Recomendações para Análise Mutacional em Tumores do Estroma Gastrointestinal
(GISTs). Grupo de Trabalho Português GIST: Proposta de Condeixa
No decurso dos últimos dois anos, um grupo multidisciplinar constituído por
médicos especialistas de diferentes áreas, que inclui os autores deste
trabalho, teve reuniões periódicas sobre o diagnóstico e terapêutica de GISTs.
Na sequência dessas reuniões decidiu elaborar recomendações, inexistentes em
Portugal, para a análise mutacional de GISTs. Como metodologia para concretizar
este objetivo encarregou três dos seus membros (Marta Soares, António Gouveia e
José Manuel Lopes) para elaborar e apresentar uma proposta que, após ampla
discussão, foi aprovada por unanimidade na reunião convocada para o efeito em
Condeixa, a 20 de Julho de 2012. Escolheu-se um formato com texto de referência
a publicações relevantes e atuais sobre o tema e tabela (Tabela_1) com proposta
de requisitos de relatório de exame de análise mutacional em GIST.
O estado mutacional de genes como o KITe o PDGFRAé usado como marcador da
biodiversidade e heterogeneidade dos GISTs, permite identificar alvos
terapêuticos para inibidores da tirosinacínase (ITKs), é um marcador
potencialmente preditivo de resposta à terapêutica com ITKs, é um marcador de
prognóstico (recidiva/progressão), e pode ser causa da resistência a ITKs [1-
6]. Por estes motivos, a boa prática clínica nas decisões bioterapêuticas de
doentes com GISTs deve incluir a análise do estado mutacional destes tumores.
A análise mutacional da doença primária não é recomendada na rotina diagnóstica
da generalidade dos GISTs. A análise das mutações nos genes KITe PDGFRApode
confirmar em definitivo o diagnóstico de GIST, não só em casos que apresentem
morfologia equívoca mas, também, nos GISTs sem expressão de CD117 e DOG1 [1,
7].
A análise mutacional pode ter valor prognóstico e ser útil na seleção de
doentes, após ressecção completa de GIST primário, para tratamento adjuvante
com imatinib. Três grandes estudos randomizados registaram que GISTs com
mutações no exão 11 se associam a maior taxa de resposta ao imatinib na dose de
400 mg e maior sobrevida livre de progressão do que GISTs com mutações no exão
9 do KIT[1]. A análise mutacional pode ter impacto na dose de imatinib dado que
os GISTs com mutações no exão 9 do KIT(mais comuns no intestino delgado)
respondem melhor a uma dose inicial maior de imatinib. O sunitinib parece ser
mais eficaz em doentes com GISTs mutados no exão 9 do KIT[8]. A análise
mutacional pode, também, ajudar a excluir casos menos sensíveis (por exemplo,
mutações PDGFRAD842V) ao tratamento com ITKs [7].
Vários estudos descreveram mutações no gene BRAFem GIST [9]. As opções de
tratamento com inibidores de KIT e PDGFRA podem ser ineficazes no controle de
GIST com BRAFmutante. O sorafenib e o vemurafenib são candidatos potenciais
nestes casos. Os GISTs pediátricos e os que ocorrem em doentes com NF1
(frequentemente com sequências normais dos genes KITe PDGFRA: GISTs wild-type)
parecem também ter menor resposta ao imatinib [1].
A análise mutacional da doença progressiva sob tratamento com imatinib é
considerada experimental, porque estas mutações são, muitas vezes, heterogéneas
e não há outros agentes, além do imatinib e sunitinib, aprovados para GIST
metastático/avançado [1].
As indicações para análise mutacional em GISTs podem incluir contextos de
avaliação diagnóstica (considerando diagnóstico diferencial e localização/
morfologia tumoral particular), para decisão terapêutica (neoadjuvante,
adjuvante, tumor irressecável/ doença avançada, doença em progressão) com ITKs
(ou, eventualmente, outras terapêuticas, em ensaio clínico) e contextos de
aconselhamento genético (história familiar) - Figura_1.
Sendo assim, deve considerar-se (com base em diferentes níveis de evidência) a
análise mutacional em casos selecionados para orientar a identificação de
doentes que são mais suscetíveis de beneficiar do tratamento aprovado ou serem
incluídos em ensaios clínicos: a)no diagnóstico de tumores KIT/CD117 positivos
com morfologia atípica, ou GISTs KIT/ DOG1-negativos; b)para diferenciar GIST
de tumores desmóides (fibromatoses), sarcomas de alto grau com expressão fraca
de KIT, ou de outras neoplasias; c)GISTs com a morfologia celular epitelioide
que têm maior probabilidade de ser do tipo wild-typeou com mutação no gene
PDGFRA; d)GISTs em doentes jovens (wild-typeou com mutações germinativas de
genes do complexo SDH- síndrome de Carney-Stratakis) [10]; e)GISTs
heredo-familiares (mutações germinativas) [11]; f)para identificar casos que
podem beneficiar de tratamento pré-operatório (neoadjuvante) com ITKs; g)para
identificar casos com maior risco de recidiva que podem beneficiar de
terapêutica pós-operatória (adjuvante) com imatinib, em que os tumores
primários foram ressecados; h) nos casos de GIST metastático ou avançado/
irressecável; i) GISTs com resistência primária ou secundária a ITKs.
As análises mutacionais são realizadas em muitos laboratórios com protocolos
variáveis. Dado o elevado impacto sobre as decisões clínicas, o teste
mutacional deve estar em conformidade com padrões elevados de garantia de
qualidade [12]. Como o tecido tumoral fresco congelado raramente está
disponível para teste mutacional (porque implica a existência de banco de
tecidos e tumores que cumpra os requisitos estabelecidos para criopreservação
de tecidos e tumores, conforme a Coordenação Nacional de Doenças Oncológicas
[13], utilizam-se, geralmente, tecidos fixados em formol (4%) tamponado e
incluídos em (blocos de) parafina (FFIP) na análise molecular de tumores. A
integridade e estabilidade do ADN em FFIP é um fator limitante da fiabilidade
do teste mutacional. A qualidade do ADN depende, substancialmente, da forma e
da duração da fixação (6 horas pelo menos em biópsias e 12 horas em peças
cirúrgicas adequadamente processadas após exérese) e da idade dos blocos de
parafina. A sequenciação direta de ADN é o método consensual de análise de
mutações do KITe PDGFRAem GISTs. A cromatografia líquida de alta resolução por
desnaturação (DHPLC), utilizada como técnica de triagem para a sequenciação
direta, e os sistemas de alto rendimento de sequenciação são dispendiosos e
pouco disponíveis. Na tabela_1 apresenta-se proposta de requisitos de um
relatório de análise mutacional de GIST. A realização de testes de controlo
internos e externos para minimizar resultados falso-positivos e falso-negativos
implica a certificação/acreditação dos laboratórios licenciados para a
realização destes testes. Recomenda-se a centralização da análise mutacional em
laboratórios certificados com programa de garantia de qualidade externa.
Apesar das controvérsias persistentes, é essencial estabelecer grupos
multidisciplinares de decisão terapêutica incluindo várias especialidades
médicas. As experiências disponíveis em centros de referenciação de sarcomas,
para além do envolvimento e consentimento informado dos doentes, devem ser
consideradas a prática médica padrão no atendimento personalizado dos doentes
com GIST.