Indicadores de saúde mental como fatores preditores de fragilidade nos idosos
Introdução
A fragilidade tem vindo a merecer uma atenção crescente por parte dos clínicos
e investigadores, o que fez espoletar um aumento do termo na literatura atual.
Contudo verifica-se alguma confusão na utilização do mesmo, pois em inúmeras
situações este é mencionado sem na realidade fazer referência ao que se
pretende enunciar, facto do qual emana a necessidade de se clarificar este
conceito no seio dos múltiplos modelos teóricos que o procuram fundamentar. Da
análise temporal dos modelos teóricos existentes, constata-se o reconhecimento
de uma progressiva complexificação do conceito desde a sua origem até às
abordagens mais contemporâneas. Este conceito nasce nos modelos de cariz mais
biológico e evolui até aos modelos multidimensionais que explicam o conceito de
fragilidade nas pessoas idosas.
Um dos contributos de destaque prende-se com o estudo longitudinal de Fried e
colaboradores (2001) que fundamenta o Fenótipo de Fragilidade através da
presença de três ou mais dos seguintes indicadores: 1)perda de peso:não
intencional no último ano, ≥ 5% do peso corporal no ano anterior (por medição
direta do peso); 2) fraqueza: diminuição da força (medida com o dinamómetro);
3) exaustão: auto relato de fadiga, identificado por duas questões da Escala de
Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos (CES-D); 4) lentidão: medida
pela velocidade da marcha, indicada em segundos (distância de 4,6m) e 5) nível
de atividade: resultado calculado de quilocalorias (kcal) gastas por semana e
medido em função do auto relato das atividades e exercício físico realizados.
Desta forma, os autores definiram três níveis de fragilidade: quando o sujeito
apresenta três (ou mais) destes critérios é considerado frágil, quando
apresenta um ou dois destes indicadores considera-se no estádio pré - frágil
e os que não apresentam nenhum comprometimento a este nível são considerados
robustos (não frágeis) (Fried et al., 2001). Sabe-se que esta condição
potencia o risco de incapacidade, institucionalização, hospitalização e morte
(Strandberg, Pitkãlã & Tilvis, 2011). Da revisão da literatura efetuada é
identificada uma panóplia de fatores predisponentes desta condição, onde estão
também presentes indicadores de saúde mental, mais precisamente ao nível da
cognição e do humor.
No que se refere ao domínio cognitivo, vários são os estudos que fundamentam a
associação entre a fragilidade física, com o desempenho intelectual (Ávila '
Funes et al., 2009; Fried et al., 2001; Samper- Ternent, Snih, Raji, Markides
& Ottenbacher, 2008). O projeto Rush Memory and Aging Project constatou que
o risco de se desenvolver doença de Alzheimer foi de 2,5 vezes superior quando
a fragilidade física estava presente (Buchman, Boyle, Wilson, Tang &
Bennett, 2007). Outro dos estudos, é o Three- City Study que demonstrou que o
declínio cognitivo é considerado um indicador preditivo da fragilidade
fenotípica. Outros estudos corroboram estes resultados, na medida em que
sugerem que o estado cognitivo dos indivíduos é considerado um marcador de
risco da fragilidade fenotípica (Raji, Snih, Ostir, Markides & Ottenbacher,
2010). No Italian Longitudinal Study on Aging - ILSA constatou-se que o baixo
desempenho cognitivo e a presença de sintomas depressivos estão associados com
a fragilidade física (Solfrizzi et al., 2011). No Brasil, umas das linhas do
projeto Fragilidade em Idosos Brasileiros ' FIBRA constatou que as pessoas
frágeis tinham um desempenho cognitivo pior, do que os pré-frágeis e os não
frágeis (Yassuda et al., 2012). Os resultados do Jerusalem Longitudinal Cohort
Studydemonstraram que a condição de fragilidade está significativamente
associada ao comprometimento cognitivo, com umodds ratio (OR)de 3,77 (Jacobs,
Cohen, Ein - Mor, Maaravi & Stessman, 2011).Todavia, estes estudos não são
totalmente conclusivos, pois parece existir um conjunto de mecanismos que
influenciam mutuamente a condição de pessoa idosa frágil e a sua associação com
a cognição. Deste modo, ressalva-se a necessidade de mais estudos, neste
domínio, no sentido de se explicar esta relação, bem como perceber a progressão
da condição de fragilidade (Shatenstein, 2011).
No que diz respeito ao estudo do humor relacionado com a condição de pessoa
idosa frágil a maioria dos resultados relata uma associação positiva entre a
sintomatologia depressiva e a condição de fragilidade (Mezuk, Edwards, Lohman,
Choi & Lapane, 2011). Contudo a investigação empírica espelha uma relação
bidirecional entre estas duas condições. Gayman, Turner e Cui (2008) apuraram
que a condição de fragilidade estava significativamente associada à
sintomatologia depressiva. Chang e colaboradores (2009) atestaram que a
fragilidade foi fortemente associada à presença de sintomas depressivos, no
início da manifestação da fragilidade.
Em suma, parece que a condição de pessoa frágil assume uma interligação com a
saúde mental, nomeadamente défice cognitivo e sintomatologia depressiva o que
sustenta a pertinência do presente trabalho empírico que visa identificar
dimensões relacionadas com a saúde mental que possam ser preditoras da condição
de fragilidade fenotípica.
Metodologia
A metodologia de investigação alicerçou-se num conjunto de passos
investigacionais ao nível da composição da amostra, definição do instrumento
utilizado e nomeação dos procedimentos para que a trabalho empírico fosse
operacionalizado. Trata-se de um estudo transversal correlacional.
Amostra
Este estudo conta com uma amostra representativa, estratificada por classes
etárias, de pessoas idosas a residirem na comunidade, no concelho de Guimarães,
oriundas de 10 freguesias de duas comissões sociais. A definição das
percentagens para cada um dos estratos realizou-se a partir dos dados do Censos
2001 (INE, 2002) relativos ao referido concelho. A amostra foi estratificada em
três faixas etárias: entre 50- 59 anos (39,5%) 134 sujeitos; entre 60 ' 69 anos
(31,6%) 107 sujeitos; entre 70 ' 79 anos (19,8%) 67 sujeitos e com mais de 80
anos (9,1%) 31 sujeitos, que perfaz um total de 339 inquiridos.
Instrumentos
Desenvolveu-se um protocolo alargado, que integrou os critérios ajustados ao
modelo de fragilidade fenotípica: 1) perda de peso, 2) resistência, 3)
fraqueza, 4) nível de atividade física e 5) lentidão (Fried et al., 2001);
indicadores biocomportamentais e geriátricos, funcionalidade (Atividades de
Vida Diária e Atividades Instrumentais de Vida Diária) e por fim indicadores de
saúde mental (cognição e humor). A capacidade mental foi avaliada através Mini
Exame do Estado Mental (Folstein, Folstein & McHugh, 1975) e a presença de
sintomatologia depressiva com a Escala de Depressão Geriátrica (versão 15)
(Sheikh & Yesavage, 1986).
Procedimentos
Os procedimentos incluem um conjunto de tarefas de forma a agilizar a
investigação empírica. Desta forma, foi constituída uma equipa, composta por
dez profissionais de saúde, devidamente instruídos e treinados para a recolha
de dados no domicílio. Cada protocolo foi administrado num único momento de
avaliação e demorou cerca de 45 minutos a ser aplicado. Foram salvaguardados os
princípios éticos e os direitos fundamentais do anonimato, do sigilo e da
confidencialidade. Recorreu-se ao consentimento informado escrito. Para os
procedimentos estatísticos recorreram-se a determinadas estratégias de análise,
que passaram pela criação de um modelo ajustado ao modelo de Fried e
colaboradores (2001) e definição da variável dependente (frágil vs não frágil)
para a aplicação do Modelo de Regressão Logística, no sentido de se averiguar o
poder preditivo das variáveis de saúde mental na condição de fragilidade. O
suporte estatístico utilizado foi o SPSS - Statistical Package for Social
Sciences, versão 20.0.
Resultados
Os resultados são apresentados em três patamares distintos, mais precisamente
ao nível descritivo, com a caraterização sociodemográfica da amostra,
prevalência do fenótipo de fragilidade e por fim ao nível inferencial, com
aplicação do modelo de regressão logística. A amostra é composta por 158 Homens
(46,6%) e 181 Mulheres (53,4%). A média (m) de idades é de 64,4 anos, com um
desvio padrão (dp) de 9,25 anos. Ao nível do estado civil, 4,7% dos
participantes são solteiros, 82% são casados e os restantes (13,3%) são viúvos,
separados ou divorciados. Em termos do nível de literacia destaca-se que 11,2%
da amostra são iletrados e os restantes 88,8% frequentaram a escola (Tabela_1).
Quanto ao estudo da prevalência da fragilidade fenotípica, verifica-se que
14,2% das pessoas idosas não pontuaram em nenhum dos cinco critérios de
fragilidade; 172 (50,9%) pontuaram em um a dois critérios de fragilidade e 118
(34,9%) assumiu três a cinco critérios definidos pelo fenótipo de fragilidade
(Tabela_2). É de salientar que um dos sujeitos foi eliminado do estudo porque
não preencheu parte destes critérios, o que fez com que fosse excluído da
amostra final.
No que se refere ao estudo inferencial verifica-se que os indicadores de saúde
mental estão relacionados com a condição de fragilidade de forma
estatisticamente significativa (p <0,05) no modelo não ajustado, considerando
um intervalo de confiança (IC) a 95%. O mesmo se verifica quando se testa o
modelo ajustado a estas mesmas variáveis e às variáveis sociodemográficas sexo
e idade. Desta forma, um idoso que apresente défice cognitivo assume 2,9 vezes
maior probabilidade de ser frágil (OR=2,9, IC 95%: 1,6 - 5,3) relativamente a
um idoso que não apresente défice cognitivo. No mesmo sentido, relaciona-se a
presença de sintomatologia depressiva, verificando-se que uma pessoa idosa que
apresente humor deprimido tem 4,2 vezes maior probabilidade de assumir
características de uma pessoa frágil, quando comparada com uma pessoa idosa que
não apresente humor deprimido (OR=4,2, IC 95%: 1,9 - 9,2). No geral, estes
resultados demonstram o comprometimento ao nível cognitivo, e a presença de
sintomatologia depressiva como fatores preditores de fragilidade, controlando
para as variáveis sociodemográficas (Tabela_3).
Discussão
Quanto à prevalência do fenótipo de fragilidade, é evidente o impacto desta
síndrome na população em que 34,9% foram considerados frágeis. À semelhança com
outros estudos, que testaram o fenótipo de fragilidade, este resultado
encontram-se dentro do intervalo detetado, que varia ente 4,0- 59,1% (Collard,
Boter & Schoevers, 2012). Contudo, ressalva-se que a prevalência da
fragilidade varia amplamente, em função da definição do conceito (que tem
implicações no instrumento de avaliação utilizado), bem como na da população
estudada. Esta prevalência poderá advir do facto desta população ser uma
comunidade já assinalada, pelos agentes locais, por apresentar alguns
indicadores de maior vulnerabilidade e alguma carência social. No entanto, é de
salientar que metade da amostra (50,9%) encontra-se na condição de pré-
fragilidade. Aqui os resultados encontram-se equiparados a outros estudos de
referência (Graham et al., 2009; Santos - Eggimann, Cuénoud, Spagnoli &
Julien, 2009). Este é um dado importante, pois a literatura, baseando-se em
estudos longitudinais, sustenta a ideia de que as pessoas que se encontram
neste estádio apresentam grande probabilidade, com o avançar dos anos, de
transitarem para a condição de frágil (Gill, Evelyne, Gahbauer, Heather &
Han, 2006). Com uma percentagem mais reduzida, 14,2% da amostra foi considerada
não'frágil (robusta).
Do modelo de regressão logística para a fragilidade ajustado à saúde mental,
controlando as variáveis sociodemográficas (sexo e idade) denota-se que ambos
os indicadores de índole psicológica, foram identificados como preditores da
condição de pessoa idosa frágil. No que diz respeito, ao valor preditivo do
padrão cognitivo para a condição de fragilidade denota-se, neste estudo, que as
pessoas que apresentam comprometimento ao nível cognitivo assumem 2,9 vezes de
probabilidade de risco de serem frágeis (OR=2,9, IC 95%:1,6- 5,3s. A literatura
sustenta esta mesma premissa, com um conjunto de estudos nesta área (Ávila '
Funes et al., 2009)
Por outro lado, destaca-se o peso do valor preditivo do humor para a condição
de pessoa idosa frágil, em que a probabilidade de uma pessoa que apresente uma
sintomatologia depressiva ser frágil é 4,2 vezes superior (OR=4,2, IC 95%: 1,9
- 9,2). Este indicador assume valor preditivo mais alto, o que reflete a
importância das condições emocionais e afetivas do sujeito, enquanto
potenciadoras de fragilidade. Na realidade a literatura assume uma relação
bidirecional entre a depressão e a fragilidade (Mezuk et. al., 2011), sendo
vários os estudos transversais e de coorte que explanam esta relação nos dois
sentidos. Por sua vez, as investigações acerca da condição de fragilidade e o
défice cognitivo são escassas, todavia parece evidente que existe uma relação
entre estas condições (Buchman et al., 2007). Contudo, no seio da comunidade
científica ainda não há consenso no que concerne à definição clara e evidente
da relação entre estas duas condições do foro mental e a fragilidade nos
idosos.
Conclusões
Conclui-se que a fragilidade fenotípica apresenta uma prevalência significativa
na população estudada, o que reforça a atenção e a necessidade de se estudar
esta síndrome nos idosos a viver na comunidade sem qualquer tipo de assistência
médica. É evidente que o comprometimento ao nível da saúde mental das pessoas
idosas é um fator predisponente para a condição de fragilidade.
Assim sendo, torna-se pertinente para a prática clínica, o desenvolvimento de
estratégias de intervenção focadas no desempenho cognitivo e no humor de forma
a retardar e a minorar a condição de fragilidade associada ao processo de
envelhecimento.