Expressão dos antígenos ABH e Lewis na gastrite crônica e alterações pré-
neoplásica da mucosa gástrica
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
As gastrites são alterações histológicas da mucosa gástrica onde se observa
infiltrado de células inflamatórias(32). A inflamação pode ser aguda, crônica
ou apresentar formas especiais. A gastrite crônica bacteriana que está
associada à infecção pela bactéria Helicobacter pylori, é o tipo de maior
freqüência. Esta bactéria é também considerada um dos agentes causadores da
úlcera péptica e atua como co-fator na etiologia das malignidades gástricas.
A bactéria H. pylori coloniza especificamente a mucosa gástrica e as
microvilosidades gástricas das células epiteliais. Os mecanismos moleculares
que intermediam a inflamação e as doenças ulcerativas em resposta à infecção
pela bactéria não estão totalmente compreendidos, porém sua erradicação leva à
cura da doença ulcerosa e também à redução na taxa de recurrência. Além do H.
pylori, muitos outros fatores ambientais (álcool, fumo, dieta, etc.) e
genéticos (grupos sangüíneos, complexo principal de histocompatibilidade, etc.)
estão interelacionados na etiologia dessas doenças(31).
A taxa de infecção populacional pelo H. pylori apresenta uniformidade
relacionada ao grau de desenvolvimento dos países(16): nos desenvolvidos, a
taxa varia entre 25% a 50%, enquanto naqueles em desenvolvimento está em torno
de 70%-90%. Em Belo Horizonte, MG, COELHO et al.(6) descreveram que, em 51
pacientes sintomáticos, a prevalência da infecção pelo H. pylori foi de 80%. Em
Belém, PA, NETO(18) encontrou prevalência de 57,14% da bactéria, enquanto que
SAGICA(24) encontrou taxa superior a 70% em diferentes amostras de pacientes
com gastrite crônica.
Os prováveis receptores do H. pylori no epitélio gástrico são carboidratos das
mucinas gástricas, que têm papel primordial na proteção da mucosa gástrica. Os
antígenos de grupos sangüíneos ABH e Lewis fazem parte da composição das
mucinas gástricas e têm sido implicados como receptores da bactéria na mucosa
gástrica(4).
A síntese e regulação dos antígenos de grupos sangüíneos ABH e Lewis envolve o
produto dos genes ABH, Secretor e Lewis (Figura_1). Esta biossíntese se dá pela
adição de monossacarídios feita por diferentes glicosiltransferases à cadeia
precursora (glicosilação). A capacidade de secreção dos antígenos ABH nos
fluidos corporais (saliva, sêmen, secreção vaginal, muco gástrico) está
presente nos indivíduos que apresentam o gene Se, sendo classificados como
secretores. O tipo de antígeno secretado dependerá do genótipo do indivíduo. Os
indivíduos que não apresentam este gene (sese), não expressam os antígenos ABH
nas secreções, e quando portadores do gene Lewis secretam apenas o antígeno Lea
(8).
A expressão dos antígenos ABH e Lewis varia de acordo com a origem embriológica
do tecido, seu estágio de desenvolvimento e sua regulação gênica. No caso do
epitélio gástrico normal de indivíduos adultos, a região superficial (ou
foveolar) do tecido, está sob controle do gene Secretor, enquanto que na zona
profunda ou glandular, esta expressão ocorre independente deste gene(23).
Os fenótipos de grupos sangüíneos no indivíduo podem apresentar variações sob
certas condições fisiológicas e doenças, como as neoplasias(10). Entre essas
alterações temos a expressão aumentada do antígeno Lea,conseqüente do bloqueio
da síntese do antígeno Leb(29). Outro exemplo é a alteração na expressão de
antígenos que são sintetizados pela enzima produto do gene Secretor, levando à
expressão do antígeno Leb, em não-secretores(25).
Apesar de todas as demonstrações favoráveis à hipótese que esses antígenos
influenciam a infecção e a colonização da mucosa gástrica, alguns estudos
mostraram aparente perda de consistência dessa associação(19, 28, 30). Desta
forma, ainda existe muita controvérsia gerada, principalmente, por esses
diferentes resultados, assim como pelas diferentes naturezas de cada estudo.
No presente estudo, foram analisadas as distribuições dos antígenos de grupos
sangüíneas ABH e Lewis na mucosa gástrica com graus variáveis de gastrite
crônica, associadas à presença da bactéria H. pylori.
MATERIAL E MÉTODOS
Analisaram-se biopsias gástricas, saliva e sangue periférico de 63 pacientes
não-consecutivos, submetidos a exame endoscópico nos Hospitais Universitários
Bettina de Ferro Souza e João de Barros Barreto (Universidade Federal do Pará,
Belém, PA), durante o período de março a novembro de 1998. As amostras de
sangue e saliva dos pacientes foram colhidas antes do exame endoscópico, para a
caracterização dos fenótipos ABO, Lewis e Secretor. Previamente à coleta das
amostras, foi solicitada a autorização dos pacientes para a obtenção e
utilização das amostras na pesquisa, através de termo de consentimento livre e
esclarecido.
As biopsias foram fixadas em solução de formalina a 10% e encaminhadas ao
Laboratório de Anatomia Patológica do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Pará, onde foram processadas em álcool e parafinizadas.
Posteriormente, foram realizados cortes histológicos seqüenciais de 5 mm de
espessura, dispostos em lâminas e coradas pela hematoxilina-eosina (HE) e pelo
Gram modificado. As lâminas coradas pela HE foram utilizadas na análise
histopatológica, enquanto que o método de coloração do Gram modificado, para a
detecção do H. pylori, mediante suas características morfológicas: forma curva
e espiralada, e coloração azul intensa. Todos os pacientes selecionados
apresentaram diagnóstico histológico de gastrite crônica. Pacientes com outras
afecções gástricas foram excluídos desta análise.
As amostras de saliva e sangue dos pacientes foram encaminhadas para o
Laboratório de Imunogenética do Departamento de Genética da Universidade
Federal do Pará para a caracterização dos antígenos de grupos sangüíneos. A
colheita da saliva foi realizada em copo descartável, transferida para um tubo
de ensaio e mantida a 4ºC. Simultaneamente foram coletados 5 mL de sangue
periférico de cada paciente. A presença dos antígenos de grupos sangüíneos ABH
e Lewis no sangue e na saliva dos mesmos foi determinada através da técnica
dot-blot-ELISA, modificada de PFLUG et al.(22), utilizando anticorpos
monoclonais das empresas Biotest (anti-A, anti-B, anti-Ulex europaeus, anti-Lea
e anti-Leb) como anticorpos primários e Sigma (anti-IgM de camundongo conjugado
à fosfatase alcalina) como anticorpo secundário. As diluições dos anticorpos
eram realizadas segundo as especificações dos fabricantes. O teste dot-blot-
ELISA oferece alta especificidade e sensibilidade através do ensaio com
anticorpos monoclonais e marcação enzimática, proporcionando reação positiva
facilmente detectável pela mudança de cor visível, tornando a leitura dos
resultados simples, rápida e exata, substituindo desta forma, as técnicas
sorológicas convencionais.
Nas biopsias dos pacientes estudados, a expressão dos antígenos de grupos
sangüíneos A, B, H, Lea e Leb foi determinada imunohistoquimicamente, segundo a
técnica da imunoperoxidase indireta(20, 21), utilizando os mesmos anticorpos
primários utilizados na técnica dot-blot-ELISA, e o anticorpo secundário
conjugado à peroxidase (IgM Sigma).
O padrão de reação para os antígenos ABH e Lewis nas regiões da mucosa gástrica
foi classificado segundo o tipo de coloração encontrada. Foram consideradas
positivas as reações que coraram de forma homogênea toda região analisada,
enquanto foram agrupadas em padrão de reação heterogênea, as que continham
células com e sem coloração.
Como controle do presente estudo, foram analisadas 70 amostras de sangue de
indivíduos da população da cidade de Belém, sem sintomas gástricos, para
distribuição dos antígenos de grupos sangüíneos ABH e Lewis.
Foram empregados testes estatísticos adequados para a comparação, visando
detectar ou não diferenças significativas entre os grupos, objeto deste estudo.
O programa de computação utilizado foi o Bio Estat(2), com os testes do qui-
quadrado e teste G. A significância estatística foi definida em 95% (P valor
<0.05).
RESULTADOS
Do total de 63 pacientes analisados nesta série, 32 eram do sexo masculino e 31
do feminino, com média de 47 anos de idade e mediana de 48 anos.
Os estudos histopatológicos e as relações epidemiológicas
As alterações histopatológicas dos pacientes da amostra estão descritos na
Tabela_1.
As associações testadas entre os resultados histopatológicos revelaram
significância entre diversas variáveis. A relação entre o grau de inflamação e
o grau de colonização pelo H. pylori, indicou inflamação mais severa em 43%
(16/37) dos espécimes colonizados com maior intensidade, enquanto que 81% com
inflamação leve apresentavam número reduzido de bactérias (6/26) ou não estavam
infectados (57,69%) (c2= 8,82; P = 0,0122).
A Tabela_2 indica que nas biopsias com graus de inflamação de moderado a
intenso (inflamação forte), havia com freqüência a presença de infiltrado
neutrofílico (c2= 9,39; P= 0,0022), assim como a presença de infiltrado
neutrofílico é maior nos infectados pelo H. pylori versus não-infectados (c2 =
3,547; P= 0,0596).
De acordo com a Tabela_3, a maioria dos infectados pelo H. pylori tem maior
ocorrência de folículos linfóides (teste-G = 8,5703; P = 0,0138), se comparada
com o baixo número de folículos linfóides observados nos não-infectados.
Observou-se, também, aumento da ocorrência dos folículos linfóides (teste-G =
13,5552; P = 0,0011), associado com a maior gravidade da inflamação gástrica.
Existe, também, relação entre a presença da atividade neutrofílica e a maior
freqüência de folículos linfóides (teste-G = 6,4109; P= 0,0405).
Não foram encontradas diferenças ou associações estatisticamente significativas
na relação entre as variáveis: inflamação e metaplasia, inflamação e displasia,
H. pylori e metaplasia, H. pylori e displasia, metaplasia e displasia,
metaplasia e atividade, metaplasia e folículo linfóide, folículo linfóide e
displasia, displasia e atividade, folículo linfóide e atividade.
Fenotipagem dos antígenos ABH e Lewis na saliva e nos eritrócitos
Na distribuição fenotípica dos grupos sangüíneos Lewis testados (Tabela_4)
observou-se discordância na expressão destes antígenos entre eritrócito e
saliva, permitindo agrupar os indivíduos em: Lewis concordantes e Lewis
discordantes. Os concordantes tinham antígenos Lewis idênticos no sangue e na
saliva, já nos discordantes, os antígenos dos eritrócitos eram diferentes das
especificidades presentes na saliva. Esta discordância representa 23,8%(n = 15/
63)do total da amostra, sendo que 17,5% (11/63) deste total pertenciam ao
fenótipo eritrocitário Le(a-b-).
Quando se compara a distribuição dos subtipos dos fenótipos dos grupos
sangüíneos ABO, nota-se inversão nas freqüências (teste-G = 19,4210; P =
0,0006) referentes à distribuição dos subtipos A1 e A2 entre a amostra de
pacientes e a amostra da população em geral (Tabela_5).
Perfil imunohistoquímico do epitélio gástrico na amostra de pacientes
Na análise do padrão de expressão dos antígenos ABH na borda da mucosa de
secretores, o antígeno H foi expresso em 77,78% dos indivíduos (49/63). Porém,
em 6,35% (4/63) esta expressão foi heterogênea. Também quanto à expressão do
antígeno H, foi encontrado um indivíduo não-secretor (1,58%), exibindo padrão
de reação heterogêneo na borda da mucosa gástrica (Figura_2).
Entre os indivíduos secretores pertencentes aos grupos sangüíneos A (n = 15/63;
23,81%) e AB (1/63) na amostra, 12 (19,04%) expressavam o antígeno A na borda
da mucosa gástrica. Entre os não-secretores, dois (3,17%) apresentaram padrão
heterogêneo de reação na borda da mucosa gástrica (Figura_2).
Nos secretores pertencentes ao grupo sangüíneo B (n = 4; 6,34%) e AB (1/63), a
expressão do antígeno B na borda da mucosa gástrica foi observada em 100% dos
indivíduos. Um indivíduo não-secretor (1,58%) apresentou padrão de reação
negativo para o antígeno B na borda da mucosa (Figura_2).
O antígeno Lea foi detectado em 18 (28,57%) dos 63 pacientes da amostra. Em 10
pacientes (15,87%) secretores houve expressão deste antígeno na borda da mucosa
gástrica. Deste total, três (4,76%) apresentavam padrão heterogêneo. Todos os
oito indivíduos não-secretores (100%) apresentaram a expressão deste antígeno
na região foveolar da mucosa gástrica, assim como, expressaram também o
antígeno Lebna borda da mucosa, sendo que em um (12,5%) indivíduo o padrão da
reação foi heterogêneo. O antígeno Leb foi detectado na superfície da mucosa de
52 dos 55 secretores (94,54%) da amostra, sendo que 5 (9,61%) dos 52 tinham
expressão heterogênea (Figura_3).
Nos pacientes com metaplasia intestinal na mucosa gástrica, foi verificada a
expressão dos antígenos ABH, Lea e Leb em áreas de tecido normal e áreas com
metaplasia. Notou-se que o perfil imunohistoquímico diferiu marcadamente entre
o epitélio gástrico e as glândulas metaplásicas na expressão dos antígenos H e
Lea(Figuras_4 e 5). Observou-se perda de reatividade para o antígeno H nas
áreas onde há metaplasia, enquanto que para o antígeno Lea houve ganho de
expressão.
Distribuição dos grupos sangüíneos ABH e Lewis na amostra de pacientes e sua
relação com a infecção pela H. pylori
Quanto à prevalência do H. pylori, entre os grupos sangüíneos ABO, Lewis e
Secretor, não foram encontradas diferenças significativas entre indivíduos de
diferentes grupos sangüíneos na amostra de pacientes infectados versus não-
infectados pelo H. pylori(Tabelas_6, 7 e 8).
Interrelações dos fenótipos de grupos sangüíneos salivar e eritrocitário com a
distribuição dos antígenos na superfície da mucosa gástrica
Levando-se em consideração os dados histopatológicos dos pacientes com
fenótipos Lewis discordantes (15/63), 7/63 (11,11%) estavam infectados pelo H.
pylori, 2/63 (3,17%) apresentavam alterações pré-malignas no tecido gástrico,
4/63 (6,35%) apresentavam tanto a infecção pelo H. pylori, quanto alterações
pré-malignas no epitélio gástrico e somente 2/63 (3,17%) não estavam infectados
pela bactéria nem apresentavam alterações pré-malignas no tecido. Constatou-se
ainda que entre 60% (9/15) dos pacientes agrupados como Lewis discordantes e do
fenótipo eritrocitário Le(a-b-) e que na saliva secretavam as substâncias ABH e
Leb, a reatividade para estes antígenos no epitélio gástrico concorda com o
fenótipo salivar.
Nos pacientes Lewis concordantes (48/63; 76,19%), 33 (52,38%) indivíduos
apresentaram distribuição anormal dos antígenos ABH e Lewis na borda da mucosa
gástrica, sendo que 9/63 (14,29%) pacientes estavam infectados com o H. pylori,
10 (15,87%) biopsias apresentavam alterações pré-malignas no tecido gástrico,
13/63 apresentavam concomitantemente a infecção pela bactéria e alterações pré-
neoplásicas na mucosa gástrica e apenas em 1/63 (1,59%) não foi detectada a
presença da bactéria ou alterações como a metaplasia e a displasia no tecido
gástrico.
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, muitos mecanismos têm sido propostos para explicar o sucesso
da bactéria H. pylori em colonizar um ambiente hostil como o estômago humano
(15). Porém, a presença da bactéria não constitui fator exclusivo no
desenvolvimento dessas patologias. Fatores ambientais e a predisposição
genética do indivíduo também contribuem para o aparecimento desses tipos de
achados(26). Neste estudo, a taxa de infecção pela bactéria encontrada está de
acordo com valores esperados para a população de Belém, PA(18, 24) e Brasil(6).
Porém, é bem provável que os valores de positividade nesta amostra estivessem
aumentados se métodos diagnósticos mais sensíveis fossem utilizados, como por
exemplo, a sorologia para anticorpos contra o H. pylori, isso porque a
sensibilidade do exame histopatológico depende da distribuição da bactéria na
mucosa gástrica, que se dá de forma focal ou segmentada. Esta diferença de
positividade devido à sensibilidade do método foi demonstrada recentemente por
AZEVEDO e BARROS(3), em um grupo de pacientes com gastrite crônica, em que o
índice de positividade para a bactéria na análise histopatológica foi de 68%,
enquanto que pelo exame sorológico, foi superior a 90%. Outro fator relevante é
que entre os pacientes diagnosticados como H. pylori negativos, 15,87% (10/63)
apresentavam metaplasia intestinal. Na metaplasia é incomum a presença da
bactéria, pois este tipo de epitélio não favorece seu crescimento(31).
Atualmente, existem evidências de que o grau de gravidade da gastrite está
relacionado ao grau de colonização da mucosa gástrica pelo H. pylori(34), em
concordância com o que foi encontrado neste estudo. A relação encontrada entre
a atividade neutrofílica e o grau de inflamação é, possivelmente, conseqüência
da infecção pelo H. pylori(14). A intensidade do infiltrado neutrofílico variou
entre indivíduos e está, possivelmente, relacionada com o dano inflamatório da
mucosa e, provavelmente, com o tipo de cepa da bactéria presente(31) e não com
o grau de colonização na mucosa. O H. pylori produz substâncias quimiotáticas
que atraem e ativam neutrófilos e outras células inflamatórias que, através de
estímulo intermitente, geram a agressão dos tecidos do hospedeiro(34).
A mucosa gástrica normal não apresenta folículos linfóides, normalmente
encontrados na mucosa do cólon e do intestino delgado. A presença de folículos
linfóides neste estudo está relacionada ao grau de inflamação da mucosa, à
presença do H. pylori e à atividade neutrofílica. Estas correlações já
descritas previamente, sugerem que a proliferação linfocítica está relacionada
à resposta imune do hospedeiro pela presença do H. pylori(27).
Observou-se discordância entre os fenótipos eritrocitário e salivar dos
antígenos Lewis nos pacientes. Os antígenos Lewis são produzidos a partir de
células epiteliais exócrinas que liberam estes antígenos no plasma, do qual são
adsorvidos às hemácias. Desta forma, a expressão desses antígenos ao nível
eritrocitário pode não refletir o verdadeiro fenótipo Lewis. Algumas condições
fisiológicas e de doenças, podem tornar o indivíduo incapaz de sintetizar os
antígenos em quantidades detectáveis sorologicamente nas hemácias, porém o
fenótipo Lewis salivar permanece inalterado. Assim, foi detectada a presença de
Lea e Leb na saliva e/ou nas células gástricas de todos os pacientes
fenotipicamente positivos, independentemente da expressão dos antígenos Lewis
nos eritrócitos. Nesses casos, onde existe a discordância eritrócito-saliva, o
fenótipo expresso no epitélio foveolar dos pacientes, concorda, na sua maioria,
com o fenótipo salivar(10).
Existem na literatura poucos estudos epidemiológicos de predisposição genética
para doenças gástricas. Entretanto, estudos prévios mostraram associação dos
antígenos de grupos sangüíneos Lewis e ABH com a susceptibilidade à colonização
pelo H. pylori. ALKOUT et al.(1) evidenciaram que o aumento da susceptibilidade
dos indivíduos do grupo O para infecção pelo H. pylori, poderia ser
parcialmente causado por densidade elevada de colonização por esta bactéria
comparada aos outros grupos sangüíneos. ILVER et al.(12) indicaram que existe
maior susceptibilidade entre os indivíduos dos grupos sangüíneos O e Leb à
infecção pelo H. pylori, por estes apresentarem maior quantidade de antígenos
fucosilados, já que o receptor da bactéria à superfície gástrica contém fucose
(4).
Quando a prevalência do H. pylori foi analisada na presente série e comparada à
amostra da população da cidade de Belém, considerando os fenótipos de grupos
sangüíneos ABO, Lewis e estado Secretor de ABH, não foi encontrada nenhuma
diferença significativa, a exemplo do que tem sido descrito em estudos prévios
(30, 33). Porém, resultado interessante a ser destacado é a associação com os
subgrupos do tipo sangüíneo A. Observou-se que no grupo de pacientes houve o
predomínio do subgrupo A2, enquanto que, na amostra da população em geral, a
freqüência de A1 é muito mais elevada do que A2. A diferença entre estas
variantes antigênicas se dá pelo fato da transferase A1 ser mais eficiente que
a transferase A2 na conversão do antígeno H, para a formação do determinante A
(13). Dessa forma, a principal diferença entre os dois subgrupos de A é que a
quantidade de substância H convertida em antígeno A é maior no subgrupo A1.
Isto pode justificar parcialmente o aumento da freqüência do subgrupo A2 na
amostra de pacientes, já que este fenótipo A2 tem maior quantidade de
substância H, e portanto, maior disponibilidade de antígenos fucosilados. É
importante ressaltar que se desconhece entre os estudos realizados com a
associação dos grupos sangüíneos e a infecção pelo H. pylori, que em algum
deles tenha sido investigada a freqüência dos subgrupos de A entre as doenças
gástricas.
Nos dados analisados para o epitélio foveolar de indivíduos secretores,
constatou-se que a expressão dos antígenos ABH e Leb totalizou mais de 80% da
amostra e que o perfil de expressão destes antígenos, nos casos de gastrite
crônica com ausência de alterações pré-malignas, não mostrou diferença em
relação ao padrão clássico de expressão na mucosa gástrica. Por outro lado, na
maioria dos pacientes onde ocorreu reação negativa ou havia reação positiva,
mas com padrão de expressão heterogêneo para estes antígenos, foi constatada
comumente a presença de metaplasia intestinal e/ou de infecção pelo H. pylori.
Este achado demonstra que o padrão de glicosilação parece sofrer alterações
gradativas e progressivas ocasionadas pela infecção bacteriana que,
conseqüentemente, influencia no padrão de diferenciação e regulação tecidual
(5).
Em alguns indivíduos secretores da amostra de pacientes, houve também a co-
expressão dos antígenos Lea e Leb no epitélio foveolar da mucosa. Dados
publicados por ERNST et al.(9) citam que a ocorrência da síntese e co-expressão
destes antígenos Lewis no epitélio foveolar de secretores é compatível com a
síntese e distribuição normal destes antígenos. Desta forma, SAKAMOTO et al.
(25) dividem os indivíduos secretores em dois grupos, segundo a expressão do
antígeno Lea no epitélio foveolar da mucosa gástrica: um grupo expressando o
antígeno Lea juntamente com o antígeno Leb, e outro onde não há expressão de
Lea em nenhuma região do epitélio. Explicação encontrada para esta variação é
que, em heterozigotos para o gene Secretor, haja atividade diminuída das a-1,
2-fucosiltransferases na mucosa de secretores, viabilizando, assim, a produção
do antígeno Leª.
Foi observada a perda de expressão do antígeno A na mucosa de quatro pacientes
secretores da amostra. Em dois deles havia metaplasia e nos outros dois havia
processo inflamatório acentuado da mucosa gástrica. Por outro lado, nos
pacientes não-secretores, foi observada expressão normal do antígeno Leª, além
da expressão freqüentemente incompatível do antígeno Leb. Esta expressão
residual do antígeno Leb no epitélio foveolar de pacientes não-secretores
poderia ser devido a outra a-2-fucosiltransferase, provavelmente pela enzima H.
De acordo com MURATA et al.(17), a presença da inflamação poderia mudar o
padrão de expressão relativo aos antígenos de cadeias tipo 1 e 2, descritas
para tecidos normais.
As modificações no padrão de expressão dos antígenos do tipo carboidratos podem
estar correlacionadas com o prognóstico de doenças malignas(7). As mais
encontradas envolvem o desaparecimento ou perda de certos antígenos, seguidos
pela neo-expressão de outros, gerando expressão de antígenos incompatível com o
genótipo do indivíduo(25). Tem sido verificado(11) que determinados casos de
metaplasia intestinal exibem secreção alterada de mucinas. Neste sentido, a
expressão inapropriada dos antígenos Lewis foi descrita por TORRADO et al.(29),
onde indivíduos do fenótipo Le(a-b+) desenvolvem bloqueio na síntese do
antígeno Leb, resultando no acúmulo dos precursores e formação intensificada do
antígeno Lea. Os resultados do presente estudo também indicam expressão
acentuada do antígeno Lea em áreas com metaplasia intestinal na mucosa de
secretores. Esta expressão inapropriada do antígeno Lea ocorreu em 76% dos
casos com lesões pré-malignas e somente em 29% com gastrite crônica. E ainda,
neste grupo sem lesões pré-malignas e que expressavam Lea, 18% dos pacientes
estavam infectados pelo H. pylori. Tais evidências sugerem que a progressiva
expressão do antígeno Lea sofre influência na evolução do processo cancerígeno.
Ao contrário do antígeno Lea, o antígeno H revelou expressão decrescente nas
áreas de metaplasia intestinal. Isto deve ocorrer pela diminuição da atividade
do gene Secretor, determinando que grande parte do precursor seja transformado
em antígeno Lea, pela enzima do gene Lewis, diminuindo, assim, a expressão do
antígeno H e Leb nestes tecidos e, conseqüentemente, provocando as freqüentes
deleções de antígenos A e/ou B, proporcionando a atividade aumentada da enzima
Lewis e neo-expressão de Leª. Tal relação é de interesse, porque padrões
anômalos de expressão de antígenos do tipo carboidratos podem estar associados
com o aumento do risco relativo de transformação maligna e/ou de elevado
potencial metastático. Estes achados sugerem função importante de verificação
da expressão da Lea, como marcador associado a mudanças no padrão de
proliferação e diferenciação celular e, também, de alteração da expressão dos
antígenos de grupo sangüíneo na superfície celular, podendo auxiliar
decisivamente no diagnóstico e prognóstico de diversas afecções gástricas.
Estudos adicionais são necessários para melhor elucidar mecanismos genéticos e
interações gene-ambiente no processo multifatorial da carcinogênese gástrica.
CONCLUSÕES
A taxa de infecção pelo H. pylori detectada na amostra de pacientes é
compatível com as taxas de prevalência descritas para a população da cidade de
Belém e outras regiões de países em desenvolvimento. A prevalência da infecção
pelo H. pylori não mostrou associação significativa com os fenótipos ABO, Lewis
e Secretor, entretanto a freqüência aumentada de antígenos fucosilados (O, A2 e
Leb) são indicadores de predisposição genética dos portadores destes fenótipos
de grupo sangüíneo para as doenças gástricas.
No grupo de pacientes, as freqüências dos subgrupos de A (A1 e A2) apresentavam
diferenças significativas quando comparadas com as freqüências da amostra da
população de Belém.
O perfil de expressão dos antígenos ABH e Leb no epitélio foveolar de pacientes
secretores, com gastrite crônica, porém sem lesões pré-malignas, não diferiu
significativamente, em relação ao padrão clássico de expressão da mucosa
gástrica.
Nas áreas do epitélio com metaplasia intestinal, foi observada perda de
expressão dos antígenos H e Leb, provável conseqüência da inibição da atividade
enzimática, com acúmulo do precursor de cadeia tipo 1, reduzindo a expressão de
antígenos ABH e Leb. Ainda, a expressão acentuada de Lea em pacientes
secretores e, particularmente, em áreas com metaplasia, indica que a
progressiva expressão deste antígeno sofre influência na evolução para
transformação maligna.
Em pacientes não-secretores, foi observada a expressão normal do antígeno Lea,
além da expressão freqüentemente incompatível do antígeno Leb, o que pode ser
devido a outra a-2-fucosiltransferase, possivelmente pela enzima H.
Os antígenos de grupos sangüíneos investigados refletem padrões diferentes de
diferenciação celular, constituindo-se em potenciais marcadores, utilizáveis no
diagnóstico e prognóstico de diversas doenças gástricas.