Preparo de óxido de nióbio suportado em alumina por deposição química em fase
vapor: caracterização por espectroscopia vibracional e termogravimetria
1. INTRODUÇÃO
Os processos de hidrorrefino (HDR) figuram entre os mais importantes da
indústria de refino do petróleo. Eles podem ser definidos como um conjunto de
processos nos quais frações de petróleo são tratadas com hidrogênio, na
presença de um catalisador adequado. Quando o objetivo do processo é a melhoria
de qualidade de produtos, através da remoção de componentes indesejáveis
(compostos sulfurados, nitrogenados, oxigenados, metálicos, hidrocarbonetos
aromáticos e olefinas), ele é denominado de hidrotratamento (HDT). Quando o
objetivo é a conversão de frações hidrocarbônicas pesadas, como gasóleos e
resíduos do petróleo, em frações de menor peso molecular e maior valor
agregado, como o óleo diesel e a nafta, o processo é denominado de
hidroconversão ou hidrocraqueamento (HCC).
Nos processos de HDR são universalmente empregados catalisadores à base de
sulfetos de molibdênio ou tungstênio, promovidos por cobalto ou níquel,
suportados sobre g-alumina. No caso dos processos de HCC, os catalisadores
costumam conter, ainda, zeólitas em sua composição, visando conferir-lhes
acidez adequada.
O crescente rigor de novas legislações ambientais, a pressão da sociedade por
combustíveis de melhor desempenho e a necessidade de utilização de crus cada
vez mais pesados, bem como, no caso brasileiro, a utilização do petróleo
originário do campo gigante de Marlim, na bacia de Campos, com alto teor de
nitrogenados, têm gerado uma grande demanda para o desenvolvimento de novos
catalisadores de HDR, superiores aos empregados até o momento.
O desenvolvimento de novos catalisadores de HDR pode enfocar a investigação de
novas fases ativas1,2, novos promotores3,4 ou novos suportes5. O presente
trabalho insere-se no terceiro destes enfoques.
A g-alumina, como suporte para catalisadores de HDR, apresenta as vantagens de
baixo custo, facilidade de controle de suas propriedade texturais e boa
resistência mecânica, térmica e hidrotérmica, o que é importante no que
concerne à regenerabilidade do catalisador. Trabalhos recentes na literatura
especializada têm demostrado, no entanto, que outros suportes, como os óxidos
de titânio e zircônio, ou óxidos mistos contendo estes elementos, podem
conduzir a catalisadores com melhor atividade intrínseca, em relação aos
suportados em g-alumina. Atribui-se esta melhoria a efeitos tais como aumento
na dispersão das fases ativas, interação mais adequada entre a fase ativa e o
suporte, efeitos de acidez e efeitos geométricos resultantes em maior exposição
dos sítios ativos, todos eles com implicações sobre a atividade catalítica5.
Nosso principal interesse reside na investigação de materiais contendo nióbio
como suportes para catalisadores de HDR. Estes materiais têm sido pouco
explorados com esta finalidade, devendo-se salientar que as aplicações do
nióbio são de especial interesse para nosso país, que detém mais de 90% de suas
reservas mundiais e 75% de sua produção mundial6.
Há algum tempo, demonstramos que a adição de nióbio como promotor em
catalisadores de Ni-Mo/g-Al2O3, implicou em melhoria de suas atividades de
hidrodessulfurização do tiofeno, hidrodesnitrogenação da piridina e
hidroconversão do cumeno7. Estes efeitos foram atribuídos à inibição da
formação de aluminato de níquel superficial e aumento da acidez do suporte,
devido à adição de nióbio. Estudamos, também, os óxidos de zircônio e titânio
aditivados com sulfato, e o óxido de nióbio aditivado com fosfato, como
suportes para catalisadores à base de Ni-W, na reação de hidrocraqueamento do
cumeno8. De todos os catalisadores, aquele suportado em óxido de nióbio
destacou-se por sua atividade e estabilidade nesta reação. Recentemente, temos
demonstrado que a elevada atividade de catalisadores sulfetados, suportados
sobre óxido de nióbio, aditivado ou não com fosfato, deve-se à formação de
sulfetos superficiais de nióbio, de elevada acidez9.
O presente trabalho relaciona-se ao preparo de suportes contendo nióbia
depositada sob forma de camada fina sobre a superfície de g-alumina. Procura-
se, desta forma, aliar as propriedades potencialmente favoráveis da nióbia como
suporte para catalisadores de HDR, ao baixo custo e facilidade de controle de
textura da g-alumina.
Os métodos principais de deposição de nióbia sobre a superfície de um suporte
(sílica, alumina, etc.) descritos na literatura são: (i) impregnação, em meio
aquoso, de oxaloniobato de amônio ou ácido oxalonióbico (oxalato de nióbio)10,
(ii) impregnação, em meio orgânico, de etóxido de nióbio11 e (iii) ancoragem de
etóxido de nióbio12, este último, proporcionando uma melhor dispersão da nióbia
sobre a superfície do suporte. O pentacloreto de nióbio, por sua vez é um
precursor economicamente vantajoso em relação ao etóxido e não existem, na
literatura aberta, referências a respeito de sua utilização para ancoragem.
Neste trabalho, relatamos o desenvolvimento de um método para obtenção de
nióbia depositada sobre g-alumina, através da ancoragem de NbCl5, bem como a
caracterização dos materiais através de termogravimetria e espectroscopia no
infravermelho na região de absorção de hidroxilas. Além disso, foram efetuadas
análises complementares empregando-se as técnicas de adsorção de nitrogênio,
fluorescência de raios-X (FRX) e espectroscopia de fotoelétrons de raios-X
(XPS).
2. PARTE EXPERIMENTAL
2.1 Aluminas
As aluminas utilizadas como suporte foram obtidas por extrusão, secagem e
calcinação do hidróxido de alumínio Pural SB da Condea Chemie (uma
pseudoboehmita obtida por hidrólise de alcóxidos). O hidróxido foi calcinado a
550oC, 650oC ou 750oC, por 3 h dando origem às g-aluminas que foram
denominadas, respectivamente de AL550, AL650 e AL750.
Cada uma das aluminas assim obtidas foi moída, peneirada na granulometria de 48
a 100 mesh e colocada em um recipiente contendo ar saturado com vapor d'água, à
temperatura ambiente, por cerca de 32 h, de forma a uniformizar seu grau de
hidratação superficial. Antes de ser submetida à reação com o pentacloreto de
nióbio, cada alumina foi pré-tratada a vácuo nas temperaturas de 250oC, 350oC
ou 450oC, com o objetivo de variar o grau de hidroxilação superficial.
2.2 Deposição química em fase vapor (CVD) do NbCl5
Cerca de 10g da alumina (AL550, AL650 ou AL750) eram colocados no reator de
ancoragem, esquematizado na figura_1, e pré-tratados sob vácuo (10-4 - 10-
5 torr), na temperatura desejada, por 3 h. Após o pré-tratamento, cerca de 3,5g
de NbCl5 (fornecido pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração - CBMM
e produzido por cloração de nióbio metálico de alta pureza - 99,9% Nb + Ta
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), quantidade esta em grande excesso em relação à necessária para deposição de
uma monocamada, eram adicionados, em câmara de atmosfera inerte, ao
compartimento inferior do reator.
O sistema era evacuado a cerca de 10-4 torr, aquecido a 150oC a uma taxa de ca.
2oC/min e mantido nesta temperatura por 15 h. Com isso, o NbCl5 sublimava e
reagia com a alumina no compartimento central do reator. O NbCl5 sublimado e
não reagido condensava-se no compartimento superior, que era separado do
compartimento central por uma placa de vidro sinterizado, evitando-se, assim, a
contaminação do produto pelo reagente não convertido. O HCl formado na reação
era recolhido numa trapa de nitrogênio líquido localizada entre o reator e o
sistema de bombas.
Após resfriado o reator de ancoragem, o produto era transferido rapidamente,
sob atmosfera inerte, para um reator de hidrólise/calcinação. A hidrólise era
conduzida a 150oC sob fluxo de 150 cm3/min de ar sintético (O2 + N2 = 99.999%
da Air Liquid), saturado com água a 60oC (pressão de vapor da água = 150 torr),
por 5 h, após as quais não se verificava mais a saída de vapores ácidos, com
papel indicador universal.
O material era, por fim, submetido a um fluxo de oxigênio (@100 cm3/min) e
aquecido lentamente (@ 3oC/min) até 450oC. A calcinação era efetuada a 450oC,
nestas condições, por 5h.
Os materiais assim obtidos foram designados CNA + dois algarismos que indicam,
respectivamente, as temperaturas de calcinação e pré-tratamento da alumina.
Assim, um material preparado a partir de uma alumina calcinada a 750oC,
reidratada e pré-tratada a 250oC, recebeu a designação CNA72.
Realizou-se uma segunda etapa de ancoragem na amostra CNA52, após reidratação,
em dessecador com água por 32 h e pré-tratamento a 250oC, com o objetivo de
obter um suporte com maior teor de nióbia. Este material passou pelo mesmo
procedimento de hidrólise e calcinação que os demais e foi denominado CNA522.
2.3 Tratamento hidrotérmico para remoção de cloreto
Tendo sido constatada a presença de cloreto residual nas amostras da série CNA
(vide ítem 3.1), foi efetuado um tratamento hidrotérmico visando sua remoção, o
qual é descrito a seguir.
As amostras CNA calcinadas foram tratadas a uma temperatura 350oC por 9h e a
400oC por mais 9h com ar sintético saturado com água a 70-80oC. Finalmente,
foram tratadas a 440oC (por mais 8-10 h) com oxigênio, também saturado com água
a 70-80oC. O controle do andamento e do fim do tratamento era feito recolhendo-
se os vapores efluentes do reator em solução de nitrato de prata. Os materiais
assim obtidos foram designados NA + dois algarismos que indicam,
respectivamente, as temperaturas de calcinação e pré-tratamento da alumina. Foi
realizado o mesmo tratamento hidrotérmico numa alíquota da amostra AL550,
denominada AL550T, com a finalidade de se avaliar os efeitos deste tratamento
no espectro de infravermelho na região de OH do sólido.
2.4 Caracterização dos materiais
A estrutura cristalina das aluminas foi determinada por difração de raios X
(DRX), empregando-se o método do pó, num difratômetro Jeol modelo 8030, com
radiação Ka do cobre. A varredura era feita de 2q= 12o a 70o, utilizando-se um
passo de 0,04o e tempo de 1 s/passo. Na determinação do tamanho de cristalito
das aluminas, empregou-se um difratômetro Phillips modelo PW 1820, com radiação
Ka do cobre. Utilizou-se o método do pó, varredura de 2q = 62o a 2q = 72o,
passo de 0,02o e tempo de 1s/passo. O tamanho de cristalito foi calculado a
partir da largura a meia altura do pico de difração do plano (440) da g-
alumina, empregando-se a equação de Scherer13.
A análise superficial das CNA's (relação atômica Nb/Cl) foi feita por XPS em um
espectrômetro de fotoelétrons de raios X da V.G. Scientifics, utilizando
radiação Al Ka (energia de 1486 eV), e 20 eV de energia de passagem. As
amostras, em pastilhas, eram evacuadas a 2 x 10-8 mbar antes da exposição à
radiação. A quantificação foi feita utilizando as seções de choque de Scofield.
A análise superficial das NA's e portanto, a verificação da ausência de cloro,
após tratamento hidrotérmico, foi efetuada em um espectrômetro PHI munido de
analisador hemisférico. Foi utilizada a radiação Mg Ka (energia de 1253,60 eV)
e energia de passagem de 47 eV.
A área específica BET, o volume total, a distribuição e o diâmetro médio dos
poros (4V/A), foram determinados por meio de adsorção de nitrogênio, à
temperatura do N2 líquido (-193oC) em um equipamento da Micromeritcs, modelo
ASAP 2400. As amostras foram submetidas a um pré-tratramento, sob vácuo (50
mtorr), à temperatura de 300oC por 1h.
O grau de hidroxilação da superfície dos diversos materiais foi determinado via
termogravimetria (TGA). Previamente às análises, as amostras eram tratadas a
480oC, sob vácuo de ca. 10-4 torr, por 1 h, visando à remoção de CO2 da
superfície14. Em seguida, as amostras eram submetidas a fluxo de nitrogênio
saturado com vapor d'água e isento de CO2, por 48 h, visando uniformizar seu
grau de hidroxilação inicial. Foram empregados nas análises seis patamares de
temperatura constante (250oC/4h; 350oC/1h; 450oC/1h; 550oC/1h; 650oC/1h e
800oC/1h), separados por rampas de aquecimento à taxa de 10oC/min.
Considerando-se desprezível o grau de hidroxilação de uma alumina a 800oC,
considerando-se que toda a perda de peso observada é devido à remoção de água
da superfície e levando-se em conta que cada molécula de água removida
corresponde à perda de duas hidroxilas superficiais, o grau de hidroxilação,
nOH, em número de hidroxilas por nm2, numa certa temperatura T, pode ser
determinado a partir da expressão:
onde mT é a massa de amostra em g ao fim do patamar à temperatura T, m800 é a
massa da amostra em g ao fim do patamar à temperatura de 800oC, NA é o número
de Avogadro, Ma é a massa molar da água em g/mol e AE é a área específica do
material em m2/g.
As análises foram efetuadas em um equipamento de TG da DuPont, modelo 951.
A natureza das hidroxilas superficiais foi investigada por espectroscopia na
região do infravermelho, empregando um aparelho de FTIR da Nicolet modelo 60XR
com resolução de 4 cm-1 em pastilhas auto-suportadas, compreendendo cerca de
10mg/cm2. As pastilhas foram colocadas em uma célula de vidro e pré-tratadas em
vácuo de 10-5 torr à uma temperatura de 480oC por cerca de 16h, resfriadas até
a temperatura ambiente e o espectro, em seguida, registrado.
3. RESULTADOS
3.1 Caracterização textural, FRX, DRX e XPS
A tabela_1 resume os dados de teor de nióbio e caracterização textural dos
materiais obtidos via CVD. Observa-se, de um modo geral, um decréscimo do teor
de nióbio, tanto com o aumento da temperatura de calcinação da alumina, como
com o aumento da temperatura de pré-tratamento.
Os dados de caracterização textural demonstram um decréscimo pequeno, mas
significativo, de área específica dos materiais contendo nióbio, em relação à
alumina suporte. Um teste em branco foi efetuado com uma alumina calcinada a
550oC (AL550B), submetendo-a às mesmas condições que as amostras CNA, porém na
ausência de NbCl5 , sem que se observasse, dentro da repetibilidade do método
BET (14 m2/g)15, qualquer perda de área significativa. A perda de área nas
amostras CNA pode ser atribuída à reação entre o HCl liberado na deposição e
hidrólise do NbCl5 e a alumina.
As amostras da série CNA foram submetidas a análise por XPS, para medida do
grau de contaminação superficial por cloro. Os resultados, mostrados na tabela
2, revelaram a presença de quantidade elevada de cloro residual na superfície,
da ordem de 1 átomo de cloro por 5 átomos de nióbio. Portanto, o tratamento por
hidrólise com vapor d'água a 150oC não foi suficiente para remoção completa do
cloro. Já nas amostras da série NA, submetidas a um segundo tratamento com
vapor d'água sob temperatura de até 440oC, não foi observado cloro residual via
XPS.
Este segundo tratamento hidrotérmico não resultou em qualquer alteração
apreciável das propriedades texturais das amostras. Por este motivo, na tabela
1 figuram apenas os dados referentes à série CNA, para a qual se dispõe da
caracterização textural de todas as amostras. Em contraste, uma alumina
submetida ao mesmo tratamento de hidrólise (AL550T) sofreu significativa
diminuição de área e aumento do diâmetro médio de poros. Isto evidencia um
efeito positivo do nióbio sobre a estabilidade hidrotérmica do suporte.
Análises por fluorescência de raios X não revelaram qualquer perda de nióbio
devido ao segundo tratamento hidrotérmico e, por este motivo, da mesma forma
que no caso da caracterização textural, apresentam-se, na tabela_1, apenas os
dados de análise referentes à série CNA.
Por difração de raios X observaram-se, em todas as amostras, apenas os picos
característicos de g-alumina de pequena cristalinidade, identificada pelas
reflexões características a distâncias interplanares de 0,140 nm (440), 0,152
nm (511), 0,197 nm (400), 0,229 nm (222) 0,239 nm (311) e 0,275 nm (220), em
plena concordância com os dados do Joint Committee on Powder Diffraction
Standards (JCPDS), fichas 10-0425 e 29-0063, para este material. Em nenhuma das
amostras de nióbia suportada observaram-se picos atribuíveis a espécies de
nióbio.
No caso das aluminas empregadas como suporte, AL550, AL650, AL750 e AL550T,
determinaram-se os tamanhos de cristalito, a partir da reflexão (440) dos
difratogramas de raios X, que foram de, respectivamente, 4,6 nm, 5,1 nm, 5,8 nm
e 5,2 nm. Observa-se, portanto, um aumento de tamanho de cristalito, tanto por
aumento da temperatura de calcinação, como pelo tratamento hidrotérmico. Estes
dados estão de acordo com as perdas de área específica observadas em função dos
mesmos tratamentos.
3.2 Termogravimetria
A tabela_3 mostra as densidades de hidroxilas , das aluminas de partida e das
amostras da série NA, em OH/nm2, obtidas por termogravimetria. Observa-se,
primeiramente, que um aumento na temperatura de calcinação, de 550 para 650oC,
não alterou significativamente a densidade de hidroxilas das aluminas,
independentemente da temperatura de desidratação. Já na calcinação a 750oC
verifica-se um decréscimo significativo desta densidade, em todas as
temperaturas de desidratação. De um modo geral, a temperatura de desidratação
das aluminas calcinadas e reidratadas teve maior efeito sobre a densidade de
hidroxilas do que a temperatura de calcinação original.
Os resultados da tabela_3 demonstram, também, que a incorporação de nióbio
implicou em acentuado decréscimo do grau de hidroxilação dos suportes,
evidenciando a ocorrência de reação entre o NbCl5 e as hidroxilas da
superfície. A última coluna da tabela mostra a variação da densidade de
hidroxilas, por átomo de nióbio incorporado (DnOH/Nb), tomando-se como base as
amostras desidratadas a 250oC, temperatura na qual supõe-se que basicamente
toda a água adsorvida, e uma fração muito pequena das hidroxilas quimicamente
ligadas à superfície, tenham sido removidas16. Estes valores fornecem uma idéia
do número de hidroxilas que reagem, por átomo de nióbio incorporado, e foram
calculados a partir da expressão:
onde nNA e nAL são as densidades de hidroxilas em OH/nm2, respectivamente, de
uma nióbia-alumina e da alumina empregada como suporte em seu preparo, medidas
por termogravimetria, à temperatura de 250oC (segunda coluna da tabela_3), e
nNb é teor de nióbio da nióbia-alumina, expresso em átomos de nióbio por nm2.
Com exceção da amostra NA522, na qual o nióbio foi incorporado por dupla
ancoragem, estes números situam-se na faixa de 2 a 2,5 hidroxilas por átomo de
nióbio, verificando-se um aumento à medida que aumenta a temperatura de
calcinação da alumina.
A figura_2 mostra a densidade de átomos de nióbio, por unidade de área, em
função da densidade de hidroxilas presentes no suporte, na temperatura de
desidratação correspondente ao pré-tratamento, ou seja, imediatamente antes da
incorporação do nióbio. Verifica-se um pequeno efeito da temperatura de
calcinação prévia da alumina, uma vez que a incorporação de nióbio decresceu
ligeiramente com a temperatura de calcinação, para densidades de hidroxilas
constantes. No entanto, sem dúvida, o efeito sobrepujante foi o grau de
hidroxilação da superfície.
Ignorando-se o efeito da temperatura de calcinação prévia da alumina, é
possível obter-se uma razoável correlação linear (r2 = 0,88) envolvendo todos
os pontos experimentais. Dois fatos são dignos de nota: (i) a reta obtida não
extrapola para incorporação zero de nióbio, quando o grau de hidroxilação tende
para zero, e sim para um valor da ordem de 1 átomo de nióbio/nm2; (ii) o
incremento na incorporação de nióbio é apenas da ordem de 0,07 átomos por
hidroxila.
3.3 Espectroscopia de infravermelho na região de OH
A figura_3 apresenta os espectros de IV na região de vibração de estiramento
das hidroxilas superficiais das amostras, submetidas a um tratamento sob vácuo
a 480°C. Em todas as amostras, são observadas 3 bandas principais em: ~3775 cm-
1;~3730 cm-1e ~3680 cm-1. Em muitos casos, a banda em torno de 3680 cm-
1 aparece desdobrada ou, no mínimo, alargada. Observa-se, também em diversos
casos, um ombro no lado de menor número de onda na banda a ca. 3730 cm-1 e
outro de pequena intensidade no lado de maior número de onda da banda a ca.
3775 cm-1.
A figura_3A demonstra um progressivo decréscimo de intensidade relativa da
banda a ca. 3680 cm-1 e um aumento de intensidade relativa daquela a ca. 3775
cm-1, com o aumento da temperatura de calcinação. O ombro da banda a ca. 3730
cm-1 decresce na mesma direção. O tratamento hidrotérmico da alumina calcinada
a 550°C, nas mesmas condições empregadas para a remoção de cloreto das amostras
Nb/Al2O3, teve efeito semelhante a um aumento da temperatura de calcinação,
principalmente no que diz respeito ao aumento de intensidade relativa da banda
a ca. 3775 cm-1.
Com exceção da amostra NA522, a incorporação de nióbio afetou pouco o aspecto
geral dos espectros de infravermelho, para cada temperatura de calcinação da
alumina suporte. A banda a ca. 3775 cm-1, o ombro da banda a ca. 3730 cm-1 e o
lado de maior número de onda da banda a ca. 3680 cm-1 foram mais sensíveis à
incorporação de nióbio.
Com a amostra NA522, observa-se um alargamento de todas as bandas do espectro,
na região de estiramento de hidroxilas, bem como o aparecimento de uma nova
banda a ca. 3645 cm-1. Note-se que, em nenhum dos demais casos, verificou- se o
aparecimento de novas bandas de hidroxila em função da incorporação de nióbio.
4. DISCUSSÃO
Os resultados mostrados na figura_2 demonstram que a incorporação de nióbio
aumenta com o grau de hidroxilação da superfície, porém a uma taxa de apenas
ca. 0,07 átomos de nióbio por hidroxila. Além disso, a reta obtida não
extrapola para incorporação nula de nióbio, quando o grau de hidroxilação tende
para zero. Isto sugere que a reação do NbCl5 com hidroxilas da superfície do
suporte não é o único mecanismo de deposição de nióbio.
A superfície de uma alumina parcialmente desidroxilada tem caráter marcadamente
anfótero, com íons Al3+ coordenativamente insaturados funcionando como sítios
ácidos de Lewis e íons óxido e hidroxilas básicas da superfície atuando como
sítios básicos. O NbCl5 é um ácido de Lewis forte e pode, portanto, coordenar-
se sobre ambos. Segundo Knözinger e Ratnasamy16, a superfície de uma alumina
totalmente hidroxilada contém da ordem de 13 OH por nm2. Cada hidroxila
removida deixa, na superfície, um íon O2- e um íon Al3+ coordenativamente
insaturado. Desta forma, o número total de sítios aniônicos superficiais por
nm2 (óxidos mais hidroxilas) , na é dado por:
onde nOH é o número de hidroxilas por nm2. Relocando-se os dados da figura_2,
usando-se como abcissa a densidade total de sítios aniônicos, obtém-se o
gráfico da figura_4. Observa-se, no gráfico, uma correlação linear semelhante à
verificada na figura_2, como seria de se esperar, uma vez que as abcissas das
figuras_2 e 4 são linearmente relacionadas. Entretanto, agora, a reta passa
pela origem, demonstrando que o número de átomos de nióbio depositados é
diretamente proporcional ao número total de sítios aniônicos. A inclinação
desta reta corresponde a cerca de 0,15 átomos de nióbio por sítio aniônico, ou
seja, 1 átomo de nióbio para cada 7 sítios aniônicos, indicando que este
elemento deposita-se sobre apenas uma fração dos sítios totais disponíveis.
Um cálculo aproximado, levando em conta o comprimento da ligação Nb-Cl na
molécula de NbCl5 (0,23 nm)17, o raio iônico do íon Cl- (0,181 nm)18, o raio
covalente do átomo de cloro (0,099 nm)19, a diferença de eletronegatividade de
Pauling entre o cloro e o nióbio (1,6) e considerando a simetria da molécula de
NbCl5 (bipirâmide trigonal) como aproximadamente esférica, obtém-se uma
estimativa da ordem de 0,43 nm2 para a seção circular da molécula. Pela
densidade de sítios aniônicos, a área de cada sítio corresponde a 0,077 nm2.
Portanto, cada molécula de NbCl5 adsorvida encobre uma área correspondente a
cerca de 6 sítios aniônicos. Este valor é muito próximo ao fator de
proporcionalidade entre o número de átomos de nióbio incorporados e o número de
sítios aniônicos disponíveis na superfície da alumina.
Uma vez depositado, o NbCl5 adsorvido pode sofrer reação adicional com
hidroxilas vizinhas, conduzindo ao número observado de 2 - 2,5 hidroxilas
removidas por átomo de nióbio incorporado, como indicado na tabela_3.
Vários modelos para interpretação das hidroxilas superficiais de aluminas têm
sido propostos na literatura, os quais foram revisados recentemente por
Morterra e Magnacca19. O modelo proposto por Knözinger e Ratnasamy16, apesar de
inúmeras simplificações, ainda é o mais frequentemente utilizado em trabalhos
recentes. Neste modelo, existem três tipos principais de hidroxilas na
superfície de uma alumina, que se distinguem quanto ao número de átomos de
alumínio aos quais estão coordenadas. Assim, as hidroxilas denominadas do tipo
I estão coordenadas a um átomo, as do tipo II a dois átomos e as do tipo III a
três átomos de alumínio. Os tipos I e II são ainda subdivididos em dois
subtipos cada: as hidroxilas Ia e Ib, coordenadas, respectivamente, a um íon
alumínio tetraédrico ([Al3+]t) ou octaédrico ([Al3+]o) e as hidroxilas IIa e
IIb, formando pontes entre, respectivamente, um íon [Al3+]t e um [Al3+]o e dois
íons [Al3+]o. A acidez destas hidroxilas decresce na ordem: III > IIa > IIb >
Ia > Ib. A população dos diferentes tipos de hidroxila varia com o grau de
hidroxilação da superfície e com os planos cristalográficos expostos. Desta
forma, no plano (100) ocorrem apenas hidroxilas do tipo Ib, no plano (110),
hidroxilas dos tipos Ia, Ib e IIb e, no plano (111), hidroxilas dos tipos Ia,
IIa, IIb e III.
Os diversos tipos de hidroxilas conduzem a bandas de absorção diferentes no
espectro vibracional. As hidroxilas tipo I absorvem na região de 3760 - 3800
cm-1, as tipo II, na região de 3730 - 3745 cm-1 e, as tipo III, na região de
3700 cm-1. No caso de nossos espectros, atribuímos a banda a ca. 3775 cm-1 às
hidroxilas do tipo Ia; o pequeno ombro no lado de maior número de onda desta
banda, às hidroxilas tipo Ib; a banda a ca. 3728 cm-1, às hidroxilas do tipo
IIb; o ombro no lado de menor número de onda desta banda, às hidroxilas tipo
IIa; a banda a ca. 3680 cm-1, às hidroxilas do tipo III.
Nas nossas condições, a banda da região de hidroxilas tipo III das aluminas
aparece desdobrada ou alargada. O modelo de Knözinger e Ratnasamy considera
apenas as hidroxilas que ocorrem nos planos cristalográficos ideais (111),
(110) e (100). Neste caso, quando existem hidroxilas ligadas a 3 íons Al3+,
todos têm coordenação octaédrica e ocorrem apenas na superfície do plano (111).
No entanto, é de se esperar, na superfície de materiais de baixa
cristalinidade, como as aluminas de alta área específica com que trabalhamos, a
ocorrência frequente de defeitos cristalinos de diversas naturezas. Desta
forma, é possível o aparecimento de um segundo tipo de hidroxila tipo III,
coordenada a dois íons [Al3+]o e um [Al3+]t, que pode ser responsável pela
banda a ca. 3675 cm-1 dos espectros de nossas aluminas. Seguindo a nomenclatura
de Knözinger e Ratnasamy, designaremos as hidroxilas ligadas a três íons
[Al3+]o de tipo IIIb (em 3687 cm-1) e, as ligadas a dois íons [Al3+]o e um
[Al3+]t, de tipo IIIa. Esta interpretação estaria de acordo com o trabalho de
Saad et al.20 que propõem a presença de uma hidroxila coordenada a dois íons
[Al3+]o e um [Al3+]t formada pela re-hidroxilação do plano (110) da alumina,
atribuindo a esta espécie uma frequência de vibração em 3675 cm-1. Por outro
lado, a estrutura tipo espinélio das aluminas g e h não permite a ocorrência de
hidroxilas ligadas a dois ou mais íons [Al3+]t.21
Com base nestas considerações, os resultados obtidos com nossas aluminas
(isentas de nióbio) indicam um aumento relativo de população das hidroxilas
tipo Ia e um decréscimo da população das hidroxilas tipo III, com o aumento da
temperatura de calcinação. Além disso a população das aluminas tipo IIIa
decresce relativamente à das aluminas tipo IIIb e sua absorção desloca-se para
menor número de onda, na mesma direção. Dado que a temperatura de calcinação
afetou pouco o grau de hidroxilação da superfície das aluminas, para a mesma
temperatura de tratamento após reidratação das aluminas à temperatura ambiente,
acreditamos que as alterações pronunciadas, observadas nos espectros de IV,
originem-se na modificação de exposição dos diferentes planos cristalográficos.
As hidroxilas cujas populações mais decresceram com o aumento da temperatura de
calcinação foram as dos tipos IIa e III, características do plano (111).
Concomitantemente, observou-se um aumento relativo nas populações das
hidroxilas tipo Ia e IIb, características do plano (110). Assim, os resultados
indicam um aumento de exposição do plano (110), relativamente ao plano (111)
com o aumento da temperatura de calcinação.
Segundo Knözinger e Ratnasamy, o plano superficial preferencialmente exposto
nas aluminas tipo h é o plano (111), enquanto, nas aluminas g, é o plano (110).
É sabido que boemitas microcristalinas, como a boemita Pural SB empregada como
precursora em nosso trabalho, produzem aluminas com características
cristalográficas indefinidas entre g e h, quando calcinadas a temperaturas da
ordem de 550°C22,23. Nossos resultados podem ser interpretados, portanto, por
uma definição do caráter g da alumina, com o aumento da temperatura de
calcinação. Evidência adicional deste fato é o aumento de tamanho de cristalito
observado com o aumento da temperatura de calcinação Da mesma forma, esta
interpretação pode explicar as pequenas diferenças na incorporação de Nb entre
as aluminas calcinadas a diferentes temperaturas a grau de hidroxilação
constante (vide figura_2): a densidade de sítios aniônicos do plano (111) de um
espinélio é superior a do plano (110).
O decréscimo da relação entre as hidroxilas tipos IIIa e IIIb com o aumento da
temperatura de calcinação pode ser explicado por um aumento de cristalinidade
da alumina, uma vez que se pode esperar um decréscimo da concentração de
defeitos cristalográficos, na mesma direção.
A ancoragem do nióbio manteve o aspecto geral dos espectros de IV, na região de
absorção de hidroxilas, o que não chega a surpreender, uma vez que não seria
esperado que causasse modificação apreciável na distribuição dos planos
cristalográficos. A nível de detalhe, no entanto, diversas modificações podem
ser observadas, principalmente um decréscimo relativo nas populações das
hidroxilas tipos Ia e IIIa, com a incorporação de nióbio e, menos claramente,
da hidroxila tipo IIa.
A figura_5 mostra a existência de uma correlação entre a relação de
absorvâncias a 3775 cm-1 (hidroxilas tipo Ia) e 3730 cm-1 (hidroxilas tipo IIb)
e a densidade de hidroxilas das amostras contendo nióbio, após tratamento a
450°C, temperatura próxima à empregada no pré-tratamento das amostras
submetidas à análise por IV. Esta relação decresce no mesmo sentido que o grau
de hidroxilação da superfície, demonstrando, claramente, que as hidroxilas tipo
Ia são mais reativas, comparativamente às hidroxilas do tipo IIb, frente à
reação de hidrólise de espécies cloradas de nióbio. Evidência adicional deste
fato é que a maior perda de hidroxilas (2,5 OH por nióbio incorporado)
verificou-se com a alumina calcinada a 750°C, que é a mais rica em hidroxilas
tipo Ia.
Examinando-se os espectros da figura_3B, verifica-se que a intensidade relativa
da banda associada às hidroxilas tipo Ia não é, na realidade, menor do que a
banda correspondente da amostra AL550. No entanto, ela é marcadamente inferior
à banda correspondente da alumina AL550T, que sofreu o mesmo tratamento
hidrotérmico que as amostras da série NA, sendo esta a comparação mais adequada
a se fazer. Estes resultados estão de acordo com a observação de Morterra e
Magnacca19 segundo a qual a banda em 3775 cm-1 recupera sua intensidade após
reidratação a alta temperatura.
Pelo fato de se tratarem de ombros localizados sobre bandas de maior
intensidade, não foi possível efetuar o mesmo tipo de análise com as hidroxilas
dos tipos IIa e IIIa. No entanto, é evidente, da figura_3, especialmente nos
casos dos suportes calcinados a 650 e 750oC, o decréscimo de intensidade
relativa das bandas correspondentes a estas hidroxilas devido à incorporação de
nióbio. Em conjunto, estes resultados sugerem que as hidroxilas coordenadas a
íons alumínio [Al3+]t são mais reativas do que as coordenadas apenas a íons
[Al3+]o.
As densidades superficiais de nióbio obtidas neste trabalho foram, em geral,
consideravelmente inferiores à que geralmente se considera corresponder a uma
monocamada de óxido de nióbio, que é de cerca de 6,3 Nb/nm2, de acordo com os
dados de Asakura e Iwasawa24, com base em considerações geométricas sobre a
estrutura do Nb2O5. Neste caso, devem prevalecer espécies de nióbio isoladas
sobre a superfície do suporte, que aparentemente não são hidroxiladas, uma vez
que não foram observadas novas bandas de hidroxila nos espectros vibracionais.
Entretando, a amostra NA522, que sofreu dupla deposição e tem densidade de
nióbio mais próxima à da monocamada (3,5 Nb/nm2), apresentou uma banda a 3645
cm-1, que pode ser atribuída a hidroxilas ligadas a átomos de nióbio25. Esta
amostra foi, também, a que, de longe, apresentou a menor relação de hidroxilas
removidas por átomo de nióbio incorporado, o que pode ser consequência, de um
lado, do fato de que a maior parte das hidroxilas reativas é removida na
primeira etapa de deposição e, de outro, da presença de hidroxilas ligadas a
nióbio.
5. CONCLUSÕES
Em resumo, nossos resultados indicam que o NbCl5 se adsorve de forma não
seletiva sobre os sítios aniônicos (íons óxido e hidroxilas) da superfície da
alumina sendo que a quantidade máxima de nióbio incorporado é limitada pela
área ocupada pela molécula de NbCl5. Uma vez adsorvido, o NbCl5 pode sofrer
hidrólise por hidroxilas vizinhas, preferencialmente as ligadas a íons [Al3+]t,
conduzindo à remoção de 2 - 2,5 hidroxilas por nióbio incorporado.
Para teores de nióbio muito inferiores a uma monocamada, não há evidência de
que as espécies de nióbio obtidas após hidrólise com vapor d'água sejam
hidroxiladas. No entanto, para teores mais próximos à monocamada, hidroxilas
ligadas a átomos de nióbio podem ser observadas.
Estudos de caracterização destes materiais por espectroscopia Raman, XPS,
espectroscopia de refletância difusa na região do UV - visível, termorredução
programada (TPR) e termodessorção programada de amônia, bem como sobre suas
características como suportes para catalisadores à base de molibdênio,
encontram-se em andamento e serão oportunamente divulgados.