Novos diagnósticos de enfermagem em imagenologia: submissão à NANDA
International
INTRODUÇÃO
O diagnóstico de enfermagem (DE) é uma etapa fundamental do processo de
enfermagem, na medida em que representa a interpretação científica dos dados
coletados na avaliação do paciente, dando origem ao planejamento, a
implementação e a avaliação dos cuidados prestados. Apesar do processo de
enfermagem ser uma sistemática reconhecida pela comunidade de enfermeiros desde
a década de 50, foi somente a partir dos anos 70 que os diagnósticos de
enfermagem começaram a ser classificados em uma linguagem padronizada, por meio
da NANDA North American Nursing Diagnosis Association(1).
Esta classificação diagnóstica evoluiu de lista alfabética para um sistema
taxionômico, que permanece em constante desenvol-vimento. Atualmente,
enfermeiros pesquisadores de todo o mundo têm direcionado esforços para
aprimorar esta linguagem, através da criação, submissão e validação de
diagnósticos aplicáveis na prática clínica. As últimas versões da NANDA
International (NANDA-I) contemplam diagnósticos de enfermagem que foram
desenvolvidos a partir de pesquisas relacionadas com a prática clínica de
enfermeiros brasileiros, o que faz com que estejamos representados nesta
classificação, assim como enfermeiros de diversos países(2). Assim,
considerando-se a necessidade permanente de atualização e refinamento desta
classificação, este artigo tem por objetivo relatar a experiência de criação e
submissão de novos diagnósticos de enfermagem na área de imagenologia, com a
finalidade de informar e incentivar os enfermeiros brasileiros a contribuir com
o desenvolvimento da taxonomia da NANDA-I.
A ENFERMAGEM NA ÁREA DE IMAGENOLOGIA
A idéia de desenvolver novos diagnósticos na área de imagem partiu da
necessidade percebida na prática clínica na Unidade de Radiologia do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), onde são realizados exames radiológicos com
o uso do meio de contraste iodado (MCI). O contraste a base de iodo é uma
substância radiopaca que proporciona a visualização de detalhes que não podem
ser observados através de radiografias simples, melhorando a qualidade da
informação fornecida pelo exame(3-4).
Assim como qualquer outro fármaco, o MCI não está completamente isento de
riscos e reações adversas podem ocorrer com freqüência entre 1 e 12%. Estas
reações podem variar desde manifestações leves, que não necessitam tratamento
específico, como náuseas, vômitos, tontura, pápulas e/ou prurido, até reações
mais intensas, que exigem intervenção medicamentosa e medidas de suporte à
vida, como urticária difusa, edema facial e de laringe, dispnéia, hipo ou
hipertensão, arritmias cardíacas, insuficiência renal, convulsão, edema
pulmonar e parada cárdio-respiratória. Determinadas condições clínicas aumentam
o risco para a ocorrência de eventos adversos ao contraste iodado, podendo-se
citar história prévia de reação ao contraste iodado, múltiplas alergias ou
asma, mieloma múltiplo, doença renal, diabetes, doença cardiovascular,
feocromocitoma, discrasias sanguíneas, ansiedade, entre outras. Desta forma,
todos os pacientes que receberão contraste iodado necessitam criteriosa
avaliação e manejo para reduzir a probabilidade de complicações(3,5-7).
A equipe de enfermagem atuante na área de imagenologia tem papel fundamental na
assistência à clientela, na medida em que realiza a avaliação, as orientações e
o preparo do paciente para o procedimento, providencia os materiais
necessários, posiciona e acompanha o paciente durante o exame, administra o
contraste e observa as reações que possam ocorrer durante ou após o mesmo.
Portanto, os cuidados relacionados à prevenção, à identificação e ao tratamento
das reações adversas ao contraste iodado são ações fundamentais no cotidiano
dessa equipe.
Todavia, tais eventos ainda não encontram na classificação de diagnósticos de
enfermagem da NANDA uma terminologia apropriada que os defina como um
diagnóstico de enfermagem. Por outro lado, verifica-se que a Classificação das
Intervenções de Enfermagem (NIC) aponta algumas intervenções para uso na
Enfermagem Radiológica, porém sem associá-las a diagnósticos específicos desta
especialidade(8).
Partindo-se deste contexto, pensou-se em desenvolver diagnósticos de enfermagem
relacionados ao uso de contraste iodado, para subsidiar os cuidados de
enfermagem prestados aos pacientes submetidos a exames contrastados. As etapas
deste processo estão descritas a seguir.
ETAPAS DE CRIAÇÃO E SUBMISSÃO DOS NOVOS DIAGNÓSTICOS
A partir da idéia de criação dos novos diagnósticos, o primeiro passo foi
contatar a NANDA-I para averiguar se algum diagnóstico relacionado ao uso de
contraste iodado estaria em avaliação pelo Comitê de Desenvolvimento de
Diagnósticos (DDC Diagnosis Development Committee), por meio do endereço
eletrônico info@nanda.org. Poucos dias depois, a presidente do DDC respondeu
informando sobre a inexistência de submissão de diagnósticos de enfermagem
nesta área e encorajando a criação e o envio do material, segundo as
orientações constantes no site da NANDA:http://www.nanda.org/
DiagnosisDevelopment_/DiagnosisSubmission.aspx
É importante salientar que, nesse contato, a presidente do DDC relacionou o
diagnóstico já existente de "Resposta alérgica ao látex" ao
diagnóstico proposto, o que talvez indicasse a necessidade de criação de um DE
mais amplo como "Resposta alérgica". Isso evitaria a existência de
múltiplos diagnósticos relacionados à reação alérgica e seus diversos fatores
desencadeantes. Entretanto, argumentou-se que a reação ao contraste iodado não
se trata de processo alérgico, sendo classificada como um evento adverso e,
portanto, merecedor de um diagnóstico específico.
Assim, foi iniciado o processo de criação de dois novos DE, cujos títulos são
"Reação Adversa ao Contraste Iodado" e "Risco para Reação
Adversa ao Contraste Iodado".
Para isso, foi realizada uma revisão integrativa da literatura, que consiste
num método de revisão bastante amplo, que inclui pesquisas experimentais e não-
experimentais com o intuito de entender melhor um dado fenômeno(9). Esta busca
de artigos científicos foi necessária para dar suporte ao conteúdo dos DE em
todos os seus componentes, ou seja, título, definição, características
definidoras, fatores relacionados ou fatores de risco. Esta revisão também
permitiu evidenciar as principais intervenções de enfermagem e resultados de
enfermagem julgados como adequados para cada DE. As bases de dados consultadas
foram Pubmed, LILACS e SciELO, além de periódicos relacionados à área de
radiologia e imagem disponíveis no Portal da CAPES. Devido à escassez de
publicações sobre o assunto na língua portuguesa, a busca pela literatura
apoiou-se na combinação dos seguintes descritores: "Contrast Media"
(meios de contraste), "Drug Toxicity" (toxicidade de drogas),
"Extravasation of Diagnostic and Therapeutic Materials"
(Extravasamento de Materiais Terapêuticos e Diagnósticos) e "Adverse Drug
Reaction Reporting Systems" (Sistemas de Notificação de Reações Adversas a
Medicamentos). Além destes, outros termos mais amplos como, "adverse
reactions" (reações adversas) e extravasation (extravasamento) também
foram utilizados. Posteriormente, os artigos foram selecionados através da
leitura do material e avaliação da pertinência do conteúdo para o
desenvolvimento do trabalho. Conforme solicitação do DDC, os três principais
artigos foram assinalados com um asterisco na lista de referências.
Outro importante recurso foi a discussão de todos os itens componentes dos DE a
serem propostos com profissionais e professores atuantes no Grupo de Trabalho
sobre Diagnósticos de Enfermagem (GTDE) do HCPA, o que possibilitou
aprimoramento e maior objetividade na redação do texto. Vale ressaltar que o
Processo de Enfermagem é utilizado no HCPA, em todas as suas etapas, há mais de
três décadas e que o mesmo se constitui em objeto de constante aprimoramento, a
fim de proporcionar uma assistência de enfermagem qualificada(10-11).
Para estruturar a apresentação dos diagnósticos nos moldes preconizados pelo
DDC, também foram consultadas as taxonomias da NANDA, NIC e NOC (Nursing
Outcomes Classification). As duas últimas com o intuito de identificar as
intervenções e os resultados de enfermagem mais apropriados aos diagnósticos
propostos. Em etapa subseqüente, procurou-se inserir estes novos DE nos
domínios e classes da NANDA-I. No sistema desta classificação diagnóstica, os
DE são categorizados em domínios e classes, onde os domínios são uma esfera de
atividade, estudo ou interesse, que são subdivididos em classes específicas.
Assim, os diagnósticos criados foram relacionados ao Domínio 11 Segurança /
Proteção, na Classe 5 Processos Defensivos(1,8,12).
Finalmente, os novos diagnósticos de enfermagem foram submetidos à presidente
do DDC da NANDA- I, em formulário próprio e cópia da documentação exigida, por
meio de correio eletrônico. Todo o texto foi enviado em inglês, acompanhado
pelas respectivas referências de literatura nos padrões exigidos pelo DDC. Além
das orientações fornecidas pelo site e livro da NANDA-I, também foi utilizado
artigo publicado no International Journal of Nursing Terminologies and
Classification,o qual fornece informações bastante pertinentes(13). Nas figuras
de_1_a_3 consta o diagnóstico de risco encaminhado na íntegra, porém em língua
portuguesa para fins desta publicação. Salienta-se, que no formulário proposto
pelo DDC é necessário relacionar o novo diagnóstico a um DE existente e, neste
caso, o escolhido foi "Risco de resposta alérgica ao látex".
ANÁLISE DOS DIAGNÓSTICOS PELA NANDA INTERNACIONAL
O material enviado foi recebido pela presidente do DDC, que realizou uma
avaliação prévia do conteúdo e realizou um pequeno parecer, onde questionava se
a literatura que dava suporte aos conceitos dos diagnósticos também apoiava os
títulos dos mesmos. Uma vez que a resposta foi positiva e os demais aspectos
dos DE estavam contemplados, o material foi encami-nhado para todos os membros
do DDC.
A partir de então, seguiu-se um período de espera pela resposta do DDC, com
troca de algumas mensagens ele-trônicas solicitando pre-visão de retorno, além
de contato pessoal com a presidente do DDC durante a Conferência da NANDA
realizada em novembro de 2008, em Miami. Nesta ocasião foram reforça-das e
discutidas as idei-as de que tais DE seriam úteis na prática clínica de
enfermagem na área de imagenologia.
Finalmente, após aproximadamente seis meses desde o primeiro contato, o DDC
infor-mou que o diagnóstico de "Risco para Reação Adversa ao Contraste
Iodado" havia sido aprovado com mínimas alterações, que foram enviadas em
documento anexado para apreciação. Comunicou ainda, que o Comitê havia optado
por não aprovar o diagnóstico de "Reação Adversa ao Contraste
Iodado", porque o mesmo suscitou extensa discussão entre os membros
revisores. Alguns deles o consideraram um diagnóstico de enfermagem e outros
argumentaram que o mesmo seria um diagnóstico médico reformulado. Entretanto,
informou que haverá um novo encontro multidisciplinar, onde a discussão sobre
este diagnóstico específico e outros que se encontram em situação semelhante
será retomada.
O Quadro_1 demonstra as correções finais sugeridas pelo DDC para o diagnóstico
de risco e o encaminhamento da autora frente às sugestões.
Observa-se que as modificações realizadas evidenciaram preocupação em
sintetizar a definição e os fatores de risco do diagnóstico, não havendo
nenhuma consideração em relação aos exemplos de intervenções e resultados
sugeridos para o caso. A partir desse documento, foram sugeridas duas
modificações, como substituir a palavra câncer por feocromocitoma, entre as
doenças concomitantes, e incluir a ansiedade como fator de risco. Estas
modificações foram enviadas através de e-mail, com as respectivas argumentações
e referências bibliográficas. No momento atual, espera-se o retorno quanto às
últimas sugestões enviadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando-se a importância do diagnóstico de enfermagem na prática clínica,
enquanto etapa fundamental do processo de enfermagem, é imprescindível que
existam DE aplicáveis para todas as especialidades, orientando a escolha das
intervenções pertinentes para cada caso, de forma a se obter o melhor
resultado. Além disso, a existência de uma nomenclatura padronizada dá
visibilidade à atuação da enfermagem, o que contribui para o desenvolvimento
dos processos assistenciais, de ensino e de pesquisa. Portanto, espera-se que
este artigo sirva de modelo e estímulo para que os enfermeiros brasileiros
sigam contribuindo com o desenvolvimento dessa nomenclatura, seja com a criação
e submissão de novos diagnósticos, seja com revisões ou estudos de validação,
auxiliando no aperfeiçoamento e definição do conhecimento na enfermagem.