Maternidade Adolescente: Escolha, Aceitação ou Resignação?
A maternidade adolescente continua a ser um problema premente em diversos
países desenvolvidos (Oliveira, Moura, Pinheiro, & Eduardo, 2008; Silva et
al., 2011). Portugal, em particular, situa-se entre os países da União Europeia
com taxas mais altas de nascimentos em mães adolescentes (Silva et al., 2011).
Acresce que, ao longo das últimas décadas, mudanças sociais ao nível do
desenvolvimento preconizado para a população adolescente, dos papéis de género
e do lugar da mulher na sociedade têm contribuído para uma visão da gravidez na
adolescência como cada vez mais inoportuna e indesejável, colocando crescentes
desafios no âmbito da sua prevenção (Canavarro & Pereira, 2001; Neiverth
& Alves, 2003; Peres & Heilborn, 2006; Pires, 2009). Por outro lado, a
crescente acessibilidade legal e prática à interrupção voluntária da gravidez
por opção da mulher (IVG) em Portugal tem proporcionado cada vez mais às
adolescentes que engravidam a possibilidade legal e segura de interromper a
gravidez; no entanto, cerca de 65% prosseguem a gravidez, tornando-se mães
(Direção-Geral da Saúde [DGS], 2011; Instituto Nacional de Estatística [INE],
2011). Sendo Portugal um país cujas especificidades regionais têm impacto ao
nível da reprodução (Carvalho, 2012; Dias, 1985) - nomeadamente no que respeita
à evolução das taxas de gravidez adolescente e da decisão reprodutiva
subsequente (DGS, 2008, 2009, 2010, 2011; INE, 2011) -, o presente estudo
pretendeu caracterizar o contexto relacional e reprodutivo em que a gravidez
adolescente ocorre, bem como o processo de tomada de decisão reprodutiva
subjacente ao seu prosseguimento, averiguando a existência de especificidades
regionais.
A literatura tem privilegiado a conceptualização da gravidez na adolescência
enquanto cadeia de acontecimentos e decisões, que parte da iniciação sexual,
passando pela existência ou não de desejo de gravidez (e seu planeamento), pela
decisão contracetiva e pelo comportamento contracetivo implementado (Canavarro
& Pereira, 2001; Hawes, Wellings, & Stephenson, 2010; Pires, Araújo
Pedrosa, Carvalho, Pereira, & Canavarro, 2012). No entanto, estaremos a
captar uma realidade incompleta sobre a maternidade adolescente se não
considerarmos também a decisão reprodutiva da jovem sobre o prosseguimento/
interrupção da gravidez (Canavarro & Pereira, 2001; Peres & Heilborn,
2006; Pires, Araújo-Pedrosa, Pereira, & Canavarro, no prelo; Sereno, Leal,
& Maroco, 2009).
Apesar de serem escassos os estudos que abordam a problemática da tomada de
decisão reprodutiva em Portugal, de acordo com a literatura internacional, a
complexidade deste processo pode ser ampliada por características próprias da
adolescência. Referimo-nos, nomeadamente, à limitada janela temporal disponível
para a decisão - em função da deteção habitualmente mais tardia da gravidez
entre adolescentes e da sua maior necessidade de tempo para tomadas de decisão
complexas, quando comparados com adultos (Bailey et al., 2001; Leal, 2006;
Needle & Walker, 2008) -, aos motivos subjacentes à decisão e ao papel
assumido por outros significativos (Evans, 2001; Guedes, 2008; Pires et al., no
prelo). No entanto, a literatura que o comprova foca-se essencialmente nas
jovens que se decidem pela interrupção, não sendo do nosso conhecimento estudos
que adotem a perspetiva das jovens que prosseguem a gravidez.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi constituída por um grupo nacional e regionalmente representativo
(NUTS II, 2002) de grávidas adolescentes (N= 475), com idades entre os 12 e os
19 anos (M = 16,44, DP = 1,27). As jovens eram na sua maioria de origem
europeia (398, 83,79% vs. 45, 9,47%, cigana, 18, 3,79%, africana, 12, 2,53%,
latina e 2, 0,42%, asiática), pertenciam a níveis socioeconómicos baixos (437,
92,39%; Simões, 1994) e residiam maioritariamente em zonas urbanas (346,
72,84%; INE, 2009). Apenas 192 (40,42%) se encontravam a estudar, sendo a
escolaridade média de 8 anos (M = 7,91, DP = 2,20). A idade gestacional variou
entre as 3 e as 40 semanas (M = 24,10, DP = 9,49).
Material
A recolha de informação foi feita através de uma ficha de caracterização
construída a partir da entrevista semiestruturada utilizada na triagem das
utentes da Consulta de Grávidas Adolescentes da Maternidade Daniel de Matos
(Araújo Pedrosa, Canavarro, & Pereira, 2003). Esta ficha foi sujeita a um
estudo piloto, e devidamente adaptada de forma a assegurar a sua clareza,
compreensibilidade e adequação às condições de recolha de amostra.
Procedimento
A recolha da amostra ocorreu entre 2008 e 2013 em 42 serviços de saúde,
mediante aprovação das suas Comissões de Ética. As adolescentes foram
convidadas a participar durante o seu acompanhamento obstétrico e encaminhadas
para uma entrevista semiestruturada com um assistente de investigação
devidamente treinado. A participação foi aceite mediante assinatura de um
consentimento informado. Quando as participantes eram menores de 18 anos, o
consentimento foi igualmente assinado pelos seus representantes legais.
Cumpriam critérios de inclusão para o referido estudo adolescentes grávidas, em
qualquer momento da gestação, com menos de 20 anos (World Health Organization,
1975), e com compreensão adequada da língua portuguesa.
Para caracterizar as adolescentes da nossa amostra recorremos a estatísticas
descritivas (frequências relativas, médias, desvios-padrão). As diferenças
regionais foram analisadas recorrendo a testes de Qui-Quadrado, de Kruskal-
Wallis e a subsequentes testes U de Mann-Whitney com respetiva correcção de
Bonferroni. Todas as análises foram realizadas no software SPSS, v. 17.
RESULTADOS
À data da conceção, as adolescentes relataram na sua maioria estar envolvidas
numa relação de namoro (n = 459, 98,27%) com duração média de 20 meses (M =
19,73, DP = 12,67, amplitude: 1-84) e, em média, com homens adultos (M = 20,63,
DP = 3,81, amplitude: 14-40). Para 59 (12,45%) adolescentes esta não foi a
primeira gravidez; 26 (5,47%) tinham já realizado pelo menos uma IVG. A maioria
não planeou a gravidez (n = 373, 78,53%); destas, 263 (70,70%) reportaram o uso
de contraceção à data da conceção e 173 (67,87%) identificaram a falha
contracetiva ocorrida.
Conforme apresentado no Quadro_1, foram detetadas diferenças entre regiões ao
nível da duração da relação de namoro, da idade dos namorados e da história
prévia de gravidez e IVG. A ausência de contraceção revelou-se mais frequente
no Centro, Açores e Madeira do que nas restantes regiões do país, onde a
gravidez ocorreu maioritariamente no contexto de utilização da contraceção. Foi
em Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e no Alentejo que as jovens menos identificaram
a falha contracetiva (Quadro_1).
Quando explorado o processo de tomada de decisão reprodutiva subjacente ao
prosseguimento da gravidez, verificámos um total de sete trajetórias (Figura
1). A maioria das adolescentes encontravam-se a prosseguir uma gravidez não
planeada, vigiada após as 10 semanas de gestação e, portanto, sem enquadramento
legal para a IVG à data do primeiro contacto com o respectivo serviço de saúde
(trajetória_4). A segunda trajetória mais frequente incluiu adolescentes que
não planearam a gravidez, tinham enquadramento legal para a IVG, mas não
ponderaram essa possibilidade (trajetória_5). A terceira trajetória mais
frequente incluiu adolescentes que planearam a gravidez com os seus
companheiros (trajetória_2) e apenas uma minoria das adolescentes não planeou a
gravidez, tinha enquadramentolegal para a IVG, ponderou essa possibilidade, mas
prosseguiu a gravidez por decisão própria (trajetória_6) ou por imposição/
influência de outros (trajetória_7). As trajetórias número 3 e 4, com
frequências apenas residuais, encontram-se igualmente representadas na Figura
1, assim como os motivos para o planeamento da gravidez, para o seu
prosseguimento e as fontes de pressão para o prosseguimento.
A distribuição das trajetórias foi distinta em função da região de pertença (X2
(36) = 107,15, p < 0,001) e encontra-se descrita no Quadro_2. Verificou-se que
no Norte e nos Açores a trajetória_5 foi a mais frequente, contrariamente às
restantes regiões do país, onde a trajetória_4 sobressaiu. As regiões do
Alentejo, Açores e Madeira destacaram-se por ter a trajetória_2 como a segunda
mais frequente; nas restantes regiões do país esta trajetória foi a terceira
mais frequente. Verificou-se ainda que a região do Alentejo foi a única onde a
trajetória_3 foi a terceira mais frequente e que a trajetória_6 apenas ocorreu
no Norte e em LVT.
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo demonstraram que a gravidez ocorreu
maioritariamente no contexto de uma relação de namoro, com duração média de 20
meses e com homens adultos. A maioria das adolescentes reportou o uso de
contraceção à data da conceção e identificou a falha contracetiva. No entanto,
foram detetadas diferenças regionais ao nível de algumas destas variáveis.
Verificou-se, ainda, uma relevante heterogeneidade individual e regional no
processo de tomada de decisão subjacente ao prosseguimento da gravidez. A
multiplicidade de trajetórias que sobressaem dos nossos resultados traduz-se,
assim, na necessidade de abandonar visões globais e/ou estereotipadas das
adolescentes que se tornam mães e, em alternativa, integrar a heterogeneidade
das circunstâncias, decisões e motivações que podem conduzir à maternidade
adolescente na prevenção da gravidez e no suporte à decisão reprodutiva. Para
tal, é necessário investir em abordagens simultaneamente abrangentes e
diversificadas, que estejam de acordo com as necessidades particulares das
jovens de cada região.
Os nossos resultados reforçam particularmente a sugestão de Davies et al.
(2006), Neto, Dias, Rocha e Cunha (2007) e Pires et al. (2012) sobre a
importância de integrar o desejo de engravidar na compreensão dos
comportamentos contracetivos das adolescentes. De facto, a terceira trajetória
mais frequente incluiu jovens que planearam a gravidez. Esta foi, aliás, a
segunda trajetória mais frequente no Alentejo, Açores e Madeira. Os motivos
apontados para esse planeamento foram o fortalecimento da relação e o desejo de
constituir família/viver com o companheiro. A segunda trajetória mais frequente
a nível nacional incluiu adolescentes que tinham enquadramento legal para a
IVG, mas não ponderaram essa possibilidade. Seria importante averiguar
futuramente se estas situações ocorrem, por um lado, num contexto totalmente
informado e esclarecido sobre o procedimento de IVG e/ou, por outro, associadas
a perceções positivas da maternidade com base em sentimentos de felicidade e/ou
realização pessoal (Canavarro, 2009; Neto et al., 2007; Oliveira et al., 2008).
Por fim, a maioria das adolescentes não teve enquadramento para a IVG por
início da vigilância após as 10 semanas de gestação, o que chama a atenção para
a necessidade de as sensibilizar para o despiste precoce de uma eventual
gravidez, aumentando as suas oportunidades de decisão e de envolvimento
atempado em processos de tomada de decisão de qualidade.
Algumas limitações devem ser tidas em conta na generalização dos nossos
resultados, tais como o caráter retrospetivo das respostas e o facto de a única
fonte de informação ser o autorrelato, o que faz com que os resultados possam
ter sido contaminados com enviesamentos e/ou respostas socialmente desejáveis.
A avaliação simultânea dos companheiros poderá ser uma estratégia alternativa
em investigações futuras, uma vez que permitiria detetar incongruências entre
fontes.
Apesar destas limitações, os nossos resultados constituem conhecimento
detalhado sobre a maternidade adolescente em Portugal, podendo contribuir para
a especialização da educação sexual/planeamento familiar no âmbito da sua
prevenção, bem como do apoio proporcionado às decisões reprodutivas na
adolescência. O conhecimento gerado permite fundamentar um investimento
diferencial na prevenção dos comportamentos de risco para a ocorrência da
gravidez de acordo com a natureza específica dos mesmos e um acompanhamento das
decisões reprodutivas devidamente ajustado à heterogeneidade individual desta
população; chama ainda a atenção para a importância de atender à diversidade
regional ao nível do planeamento da difusão de informação sobre contraceção/
deteção precoce da gravidez/procedimentos de IVG, do desenvolvimento de
projetos de vida alternativos à maternidade, da avaliação da forma como é usada
a contraceção e da promoção da sua utilização e de estratégias alternativas de
lidar face a falhas.