipótese remota de um conflito
de grandes proporções. De seus excedentes da produção, extrair-se-iam elementos
necessários para atrair e armar (possíveis) aliados, com a obtenção de bons
lucros, além da aproximação ideológica12.
(b) Restrições econômicas
Desde o início da bipolaridade, a União Soviética sentiu dificuldades, com
vistas à obtenção de créditos e compartilhamento de tecnologia, o que
representaria um relacionamento intersistêmico aquém do almejado para seu
desenvolvimento. De acordo com Hobsbawm, a União Soviética:
(...) saíra da guerra em ruínas, exaurida e exausta, com a economia
de tempo de paz em frangalhos (...) precisava de toda a ajuda que
conseguisse obter e, portanto, não tinha interesse imediato em
antagonizar a única potência que podia dá-la, os Estados Unidos (...)
Washington só abriria mão de alguma coisa em troca de concessões, mas
estas eram precisamente o que Moscou não podia dar o luxo de bancar,
mesmo em troca de ajuda econômica, extremamente necessária13.
Já nos anos 1970, o país se beneficiaria involuntariamente da política de alta
dos preços do petróleo praticados pela Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep) na esteira da Guerra do Yom Kippur, em 1973. Isso se somaria a
descobertas de novos campos de exploração de petróleo e gás, o que lhe
ensejaria, então, o prolongamento de seu marasmo desenvolvimentista, ao
possibilitar recursos financeiros para a postergação das mudanças necessárias à
modernização de suas práticas produtivas, como no caso da agricultura, ainda
presa a técnicas arcaicas e depauperantes, cujos efeitos no meio ambiente
seriam devastadores e praticamente irrecuperáveis do ponto de vista econômico.
Diferentemente do lado ocidental, onde a tecnologia militar era empregada
sempre na indústria civil, que a transfigurava na geração de produtos de
consumo em massa, na esfera soviética, houve pouca integração entre o setor
militar e o civil, a despeito de ser uma sociedade economicamente planificada.
Com a reestruturação ocidental, que concederia prioridade à tecnologia da
informação, microeletrônica e biotecnologia, o campo soviético ficaria
definitivamente superado, por incapacidade financeira para competir com o
capitalismo do Primeiro Mundo14.
Os embargos advindos da ocupação do Afeganistão agravariam a crise, ao somarem-
se às restrições já estabelecidas pelo Comitê Coordenador do Comércio Leste-
Oeste. A partir de meados dos anos 1980, os soviéticos procurariam reformar o
sistema, inspirado pelas mudanças graduais promovidas pela China no campo
econômico. Com a tentativa de reestruturação, o oferecimento de auxílio do
Ocidente só se daria se houvesse abertura político-econômica intensa15.
A contrapartida seria ampla privatização, liberação dos preços e
conversibilidade do rublo que se efetivariam por meio de mudanças da legislação
relativas à entrada sem restrições do IED, plena autonomia de importação e
exportação, oferecimento de subsídios financeiros e isenções tributárias, livre
remessa de lucros em moeda forte, indenização em caso de novas estatizações.
Seria a capitulação do sistema soviético.
Diferentemente dos Estados Unidos, onde seus aliados eram robustos, como a
Comunidade Econômica Européia e Japão, no lado da União Soviética, seus aliados
jamais esboçariam comportamento similar. Além disso, não se poderia menosprezar
que a corrupção, a crise ecológica e a desilusão sobre o potencial produtivo do
seu modo de produção contribuiriam para explicar o seu desmoronamento, ao
reforçar a sua estagnação sócio-econômica16.
(c) O apoio aos países emergentes do Terceiro Mundo
Ante essas restrições, o apoio a (potenciais) aliados na arena periférica ter-
lhe-ia sido desgastante, ainda mais em face de tão insuficientes retornos
políticos e econômicos. Na prática, a visão de Kruschev de que os movimentos
libertários e comunistas reforçariam o poder soviético não se efetivou. Mesmo
assim, os Estados Unidos enxergaram nisto o ponto mais frágil do sistema
comunista, de modo que a Doutrina Reagan concentrar-se-ia no apoio a movimentos
conservadores e reacionários - contra-insurgência - tendo por resultado
imediato o impedimento do desenvolvimento de áreas alternativas ao
capitalismo17.
De todo modo, com a progressiva diminuição do apoio financeiro e logístico
soviético, os norte-americanos retomariam novamente suas intervenções contra
países de pequeno porte, como Granada e Panamá, além dos bombardeios à Líbia.
No campo econômico, manter-se-iam as pressões contra Cuba, que resistiria mesmo
após o fim da União Soviética, e a Nicarágua sandinista, que capitularia.
Baseado nesse exemplo, o "efeito nicaragüense" seria aplicado ao Iraque, após a
Primeira Guerra do Golfo, que supostamente provocaria a queda do ditador
Hussein. Após isso, com o fim das sanções e a retomada das exportações
petrolíferas, no caso sob ocupação americana, haveria a melhora das condições
de vida. O governo americano acreditou que tal prática se confirmaria com
êxito, porque o apoio popular a Hussein era infinitamente menor que aos
sandinistas18.
Se o sistema soviético nascera em 1917 com intenção de ser o contraponto do
capitalismo, ao pretender o repartimento das riquezas e maior liberdade, seu
fracasso, ao ser comparado com o centro do Ocidente, já no final dos anos 1970,
não poderia mais ser negado, eliminando os receios iniciais. Desse modo, seria
questão de tempo, ou seja, a partir do momento em que não tivesse mais
condições de igualar-se ao Ocidente, ocorreria sua perda de legitimidade e
depois de apoio. A própria tentativa de abertura faria com que os soviéticos
tivessem mais percepção da distância material e da liberdade política, o que
ampliaria ainda mais o desânimo no sistema socialista, mesmo se reformado19.
As mudanças efetuadas pelo Ocidente com a Terceira Revolução Industrial
dificultariam sobremaneira o acesso soviético às inovações, à medida que o
mecanismo de patentes bloquearia o acesso à tecnologia. A diferença para a
Segunda Revolução era que o progresso material decorria de técnicas difusas e
universais, o que facultaria a possibilidade de saltos no desenvolvimento20.
Destarte, os Estados Unidos chegariam ao pós-Guerra Fria como sendo o Estado
mais poderoso da história do sistema capitalista, porquanto não havia a
perspectiva imediata da emergência de adversários. Quanto à população do bloco
soviético, teria de forçosamente assistir à transição de um regime planificado
e centralizado para um de livre mercado de modo extremamente intempestivo, após
a conscientização da impossibilidade de reforma, em qualquer grau, do sistema
comunista 21.
Indefinição da Nova Ordem
O fim da Guerra Fria e do bloco comunista significaria para os Estados Unidos a
sua terceira vitória, em menos de três quartos de século, em grandes
confrontos, ao representar sempre o modelo democrático liberal: na Primeira
Guerra Mundial, o adversário fora o modelo monárquico autoritário, centralizado
na Alemanha; na Segunda Guerra, o nazifascismo, novamente localizado na
Alemanha; na "Terceira", o comunismo, posto na União Soviética. Chegariam ao
final do século sem adversários, fossem Estados, fossem doutrinas ou
ideologias. No novo mundo, seria natural o exercício de sua liderança
sistêmica.
Na visão realista, a última seria uma vitória mais incontestável, à proporção
que o campo de ação do país estaria consideravelmente maior: enquanto no pós-
Primeira Guerra, decidiria, por meio do seu parlamento, isolar-se
relativamente, ao não se filiar à Liga das Nações e, no pós-II Guerra, havia o
contraponto soviético; no pós-Guerra Fria, não haveria restrições, que lhe
pudessem tolher a movimentação. No entanto, o novo cenário, ante a ausência de
discordâncias sistêmicas, propiciaria condições para que as principais
potências perseguissem seus interesses específicos, havendo a possibilidade de
mais concorrência22.
O freio da possibilidade da emergência de rivalidades ou divergências militares
entre grandes potências decorreria não do otimismo uniformizador do primado
neoliberal, mas do legado da Guerra Fria, ou seja, do receio da mútua
destruição nuclear, deliberando-se assim automaticamente pela prioridade aos
instrumentos diplomáticos para encaminhamento de resoluções. Destaque-se que
isso não significaria o fim do uso da força entre os países periféricos e entre
países do centro com os da periferia.
O fim da história seria o corolário de transformações econômicas iniciadas um
quarto de século antes, sob o nome genérico de Terceira Revolução Industrial, e
da afirmação da supremacia do pensamento liberal, revigorado no pós-II Guerra,
pela Sociedade Mont Pèlerin. Com a combinação das duas características acima,
propiciar-se-iam as condições necessárias para nova demarcação no sistema
internacional, ao alterar significativamente a premissa firmada pela Paz de
Vestfália, em 1648, referente à aceitação formal da autodeterminação e
igualdade dos Estados. Dela derivar-se-ia, por conseguinte, a existência das
economias nacionais, cujo marco regulatório era político, circunscrito aos
limites territoriais reconhecidos pelos demais Estados.
A globalização assinala a extinção progressiva de fronteiras políticas, ao
enfatizar mais ainda a primazia dos processos produtivos mundiais e a
irrestrita circulação de capitais - ambos proporcionados pelos avanços em
transportes e comunicações. A ambos, somar-se-ia outra característica: a
universalização dos direitos humanos. Paradoxalmente, a mudança das
características do sistema internacional não desaguaria na sua condução pela
ampliação da competência institucional das organizações internacionais,
notadamente a Organização das Nações Unidas (ONU), mas pelo país mais poderoso:
os Estados Unidos, que se tornariam, de início, o país hegemônico.
Hodiernamente, os Estados Unidos conduziriam o sistema internacional à
realização da menor presença do Estado no cotidiano dos (seus) cidadãos,
desregulamentação dos mercados, privatizações, equilíbrio fiscal,
individualismo, plena eficiência, entre outros. Todos vistos como elementos
fundamentais do novo molde sistêmico. De toda forma, o ideal iluminista do
cidadão universal, considerado igual, em um mundo com diretrizes abstratas que
se superporiam a possíveis restrições territoriais não se firmaria, sendo
apenas cumprido parcialmente com a existência do consumidor, considerado
desigualmente, de modo que o desenvolvimento da universalização dos direitos no
processo globalizante se fixaria principalmente na parte econômica.
Apesar das justificativas, decorrida década e meia, os sinais da nova ordem são
desestimuladores: as democracias no Terceiro Mundo só conseguem ir até o
registro formal de seus predicados, como a tripartição dos poderes
administrativos ou a realização periódica de eleições livres; a desagregação da
sociedade civil, já incipiente em muitos países periféricos, acentua-se; a
depauperação do meio ambiente acelera-se; o poderio de associações criminosas,
em face da desarticulação e desmonte das estruturas estatais, reforça-se; o
empobrecimento de camadas crescentes da sociedade, em vista da ausência de
condições para ajustar-se a padrões de competitividade internacional,
incrementa-se.
A ausência de equilíbrio entre os componentes do marco globalizante ocasionaria
a sua existência de modo inerentemente contraditório, porque a consagração do
capitalismo como sistema econômico vigente não encontra similaridade no plano
político e militar, em função da inexistência da ampliação dos poderes
administrativos da ONU, apesar de o Estado, notadamente no Terceiro Mundo,
enfraquecer-se no cumprimento tradicional de suas funções. Assim, para um
mercado mundial, não haveria um Estado mundial23.
No plano internacional, a uniformidade das diretrizes administradas pelos
organismos internacionais econômicos, como Fundo Monetário Internacional (FMI)
e Banco Mundial (BM) e países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), limita o experimento de formas alternativas de
desenvolvimento e distribuição de riquezas. Ante a insuficiência dos resultados
sociais do neoliberalismo, se comparados ao período social-democrata ou
nacional-desenvolvimentista da primeira fase da bipolaridade, há a adoção de
práticas específicas/focais, a fim de atenuar a pobreza.
O epicentro simbólico da nova ordem mundial seria o Oriente Médio, mais
especificamente o Iraque, local onde se celebrou seu início de modo eufórico,
com a vitória na Primeira Guerra do Golfo, e onde atualmente se patinha, com a
indecisão do resultado de sua segunda versão do confronto, que poderia ser
interpretada não apenas como um revés político-militar local, mas como sintoma
significativo de uma crise sistêmica, à medida que a única superpotência
existente tem sua liderança contestada pelos seus aliados mais próximos - à
exceção da Grã-Bretanha e Japão -, em decorrência da crescente instabilidade
político-ideológica, militar e econômica por que passa o mundo em pouco menos
de quinze anos.
Kissinger adverte que sistemas internacionais têm existência precária, apesar
do anseio de permanência irrestrita. Chama ele a atenção para o fato de que a
sua duração perdura menos e menos. Do século e meio de Vestfália para pouco
menos de cinco décadas com a bipolaridade24. A atual ordem presumivelmente
caminharia, à primeira vista, para uma duração menor, porém não há elementos
que consolidem tal visão.
Primeiramente, apesar do comprovado malogro do ideário neoliberal,
especialmente na América Latina, não há a proposição, ou pelo menos a
divulgação, de um pensamento alternativo que se lhe contrapusesse,i.e, que
pudesse ser aplicado como contrapartida imediata, de forma que há o
estabelecimento de um vácuo ideológico25. Historicamente, os Estados
hegemônicos são inovadores e, desse modo, puderam estar à testa da condução do
sistema capitalista. Não se vislumbraria, em curto prazo, Estado algum que
ostentasse condições de renovar o sistema.
Nem mesmo o país ora portador dos maiores índices de crescimento, a China,
poderia assumir tal encargo, visto que resignado a adaptar-se às formas de
desenvolvimento tradicional, ainda que a seu modo, portanto, não lhe seria
possível inovar dentro de moldes pré-estabelecidos. O país encontra seu nicho
como exportador, mas sua forma de competição com os demais Estados periféricos
é a opção por formas pré-capitalistas, ou seja, "(...) regalias tributárias,
salários baixos e isenções de impostos sociais ou ecológicos (...) Os
trabalhadores são aquartelados e mantidos como presidiários, as jornadas de
trabalho são extremamente longas e quase não há precauções com a segurança"26.
Posto isso, o presente momento poderia ser interpretado como uma sinuosidade
temporária. Apesar do risco das analogias, poder-se-ia lembrar, por exemplo,
que, nos 1970, os Estados Unidos experimentaram vários reveses como a
intervenção fracassada no Vietnã e o fim do Acordo de Bretton Woods, mas, a
despeito disso, rearticularam-se e obtiveram a vitória final na Guerra Fria de
forma tão incontestável que se gerou a exultação do fim da história, que
celebra a democracia neoliberal, não como a única expressão existente do
processo de globalização, mas como a representação de apenas uma alternativa
viável.
Todavia, o impasse atual reside na ausência de um "outro", fosse como sistema,
como, por exemplo, o comunismo, fosse como Estado, como no caso da União
Soviética, a contrapor-se-lhe. Uma hipotética nova revolução industrial não é
mais necessária porque não há mais adversários a superar tecnicamente. As
falhas ou ineficiências do sistema, absoluto porquanto único, são postas a
descoberto.
Efeitos "involuntários" da nova ordem: expansão da violência
(a) A emergência de novos nacionalismos
Os defensores da nova ordem argumentam que a prevalência da economia
neoliberal, com efeitos desagregadores ao dissolver fronteiras políticas, não
seria tão intensa, à medida do surgimento de cerca de vinte e cinco Estados nos
últimos anos, especialmente na antiga esfera socialista, abarcando União
Soviética, Iugoslávia, Checoslováquia e Etiópia. Nações com aspirações mais
antigas no sistema capitalista como bascos, irlandeses, palestinos e curdos não
têm suas reivindicações atendidas. Todavia, os novos Estados - todos
periféricos - não poderiam mais comportar-se à semelhança de seus antecessores,
ou seja, como verdadeiras economias nacionais diante do atual estágio de
mercados únicos no sistema internacional.
No nascimento do Estado moderno, a fixação de fronteiras territoriais,
amparadas na agregação de elementos díspares como idioma, tradições, religião
etc, ampliaria o espaço de circulação do capital e do comércio. No período
posterior à Paz de Vestfália, inúmeros acordos seriam estabelecidos, com vistas
à circulação menos restrita do comércio e capital. No século posterior, os
liberais clássicos prepararam as condições intelectuais para a separação da
economia política como campo do saber único. A justificativa era que a economia
não necessitava de um controle externo singular, na hipótese de que a promoção
individual de interesses convergia com a promoção coletiva. Estado e mercado
funcionariam por meio de lógicas distintas.
Entretanto, o Estado hegemônico de cada época possuía um papel geográfico cada
vez mais amplo na disseminação do sistema. A concorrência intersistêmica se
resolvia com o uso recorrente da força para a afirmação regional ou mesmo
mundial. Até a queda do comunismo, que se propôs a ser um modo alternativo, a
lógica capitalista subordinar-se-ia às economias nacionais, que, por seu turno,
se baseavam em formas políticas e militares singulares. Desde o século XIX, a
concorrência entre Estados se amplificaria, ou seja, haveria o anseio de
constituir grandes extensões geoeconômicas, sob controle nacional, o que
levaria às duas grandes guerras do século XX, legitimadas pelo darwinismo
social, da luta contínua pela sobrevivência no plano estatal 27.
A partir das mudanças provocadas pela Terceira Revolução Industrial, haveria o
nascimento de padrões de produtividade que gerariam mercados realmente
globalizados, porque os custos de transportes e comunicações decresceriam
bastante. Residiria aí o surgimento dos processos de dissolução de fronteiras
políticas, que seria acentuado mais e mais a partir do fim da bipolaridade.
Destaque-se que, ainda durante a Guerra Fria, os processos de descolonização
liquidariam os velhos impérios. A pax americana, diferente de sua antecessora
britânica, não se balizaria na anexação de territórios. A incorporação das
sociais-democracias na Europa Ocidental e dos Estados nacionais-
desenvolvimentistas no pós-Segunda Guerra entraria em colapso, à medida que as
inovações tecnológicas da Terceira Revolução se ampliaram e disseminaram.
Até a potência hegemônica do sistema - Estados Unidos - passaria a compartilhar
mais com os organismos financeiros internacionais a prevalência das regras
mercantis e de concorrência do capitalismo. Os Estados comunistas planificados
e terceiro-mundistas (parcialmente) autárcicos perdiam espaço na
internacionalização econômica. Entretanto, poder-se-ia enxergar então o
surgimento de um Estado ou governo mundial a ser coordenado pelas organizações
internacionais. A dificuldade adviria do fato de que os Estados poderiam, em
tese, definir-se internamente por meio de seu ordenamento jurídico,
instituições culturais, costumes, religião, marcos sociais etc, de modo
relativamente independente.
Desse modo, a oferta e garantia a seus nacionais, i.e, cidadãos, de determinado
bem-estar material e determinados direitos precisaria aferrar-se à sua forma
singular, muitas vezes intransponível para outros Estados, porque haveria a
constante necessidade para seu sistema econômico interno de exportar ou reduzir
custos de produção e de gerenciamento tanto do ponto de vista social bem como
ecológico. Desse modo, os Estados do centro, notadamente os da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aceitaram blocos, por causa das
barreiras recíprocas estabelecidas, que permitiram subvenções, subsídios,
isenções, incentivos etc. Com isso, poder-se-iam manter suas cadeias de
produção, infra-estrutura e tarifas de importação, as quais, por seu turno,
promoveriam políticas distributivas em redes de solidariedade social.
A nova internacionalização relaciona-se mais à circulação do capital e
mercadorias que pessoas, de modo que atualmente haveria uma divisão realmente
internacional do trabalho e a livre circulação dos fluxos financeiros, que
superariam, por seu turno, as infra-estruturas nacionais e suas políticas
distributivas. Os mercados não poderiam funcionar como instituições
benemerentes, cabendo ao Estado isolado ou em bloco podar desequilíbrios
sociais considerados excessivos dentro de seus limites territoriais28.
Portanto, os novos nacionalismos seriam antes conseqüências da desagregação do
poder regulamentador do Estado, i.e, das economias nacionais, sem parentesco
com formações nacionais anteriores, porque o espaço para o desenvolvimento e
afirmação do capitalismo como modus operandi único das relações internacionais
já se firmou. Os novos nacionalismos seriam "(...) um produto do desespero
(...) das economias em desagregação do mercado mundial totalizado (...) onde
são rompidas as estruturas de regulamentação estatal e nada mais pode ser
distribuído, rompe-se também a estrutura de lealdade" 29.
As secessões étnicas seriam tentativas de se agrupar a blocos bem estruturados;
por isso, a divisão no antigo bloco de influência soviética. Como
contrapartida, as regiões mais pobres, sem mais a lealdade estatal unificadora,
tornar-se-iam áreas potenciais de violência. Sem o referencial tradicional, o
etnicismo e fundamentalismo seriam reações ressentidas e violentas à
desintegração do marco de Vestfália. A força-motriz das manifestações
decorreria da capacidade distributiva reduzida ou exaurida do Estado.
(b) À busca de novos contendores
Os Estados Unidos, desde a sua independência, constituiriam sua identidade
nacional, valendo-se da antinomia com a Europa, principalmente a partir do
século XX. Antes mesmo do fim da bipolaridade, houve tentativas de construir
novos adversários representados por Estados como a China ou representados
difusamente como o narcotráfico. Após 2001, seu novo inimigo seria ambíguo,
dado que, em tese, onipresente, por não adstringir-se a limite territorial
algum. Contudo, mesmo sem adversário manifesto à vista, o país, notadamente a
partir de meados dos anos 1990, preparar-se-ia para adequar suas forças armadas
a estarem aptas para se depararem com até dois conflitos regionais, mais
especificamente contra Irã, Iraque ou Coréia do Norte - "Eixo do Mal" -, sem
descurar de seus tradicionais adversários como Rússia, por causa dos recursos
petrolíferos e de gás do mar Cáspio, e China, em função da garantia de
liberdade de navegação no mar da China.
Desde 1989, após o fim da ameaça soviética, o então Chefe do Estado Maior das
Forças Armadas, Collin Powell, insistiria na ameaça iraniana ou iraquiana,
vistos como:
(...) potencialmente hostiles al mundo occidental y dotados de
fuerzas armadas importantes". Apesar do fim do comunismo no leste
europeu, os Estados Unidos preservariam a Organização do Tratado do
Atlântico Norte, sob alegação de que ela seria "(...) uma aliança
ampla de cooperação política e diplomática que representa o principal
sustentáculo da parceria atlântica).
A Primeira Guerra do Golfo resolveria o problema do inimigo que faltava. Nas
palavras do então Ministro da Defesa Richard Cheney:
La guerra del Golfo es la precursora del tipo de conflictos que
nosotros nos exponemos a encontrarnos con más frecuencia en la nueva
era: conflictos regionales que nos enfrentarán a enemigos bien
armados y dotados a la vez de armas convencionales sofisticadas y de
cargas químicas y nucleares.
Ainda que se desconsiderassem Estados párias, a justificativa seria a
responsabilidade de novas funções, ou seja, operações relativas à garantia de
direitos humanos e manutenção da paz30.
Antecedentes geopolíticos do Oriente Médio
O Oriente Médio incorporou-se gradativamente ao cotidiano do Ocidente a partir
da segunda metade do século XIX, devido à expansão da Grã-Bretanha, em
detrimento do Império Otomano, em processo de modernização tanzimat a fim de
limitar os efeitos da presença européia em seus vastos territórios. Para os
britânicos, o Oriente Médio serviria ainda de rota comercial para a Índia,
prioridade de sua política externa. Desse modo, caber-lhes-ia, nos anos 20 do
século XX, a delimitação de fronteiras da Arábia Saudita seu Estado-cliente ,
Iraque - sob seu mandato - e Coveite/Kuaite - seu protetorado31.
A demarcação privilegiaria os dois primeiros. Nas duas décadas posteriores, o
marco divisório com o Coveite seria adulterado pelo Iraque. Assim, os limites
entre os dois países seriam constantemente objeto de controvérsia: um dos
motivos invocados constantemente por dirigentes iraquianos seria o fato de o
Coveite ter pertencido, sob vigência otomana, à província de Bassora, ao sul do
Iraque.
Outrossim, o interesse por petróleo por parte das potências européias
manifestar-se-ia pouco antes, ao advir do século XX, destacando-se Grã-Bretanha
e também França. A Primeira Guerra reforçaria a importância estratégica da
matéria-prima, direcionando os britânicos ao aspirar o seu controle efetivo.
Com a derrota otomana no conflito, Grã-Bretanha e França manter-se-iam na
região, por meio de um instrumento jurídico novo: o mandato, instituído pela
recém-criada Liga das Nações. Desse modo, ambos legitimar-se-iam em função de
uma delegação internacional: a França administraria Síria e Líbano, ao passo
que a Grã-Bretanha, Iraque e Palestina.
Na visão britânica, o mandato permitir-lhe-ia manter a ambivalência política,
em vista de ser uma medida temporária - teoricamente, sua presença no país
seria para garantir a transição para a independência política. Todavia, o
instrumento diplomático-jurídico tendeu a fracassar, à medida que haveria
levantes populares contra a sua presença. A reação viria do Ministro da Guerra,
Winston Churchill, que autorizaria a utilização de recursos militares para a
repressão, que contemplaria o uso da aviação e gases tóxicos.
Com o malogro do mandato, a Grã-Bretanha necessitava substituí-lo. Para o
Ministro das Colônias, Lorde Curzon, não deveria haver incorporação
territorial, mas o estabelecimento de uma monarquia formalmente independente, a
ser encabeçada por um príncipe da família maometana - um príncipe sírio
hachemita. Internamente, o regime valer-se-ia do apoio dos sunitas e curdos, em
detrimento dos xiitas. Mesmo assim, ainda haveria oposição, principalmente
entre a juventude urbana. Nasceria, então, a idéia de uma união árabe
antibritânica - o pan-arabismo. Sob justificativa de proteção à integridade
territorial, em face de movimentos separatistas xiitas e curdos, o Iraque
assinaria um tratado de cooperação e assistência técnica de duas décadas com a
Grã-Bretanha. Em relação ao setor petrolífero, as concessões de exploração
valeriam até o distante ano 2000.
Conforme a tradição da região, os pagamentos pelas explorações das jazidas eram
destinados ao soberano, que, por seu turno, provia os títulos de concessão, os
quais, durante meio século, seriam base da legitimidade da atuação das
corporações petrolíferas. Como Draper enfatiza: "According to the rules of the
game, the Sabah clan, not the nation of Kuwait, owned the oil beneath the soil
or at least treated the oil as if it were their own. Kuwait was run more like a
family business than a country". No mesmo período, os Estados Unidos, já de
longe a principal potência industrial mundial, pregariam a política de portas
abertas, ou seja, o direito de participar da exploração de recursos das
colônias ou protetorados europeus. No fim dos anos 1920, França e Grã-Bretanha
cederiam à sua pressão.
No princípio dos anos 1930, com a conquista de sua independência formal,
requisito essencial para a admissão na Liga das Nações, o Iraque continuaria a
insistir em suas pretensões territoriais. Entretanto, suas solicitações não
prosperariam, em face de a Grã-Bretanha exercer também o comando da política
externa do pequeno reino. Nas próximas décadas, o Iraque continuaria a seguir
os ditames ocidentais, ao manter as mesmas bases para a comercialização do
petróleo. Durante o inicio da Segunda Guerra Mundial, o país entraria em
divergências com a tutela britânica e instalaria um governo simpático ao Eixo.
No entanto, já em 1942, a situação anterior seria restaurada e o país se
tornaria um ponto estratégico valioso para a Grã-Bretanha e Estados Unidos32.
Efeitos do processo descolonizador
Todavia, os ecos dos processos de descolonização afro-asiáticos influenciariam
sobremaneira a região. Mesmo assim, em 1947, Zidanov, assessor de Stálin,
afirmaria que o Oriente Médio seria uma área dominada por Estados Unidos e Grã-
Bretanha, que competiriam entre si. No ambiente bipolar, Iraque, Turquia e
Paquistão assinariam o Pacto de Bagdá, de cunho anticomunista. Em 1958, um
golpe de Estado transformaria o país em república. Imediatamente, uma aliança
anglo-americana seria formada para invadir o país para restaurar a monarquia.
Todavia, não haveria apoio interno, de modo que um ultimato seria endereçado ao
novo governo: caso os contratos petrolíferos fossem anulados, o país seria
invadido. O governo aceitaria a condição.
Contudo, a pressão da sociedade continuaria, visto que o país arrecadava pouco
de suas concessões petrolíferas, que permaneciam bastante inexploradas, em
virtude de as corporações petrolíferas planejarem a exploração do produto
considerando toda a região. Assim, o governo solicitaria a devolução de algumas
áreas. A resposta das companhias foi diminuir a produção, causando mais
transtornos econômicos ao Iraque, que, como retaliação, retirar-se-ia do Pacto
de Bagdá, solicitaria a saída de tropas britânicas de seus territórios,
cancelaria programas de auxílio americano e, por fim, assinaria com a União
Soviética em 1959 um acordo de cooperação técnica e econômica. Mais tarde,
aprovaria uma lei, que garantiria a presença das empresas petrolíferas em seu
território apenas em campos já explorados, revertendo para o Estado as áreas
inexploradas. Desse modo, o país recuperaria 99,5% dos campos.
Em 1963, o governo cairia, por um golpe de Estado, estimulado pela CIA. Uma
aliança empresarial seria proposta entre a empresa estatal e corporações
estrangeiras, mas não entraria em vigor, pela oposição interna e,
posteriormente, em função da Guerra Árabe-Israelense, em 1967. A produção
petrolífera iraquiana, sob mãos estrangeiras, continuaria pouco explorada, se
comparada com Irã, Arábia Saudita e Coveite. Em face da dependência financeira
do petróleo, o país atravessaria, portanto, uma fase de estagnação econômica,
que reverteria em instabilidade política. No fim da década, novo golpe
proporcionaria a assunção do Partido Baath - Renascimento -, que havia sido
expelido da participação do poder no movimento de sedição anterior.
Em 1972, o governo promoveria a estatização do petróleo, mas indenizaria as
corporações expropriadas. Aproximar-se-ia da França e União Soviética para a
obtenção de assistência técnica e créditos para a expansão das atividades.
Politicamente, para a União Soviética, a aproximação compensaria a perda de
influência anterior na região com o afastamento do Egito e Síria, inclusive com
o estabelecimento de um acordo militar de quinze anos. Economicamente,
significaria acesso a enormes reservas de petróleo e novo mercado para a venda
de suas armas. Com os substanciais aumentos do produto em 1973, o país
experimentaria durante o restante da década novo impulso: ampliação da infra-
estrutura, investimentos em educação, geração de um parque industrial
diversificado, modernização da agricultura e provimento das forças armadas,
tornando-as a terceira potência local.
Destarte, o país contrastaria com os demais da região - notadamente, Arábia
Saudita, Coveite e Emirados Árabes -, que aplicariam seus recursos adicionais
na elevação de gastos familiares e na aquisição de títulos públicos
estrangeiros. Em poucos anos, o Iraque tornar-se-ia a economia mais bem
estruturada da região, o que refletiria em questões comportamentais, como a
gradativa participação de mulheres na sociedade civil33.
Porém, no final da mesma década, dois fatos provocariam alterações na política
externa do país: a assunção de Saddam Hussein, antigo Vice-Presidente, ao poder
e a Revolução Iraniana. Sob justificativa de questões fronteiriças, o Iraque
atacaria o Irã, apoiando-se, a despeito da aproximação com a União Soviética,
nos Estados Unidos, com quem retomaria oficiosamente os contatos. Em 1984, as
relações seriam restauradas oficialmente, pondo fim à interrupção datada da
Guerra Árabe-Israelense. Dois anos antes, seriam removidos da lista de
patrocinador do terrorismo. Após o reatamento, os Estados Unidos bloqueariam
todo tipo de iniciativa para condenar o Iraque pelo uso de armas químicas,
fornecidas parcialmente por conglomerado do país. Os Estados Unidos inclusive
patrocinariam ações militares diretas contra navios e plataformas petrolíferas
iranianas entre outubro de 1987 e abril de 1988.
A justificativa para o apoio se baseou na hipótese de que a derrota do Iraque
desencadearia efeitos negativos para a Arábia Saudita e Coveite. Quanto ao uso
de armas químicas, para os Estados Unidos, seria uma questão de gravidade
menor, à medida que seria direcionada para tropas - a tomada da península de
Fao - e não civis. Em 1995, uma investigação do Senado norte-americano
revelaria que amostras de germes haviam sido enviadas para o Iraque e fariam
parte do programa de fabricação de armas biológicas do país. Como destaca
Hobsbawm: "(...) O Iraque, então apoiado entusiasticamente pelos Estados
ocidentais, usou-o à vontade contra soldados e civis"34.
A Primeira Guerra do Golfo
O conflito encerrar-se-ia formalmente em 1990 com ambos os países arruinados,
principalmente o Irã, que não pudera valer-se de auxílio dos Estados Unidos.
Mesmo assim, o Iraque, por seu turno, constituiu uma dívida de 80 bilhões de
dólares, das quais metade pertencia a países da região. A guerra não lhe
significara ganho algum. Assim, esperou auxílio tanto dos Estados Unidos, bem
como da Arábia Saudita, Coveite e Emirados Árabes, visto que o país tê-los-ia
defendido, ao impedir possíveis efeitos políticos e religiosos da Revolução
Iraniana. Além do mais, havia algo a agravar sua já difícil recuperação: a
queda dos preços petrolíferos iniciada ainda em meados dos anos 1980. Por
conseguinte, o Iraque ansiaria pelo perdão, ao menos parcial, de suas dívidas e
por empréstimos para reconstruir-se. Todavia, o país deparar-se-ia diante de
uma situação insólita: seu próspero e diminuto vizinho estaria drenando
petróleo de uma área litigada.
Posto o cenário catastrófico em que se encontrava, após uma dezena de anos em
beligerância, o Iraque interpretaria o gesto como provocação, como um teste
para a verificação de sua fraqueza material. Em face disto, o país cogitaria a
hipótese de invadir o Coveite como forma de amenizar seus problemas
financeiros. Uma semana antes da ocupação, o Iraque comunicou suas intenções
aos Estados Unidos, que não manifestariam desacordo explicitamente - apenas
externariam preocupação -, ao colocar a questão como relativa aos países da
região, chegando a, no máximo, recomendar-lhe que procurasse a via diplomática
para tentar uma solução. O Iraque interpretaria a ocupação de seu vizinho como
presumida recompensa pelos serviços prestados ao Ocidente e demais monarquias
absolutistas do Oriente Médio.
Após a invasão em 1990, a reação "inesperada" ou desproporcional dos Estados
Unidos: a convocação do Conselho de Segurança (CS) da ONU, que prescreveria a
retirada imediata e incondicional do Coveite. Nesse entretempo, a imposição de
sanções econômicas. De acordo com Chomsky, "a severidade sem precedentes das
sanções da ONU foi resultado de intensas ameaças e pressões dos Estados
Unidos"35. Algumas semanas depois, nova resolução do CS que autorizaria o
emprego de todos os meios para a restauração da soberania do país ocupado.
Pouco antes de a coligação americana entrar em ação, a França proporia a
retirada do Iraque mediante a convocação de uma conferência internacional para
debater a paz no Oriente Médio. Seria o derradeiro esforço, porém baldado.
Para os Estados Unidos, o cenário regional apresentar-se-ia favorável porque o
Irã não teria capacidade, em curto prazo, de espraiar seu ideário
fundamentalista e, portanto, não seria uma ameaça para seus interesses, a União
Soviética estava à beira da ruína, prestes a desintegrar-se politicamente e o
restante das potências não teria como se lhe contrapor. Dessa forma, o plano de
instalar-se militarmente na região, com vistas a exercer um férreo controle
sobre as reservas petrolíferas, poderia concretizar-se, e teria, por resultado,
a ampliação do poderio econômico americano ante todos os países do sistema
internacional.
Durante seis semanas, a envergadura dos ataques para expulsar o Iraque foi
intensa: quase 110 mil vôos que despejariam no adversário 84.200 toneladas de
bombas, praticamente se igualando ao empreendido na Segunda Guerra Mundial. A
opinião pública seria informada de que os bombardeios, apesar de seu alto poder
destrutivo, atingiriam apenas alvos militares - seria a guerra cirúrgica, fruto
das armas "inteligentes". Todavia, o conceito mostrar-se-ia ambíguo, à medida
que a infra-estrutura - estradas, estações energéticas e de abastecimento de
água, linhas de comunicação - seria sobremaneira avariada e afetaria
naturalmente a população civil. O Iraque seria o primeiro país do Terceiro
Mundo a experimentar a nova doutrina militar. O objetivo seria duplo: apagar a
imagem do malogro no Vietnã e mostrar aos demais países o preço a pagar ao
desafiar-se a hegemonia norte-americana, independente de ter sido aliado no
passado próximo36.
A coligação decidiu não avançar até Bagdá, mas, indiretamente, aguardaria a
queda de Hussein, por meio de revoltas xiitas no sul e dos curdos no norte. Na
visão dos Estados Unidos, segundo Thomas Friedman, do New York Times, poder-se-
ia acalentar "(...) o melhor dos mundos: uma junta iraquiana de punho de ferro
sem Hussein (...) seria voltar aos dias felizes em que o punho de ferro de
Hussein (...) mantinha o Iraque unido, para a satisfação dos aliados americanos
- Turquia e Arábia Saudita"37. Em face da ação repressora do país, a ONU
estabeleceria nova resolução que admoestaria o país a interromper a repressão a
suas minorias. Com isso, criar-se-iam as justificativas para que a aliança
anglo-americana estabelecesse zonas de exclusão aérea.
Ao mesmo tempo, em função de outra resolução, o Iraque se veria preso a sanções
de toda ordem, que só seriam suspensas se houvesse a constatação da eliminação
total dos programas de armas químicas, biológicas, nucleares, o desmantelamento
de mísseis de longo alcance e o pagamento de indenizações de guerra. Só anos
depois, autorizar-se-ia a troca de petróleo por remédios e alimentos, não se
permitindo a importação de produtos químicos, laboratórios, geradores de
energia, equipamentos de comunicação, ambulâncias e até lápis - por causa da
grafite, que poderia ter emprego militar. Da comercialização, um terço seria
extraído para o pagamento das indenizações.
Desse modo, seria impossível a recuperação da economia, porque faltariam peças
de reposição para a indústria, especialmente a petrolífera, vacinas animais,
defensivos agrícolas, produtos químicos para higienização etc. Ao ser
questionada em um programa televisivo sobre a mortandade - mais de meio milhão,
sendo a maior parte de crianças - que as sanções estariam provocando no Iraque,
a Ministra das Relações Exteriores, Madeleine Albright, responderia que fora
uma escolha difícil, mas que seria o preço a pagar. Em junho de 2001, França e
Rússia proporiam a eliminação de restrições do IED para o setor petrolífero - a
produção era um terço do período anterior à guerra com o Coveite -, mas a
proposta seria refutada pelos Estados Unidos, cujas empresas estavam proibidas
por lei de aplicar recursos no país - e Grã-Bretanha.
Ao longo da década de 1990, as inspeções diretas da ONU e da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) constatariam que os programas nucleares
e biológicos do Iraque estariam inoperantes. Mesmo assim, os Estados Unidos e
Grã-Bretanha não reconheceriam os resultados e manteriam o mesmo tratamento,
menosprezando a opinião dos outros membros do Conselho de Segurança38. Em suma,
a Primeira Guerra do Golfo seria ainda dentro dos moldes tradicionais, com uma
coligação internacional, sob aprovação da ONU, a reprimir um Estado invasor,
por divergências lindeiras. A liderança norte-americana inclusive respeitaria a
orientação emanada da ONU, ao não ir além da expulsão do Iraque. Ante tamanha
convergência, os excessos do uso da força seriam tolerados e providencialmente
relevados. Os "estatutos" de Vestfália ainda seriam considerados.
O policiamento da globalização
Durante a gestão democrata de Clinton, debater-se-ia a necessidade de redução
de gastos militares que deveriam ser redirecionados para estimular a economia
internamente. Mesmo conservadores como Richard Cheney e Collin Powell
admitiriam a idéia de que não haveria ameaças sérias, isto é, Estados, mesmo de
médio porte, que desafiassem a segurança do país. Todavia, o foco no Irã,
Iraque e Coréia do Norte seria mantido. Em seu segundo mandato, sob
justificativa de preservar os interesses internacionais do país -
fundamentalmente a estabilidade dentro de uma economia mundial unificada
ideologicamente -, os Estados Unidos mudariam sua forma de atuar conjuntamente,
ao contemplar a Otan como força expedicionária punitiva, sob seu comando. A
escusa para tal seria novamente os Estados-párias, que representariam em termos
de perigo o que o Pacto de Varsóvia havia representado na Guerra Fria. Seria a
Doutrina Clinton, ou seja, uma versão leve, se comparada ao que futuramente os
republicanos fariam, da guerra preventiva. Em sua visão, a todo início de
instabilidade, forças ocidentais deveriam celeremente intervir para evitar seu
espraiamento39. A ação direcionada à Iugoslávia seria o primeiro sinal.
Os democratas prosseguiriam o sucesso da política militar do país, ao conter a
China quando ameaçou Formosa ou pressionar a Rússia para que aceitasse a
ampliação da Otan em direção à área do antigo Pacto de Varsóvia. Sua política
de força, conforme destaca Ramonet, funcionaria:
(...) em função de seus próprios critérios e para servir seus
interesses, sem se preocupar demais com o parecer de instâncias
internacionais (...). É a razão pela qual, de maneira soberana,
impõem sanções econômicas a Cuba, Líbia ou Irã; opuseram-se à
recondução de Boutros Ghali no posto de Secretário-Geral da ONU. E
rejeitaram com toda firmeza (...) a legítima demanda da França no
sentido de que o comando sul da Otan fosse atribuído a um oficial
europeu. Em sua nova tentativa para assumir a hegemonia, os Estados
Unidos chegam mesmo a exigir - no caso da Lei Helms-Burton que
reforça o embargo contra Cuba - que a legislação americana tenha uma
aplicação extraterritorial40.
Abstraída a hipótese de confronto nuclear entre grandes potências, há mais uma
característica da nova ordem: a desterritorialidade decorrente do
enfraquecimento do Estado como ator. Se, no passado, o "mal" possuiria face em
um Estado, agora ele seria transferido para o campo abstrato, ou seja,
residiria atualmente no terrorismo que teria presença ubíqua. Assim, o mal ou o
inimigo seria:
(...) um fenômeno como a Al-qaeda está definitivamente assentado
sobre um terreno pós e subestatal (...) A Al-qaeda é somente a
primeira dessa nova e bárbara feição de poder, que em suas quase
inacreditáveis dimensões transformou-se num desafio direto para a
potência mundial Estados Unidos e tem de ser combatida por operações
militares em grande escala como se fosse um Estado concorrente41.
Se se considera que a fluidez das fronteiras seria mais e mais presente, ou
seja, que o enfraquecimento do Estado como ator da arena internacional é cada
vez maior, seria natural, então, considerar que os Estados Unidos não se
portariam mais como forças armadas nacionais, mas sim como polícia mundial de
um sistema unificado economicamente, tendo por papel o de correção do seu
funcionamento. Desse modo, a extraterritorialidade da Otan, por exemplo, se
encaixaria perfeitamente no novo cenário. Por outro lado, a desterritorialidade
que encararia o terrorismo como o grande inimigo permitiria aos Estados Unidos
aproximar-se da Rússia, que se depararia com a crise da Chechênia, e China, com
a questão da província de Xinjiang. Afora os territórios compreendidos na
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), China e Rússia,
só haveria espaços com diferentes graus de perturbação ou distúrbio42.
No entanto, a contradição incessante do novo período globalizante residiria na
propagação de uma política mundial - democracia - e de uma economia mundial -
capitalismo -, porém sem um governo ou mesmo um Estado mundial exercido de
jure. O que há é um Estado singular que, através de suas forças armadas,
encarregar-se-ia de policiar e manter os demais Estados e, posteriormente,
grupos enquadrados a padrões postos como convenientes. Dentro dessa
contradição, residiria a dificuldade de a hegemonia global ser exercida pelos
Estados Unidos, à medida que emergem percepções distintas, embora tênues, dos
principais Estados - ainda com boas estruturas nacionais - dentro do sistema
internacional, as quais ocasionariam sinalizações diferentes. Os debates e
negociações na ONU e na Organização Mundial do Comércio (OMC) seriam exemplos
das discordâncias, que se avolumariam com o tempo no pós-Guerra Fria, de modo
que as tentativas de supremacia norte-americana passariam a afirmar-se mais
pela coerção que consentimento.
Poder-se-ia afirmar que a Segunda Guerra do Golfo provém de um crescendo, cujas
raízes encontrar-se-iam nas intervenções na Iugoslávia, Somália e Haiti, ainda
na primeira metade dos anos 1990. Posteriormente, em nova ingerência em
território iugoslavo, os primeiros sinais de discordância entre americanos e
europeus já não podiam ser mais ocultos, mesmo apesar da forte ênfase em
direitos humanos e da presença do espectro apaziguador da Terceira Via, que se
centrava na composição anglo-americana. Desse modo, a crise de credibilidade do
país hegemônico agravar-se-ia pela utilização crescente da violência em suas
intervenções, em detrimento da influência moral, jurídica e intelectual.
Surpreendentemente, as intervenções posteriores tanto na área do Golfo, bem
como na da Iugoslávia, ocorreram sem a anuência da ONU, reiterando a
deslegitimidade por que passa a ONU, incapaz de realmente mediar problemas
internacionais de grande porte43.
A segunda versão
Em pouco mais de uma década entre as duas confrontações, haveria os primeiros
sinais de discordância entre as principais potências no "governo" do mundo,
antes mesmo do atentado terrorista de 2001. No decorrer de todos esses anos, a
predominância do neoliberalismo, a despeito de seus resultados pífios,
entranhou-se mais no sistema internacional, com a absorção do antigo bloco
soviético e com a supervisão diligente das organizações internacionais
econômicas. Se, no século XIX, a Grã-Bretanha exigiu a adoção do
constitucionalismo e do padrão-ouro para que países emergentes pudessem tentar
beneficiar-se, no atual século, o binômio reitera-se com a democracia
neoliberal.
Entrementes, como já mencionado, há um significativo descompasso entre os
efeitos políticos - democracia - e econômicos - abertura intensa - do novo
modelo, de modo que se poderia levantar a hipótese de que o fortalecimento
excessivo de um ensejaria o enfraquecimento de outro. A atual ocupação do
Iraque deveria sintetizar os três elementos básicos do exercício do poder
político na visão clássica: militar, em que o exercício de seu poderio
tecnológico asseveraria sua supremacia inconteste, devendo sua utilização
desestimular todo tipo de resistência física, ante a prévia obsolescência das
forças armadas remanescentes no Terceiro Mundo; econômica, em decorrência de
garantir por longo período o acesso fácil a jazidas petrolíferas com sua
permanência dificultando a diversificação de importações por parte de possíveis
adversários, como a China; e ideológico, em virtude da instalação e
espraiamento de instituições democráticas formais na região e adjacências, com
vistas à eliminação ou anulação gradativa de Estados-párias e fundamentalistas.
O ataque de setembro de 2001 ajudou a desferir mais rapidamente o projeto de
transformação do Iraque, embora inicialmente o alvo tenha sido o Afeganistão,
mas suas diretrizes já estavam delineadas ainda na gestão Clinton, ao refletir
mais interesses do Estado que partidários. No final de 1998, Clinton anunciou
metas a serem estabelecidas no Golfo: manutenção de contingente militar,
inclusive com capacidade de bombardeamento, confirmação das sanções e retorno
dos inspetores da AIEA, além de verbas - cem milhões de dólares - aprovadas
pelo Congresso para a derrocada de Hussein. No mesmo ano, o ex-Presidente Bush
e seu ex-Assessor de Segurança Nacional, Scowcroft, publicariam livro em que se
afirma que nenhum país médio hostil poderia reter grandes reservas de petróleo.
Um ano antes, a Ministra das Relações Exteriores, Madeleine Albright:
Nosotros no estamos de acuerdo con los países ( França e Rússia ) que
afirman que si Irak cumple sus obligaciones en materia de armas de
destrucción masiva deben ser levantadas las sanciones. Nuestra
posición es y continúa siendo inquebrantable, Irak tiene que probar
sus intenciones pacíficas (...) Y son abundantes las pruebas de que
las intenciones de Hussein no serán nunca pacíficas44.
Seria o estopim para a modernização político-econômica ao implementar-se o
modelo democrático neoliberal. O sucesso inicial tanto político como econômico
na ocupação do Afeganistão estimularia os planos relativos ao Iraque, país sem
a menor condição de reação militar, depauperado, com um regime mal visto
externamente, de forma que a sua rejeição, via aplicação severa de sanções,
seria vista como "natural" pela comunidade internacional.
Conseqüências
O atual conflito simboliza o impasse por que passa o sistema internacional,
porque os Estados Unidos, como o Estado cuja liderança fora exercida sem
contraposições de peso no início da nova ordem, sofrem inúmeros desgastes.
Diferentemente da primeira versão, a presente ação no Iraque não logrou a
obtenção da concordância de todas as grandes potências, o que refletiria no
desgaste conseqüente do Conselho de Segurança, ao não chancelar a iniciativa
amero-britânica. Assim, o posicionamento do Estado-líder não seria mais
percebido como sendo o interesse geral da comunidade internacional. O
desencadeamento da força, antes de esgotadas as diligências diplomáticas,
menoscabou o direito internacional. No caso, a ocupação militar reforçaria o
desprezo ao ordenamento internacional, porque havia antecedentes em relação a
tratados relativos a meio ambiente e direito penal.
A intervenção presente retroage a padrões que se inscreveram ao período
anterior à Primeira Guerra, em que grandes potências prescreviam suas próprias
resoluções para questões internacionais. A nova ordem, apesar de esvaziar a
atuação dos Estados, não assistiu à transição da delegação de mais poder para
organismos internacionais, a não ser nas esferas econômicas. Assim, não se
vislumbraria a formação de uma "soberania mundial", i.e, a substituição da
relativa anarquia que margeia o sistema internacional. A atual confrontação
contribui para deslegitimar a ONU, vista como um bonifrate dos desígnios
americanos, em face de sua ineficiência para colaborar com o equilíbrio
sistêmico.
Destarte, está posta a incapacidade da maior parte das organizações
internacionais de não cumprir sequer o papel de mediação em temas
supranacionais, como meio ambiente, ilícitos transnacionais, terrorismo, formas
de energia etc, de modo que, ante a existência de um mercado integrado
mundialmente, deveria haver um correspondente político similar, ou seja, a
criação ou reestruturação de órgãos que transcendessem interesses nacionais,
administrados por poderes parlamentares e executivos específicos. Em função do
desequilíbrio latente, os Estados Unidos arvoram-se mediadores e executores de
tarefas mundiais, o que hastearia a dicotomia da globalização: um Estado
nacional a assumir obrigações mundiais, sem delegação do restante da
comunidade.
Outra contradição da atuação americana é a promoção da recomposição de Estados
outrora arcaicos ou disfuncionais na ordem neoliberal, dada a progressiva perda
de autonomia dos já existentes, em face de as tradicionais circunscrições
territoriais serem avaliadas de acordo com sua capacidade de produção e consumo
no mercado mundial. O caso afegão é exemplar. Sem auxílio suficiente da
comunidade internacional nos dois anos de restabelecimento, o país não possui
os pré-requisitos necessários - infra-estrutura, ordenamento jurídico estável,
mão-de-obra qualificada - para atrair, no curto prazo, IED.
Ainda que possuísse isso em escala modesta, seria mais um Estado precário,
provavelmente incapaz de coordenar estruturas distributivas para responder às
obrigações sociais para seus cidadãos. Para sobreviver no mercado mundial,
teria de preencher-lhe um nicho, provavelmente, ao dedicar-se à exportação de
produtos especializados ou singulares. No caso da industrialização, uma
recuperação seria impossível sem endividar-se de modo elevado externamente, o
que inviabilizaria destinar recursos estatais para estimular atividades
voltadas para o mercado interno, em face dos compromissos fiscais. Restariam os
produtos específicos, ligados normalmente à área agrícola ou mineral. À medida
que não conseguisse recuperar-se, grupos aproveitar-se-iam da fluidez de suas
fronteiras e fragilidade de suas instituições estatais - como polícia, forças
armadas e judiciário - para dedicar-se a atividades ilícitas, que encontrariam
receptividade no mercado consumidor do Ocidente. Segundo o Diretor da Agência
contra Drogas e Crimes da ONU, Antonio Maria Costa:
É isso que está faltando no Afeganistão: um governo forte, mas há
outra força, gerada por dinheiro, que é o cultivo e o tráfico de ópio
(...) precisamos oferecer recursos (...) para construção de estradas,
escolas, hospitais (...) Há um risco palpável de o Afeganistão se
transformar em um Estado fracassado, nas mãos dos cartéis e drogas e
de narcoterrorismo45
Os atuais conflitos levantam outra questão ligada à dissolução do papel dos
Estados periféricos: as guerrilhas ou grupos insurgentes como bascos ou
irlandeses - vistos como terroristas dentro dos países em que atuam - sempre
aspiraram ao desejo de possuir sua própria nação, mas o terrorismo atual, que
não aspira à construção de uma unidade territorial, não age, por conseguinte,
nos limites de circunscrições políticas, mas de modo multinacional, de forma
que nem as forças armadas mais poderosas do planeta escapam de passar por
sérias dificuldades no enfrentamento de seus adversários, que são frutos do
processo de globalização, ou seja, da desterritorialidade e da desestatização.
Deste modo, o outro - o "mal" - na política externa americana desmaterializa-se
também progressivamente. Do "Império do Mal" soviético ao 'Eixo do Mal', não há
apenas tripartição estatal, mas se cogitaria a inclusão da Al-Qaeda. No
entanto, elevaria o status de um grupo terrorista, além de ser composto apenas
por entidades muçulmanas, o que poderia estimular ainda mais sentimentos
adversos a países islâmicos; finalmente, o "mal" vincular-se-ia a um conceito
abstrato - terrorismo - que poderia ser direcionado para todo grupo violento em
qualquer lugar do globo. Quanto ao petróleo barato, farto e de fácil acesso -
15% das reservas conhecidas a menos de dois dólares, em média, a extração de um
barril -, o Iraque seria suficiente para diminuir a dependência em relação à
Arábia Saudita, um dos países cuja população nutre mais sentimentos
antiamericanos. Além do mais, seria um abalo na política de preços adotada pela
Opep, cujos países não obtêm sucesso em diversificar suas economias e com isso
diminuir a sua dependência da matéria-prima. No entanto, desde a ocupação, o
preço do barril não pára de elevar-se exatamente, segundo os mercados, em
função do terrorismo e do malogro da ocupação.
Mesmo a universalização dos direitos humanos, tema tão caro à União Européia,
desmorona-se diante da ação unilateral. As denúncias de maus tratos ou de
transgressões à legislação internacional decorrem desde o embate com o
Afeganistão. O ideal iluminista do cidadão universal não resiste à observação
do cotidiano das guerras levadas a cabo pelo Estado promotor das "qualidades"
da nova ordem. Desrespeita-se a Terceira Convenção de Genebra, sem
possibilidade de aplicação de penalidades, visto que o país não é membro do
Tribunal Penal Internacional (TPI), nem tem considerado o posicionamento
recente da ONU. Em conseqüência, insuflar-se-ia a ira de organizações
fundamentalistas contra o Ocidente.
Em suma, os Estados Unidos são portadores da instabilidade acentuada pelas
contradições do processo de globalização dos últimos anos, sendo incapazes de
solucionar isoladamente os problemas mundiais, em decorrência das limitações
impostas à atuação estatal/nacional pela própria ordem internacional da qual se
fazem guardiões. Se os instrumentos multilaterais não voltarem a ser acionados,
a crise perdurará indefinidamente.
1 Expressão do Ministro das Relações Exteriores francês, Védrine (1998). Cf:
NYE, Joseph. O paradoxo do poderio americano. Por que a única superpotência do
mundo não pode prosseguir isolada. São Paulo: Unesp, p. 25. O
artigo vale-se basicamente da contribuição de três autores: Anderson, Halliday
e Kurz.
2 HALLIDAY, Fred. Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: UFRGS,
1999, 232.
3 HALLIDAY. Op. Cit., p.234.
4 O balanço provisório, no entanto, revela um quadro desolador: o pêndulo não
permaneceu nem moderadamente à esquerda, mas intensamente à direita. A
coexistência pacífica, pregada pela Terceira Via, entre as duas visões de
mundo, transforma-se no domínio da esquerda pela direita. ARRAES, Virgílio.
Dorian Gray ou a Terceira Via européia: a derrota da esquerda francesa.
Meridiano 47. Brasília, v.3, n.26, p.25 set 2002. HALLIDAY.
Op. Cit., p.233-4.
5 Cf: ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de
nosso tempo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Unesp, 1996, p. 65-
7; ANDERSON, Perry. Force and Consent. New Left Review.
London, UK, n.17 p.1-2 sep/oct 2002; HALLIDAY. Op. Cit.,
p.210-1.
6 VIZENTINI, Paulo, org. A grande crise. A nova (des)ordem internacional dos
anos 80 aos 90. Petrópolis: Vozes, 1992, p.12-7.
7 HALLIDAY. Op. Cit., p.214-5.
8 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 25-6,
60-9,76. "(...) o sistema do Pentágono - incluindo a Nasa e o
Departamento de Energia - tem sido usado como mecanismo ótimo para canalizar
subsídios públicos para os setores avançados da indústria (...)"; CHOMSKY,
Noam. Democracia e mercados na nova ordem mundial. In: Globalização excludente.
Desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial. GENTILI, Pablo; SADER, Emir (orgs.). Petrópolis, Vozes, 1999, p. 25,
27. Ainda de acordo com ele: "A Guerra nas Estrelas foi
vendida ao público como 'defesa' e à comunidade empresarial como um subsídio
público para tecnologia avançada", p. 33; BOROSAGE, Robert. All dollars, no
sense. Mother Jones. San Francisco, USA, sep/oct 1993; FIORI,
José Luís. 60 lições dos 90. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 54, 98-9.
9 HALLIDAY. Op. Cit., p.215-7; HOBSBAWM, Eric. 23ª ed. Era dos extremos.O breve
século XX: 1914-91. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 243; ANDERSON (2002). Op. Cit., p. 9-10.
10 "Let our position be absolutely clear: An attempt by any outside force to
gain control of the Persian Gulf regions will be regarded as an assault on the
vital interests of the United States of America. And such an assault will be
repelled by any means necessary, including military force". Apud ISENBERG,
David. The Rapid Deployment Force: the few, the futile, the expendable. Policy
Analysis. V. .44, 8 nov 1984. Disponível em: <http://www.cato.org/pubs/pas/
pa044.html> ; VIZENTINI. Op. Cit., p.19-20; ARRAES, Virgílio.
Guerra do Golfo: nova ordem ou antigo projeto? Meridiano 47. Brasília, v.4,
n.32-3, p.6-7 mar/abr 2003.
11 FIORI. Op. Cit., p.55-67; "Desde 1945, o ímpeto patriótico bate no muro toda
vez que os caixões começam a chegar". WALLERSTEIN, Immanuel. Como concebemos o
fim do mundo. Ciência social para o século XXI. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p.
27.
12 CARR, Edward.Vinte anos de crise: 1919-39.Uma introdução ao estudo das
relações internacionais. Brasília: UnB, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2001, p.143,146; HOBSBAWM. Op. Cit., p. 227, 233;
HALLIDAY. Op. Cit., p. 217.
13 HOBSBAWM. Op. Cit., p. 230;231.
14 HOBSBAWM. Op. Cit., p.248; HALLIDAY. Op. Cit., p. 218-9; VIZENTINI. Op.
Cit., p.14.
15 HALLIDAY. Op. Cit., p. 219, 230. "Se o comunismo se rendeu, quase sem
disparar nenhum tiro, foi porque o instrumento de competição internacional no
final do século XX foi tanto a t-shirt como a canhoneira".
16 GOLIN, Tau. O impacto mundial da crise do socialismo. In:
VIZENTINI. Op. Cit., p.104-5; HOBSBAWM. Op. Cit., p.247
17 Todavia, "(...) a despeito das superestimativas soviéticas de seu registro
de ajuda, o montante (...) foi, em termos comparativos, muito baixo - 0,25% do
PIB". HALLIDAY. Op. Cit., p.221.
18 MOURA, Gerson. O Terceiro Mundo à deriva: crise e conflitos. In: VIZENTINI. Op. Cit., p.132-3.
19 HOBSBAWM. Op. Cit., p.247. KURZ, Robert. Os últimos combates. 2ª ed.
Petrópolis: Vozes, 1997, p. 256.
20 OLIVEIRA, Francisco de. 2ª ed. Crítica à razão dualista. O Ornitorrinco. São
Paulo: Boitempo, p.138-40.
21 HALLIDAY. Op. Cit., p. 212.
22 "Pois, como observou (...) Hobbes, 'a guerra consiste não só na batalha, ou
no ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela
batalha é suficientemente conhecida' (...) A Guerra Fria entre ESTADOS UNIDOS e
União Soviética, que dominou o cenário internacional (...) foi sem dúvida um
desses períodos". HOBSBAWM (2002). Op. Cit., p.224; O ex-Ministro das Relações
Exteriores dos ESTADOS UNIDOS cria que os soviéticos seriam expansionistas, cf:
KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves; Univercidade,
1999, p. 882. Tal posição é reforçada pelo fato de não ter
sido "(...) a fundação das Nações Unidas em 1945 que determinou as restrições
geopolíticas na segunda metade do século XX, mas sim a Conferência de Yalta,
dois meses antes, que reuniu Roosevelt, Churchill e Stalin". WALLERSTEIN,
Immanuel. O declínio do poder americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004, p.
23. No tocante a rivalidades entre Estados na nova ordem
mundial, há, guardadas as devidas proporções, convergência entre Kissinger e
Anderson. Sobre a riqueza americana, cf: CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam
realmente quer. Brasília: UNB, 1996, p. 9.
23 KURZ, Robert. A fuga para a frente. Folha de São Paulo. São Paulo, 28 nov
2002. Caderno Mais. p. 10
24 KISSINGER. Op. Cit., p. 883.
25 ANDERSON, Perry. Idéias e ação política na mudança histórica. Margem
esquerda. São Paulo, v.1, n.1, p. 89-90 maio 2003.
26 Cf: ARRIGHI, p. 30-1; KURZ, Robert. Os últimos combates. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1997, p.228.
27 CARR. Op. Cit., p. 59-61; WALLERSTEIN, Immanuel (org.). Para abrir as
ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1996, p. 36-7.
28 KURZ (1997). Op. Cit., p. 59-60.
29 Idem, p. 61-2.
30 As citações são extraídas de: KLARE, Michael. La nueva estrategia militar de
Estados Unidos. In: ALBIÑANA, Antonio.Geopolítica del caos. Madrid: Le Monde
Diplomatique, 1999, p. 33-5; BONSORAGE. Op.Cit. O Ministro da
Defesa Lee "(...) Aspin has suggested that the U.S. needs forces capable of
simultaneously fighting two large-scale regional wars, carrying out a Panama-
size intervention in our hemisphere, and launching a relief operation the size
of the Kurdish rescue, while maintaining forces for rotation if an operation is
extended"; Sobre a Otan, cf: PECEQUILO, Cristina. A política externa dos
Estados Unidos. Porto Alegre: UFRGS, 2003, p. 292-4.
31 A presente parte vale-se principalmente das informações extraídas dos
textos: RESEARCH UNIT FOR POLITICAL ECONOMY. Behind the war on Iraq. Monthly
Review. New York, USA, v.55, n.1, may 2003; DRAPER (a),
Theodore. The Gulf War reconsidered. The New York Review of Books. New York,
USA, v.39, n.1-2 16 jan 1992; DRAPER (b), Theodore. The true
story of the Gulf War. The New York Review of Books. New York, USA, v.39, n.3
30 jan 1992.
32 DRAPER (a). Op. Cit., parte V; "Nos vastos países do Islã, sobretudo antes
do século XVIII, a posse da terra é provisória pois que ela, também aí,
pertence de direito ao príncipe (...) os senhorios...) ficam disponíveis de
novo toda vez que morre o beneficiário. Para o príncipe, essa é uma forma de
pagar e de assegurar-se dos serviços dos soldados e dos cavaleiros". BRAUDEL,
Fernand. A dinâmica do capitalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 61.
33 Sobre Zidanov, cf: KISSINGER. Op. Cit., p.568; O caso iraquiano coadunaria
com a visão de que a formação de centros econômicos pujantes ampliaria a
liberalização social. Esse "efeito colateral" não agradaria a correntes mais
conservadoras do país e da região. BRAUDEL. Op. Cit., p. 75-6.
34 HOBSBAWM. Op. Cit., p. 36.
35 CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: UNB, 1996, p. 80.
36 FIORI. Op. Cit., p.55-6. Todavia, para outros, a revolução militar teria
seus primeiros grandes efeitos na Iugoslávia, durante a gestão Clinton.
ANDERSON (2002). Op. Cit., p. 13.
37 CHOMSKY (1996). Op. Cit., p. 87.
38 CHOMSKY (1996). Op. Cit., p. 82-3.
39 "Threats have become remote," admitted Republican presidential hopeful and
former Defense Secretary Richard Cheney, "so remote that they are difficult to
discern." General Colin Powell, chair of the Joint Chiefs of Staff, groused,
"We no longer have the luxury of having a threat to plan for". BONSORAGE.
Op.Cit; Sobre o Eixo do Mal, cf: KLARE, Michael. The Clinton Doctrine. The
Nation. 19 abr 1999; BOROSAGE. Op.Cit; Sobre distúrbios a
serem contidos, cf: KLARE. Op.Cit; PECEQUILO. Op. Cit., p. 284-5.
40 RAMONET, Ignacio. Geopolítica do caos. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 43-4. No entanto, não se podem desconsiderar as tergiversações
norte-americanas na questão iugoslava, além das divergências internas no
Congresso sobre as repercussões que adviriam da Lei Helms-Burton. PECEQUILO.
Op. Cit., p. 313.
41 KURZ (2002). Op. Cit., p.14.
42 Idem, p. 15; ANDERSON. Op. Cit., p.14.
43 ARRIGHI, Giovanni. O poder norte-americano. Praga. São Paulo, n.8, p.42 ago
1999.
44 Sobre o livro de Bush: A world transformed. New York: Alfred Knopf, 1998.
GRESH, Alain. La guerra interminable contra Irak. In:
ALBIÑANA. Op. Cit., p. 97-8
45 BERLINCK, Deborah, RUETHER, Graça. Guerra ao ópio no Afeganistão. O Globo.
Rio de Janeiro, 16 maio 2004 p. 40. O país é responsável pela
produção de três quartos do ópio no mundo, que emprega quase dois milhões de
pessoas em uma população estimada aproximadamente em 25 milhões. A sua produção
é equivalente à metade do PIB, cerca de dois bilhões e meio de dólares. O corpo
militar estrangeiro, com efetivo de 15 mil homens, não auxilia na erradicação
da produção e comercialização, ao preocupar-se em prender os líderes da rede
Al-Qaeda. Um hectare de ópio rende doze mil dólares ao passo que o de cereais,
duzentos e vinte e dois.