Fraturas subtrocantéricas atípicas e tratamento prolongado com bifosfonatos
INTRODUÇÃO
A Osteoporose é uma doença crónica que requer tratamento a longo prazo[1]. Com
o aumento da esperança média de vida o risco de ter uma fractura relacionada
com a osteoporose é de aproxidamente 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens
[2]. O tratamento com bifosfonatos reduz significativamente o risco de fratura
em indivíduos com osteoporose. Um estudo multicêntrico randomizado conduzido
por Black et al em 1996, demonstrou que o alendronato reduz o risco de
fracturas clinicamente significativas da coluna vertebral e ossos longos em
mais de 50% comparado com placebo em doentes com osteoporose diagnosticada[1].
A eficiência dos bifosfonatos estende-se a outras patologias do metabolismo
ósseo tais como, osteoporose induzida por corticoesteroides, Doença de Paget,
metástases ósseas e mieloma múltiplo[3, 4]. A toma de bifosfonastos
semanalmente tem uma excelente relação risco benefício, quando administrada em
período compreendido entre os 3 e os 5 anos, contudo quer a sua eficácia, quer
o seu perfil de segurança é limitado em tratamentos maís prolongados[2].
Recentemente a comunidade científica tem questionado a possibilidade da
ocorrência de fraturas de fadiga subtrocantéricas, designadas na literatura de
atípicas, como consequência do tratamento a longo prazo com bifosfonatos[5].
Este artigo tem como objectivo a apresentação de um caso clinico e a revisão
bibliográfica da literatura que discute esta associação.
Características das fraturas subtrocantéricas atípicas
Definição
As fraturas subtrocantéricas atípicas têm sido definidas como um tipo de
fratura caracterizada por um traço de fratura transverso radiologicamente,
localizadas cerca de 5 cm distalmente ao pequeno trocânter, em correlação com
evento microtraumático ou na ausência de trauma objectivado[6].
Epidemiologia
Este tipo de fraturas constituem de acordo com estudos recentes, 5-10% das
fraturas proximais do fémur, tendo um nível de incidência de 2,3 por 10 milhões
de habitantes/ano[7].
Têm grande impacto na morbilidade e mortalidade, com "outcomes"
similares aos observados para a fractura da anca. Um estudo prospectivo com 87
doentes[8] mostrou uma taxa de mortalidade de 25% aos 24 meses pós-fractura.
Apresentam comprovado risco de ocorrerem em doentes a efetuar corticoterapia ou
inibidores da bomba de protões[9].
Apresentação clínica
Clinicamente, estes pacientes apresentam-se habitualmente com sintomas
prodrómicos de dor na coxa, desconforto vago e/ou cansaço subjetivo. É
essencial a exclusão semiológica de patologias reumatismais, tais como, bursite
trocantérica, coxartrose ou polimialgia reumática[3].
Apresentação radiológica
O padrão radiológico tipo, descrito por diversos autores[3, 10] em doentes
tratados com bifosfonatos por mais de 5 anos, consiste numa hipertrofia do
córtex da diáfise femoral em associação com fissuras corticais numa localização
subtrocantérica, que podem progredir para uma fratura linear transversa.
Bifosfonatos/Fisiopatologia
O efeito terapêutico dos bifosfonatos na osteoporose resulta da sua atividade
antireabsorvita no osso, reduzindo o número de novos osteoclastos, diminuindo a
sua atividade e estimulando a sua apoptose[1]. Os bifosfonatos podem ser
divididos em 2 subclasses, os nitrogenados (alendronato, ibandronato,
pamidronato, risedronato e zoledronato) e os não-nitrogenados (etidronato e
tiludronato). Foi demonstrado cientificamente que o alendronato tem um
considerável efeito supressivo sobre a fosfatase da tirosina, uma importante
enzima da regulação da formação e função dos osteoclastos[11]. Por outro lado a
subclasse dos não nitrogenados, atuam por via dos seus metabolitos induzindo a
formação de análogos tóxicos de ATP que induzem a apoptose dos osteoclastos.
Deste modo, os bifosfonatos previnem a destruição óssea, diminuindo em larga
escala o turnover ósseo, induzindo mineralização exagerada e aumentando a
densidade óssea. Um dado curioso foi revelado em estudo realizado por
Masarachia et al, que indicam que para além da enorme propensão do Alendronato
para a ação sobre os osteoclastos, este deposita-se na matriz óssea
mineralizada recoberto por osso neoformado, atuando na inibição da reabsorção
óssea por tempo ainda não definido, mesmo após a suspensão do fármaco[12].
O "turnover" ósseo é necessário para manter a qualidade anti-fraturária do
esqueleto. Este inicia-se sempre pela fase de reabsorção óssea, iniciada pelo
aparecimento de microfissuras ("microcracks"), sucedida pela fase de
neoformação óssea, via osteoblastos. A inibição forte e prolongada desta
reabsorção desregula o turnover normal do osso, induzindo um processo de
remineralização óssea, que aumenta a rigidez óssea ("frozen bone") e leva a
acumulação de microfissuras. A acumulação de microfissuras leva ao aparecimento
de microfraturas e pode conduzir ao aparecimento de fraturas de fadiga, tais
como, do 5ºmetatarso e as subtrocantéricas[1].
CASO CLÍNICO
Mulher de 64 anos de idade, com antecedentes de mastectomia (1992) e
Osteoporose diagnosticada em 2000. Medicada habitualmente com sinvastatina
20mg, diosmina 450 mg, beta-histidina 24 mg e Alendronato 70 mg (desde 2000).
Apresentou-se ao serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra
com quadro de dor, encurtamento e rotação externa do membro inferior direito em
Fevereiro de 2011. Radiologicamente apresentava uma fratura subtrocantérica
transversal direita com padrão atípico (Figura_1).
Foi aplicada tração percutânea de 2 Kg, parou a ingestão de alendronato e
operada 4 dias depois: redução e osteossíntese com placa e parafuos. Por
dificuldades técnicas, não foi possível a aplicação de cavilha cefalo-
endomedular (Proximal Femoral Nail - PFN-A) pelo facto de a doente apresentar
canal medular estreito (7mm).
A doente passou a ser seguida periodicamente em consultas de revisão pós-
operatória, até que em Julho de 2011 é decidida revisão da osteossíntese por
pseudartrose e desmontagem do material de osteossíntese (Figura_2). Foi então
removido o material de osteossíntese e aplicado parafuso dinâmico do tipo
Dynamic Condilar Screw - DCS - descorticação e aplicação de auto-enxerto ósseo
colhido do ilíaco e substituto ósseo (Figura_3)
Após a segunda intervenção cirúrgica a doente manteve o seguimento em consulta
externa de Ortopedia.
Em Dezembro de 2011, a doente recorre ao SU por quadro álgico agudo da coxa
direita sem relação com traumatismo. Radiologicamente foi detectada uma
fractura de fadiga do DCS e ausência de consolidação de fractura (Figura_4).
Foi então decidida a aplicação de novo DCS com reforço na zona anterior do
fémur com placa reta, descorticação e autoenxerto esponjoso do ilíaco (Figura
5). Desde então seguida em consulta até à data (Março 2012) ainda sem critérios
clínicos e imagiológicos de consolidação da fractura.
DISCUSSÃO
Apesar do entusiasmo entre a comunidade científica em torno da possível
associação entre tratamento a longo termo com bifosfonatos e o risco de fratura
subtrocantérica atípica, só em 2005 foi publicado por Odvina et al um estudo
que reporta uma série de 9 pacientes com fraturas atípicas espontâneas, 4 delas
subtrocantéricas, em regime de tratamento com bifosfonatos em período
compreendido entre 3 e 8 anos[3].
Na segunda série de casos publicada em 2006, 13 mulheres com fraturas
subtrocantéricas que recorreram ao serviço de urgência de 2 hospitais de
Singapura foram identificadas num período de 10 meses. Foram excluídos os
casos com patologia neoplásica, fracturas em consequência de acidentes de
viação ou associadas a evento traumático major. Em 9 (com média de idades de 67
anos) destas 13 mulheres verificou-se o uso prolongado de alendronato (média
4,2 anos) em relação com tratamento anti-osteoporótico. De salientar que 5
destas apresentavam o quadro clinico típico supracitado, 4 não tinham história
de qualquer evento traumático e 6 apresentavam radiologicamente espessamento da
cortical do fémur contra lateral[10].
Posteriormente, em 2008 Neviaser et al conduziram um estudo retrospectivo de
todas as fraturas subtrocantéricas e diafisárias de baixa energia admitidas num
centro de trauma em Nova Iorque ao longo de 5 anos. Foram excluídos os casos de
fraturas patológicas, associadas a eventos traumáticos major e/ou com outra
localização femoral. Foram identificados 70 doentes, dos quais 59 eram mulheres
e 11 homens, com média de idades de 75 anos. Num total de 36% dos casos (25 dos
70) estavam a ser tratados com alendronato, com uma duração média de 6,2 anos
(avaliada em 16 dos 25) sendo todos do sexo feminino. Em 19 destas 25 mulheres
foram identificadas fracturas subtrocantéricas atípicas com padrão radiológico
acima citado: traço simples de fractura transversa no membro implicado
associado a fissura unicortical e hipertrofia da cortical óssea no fémur
contra-lateral[13].
Mais recentemente, Lenart et al desenvolveram um estudo retrospetivo de
mulheres pós-menopáusicas que apresentaram fracturas de baixa energia de 2000 a
2007. Foram estudados casos de fracturas subtrocantéricas, intertrocantéricas e
do colo do fémur. O uso de bifosfonatos foi observado em 15 dos 41 casos de
fracturas subtrocantéricas/diafisárias, ao passo, que no caso dos 82 pacientes
com fratura intertrocantérica ou colo do fémur o consumo deste grupo de
fármacos só estava presente em 9 deles. Os autores encontraram ainda uma
relação estatisticamente significativa (p<0,001) entre o uso de bifosfonatos e
o padrão radiológico da fractura, nomeadamente para as subtrocantéricas[14].
Em análise retrospetiva, publicada em 2010, de 284 mulheres de estudo
multicêntrico randomizado conduzido por Black et al, os autores não conseguiram
encontrar um aumento estatisticamente significativo do risco de fratura em
doentes a fazer bifosfonatos quando comparado com o grupo placebo[15].
Outros estudos de pequena escala[16, 17, 18] corroboram a associação entre o
tratamento anti-osteoclástico com bifosfonatos de longa duração e o
aparecimento de fracturas subtrocantéricas atípicas, sendo de salientar o de
Capeci et al que apresenta sete pacientes com fratura subtrocantérica atípica
bilateral com o uso em média de 8,6 anos desta classe de anti-osteoporóticos,
sendo que nenhum deles utilizava qualquer outro fármaco com atividade óssea.
No caso que apresentamos, tendo em conta a revisão efectuada, e a ausência de
antecedentes farmacológicos relevantes para o metabolismo ósseo, pensamos que o
tratamento com Alendronato durante 11 anos ininterruptamente poderá ter
contribuído para o aparecimento da fratura de fadiga subtrocantérica da Doente.
Do mesmo modo a incapacidade de formação de calo ósseo poderá estar em relação
com a sobrevida do alendronato na matriz óssea subjacente, sendo muito escassa
contudo, a literatura quanto a esta relação.
No que concerne á semiologia e apresentação radiológica desta tipo de fraturas
observamos um paralelismo entre o nosso caso e o que se encontra descrito por
diversos autores diferentes supramencionados.
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
A evidência científica existente não pode confirmar de forma inequívoca um
aumento do risco de fraturas subtrocantéricas atípicas em consequência do uso
prolongando de bifosfonatos, embora a maioria das publicações sugiram que o uso
por mais de 5 anos deste classe de anti-osteoporóticos podem conduzir a
fraturas subtrocantéricas de fadiga ou atípicas, com padrões clínicos e
radiológicos bem definidos.
Em virtude de tal controvérsia afectar milhões de doentes a fazer
suplementação, as autoridades reguladoras do medicamento, nomeadamente o FDA,
têm desenvolvido estudos próprios de forma continua no sentido de esclarecer o
papel dos bifosfonatos nesta patologia.
Em 2008, a Sociedade Americana do Estudo do Osso e Mineral (ASBMR) emitiu
recomendações para o tratamento médico da Osteoporose, das quais se salientam,
o uso de terapêuticas alternativas aos bifosfonatos (raloxifeno e teriparatida)
em doentes com DEXA normal ou ligeiramente reduzida no colo do fémur, a
descontinuação dos bifosfonatos em doentes com fraturas atípicas
subtrocantéricas e da diáfise do fémur e o uso de Teriparatida nos casos de
falência de formação de calo ósseo em consequência deste tipo de fraturas[19].
Mais recentemente em 2009, a agência reguladora britânica de produtos
medicinais (MHRA) reviu a segurança do alendronato e aconselhou a
descontinuação do tratamento em doentes que desenvolvessem este tipo de
fratura, não sendo aconselhado o uso futuro pelos mesmos de bifosfonatos sob
qualquer fórmula, a menos que os benefícios suplantem os riscos de incidência
destas fraturas[20].