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EuPTCVHe1646-69182013000100004

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Avaliação do risco cirúrgico nos doentes com cancro colo-rectal: POSSUM ou ACPGBI?

INTRODUÇÃO Diversos modelos de avaliação peri-operatória do risco cirúrgico têm sido desenvolvidos para calcular o risco de mortalidade dos doentes submetidos a cirurgia por cancro colo-rectal (CCR). Um modelo ideal permitiria identificar pré-operatoriamente os doentes com risco de mortalidade elevado, antecipar a necessidade de cuidados pós-operatórios especiais em Unidades de Cuidados Intensivos, ponderar a extensão da cirurgia em doentes de alto risco e identificar doentes com risco cirúrgico elevado que beneficiariam de melhorar a sua capacidade fisiológica previamente à cirurgia. Desta forma esse modelo forneceria uma base sólida e objectiva do risco cirúrgico a transmitir ao doente aquando do consentimento informado. Por outro lado, ao permitir comparar a taxa de mortalidade entre instituições ou doentes, esse modelo forneceria uma medição objectiva da condição pré-operatória do doente e do risco cirúrgico, o que permitiria comparar a qualidade do serviço de saúde e dos procedimentos cirúrgicos prestados entre instituições1. Apesar do desenvolvimento de vários modelos para calcular esse risco cirúrgico, actualmente ainda não existe nenhum que responda satisfatoriamente a todas estas necessidades.

Um dos primeiros modelos desenvolvidos especificamente para os doentes cirúrgicos foi o Physiological and Operative Severity Score for the enumeration of Mortality and Morbidity(POSSUM) em 1991 por Copeland e colaboradores2. Para determinar o risco de morbimortalidade, este modelo necessita de doze parâmetros fisiológicos e seis parâmetros operatórios (tabela_I). Os estudos que se seguiram mostraram que este modelo sobreavalia o risco de mortalidade em doentes de baixo risco e subestima o risco em idosos e em procedimentos urgentes3-4.

Com o intuito de resolver esse problema, Whiteley e colaloradores3 em 1996 desenvolveram o Portsmouth POSSUM(P-POSSUM). Este modelo manteve os parâmetros de avaliação presentes no modelo POSSUM mas alterou o método de análise utilizado para prever a mortalidade do doente (tabela_I). Os estudos que se seguiram mostraram que este modelo revelou melhor acuidade de previsão que o POSSUM, embora mantendo limitações quando o risco cirúrgico era muito alto ou muito baixo5-6.

Em relação aos doentes submetidos a cirurgia por CCR, os modelos POSSUM e P- POSSUM sobreavaliam o risco de mortalidade desses doentes7. Assim, Tekkis e colaboradores6 em 2004, desenvolveram um sistema de análise do risco cirúrgico específico para os doentes operados por CCR: ColoRectal POSSUM(CR-POSSUM). Este modelo foi desenvolvido com base no mesmo método de análise do P-POSSUM, mas reduziu o número de parâmetros necessários para seis parâmetros fisiológicos e quatro operatórios, tornando a sua aplicabilidade mais simples (tabela_I)6.

Os estudos que se seguiram mostraram que os modelos baseados no esquema POSSUM subestimam o risco de mortalidade nos grupos de baixo risco e sobrestimam-no nos grupos de alto risco. Contudo, o CR-POSSUM é um modelo de previsão da mortalidade em cirurgia colorectal mais preciso que o POSSUM e P-POSSUM1, 8-10.

Em 2006 Vather e colaboradores11 vieram contrariar a maior acuidade do modelo CR-POSSUM defendida por outros estudos. Segundo esse estudo, os modelos POSSUM e P-POSSUM parecem ser melhores indicadores do risco de mortalidade que o CR- POSSUM nos doentes operados a CCR, embora sem significado estatístico11.

Apesar da evolução observada, estes modelos continuam a apresentar várias limitações que dificultam a sua aplicação na prática clínica. O CR-POSSUM, mesmo sendo o mais simples dos três modelos POSSUM, necessita de muita informação para calcular o risco cirúrgico12. Estes modelos baseados no esquema POSSUM podem ser usados para prever a taxa de mortalidade em populações, mas são menos precisos em prever o risco de morte dos doentes individualmente1.

Outros estudos referem ainda que estes modelos parecem ser demasiado inespecíficos para a previsão da mortalidade em doentes com CCR, pois são usados inespecificamente para patologia benigna e maligna13.

Para ultrapassar esta limitação, em 2003 a Association of Coloproctology of Great Britain and Ireland(ACPGBI) desenvolveu um modelo específico para doentes com CCR, mais simples que os modelos baseados no esquema POSSUM. Este modelo baseia-se em cinco variáveis operatórias e mostrou ser uma boa ferramenta para avaliar o risco de mortalidade imediata após cirurgia por CCR (tabela_II)14.

Os estudos subsequentes, desenvolvidos no Reino Unido, mostraram que o modelo ACPGBI foi superior ao CR-POSSUM em prever a mortalidade após cirurgia electiva por CCR, contudo em procedimentos emergentes o modelo ACPGBI subestimou o risco de mortalidade, sendo os modelos CR-POSSUM e P-POSSUM superiores 13, 15. Uma das explicações encontradas para justificar o facto do modelo ACPGBI ser inferior aos modelos POSSUM deve-se ao facto de o primeiro incluir apenas a pontuação da American Association of Anaesthetists(ASA) como factor discriminativo em situações de emergência, enquanto os modelos POSSUM incluem vários factores15. Fora da realidade dos cuidados de saúde do Reino Unido, os estudos mostraram resultados diferentes16-18.

Apesar da crescente utilização da cirurgia laparoscópica para tratamento do CCR, ainda está pouco estudada em termos de modelos de risco cirúrgico, No entanto os estudos existentes mostram que os modelos baseados no esquema POSSUM sobrevalorizam o risco de mortalidade nos doentes abordados cirurgicamente por via laparoscópica19-20.

Actualmente a Association of Coloproctology of Great Britain and Irelandestá a modificar o seu modelo de risco cirúrgico e tem disponível on-lineessa adaptação21. O único estudo publicado que avaliou a acuidade da nova escala ACPGBI, foi desenvolvido no Reino Unido e mostrou que este modelo é um método simples e preciso de prever a mortalidade dos doentes operados por CCR tanto de forma electiva como urgente22.

Com este trabalho os autores pretendem avaliar as diversas escalas de previsão do risco cirúrgico e definir a que apresenta melhor acuidade no nosso centro cirúrgico. Apesar da nova escala da Association of Coloproctology of Great Britain and Irelandnão ter ainda sido validada, os autores usaram-na também neste trabalho e definiram-na como ACPGBI modificado.

MÉTODOS Foram analisados, retrospectivamente, os processos de 367 doentes submetidos a tratamento cirúrgico por CCR no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Braga entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2009.

A selecção dos doentes baseou-se na listagem de doentes operados no Serviço de Cirurgia Geral com diagnóstico histológico de CCR.

Definiram-se como critérios de exclusão: exérese do cancro sem ressecção de intestino (exemplo: por polipectomia endoscópica); regressão do cancro pós quimioterapia e radioterapia e ausência de dados no processo do doente que permitisse calcular o risco cirúrgico. Após a aplicação destes critérios foram excluídos 22 doentes, restando uma amostra de 345 doentes para a realização do estudo.

Os dados foram colhidos por um único autor, com base no processo clínico em papel e do sistema informático de apoio ao médico (SAM), e foi calculado o risco cirúrgico de mortalidade para cada doente usando as escaladas de avaliação POSSUM, P-POSSUM, CR-POSSUM, ACPGBI e ACPGBI modificado. A estratificação do nosso estudo baseou-se na mortalidade dos doentes até 30 dias após a cirurgia.

Para todas as escalas de risco foi comparada a mortalidade prevista com a observada e realizada a análise de curva Receiver Operating Characteristic(ROC) pelo programa IBM SPSS® Statistics 19.

RESULTADOS O estudo incluiu 345 doentes operados por CCR, 219 homens e 126 mulheres com uma média de idade de 68 anos. A maioria dos doentes apresentava cancro localizado no cólon (69,0%) e foram submetidos a cirurgia de forma electiva (86,4%) por abordagem laparotómica (95,1%) (tabela_III). A mortalidade pós operatória global observada aos 30 dias foi de 3,768% (13 doentes).

Os dados foram analisados globalmente e por subgrupos: cirurgia electiva vsurgente, cólon vsrecto, Dukes A-B vsC-D e ASA I-II vsIII-IV.

A tabela_IVapresenta os resultados de calibração dos vários modelos de avaliação do risco cirúrgico (relação entre a mortalidade observada e a esperada - ratioO:E). O modelo ACPGBI modificadofoi o que apresentou melhor precisão na análises de todos os doentes (O:E 1,06) e na maioria de subgrupos excepto nos doentes submetidos a cirurgia de recto e Dukes A-B nos quais o modelo CR-POSSUM foi mais preciso (O:E 1,08 e 0,90, respectivamente) e nos doentes ASA III-IV nos quais o modelo P-POSSUM foi mais preciso (O:E 1,10).

A capacidade de descriminação dos modelos foi calculada pelas curvas ROC (figuras_1_a_9) e pelo valor da área debaixo da curva (area under curve- AUC) (tabela_V). Apesar de todos os modelos apresentarem boa capacidade de prever a mortalidade para o doente individual, o modelo ACPGBI apresentou melhor poder de descriminação (AUC 0.867). Na análise de subgrupos o modelo ACPGBI continuou a apresentar a melhor capacidade de descriminação excepto nos subgrupos de doentes Dukes C-D e ASA III-IV nos quais os modelos POSSUM (AUC 0.813) e CR- POSSUM (AUC 0.650) foram superiores, respectivamente. Nenhum modelo apresentou diferenças estatisticamente significativas.

DISCUSSÃO As escalas de determinação do risco cirúrgico foram analisadas tendo em conta a sua calibração e discriminação.

A calibraçãoé a capacidade do modelo de prever a correcta probabilidade do outcomepara uma população, ou seja a correspondência entre a mortalidade observada e a esperada. No nosso estudo, o melhor modelo para prever a mortalidade para a amostra doentes em geral foi o modelo ACPGBI modificado, subestimando em apenas 6% a mortalidade observada (O:E 1.06).

A discriminaçãoé a capacidade do modelo atribuir melhor probabilidade do outcomepara um indivíduo confrontando a sensibilidade e a especificidade desse modelo, ou seja, é a capacidade de um modelo distinguir os doentes que irão viver dos que irão morrer. Para avaliar a discriminação de cada modelo utilizamos a curva ROC. O ideal seria que a curva se aproximasse do canto superior esquerdo, ou seja, que atingisse o máximo de sensibilidade sem perder a especificidade, dando uma área debaixo da curva (AUC) próxima de 1. Em termos gerais, uma AUC=0.5 indica que a discriminação não é maior que uma probabilidade ao acaso, 0.7≥AUC<0.8 discriminação razoável, 0.8≥AUC<0.9 discriminação excelente, AUC≥0.9 discriminação excepcional23. Apesar do modelo ACPGBI não ter sido o modelo com maior capacidade de calibração, foi o modelo que apresentou melhor capacidade de discriminação para os doentes em geral (AUC 0,867) e para a maioria dos subgrupos (tabela_V).

Os estudos publicados que compraram as escalas baseadas no modelo POSSUM com o modelo ACPGBI não tiveram resultados unânimes na selecção da melhor escala de risco cirúrgico13,15-18.

Enquanto que os estudos ingleses reconhecem que o modelo ACPGBI desenvolvido nesse país apresenta boa precisão em calcular o risco cirúrgico dos doentes submetidos a cirurgia por CCR de modo electivo e menor precisão nos doentes urgentes13, 15, os estudos de outros países mostram resultados diferentes16-18.

Um estudo italiano desenvolvido por Ugolini e colaboradores16 mostrou que o modelo ACPGBI sobrestima em mais de três vezes o risco de mortalidade nos doentes submetidos a cirurgia por CCR no seu centro (mortalidade observada 6,25% vsmortalidade estimada pelo modelo ACPGBI 19,42%)16.

Na Holanda, Teeuwen e colaboradores17 analisaram o risco de mortalidade dos doentes submetidos a cirurgia colo-rectal por patologia maligna e benigna e mostraram que na patologia maligna o modelo ACPGBI foi superior aos modelos POSSUM tanto nos doentes submetidos a cirurgia electiva como a cirurgia urgente17.

Na China, Yan e colaboradores18 desenvolveram um estudo que incluiu os três modelos POSSUM, o modelo APACHE II e o modelo original ACPGBI e concluíram que os modelos CR-POSSUM e ACPGBI eram os modelos mais precisos para prever a mortalidade nos doentes operados por CCR (AUC 0,89 e 0,87, respectivamente)18.

Os nossos resultados vieram confirmar o que os resultados de outros autores de centros cirúrgicos de diferentes países transmitem: as escalas de risco cirúrgico desenvolvidas dentro da realidade de um país podem não ser reprodutíveis noutro país.

CONCLUSÕES Nenhum modelo mostrou ser estatisticamente superior a outro, contudo existe um princípio lógico definido com Navalha de Occamque afirma que "se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenómeno, a mais simples é a melhor". Se aceitarmos este princípio como base do conhecimento científico, então o modelo ACPGBI deve ser o modelo eleito, não apenas por apresentar melhor capacidade discriminativa, mas também por ser o mais simples de aplicar.

No entanto, o nosso estudo apresenta algumas limitações que devem ser tidas em conta na análise dos resultados. A principal limitação é ser um trabalho retrospectivo que torna difícil garantir a correcta colheita de dados que estão dependentes da qualidade do registo (por exemplo a perda hemática e a existência de contaminação peritoneal). Outra limitação está relacionada com o tamanho da amostra e pela maioria das cirurgias (95%) terem sido realizadas por laparotomia.

Uma limitação inerente à aplicação destes modelos de classificação do risco cirúrgico é a baixa mortalidade que restringe as conclusões da análise estatística, especialmente nas divisões por subgrupos de doentes.

As escalas utilizadas foram desenvolvidas noutros países e nenhuma dessas escalas foi adaptada à realidade portuguesa. Os autores reconhecem a pertinência em desenvolver um estudo prospectivo, multicêntrico e que tenha em linha de conta a realidade dos hospitais portugueses, a fim de criar uma escala de risco cirúrgico adaptada à realidade do nosso país.


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