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EuPTCVHe0873-21592010000200012

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Esclerose tuberosa com envolvimento pulmonar

Introdução A esclerose tuberosa (ET) foi reconhecida pela primeira vez em 1880 por Bourneville, que descreveu as manifestações neurológicas da doença e, daí, a denominação de doença de Bourneville 1 . A tríade característica da doença, convulsões, atraso mental e angiofibromas faciais, foi descrita em 1908 por Vogt 2 .

É uma doença rara, esporádica ou transmitida de forma autossómica dominante, multissistémica, que se caracteriza pelo crescimento de tumores benignos hamartomatosos localizados em múltiplos órgãos. Os órgãos mais frequentemente envolvidos são rim, cérebro, pele, pulmão e coração.

Foram identificadas duas alterações genéticas: uma mutação no braço longo do cromossoma 9 (conhecida como TSC1' tuberous sclerosis complex 1) e outra no braço curto do cromossoma 16 (conhecida como TSC2 ' tuberous sclerosis complex 2), presentes em cerca de 80% dos casos 3 .

Afecta igualmente ambos os sexos, sem predisposição por raça, e pode surgir em qualquer idade, diferindo no entanto as manifestações da doença de acordo com a idade de apresentação. A incidência é de cerca de 1:6000 4 .

O diagnóstico é clínico e baseado nos critérios revistos pela Tuberous Sclerosis Alliance(TS Alliance) e pelo National Institutes of Health(NIH) em 1998 (Quadro I) 5 .

Quadro_I Critérios de diagnóstico da esclerose tuberosa revistos pela Tuberous Sclerosis Alliance (TS Alliance) e pelo National Institutes of Health (NIH) em 1998

Considera-se definitivo o diagnóstico de ET na presença de dois critérios majorou um majore dois minor.O diagnóstico é provável na presença de um critério majore um minor. A ET é considerada possível na presença de um critério majorou dois ou mais critérios minor.

Relato de caso Os autores apresentam o caso de uma doente de 52 anos, não fumadora, com antecedentes conhecidos de epilepsia na infância, pré-eclampsia e angiomiolipomas renais diagnosticados desde a adolescência, mantendo vigilância em consulta de urologia. Sem novas crises de epilepsia desde os 16 anos. Sem hábitos medicamentosos. Sem antecedentes familiares relevantes.

Referenciada à consulta de Pneumologia na sequência de alterações na TAC (tomografia axial computorizada) torácica, realizada para avaliação da doença, que evidenciou área em vidro despolido no lobo superior esquerdo e inúmeras formações microquísticas dispersas por ambos os campos pulmonares (Fig. 1).

Assintomática e sem alterações ao exame objectivo.

Fig. 1 TAC (tomografi a axial computorizada) torácica evidenciando área em vidro despolido no lobo superior esquerdo e formações microquísticas dispersas pelos dois pulmões

Apresentava anemia normocítica normocrómica, velocidade de sedimentação de 15mm na 1.ª hora, marcadores víricos e serologias negativos, função hepática e renal e estudo imunológico sem alterações. Estudo funcional respiratório com FVC (forced vital capacity) de 2,61 L (95,4% prev); FEV1 (forced expiratory volume 1 second) de 2,44 L (105% prev); IT (índice de Tiffenau) de 93,5%; TLC (total lung capacity) 98,8%; VR (volume residual) 112,4%; VR/TLC 113,7%. Difusão do monóxido de carbono normal (92% prev). Gases do sangue arterial (FiO2 21%): pH 7,412; pO2 80,4; pCO2 34,5; HCO3 19,7; sO2 96,6%. Broncofibroscopia sem alterações, com microbiologia e citologias para células malignas negativas no lavado brônquico. Repete TAC  abdominal, mantendo os angiomiolipomas renais conhecidos (Fig. 2). Realizou ressonância magnética cerebral que demonstrou tuberosidades corticais, em localização frontal paramediana e temporal posterior direitas e nódulos subependimários calcificados nos ventrículos laterais (Fig. 3).

Fig. 2 TAC (tomografi a axial computorizada) abdominal evidenciando angiomiolipomas renais bilaterais

Fig. 3 RM (ressonância magnética) cerebral - tuberosidades corticais e nódulos subependimários

Concluiu-se pelo diagnóstico de ET de acordo com as recomendações diagnósticas da TS Alliance e do NIH 3 : linfangioleiomiomatose, tuberosidades corticais, nódulos subependimários e angiomiolipomas renais.

A doente mantém-se em vigilância e assintomática, sem novas alterações radiológicas.

Discussão Na ET, as alterações cutâneas e neurológicas são as manifestações mais comuns, respectivamente 95 e 90% dos doentes 5,6 .

As manifestações neurológicas podem traduzir-se por convulsões, alterações psiquiátricas e comportamentais, alterações do desenvolvimento ou atraso mental e dependem essencialmente do tamanho e localização das tuberosidades corticais, nódulos su-bependimários e astrocitomas de células gigantes subependimários. As tuberosidades corticais não apresentam localização preferencial por nenhum lobo. Os nódulos subependimários encontram-se na parede lateral dos ventrículos e, em 5 -10% dos casos, podem degenerar em astrocitomas de células gigantes.

As manifestações cutâneas mais comuns são os angiofibromas faciais, máculas hipomelanocíticas, fibromas ungueais, periungueais ou gengivais e placas de shagreen(zonas de pele descolorada mais espessa e áspera no dorso, particularmente na região lombossagrada). Esta doente não apresentava nenhuma alteração cutânea.

As alterações renais são o terceiro achado clínico mais frequente e podem ocorrer como angiomiolipomas renais (>80% dos doentes com ET)7, quistos renais simples, rins poliquísticos e carcinoma de células renais. Os angiomiolipomas renais habitualmente são múliplos e bilaterais. A presença de sintomas, como dor, náuseas ou vómitos, está geralmente associada aos tumores com dimensões superiores a 4cm. O risco de hemorragia devido à formação de aneurismas também está aumentado nos tumores de maior diâmetro.

As alterações cardíacas manifestam-se em cerca de 50-60% dos doentes com ET, habitualmente durante a gestação ou no primeiro ano de vida, e habitualmente sob a forma de rabdomiomas, podendo causar sintomas essencialmente por obstrução ao fluxo ou por alterações do ritmo. No entanto, a maioria são assintomáticos e acabam por regredir espontaneamente nos primeiros anos de vida 8,9 .

As alterações oftalmológicas são referidas em 50 a 80% dos doentes, dependendo das séries 7,10 .

A alteração pulmonar mais frequente é a linfangioleiomiomatose (LAM). Surge quase exclusivamente no sexo feminino a partir da terceira ou quarta décadas de vida. O envolvimento pulmonar, previamente considerado uma manifestação rara, com uma prevalência inferior a 3% 11 , pensa-se actualmente poder ter uma maior prevalência.

Um estudo recente que rastreou por TAC torácico mulheres com ET sem sintomas pulmonares demonstrou alterações císticas em cerca de 40% 12 .

Na LAM, as células musculares lisas sofrem uma proliferação anormal, comprometendo os bronquíolos, linfáticos e capilares. A elasticidade pulmonar vai reduzindo, com consequente diminuição da capacidade vital e aumento do volume residual. A LAM traduz-se pela presença de cistos nos pulmões, únicos ou múltiplos, variando de dimensões entre alguns milímetros até vários centímetros. A maior parte dos doentes manifesta-se com dispneia, pneumotórax, hemoptises ou, mais raramente, quilotórax.

A tríade clínica completa é incomum em doentes com envolvimento pulmonar, como aconteceu com esta doente.

No caso clínico apresentado não se observaram manifestações de todos os órgãos normalmente envolvidos na doença. Houve predomínio de envolvimento renal, neurológico e pulmonar.

A ET condiciona uma diminuição da sobrevida, sendo a doença renal e os tumores cerebrais as principais causas de morte. O prognóstico dos doentes com envolvimento pulmonar sintomático é reservado, sendo frequente a doença progressiva com insuficiência respiratória.No entanto, actualmente sabe-se que existem formas variadas da doença, algumas mais frustres e com um curso clínico mais favorável, como é o caso desta doente, até à data.

A ET deve ser encarada como uma doença crónica multissistémica, sendo os objectivos do tratamento a melhor qualidade de vida possível com o menor número de complicações e efeitos secundários.

Deve ser fornecido o tratamento de acordo com os sintomas, nomeadamente medicação anticonvulsiva e tratamento cirúrgico, se possível.

Até à data não existe nenhum tratamento eficaz para a LAM ou ET, à excepção do transplante pulmonar na fase terminal da doença. Devido à maior prevalência da LAM na mulher em idade reprodutiva, pensa-se que os estrogénios possam ter um papel na progressão da doença, pelo que alguns doentes recebem tratamento hormonal (progesterona), apesar de não ter sido demonstrado de forma conclusiva o seu benefício 13,14 .

Novas terapêuticas, como a rapamicina, apresentam os primeiros resultados positivos. São necessários, no entanto, mais estudos para se confirmar eficácia e segurança 15 .

A resposta aos diferentes tratamentos testados é variável de doente para doente e nenhum tratamento demonstrou eficácia em todos os doentes com LAM.


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