O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil
contemporâneo
E m maio de 1995, industriais de todo o país reuniram-se com deputados federais
e senadores filiados a partidos políticos de diversas tendências ideológicas na
sede da Confederação Nacional da Indústria ' CNI, em Brasília, para participar
do seminário Custo Brasil ' Diálogo com o Congresso Nacional. Desde então, e
até hoje, reduzir o custo Brasiltornou-se a expressão que resume a principal
demanda dirigida pelo empresariado industrial ao poder público para favorecer o
crescimento econômico do país, em geral, e o fortalecimento da indústria, em
particular.
Custo Brasilé uma expressão utilizada não apenas por empresários, mas também
por políticos, por acadêmicos, pela imprensa e pelo público em geral, para
designar fatores que prejudicam a competitividade das empresas do país diante
de empresas situadas em outros países. Na concepção utilizada neste artigo,
seis fatores compõem o custo Brasil: excesso e má qualidade da regulação da
atividade econômica; legislação trabalhista inadequada; sistema tributário que
onera a produção; elevado custo de financiamento da atividade produtiva; infra-
estrutura material insuficiente; infra-estrutura social deficiente (CNI, 1996a;
1998a).
Como explicar o fato de a indústria no Brasil, em meados da década de 90, ter
sido capaz de superar os problemas de ação coletiva típicos de um grupo formado
por muitos atores heterogêneos e de adotar uma agenda comum formada por temas
que superam as clivagens que dividem as empresas em função da competição pelo
mercado, ou do seu porte, ou do ramo de atividade em que atuam? Como explicar,
enfim, que a redução do custo Brasil se tenha constituído na síntese da agenda
política do empresariado industrial?
Na primeira seção do artigo, argumento que a emergência da pauta de interesses
comuns decorreu de dois fatores: em primeiro lugar, a elevação da
competitividade ao patamar de objetivo prioritário das empresas industriais; em
segundo, o trabalho conjunto de organizações do setor industrial para definir o
conteúdo do custo Brasil e pugnar por sua redução.
Na segunda, mostro como o setor industrial efetivamente atua ao longo do
processo de produção legislativa federal referente à questão do custo Brasil. A
atividade política do empresariado industrial é classificada em diferentes
modalidades de ação. Além disso, discuto o efeito das instituições que regem o
processo de produção legislativa sobre as atividades de articulação de
interesses desempenhadas pela indústria.
Na terceira seção, apresento o método adotado para mensurar o grau de sucesso e
insucesso obtido pela indústria em processos de produção legislativa relativos
ao custo Brasil.
Na quarta, apresento os resultados obtidos pela aplicação do método definido na
seção anterior.
As evidências resumidas na conclusão sugerem que o empresariado industrial
brasileiro geralmente é mais bem-sucedido em suas incursões no campo da
política do que parte da literatura faz supor.
O CUSTO BRASIL ENTRA NA PAUTA
Competitividade como Prioridade da Indústria no Brasil
A abertura comercial é um componente central do conjunto de medidas que foram
adotadas para reorientar o modelo econômico do país em uma direção mais
liberal. A tendência de queda nas barreiras tarifárias e não tarifárias às
importações foi predominante ao longo dos anos 90, feitas as devidas ressalvas
aos momentos em que a tendência geral foi contraposta por movimentos no sentido
contrário, ou seja, por aumentos de tarifas em benefício de setores industriais
específicos. Na verdade, as primeiras decisões relevantes no que tange à
abertura comercial remontam à metade final do governo Sarney. De fato, uma
revisão no quadro de tarifas do imposto de importação realizada em 1988 reduziu
a tarifa média incidente sobre produtos industriais de 55,6% para 37,5%, o que
representa uma queda global de 32,5% (Suzigan e Villela, 1997:215). O grande
impulso para a abertura comercial aconteceu, no entanto, sob o governo Collor.
Em 1990, no primeiro ano de seu governo, Collor extinguiu a maior parte das
barreiras não tarifárias às importações, não apenas abolindo uma lista composta
por centenas de produtos cuja importação era proibida, mas também pondo um fim
à grande maioria dos regimes especiais de importação (exceção feita, por
exemplo, aos casos da Zona Franca de Manaus e do setor de informática)1. Ainda
naquele ano, Collor promoveu uma série de reduções nas tarifas de importação de
produtos industrializados tais como têxteis; máquinas e insumos agrícolas; bens
de capital não produzidos no país; produtos químicos e petroquímicos; cimento;
alumínio e aço. Logo no início do ano seguinte, o governo divulgou um
cronograma de reduções graduais de tarifas a ser cumprido em quatro etapas
anuais, de 1991 a 1994. O cronograma foi cumprido e, mais do que isso, as duas
últimas etapas foram antecipadas, de modo que durante a administração Collor
foram vencidas três etapas do cronograma, e a última foi concluída no governo
de Itamar Franco, que sucedeu Collor após sua renúncia (Tabela_1).
Ao longo do primeiro semestre de 1994, sob o governo Franco, quando estavam
sendo lançadas as bases do Plano Real, foi deflagrada uma nova série de
reduções das tarifas de dezenas de produtos industrializados. As reduções
continuaram por todo o segundo semestre, após a adoção da nova moeda,
concentrando-se, todavia, em agosto e setembro, quando o governo emitiu
portarias que antecipavam a Tarifa Externa Comum ' TEC do Mercosul. A redução
de tarifas foi amplamente utilizada como uma medida para conter o aumento de
preços, que poderia colocar em risco o sucesso do programa de estabilização. Na
segunda metade da década de 1990, sob o governo Cardoso, foram mantidas as
tarifas reduzidas para a maioria dos produtos industrializados, mas já a partir
de 1995 alguns setores importantes da indústria nacional obtiveram tarifas mais
elevadas para os produtos concorrentes oriundos do mercado internacional, por
meio da inclusão de seus produtos na Lista Nacional de Exceções à TEC. Dentre
esses setores se destacam os de equipamentos de transporte, aparelhos
eletrodomésticos, produtos eletrônicos de consumo e alguns segmentos da
indústria têxtil e de vestuário (Hay, 1997; Suzigan e Villela, 1997).
A abertura comercial aumentou a entrada de produtos importados no mercado
brasileiro, que recebeu forte impulso adicional com a sobrevalorização do real
perante o dólar, prevalecente desde a adoção da nova moeda, em meados de 1994,
até 19982. O aumento das importações expôs a indústria a um grau inédito de
competição internacional (Suzigan e Villela, 1996; Moreira e Correa, 1997;
Rossi Júnior e Ferreira, 1999; Siqueira, 2000; Haguenauer et alii, 2001). O
coeficiente de importação para o setor industrial como um todo cresceu muito ao
longo da década de 1990, evoluindo de 5,9% em 1990 para 19,3% em 1998, um
aumento de aproximadamente 227% (Moreira, 1999).
As empresas do setor industrial não puderam permanecer alheias ao novo ambiente
de maior concorrência da década de 1990. Por um lado, a década foi marcada pelo
aumento das operações de fusão e de aquisição, lideradas por empresários
nacionais e estrangeiros que compraram empresas menos aptas para lidar com o
novo contexto (Bonelli, 2000; Miranda, 2001). Por outro lado, muitas empresas '
tanto as que foram submetidas a operações de fusão e aquisição, quanto as que
sobreviveram ' passaram por um processo intenso de ajuste, caracterizado pela
redução de pessoal empregado; redução das hierarquias no interior da firma;
introdução de processos produtivos mais compactos; concentração das atividades
das empresas nas áreas de maior competência, com a conseqüente redução das
operações realizadas diretamente pelas empresas (terceirização); implantação de
programas de melhoria da qualidade dos produtos; e por investimentos na
modernização das instalações existentes, favorecidos pelo barateamento dos bens
de capital devido à abertura aos importados e, a partir de 1994, à valorização
do real (Bonelli e Gonçalves, 1998; Bielchowsky, 1999; Siqueira, 2000; Castro,
2001; Coutinho e Ferraz, 2002).
O processo de ajuste empreendido por parcela significativa da indústria
brasileira em face do ambiente de menor proteção é identificado por vários
autores (Lyra, 1996; Sabóia e Carvalho, 1997; Bonelli, 2001) como o elo que
liga a abertura comercial ao grandioso crescimento da produtividade na década
de 1990, fartamente documentado pela literatura (Hay, 1997; Bonelli, 1998;
2002; Bielchowsky, 1999; Rossi Júnior e Ferreira, 1999; Moreira, 1999). A taxa
de crescimento da produtividade do trabalho na indústria na década de 1990 foi
superior não apenas à taxa média do período 1949-2000 como um todo, mas também
à taxa alcançada em períodos de avanço marcante da industrialização no país,
como as décadas de 1950, 1960 e 1970 (Tabela_2).
A contrapartida negativa do crescimento inédito da produtividade da indústria
brasileira na década de 1990 foi o aumento das demissões no setor, fenômeno que
a literatura associa, parcialmente, ao ajuste empreendido pelas firmas em
resposta ao maior grau de abertura da economia (Arbache et alii, 2001; Bonelli,
2001), mas que não pode ser atribuído exclusivamente àquele fator, sendo
necessário levar também em conta os efeitos negativos exercidos sobre o emprego
industrial pelo baixo crescimento econômico no período (Bonelli e Gonçalves,
1998; IEDI, 2000), freqüentemente associado às taxas de juros altas, sempre
mantidas muito acima das principais taxas de juros do mercado internacional e
elevadas ainda mais durante os períodos das crises do México em 1995, da Ásia
em 1997, da Rússia em 1998 e da Argentina em 2002. Os juros altos encareceram o
crédito e afetaram negativamente o nível de investimento na indústria (Pinheiro
et alii, 1999; Siqueira, 2000).
Em síntese, importa mostrar que a concorrência no setor industrial brasileiro
se tornou mais acirrada ao longo da década de 1990. Expostas ao novo cenário,
várias empresas não puderam subsistir e sucumbiram às fusões e aquisições.
Muitas empresas, por outro lado, responderam com estratégias de ajuste e com
elevação da produtividade. A competitividade tornou-se, portanto, a palavra-
chave para a sobrevivência nesse ambiente de menor proteção. As empresas e as
associações empresariais que pugnam pela redução do custo Brasil estão
convencidas de que esta medida teria repercussão positiva sobre a
competitividade industrial.
A CNI, a RedIndústria e as Agendas Legislativas da Indústria
O acirramento da concorrência e o desafio da competitividade são condições
necessárias, mas não suficientes para a formação de uma agenda política comum
centrada na redução do custo Brasil. Outro elemento que viabilizou a definição
da agenda foi o trabalho coletivo das organizações que representam os
interesses da indústria, coordenado pela CNI, entidade de cúpula do setor.
Com efeito, a CNI divulga anualmente, desde 1996, a Agenda Legislativa da
Indústria, publicação que exprime a posição do setor diante de proposições
legislativas que tramitam no Congresso Nacional e cuja aprovação, reforma ou
rejeição teria o potencial de reduzir o custo Brasil ou impedir o seu aumento.
A preparação das agendas legislativas é coordenada pela CNI e realizada pela
RedIndústria, rede de organizações empresariais que abrange, além da própria
CNI, as federações da indústria de todos os estados brasileiros e do Distrito
Federal, assim como dezenas de associações setoriais de abrangência nacional.
A constatação de que os industriais desempenham um vultoso trabalho conjunto
para identificar os projetos de maior impacto sobre o custo Brasil, definir uma
posição comum e promover esta posição durante o processo legislativo contraria
a tese da debilidade política da indústria no Brasil, defendida com vigor em
numerosos trabalhos recentes e que tem atingido o statusde sabedoria
convencional sobre o assunto na literatura internacional (Schneider, 1997a;
1997b; 1998; 2002; Weyland, 1998a; 1998b; 2001; Kingstone, 2001; Power e
Doctor, 2002). Os parágrafos seguintes resumem a essência da tese.
Em geral, a debilidade que esses trabalhos apontam pode ser entendida como a
incapacidade do empresariado industrial em atingir um consenso em torno de
objetivos comuns, assim como de mobilizar um apoio decidido para a realização
desses objetivos. Na situação particular em que o país se encontra, marcada
pela mudança do modelo de desenvolvimento econômico, a debilidade manifesta-se
na incapacidade de definir e promover as decisões políticas necessárias para
incrementar sua competitividade; em outras palavras, na incapacidade de
oferecer um apoio eficaz para a redução do custo Brasil. A realização das
reformas associadas à redução do custo Brasil é percebida por aqueles autores
como uma condição indispensável para que a iniciativa privada assuma a função
de protagonista que lhe é reservada pelo novo modelo de desenvolvimento. Por
sua vez, a debilidade política do empresariado industrial é concebida como o
fator que explica a incompetência do setor para viabilizar o desempenho de sua
parte naquela função3.
Para os expoentes da tese da debilidade da indústria, a causa fundamental da
debilidade é a configuração do sistema de representação de interesses do setor,
caracterizado simultaneamente pela fragmentação excessiva e pela falta de
representatividade das associações de maior abrangência.
Dividido por uma miríade de organizações ' tanto da estrutura corporativa
(sindicatos, federações e confederações), quanto da estrutura extracorporativa
(associações setoriais) ', o empresariado industrial mostra-se incapaz de
construir um acordo em torno de um programa voltado para o aumento da
competitividade sistêmica, e de atuar unido pelo sucesso desse programa.
Fragmentado em numerosas "coalizões distributivas" (Olson, 1982), o
empresariado industrial empenha os recursos políticos à sua disposição em rent-
seeking (Tullock, 1993), ou seja, para arrancar do poder público toda a sorte
de vantagens particulares, tais como tratamento tributário favorecido, crédito
subsidiado com taxas de juros diferenciadas, proteção especial contra a
competição, entre outras. Os benefícios criados artificialmente por decisões
casuísticas como essas são apropriados com exclusividade pelas empresas e
segmentos industriais privilegiados. A intenção de agir de forma tão estreita é
reforçada pela constatação de que o custo da ação política necessária para
alcançar os enormes benefícios exclusivos é sempre menor do que o custo da
mobilização da indústria como um todo. Em sua busca incessante por privilégios,
as organizações empresariais setoriais não demonstram nenhum interesse pelo
impacto que as medidas defendidas porventura irão exercer sobre o público em
geral. Do mesmo modo, as associações atomizadas não dispensam nenhuma atenção
para as conseqüências de suas demandas sobre as finanças públicas e a
estabilidade da economia do país.
A tendência centrífuga poderia ser contrabalançada pela atuação das entidades
empresariais de maior abrangência, como a CNI e a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo ' FIESP. Isto não ocorre, no entanto, porque essas
entidades são pouco representativas. Tanto a FIESP ' que representa os
industriais do estado mais industrializado do país ' quanto a CNI ' que
representa toda a indústria em âmbito nacional ' são associações que pertencem
ao sistema corporativista. Graças à legislação corporativista, associações de
grau inferior de diferentes níveis de relevância econômica têm importância
equivalente na vida política interna das associações de grau superior como a
FIESP e a CNI. Em decisões internas da FIESP, sindicatos patronais que
representam regiões e ramos industriais de relevância marginal dentro da
indústria paulista possuem peso equiparável ao dos sindicatos que representam
áreas e ramos industriais mais significativos.
No caso da CNI, as federações dos estados menos industrializados têm peso
semelhante ao das federações dos estados mais desenvolvidos. Ou seja, as
práticas corporativistas que prevalecem em entidades abrangentes como a FIESP e
a CNI distorcem a importância relativa dos diversos segmentos industriais,
exagerando a importância dos segmentos menos relevantes e atenuando a
importância daqueles mais expressivos. A distorção introduzida pelas práticas
corporativistas exerce um efeito direto e negativo sobre a representatividade
das associações mais abrangentes; afinal de contas, justamente os segmentos
industriais de maior poderio econômico não se reconhecem plenamente nestas
entidades. A distorção é especialmente perceptível no momento de seleção dos
líderes das associações, em que a escolha freqüentemente recai sobre
empresários de menor porte, provenientes de regiões de menor grau de
industrialização, em vez de incidir sobre os principais industriais das regiões
mais industrializadas do país. Como as associações de maior abrangência não
representam com fidelidade o conjunto da indústria, elas não têm condições de
engendrar uma ação coletiva conseqüente em favor dos objetivos que unificam o
setor ' por exemplo, a redução do custo Brasil. Assim, a falta de
representatividade dessas entidades também responde pela debilidade política da
indústria no país.
Os expoentes da tese da debilidade política do empresariado industrial não vêem
nenhuma saída para o problema de ação coletiva do setor dentro do aparato
organizacional atualmente existente. Os autores são unânimes em afirmar que a
alternativa mais promissora ' tanto para o setor, quanto para o país ' é a
criação de uma inédita associação empresarial de cúpula, que coloque a
indústria lado a lado com todos os outros setores da economia ' agricultura,
comércio, finanças e demais serviços. A nova associação multissetorial é vista
pelos autores como o fórum mais adequado para a formação de um consenso geral
em torno de políticas públicas capazes de tornar a economia nacional mais
eficiente. A associação ainda serviria, ao mesmo tempo, para potencializar o
alcance da ação política do empresariado e para contrapesar a busca de
interesses setoriais exclusivos ' problema que não é uma particularidade da
indústria, pois também está presente em todos os outros campos de atividade
econômica.
A Figura_1 resume o argumento dos proponentes da tese da debilidade da
indústria no Brasil.
Não cabe reparo algum à constatação dos autores sobre a presença generalizada
do comportamento de rent-seeking. De fato, não escapa a nenhum observador da
cena política brasileira que várias empresas e associações empresariais do
segmento industrial têm sabido explorar as oportunidades oferecidas pelo
sistema político para extrair vantagens particulares e que os privilégios assim
alcançados trazem conseqüências negativas para as finanças públicas e para o
resto da sociedade.
No entanto, os expoentes da tese da debilidade política da indústria parecem
ainda não ter notado que o comportamento de rent-seeking, embora amplamente
disseminado, não é a única forma de atuação política da indústria. A ação
política do setor é mais complexa e variada do que a tese faz supor. A lógica
exclusivista do rent-seeking convive com outras lógicas de ação política. Não
obstante a enorme fragmentação do empresariado industrial, e o impulso
centrífugo decorrente desta fragmentação, pelo menos desde meados da década de
1990 a indústria vem realizando um grande trabalho coletivo para definir e
defender uma posição comum em relação a propostas legislativas que tramitam no
Poder Legislativo federal e cuja aprovação, reforma ou rejeição pode contribuir
para a solução de problemas que afetam negativamente a competitividade de todo
o segmento.
Essa mobilização é o resultado da confluência entre um processo de natureza
econômica, que tornou a competitividade em meta prioritária, e a iniciativa de
um ator político ' a CNI ' que se dispôs a assumir o custo de organizar a ação
coletiva do setor e que é capaz de assumir esse custo, seja por ocupar uma
posição propícia como entidade de cúpula do segmento, seja por contar com
recursos financeiros suficientes, garantidos por seu quinhão na contribuição
sindical compulsória paga pelas empresas4.
A INDÚSTRIA ARTICULA SEUS INTERESSES
A atividade econômica desenvolvida pelas indústrias está exposta ao impacto de
inúmeras decisões tomadas cotidianamente por indivíduos que ocupam posições de
autoridade nos diversos Poderes ' Executivo, Legislativo e Judiciário ' de
âmbito municipal, estadual e federal. A percepção de que as decisões do poder
público têm o poder de interferir sobre as atividades das suas empresas leva
muitos empresários ' diretamente ou por meio de representantes ' a desenvolver
atividades de articulação de interesses.
Neste artigo, focalizo exclusivamente a articulação dos interesses do
empresariado industrial durante o processo de produção legislativa de âmbito
federal. Dessa maneira, sigo o caminho aberto pelos autores que primeiro
apontaram para o fato de que a redemocratização do Brasil, a partir de meados
da década de 1980, resultou no incremento das prerrogativas e da relevância
política do Congresso Nacional, atraindo para esse fórum a atuação de setores
sociais ' entre eles o empresariado industrial ' cuja atenção estava
concentrada prioritariamente em processos decisórios internos do Poder
Executivo (Aragão, 1994; 1996; 2000; Diniz e Boschi, 1999; 2000).
É inviável reconstituir em todos os detalhes possíveis o processo de
articulação dos interesses do empresariado industrial durante a tramitação de
qualquer proposição legislativa. A principal fonte de informação sobre a
atividade política da indústria que utilizo neste artigo é o LEGISDATA, banco
de dados eletrônico que a CNI mantém e atualiza diariamente5. Ele é composto
por informações referentes ao lobbyda indústria em face de milhares de
proposições legislativas que interessam ao setor e que tramitaram ou ainda
estão tramitando na Câmara dos Deputados, no Senado Federal ou no Congresso
Nacional. Dentre todas as proposições que formam o LEGISDATA, concentro a
atenção especificamente em um subgrupo: aquelas que figuram nas Agendas
Legislativas da Indústria. Não é possível afirmar que o LEGISDATA contenha a
descrição completa e exaustiva da articulação dos interesses do empresariado
industrial ao longo da tramitação dessas proposições. No entanto, o artigo
representa um esforço para explorar esse material de conteúdo riquíssimo e
inédito.
A indústria realiza intensa ação política durante a tramitação das propostas
que figuram nas Agendas Legislativas. As atividades realizadas pela indústria
podem ser classificadas em cinco categorias: acompanhamento, análise, tomada de
posição, orientação e pressão.
Em primeiro lugar, a indústria desenvolve um acompanhamentominucioso de cada
passo da tramitação das matérias de interesse do setor nas Casas do Legislativo
federal.
Em segundo lugar, a indústria analisa detalhadamente cada uma das proposições
legislativas. O processo de análise é contínuo, ou seja, o objeto da análise
não são apenas as proposições originais. Cada vez que uma alteração é
introduzida durante a tramitação do projeto que está sob foco ' o que ocorre
quando são apresentados substitutivos ou emendas, em comissões ou em plenário
', a indústria prepara nova análise, destacando o significado da alteração
introduzida à luz dos interesses do setor. As análises são elaboradas por
técnicos (advogados, economistas, entre outros) que focalizam as proposições de
acordo com sua especialização. Freqüentemente um mesmo projeto é objeto da
análise de vários técnicos com especialidades diferentes. Tendo em vista o que
concebem como interesses da indústria, os técnicos recomendam posições a serem
tomadas pelos que contratam seus serviços. Amiúde as análises são acompanhadas
por propostas alternativas sob a forma de emendas ou projetos completos.
Em terceiro, a indústria adota uma posição diante de cada projeto, tendo como
base a análise técnica. A posição tomada pela indústria em relação a cada
proposta pode ser contrária; contrária, com ressalvas; neutra; favorável, com
ressalvas ou favorável. A posição que a indústria toma sobre um projeto pode
ser alterada por diversas razões. A mudança de posição pode estar ligada à
adoção de um projeto substitutivo, à introdução de emendas no projeto original
ou ao surgimento de projetos novos apensados ao projeto original. A indústria
pode ser totalmente contrária a um projeto em um determinado momento (ou ter
ressalvas pontuais em relação a ele) e, em um momento seguinte, passar a
favorecê-lo, ao perceber que alternativas piores podem ser adotadas. A situação
inversa pode acontecer com um projeto ao qual a indústria é, a princípio,
favorável. Em um momento seguinte, a indústria pode deixar de apoiá-lo, ao
vislumbrar a possibilidade de uma alternativa melhor. A mudança de posição em
qualquer sentido possível pode estar ligada também ao surgimento de novas
informações, ponderações e pareceres.
A quarta atividade é a orientação. Os alvos principais dessa atividade são as
próprias entidades que representam o setor industrial. A idéia é disseminar o
resultado das análises técnicas das proposições legislativas, informar o que
está em jogo, justificar a posição tomada e conformar no âmbito do setor uma
avaliação homogênea das proposições.
Em quinto lugar, a indústria desenvolve um esforço de pressão política. A
prática da pressão corresponde diretamente à articulação de interesses, ou
seja, à apresentação de demandas aos tomadores de decisão. Pelo acima exposto,
fica claro que a pressão é a ação em que culmina todo o longo envolvimento
anterior da indústria com o processo de produção legislativa. A pressão
política pode ocorrer em diversos estágios da produção legislativa: no estágio
de discussão dos projetos nas duas Casas do Congresso Nacional, no de votação
dos projetos nas comissões ou no plenário, no da sanção (ou veto) presidencial,
ou ainda no estágio da votação pelos parlamentares de eventuais vetos do
presidente. A pressão política em defesa dos interesses do empresariado
industrial é exercida algumas vezes "por dentro" do processo de produção
legislativa, o que ocorre quando os tomadores de decisão convidam oficialmente
as entidades que representam os interesses do setor industrial para participar
de audiências públicas ou reuniões de trabalho e apresentar sua posição. Outras
vezes a pressão política é realizada "por fora" do processo normal de produção
legislativa, nos casos em que os contatos com os tomadores de decisão não
ocorrem em encontros oficiais e em que a iniciativa é tomada, em geral, pelos
representantes da indústria.
Quando uma proposição está tramitando na Câmara dos Deputados, no Senado
Federal ou no Congresso Nacional, a estratégia de pressão adotada pela
indústria é determinada pelas regras do regimento interno dessas instituições,
que organizam o trabalho legislativo e que designam os parlamentares que irão
desempenhar papéis-chave no processo de negociação em torno da proposição. Os
regimentos internos da Câmara, do Senado e do Congresso estabelecem, por
exemplo, que uma parte significativa do trabalho legislativo seja realizado no
âmbito de comissões temáticas ' permanentes ou temporárias. Naturalmente,
portanto, grande parte do esforço de pressão política realizado pelo
empresariado industrial ocorre quando as proposições estão tramitando nas
comissões. Nessa instância, os relatores são um alvo privilegiado da ação
política da indústria.
O esforço de pressão política também ocorre quando as proposições estão
tramitando no plenário da Câmara, do Senado ou do Congresso. Quando o projeto
está em plenário, os representantes da indústria geralmente entram em contato
com os líderes do governo e dos partidos, tendo em vista a aprovação ou
rejeição do projeto. Dependendo do caso, os representantes da indústria
pressionam os líderes pela rejeição ou aprovação ' total ou parcial ' de
eventuais projetos substitutivos, projetos apensados ou emendas. A estratégia
de pressão adotada pela indústria quando a proposição está em plenário aponta
para a importância dos líderes partidários no trabalho do Legislativo federal,
algo que já tem sido destacado em estudos recentes sobre as relações entre o
Poder Executivo e o Poder Legislativo no Brasil (Figueiredo e Limongi, 2000). O
ponto que enfatizo é que as regras que distribuem o poder no interior do
Legislativo brasileiro interferem não somente sobre as estratégias perseguidas
pelo Poder Executivo para promover sua agenda no Congresso, mas também sobre as
estratégias adotadas pelos grupos de interesse em suas atividades de pressão. A
estratégia da indústria é uma evidência de que os interesses organizados, em
seus cálculos políticos, já trabalham com a expectativa de que o comportamento
dos parlamentares no momento da votação será disciplinado. Afinal de contas, o
contato com as lideranças partidárias é realizado porque há a expectativa de
que estas irão orientar o voto de suas bancadas e de que as bancadas irão
acompanhar sua orientação. Se a indústria esperasse que os parlamentares se
comportassem de maneira indisciplinada, a estratégia dominante provavelmente
seria o contato com os parlamentares em base individual, o que,
presumivelmente, envolveria maior dispêndio de tempo e outros recursos.
Os poderes legislativos conferidos pela Constituição brasileira ao chefe do
Poder Executivo permitem que ele desempenhe um papel de relevância crucial no
processo de produção legislativa federal do país. Sendo assim, a indústria
possui forte incentivo para dirigir suas atividades de pressão política para o
Executivo. As atividades de pressão não se restringem aos diversos casos em que
ele é o autor da proposição sob análise. As atividades de pressão sobre o
Executivo também ocorrem durante a negociação em torno de proposições
apresentadas por parlamentares mas cujo conteúdo envolve diretamente, de uma
maneira ou de outra, segmentos do Executivo. Nos muitos casos em que o setor
industrial exerce pressão sobre o Executivo, esta pode ocorrer no momento em
que a proposição está sendo redigida; durante o processo de negociação do
projeto no parlamento ou no momento em que o presidente irá sancionar ou vetar
(total ou parcialmente) uma proposição aprovada pelo Poder Legislativo
(Mancuso, 2003).
Ao verificar que as entidades empresariais realizam uma intensa atividade de
pressão ao longo do processo de produção legislativa, este artigo agrega
evidências para confirmar o que outros cientistas políticos brasileiros já
chamaram a atenção anteriormente (Vianna, 1994; 1998; Diniz e Boschi, 1999): o
padrão de atuação daquelas entidades cada vez mais lembra o lobby americano,
fenômeno usualmente associado a sistemas pluralistas e considerado atípico em
sistemas de corporativismo de Estado.
O SUCESSO POLÍTICO DA INDÚSTRIA: MÉTODO DE MENSURAÇÃO
Esta seção apresenta o método formulado para avaliar em que medida os
resultados do processo legislativo correspondem efetivamente aos interesses da
indústria. Os casos focalizados são os projetos que figuram nas Agendas
Legislativas publicadas entre 1996 e 2003 e cuja tramitação foi encerrada até o
dia 23 de dezembro de 2003, último dia de trabalho do parlamento brasileiro
naquele ano.
O Quadro_1 expõe os critérios adotados para classificar os diversos tipos de
decisão como sucessos ou insucessos da indústria6. Existem cinco modalidades de
decisão que encerram definitivamente a tramitação de uma proposição
legislativa: esta pode ser transformada em norma jurídica; prejudicada (a
proposição em questão perde a oportunidade por causa de decisão referente a
outra proposição); rejeitada (em comissões com poder terminativo, no plenário
da Câmara, do Senado ou do Congresso Nacional); retirada pelo autor ou
arquivada ao final da legislatura
7.
Quando uma proposição legislativa é transformada em norma jurídica e a posição
da indústria em relação à versão final do projeto é favorável, com ou sem
ressalvas, então a decisão é contada como um exemplo de sucesso. Por outro
lado, se a posição da indústria é contrária, com ou sem ressalvas, à proposição
transformada em norma jurídica, então a decisão é contada como um insucesso.
Exatamente o mesmo critério é válido para o caso das proposições que foram
prejudicadas pela aprovação de outras propostas. Se a posição da indústria em
relação ao projeto que de fato foi aprovado é favorável, com ou sem ressalvas,
então a decisão é considerada um caso de sucesso. Se a posição da indústria é
contrária, com ou sem ressalvas, então a decisão é considerada um caso de
insucesso. Quando a aprovação de um projeto prejudica simultaneamente duas ou
mais proposições, a decisão é classificada apenas uma vez, para evitar a
múltipla contagem do mesmo evento.
O inverso ocorre nos outros três casos. Se a posição da indústria é favorável a
um projeto, com ou sem ressalvas, e ele é rejeitado, retirado pelo autor ou
arquivado ao final da legislatura, então a decisão deve ser entendida como um
insucesso da indústria. Por outro lado, se a posição da indústria é contrária
ao projeto, com ou sem ressalvas, e o projeto é rejeitado, retirado ou
arquivado, então a decisão deve ser concebida como um sucesso político da
indústria8.
O Quadro_2 mostra que os sucessos políticos da indústria podem ser divididos em
dois grupos, no que diz respeito ao impacto que exercem sobre o custo Brasil. O
primeiro grupo é formado pelos sucessos que efetivamentereduzem o custo Brasil.
É o que ocorre, por exemplo, quando um projeto apoiado pela indústria se torna
norma jurídica. O mesmo ocorre quando um projeto é prejudicado pela aprovação
de outro projeto que a indústria apóia. Ambos os casos envolvem um ganho
concreto, ou seja, uma mudança do status quopara melhor, de acordo com o ponto
de vista dos industriais. Os sucessos que formam o segundo grupo possuem um
significado diferente. Esses sucessos impedem o aumento do custo Brasil. Este
tipo de sucesso acontece quando a indústria é contrária a uma proposição e esta
é rejeitada, retirada ou arquivada. Todos os casos envolvem um alíviopara a
indústria, porquanto havia um risco real de piora do status quo, mas este foi
mantido, em vez de piorar.
O Quadro_3 ilustra que os insucessos políticos da indústria também podem ser
divididos em dois grupos, no que tange ao efeito que exercem sobre o custo
Brasil. Os insucessos que compõem o primeiro grupo consistem em insucessos que
aumentam o custo Brasil. Este tipo de insucesso ocorre quando uma proposição se
torna norma jurídica e a indústria é contrária à proposição. Ele também se dá
quando um projeto é prejudicado pela aprovação de outro projeto que a indústria
rejeita. Na perspectiva do empresariado industrial, em ambos os casos houve uma
perda, porque o status quo mudou para pior. Nos outros três casos, algo
diferente tem lugar. Os insucessos que constituem o segundo grupo impedem a
redução do custo Brasil. Eles acontecem quando os empresários do setor
industrial favorecem proposições que vêm a ser rejeitadas, retiradas ou
arquivadas. Nesses casos, havia uma oportunidade de melhora do status quo e a
oportunidade não foi aproveitada. O resultado para a indústria é a frustração,
posto que o status quo foi mantido, em vez de melhorar.
A discussão desenvolvida nos parágrafos anteriores é sintetizada no Quadro_4.
Antes de passar à discussão dos resultados, é oportuno reconhecer um limite
inerente ao método adotado, que pode ser resumido da seguinte forma: verificar
a ocorrência de um sucesso não corresponde a dizer que o sucesso ocorreu por
causada influência política da indústria.
O conceito de influência possui conotação causal. Dizer que o ator A influencia
o ator B no que diz respeito à decisão x é dizer que o comportamento de B no
caso da decisão x se altera no sentido desejado por A. O desejo de A é a causa,
o comportamento de B é o efeito (Dahl, 1988:26-27). A base de todo argumento
causal é o raciocínio contrafactual (King et alii, 1994:76-82). Dessa forma,
afirmar que a influência de um ator é a causa de uma decisão observada envolve
afirmar que aquela decisão não decorreu de outros fatores e que, portanto, não
teria acontecido ' ou seria diferente ' caso o ator não tivesse exercido sua
influência.
Tomemos como exemplo os cinco tipos de decisão que encerram definitivamente a
tramitação de uma proposição legislativa: o arquivamento ao final da
legislatura, a retiradapelo autor, a rejeição, a aprovação de outra proposição
que a prejudiqueou a transformação em norma jurídica. Nos três primeiros tipos
de decisão, atribuir os casos de sucesso à influência da indústria
corresponderia a dizer que, em vez de qualquer outro fator, foi o lobby
contrário às proposições legislativas que determinou o arquivamento, a retirada
ou a rejeição das propostas. Nos dois tipos de decisão restantes, atribuir os
casos de sucesso à influência da indústria consistiria em afirmar que, em vez
de qualquer outro fator, foi o lobby favorável às proposições legislativas
efetivamente aprovadas que provocou a aprovação daquelas proposições. No
entanto, em nenhuma circunstância as informações produzidas pela aplicação do
método autorizam o raciocínio contrafactual de que os sucessos políticos da
indústria não teriam ocorrido caso a indústria não tivesse realizado seu lobby,
seja ele defensivo ou ofensivo. Portanto, as informações geradas pelo método
não permitem atribuir o resultado do processo legislativo à influência da
indústria.
O SUCESSO POLÍTICO DA INDÚSTRIA: RESULTADOS
A Tabela_3 contém as decisões classificadas no artigo como êxitos ou malogros
políticos da indústria. De um total de 216 casos, 66 decisões (30,6%)
resultaram em normas jurídicas novas9; 37 projetos (17,1%) foram rejeitados
mediante decisões tomadas em comissões ou no plenário da Câmara, do Senado ou
do Congresso Nacional; 21 proposições (9,7%) foram retiradas de tramitação por
iniciativa do próprio autor e 92 propostas (38,8%) foram arquivadas na Câmara
ou no Senado ao final da legislatura.
A Tabela_4 apresenta os resultados obtidos com o emprego do método exposto
anteriormente para identificar os sucessos e insucessos da indústria10.
A última coluna da Tabela_4 informa que, independentemente do tipo de decisão
final tomada, a indústria obtém sucesso em nada menos que 66,7% dos casos
considerados (144 sucessos para um total de 216 decisões). No geral, portanto,
exatamente dois casos de sucesso ocorrem para cada caso de insucesso vivido
pelo setor. Há evidências sólidas contra a hipótese de que não existe
associação entre o tipo de decisão final e o resultado alcançado pela
indústria. De fato, o teste qui-quadrado indica que é muito baixa (0,009) a
chance de erro em respaldar a hipótese alternativa de que o tipo de decisão
final e o resultado obtido pelo empresariado industrial estão associados11.
A análise dos resíduos ajustados indica que, entre as novas normas jurídicas,
há significativamente mais casos de sucesso para a indústria do que seria
esperado se não houvesse qualquer associação entre o tipo de decisão final e o
resultado alcançado pelo setor12. Para os outros três tipos de decisão, os
resíduos ajustados não sustentam a afirmação de que há significativamente mais
' ou significativamente menos ' casos do que seria esperado se as duas
variáveis não fossem associadas. Entre as proposições rejeitadas e as
proposições arquivadas ao final da legislatura, a porcentagem de sucessos é bem
maior do que a porcentagem de insucessos (respectivamente, 64,9% contra 35,1% e
60,9% contra 39,1%), mas é ligeiramente inferior ao que ocorre em geral (66,7%
contra 33,3%). Apenas entre as proposições retiradas pelo próprio autor é
possível notar uma pequena prevalência de insucessos sobre sucessos (52,4%
contra 47,6%).
A Tabela_5 rearranja as informações oferecidas pela Tabela_4, para enfatizar o
impacto que os casos de sucesso ou insucesso da indústria exercem sobre o custo
Brasil. A Tabela_5 é baseada no Quadro_4. A primeira linha da tabela mostra que
37,5% dos sucessos políticos da indústria (54 sucessos) são obtidos com a
aprovação de normas jurídicas novas que reduzem o custo Brasil, e, portanto,
representam ganhos concretos para o segmento, pois mudam para melhor o status
quo. A primeira linha mostra também que 62,5% dos sucessos políticos da
indústria (90 sucessos) possuem uma natureza diferente. Não representam ganhos
diretos para o setor, mas produzem alívio por meio da rejeição, retirada ou
arquivamento de propostas que, se aprovadas, aumentariam o custo Brasile
mudariam o status quo para pior.
A segunda linha reúne os insucessos. Destes, 16,7% (12 insucessos) representam
perdas reais para a indústria, dada a aprovação de normas jurídicas que o setor
desaprova. Tais fracassos pioram o status quo e aumentam o custo Brasil. No
entanto, 83,3% dos insucessos (60 insucessos) são de outro tipo e consistem em
oportunidades desperdiçadas que frustram a indústria. Trata-se de projetos que
reduziriam o custo Brasilse fossem aprovados, mas que na verdade foram
rejeitados, retirados ou arquivados ao final da legislatura, preservando-se
assim o status quo, em lugar de melhorá-lo.
O teste qui-quadrado sugere que é muito pequena (0,002) a chance de erro em
rejeitar a hipótese de desassociação entre as variáveis e em aceitar a hipótese
oposta de que o resultado obtido pela indústria e o efeito da decisão política
sobre o status quo estão associados. O teste phi indica que há
significativamente mais casos de sucessos que mudam o status quo ' e
significativamente menos casos de sucesso que mantêm o status quo ' do que
seria esperado se não houvesse qualquer associação entre as variáveis13. A
constatação é válida ainda que a freqüência de sucessos que reduzem o custo
Brasil seja menor que a freqüência de sucessos que impedem o seu aumento. O
teste phi indica também que há significativamente mais casos de insucessos que
mantêm o status quo ' e significativamente menos casos de insucessos que mudam
o status quo, trazendo perdas reais ' do que seria esperado se as variáveis
fossem desassociadas.
Assim, a relação sucesso/insucesso entre as decisões que mudam o status quo é
de 4,5 (54 sucessos para 12 insucessos), como revela a primeira coluna da
Tabela_5. Ou seja, para duas decisões que representam uma perda para a
indústria, há nove decisões que representam ganhos reais! A segunda coluna
mostra que a relação sucesso/insucesso entre as decisões que mantêm o status
quo é de 1,5 (90 sucessos para 60 insucessos). Isto significa que, para duas
decisões que frustram o empresariado industrial, existem três decisões que
aliviam o setor. Dessa maneira, para a satisfação da indústria, não apenas os
sucessos prevalecem sobre os insucessos em ambos os casos, como a chance de
sucesso do setor no que diz respeito às decisões com maiores conseqüências
práticas ' aquelas que transformam o status quo ' é três vezes maior que a
chance de sucesso entre as decisões que mantêm o status quo intocado.
O elevado grau de sucesso político da indústria relativamente às decisões que
mudam o status quo pode ser explicado, em grande medida, pela afinidade do
setor com a versão final das proposições de autoria do Poder Executivo, Poder
da União que exerce preponderância na produção legislativa nacional.
De fato, trabalhos recentes têm mostrado de maneira inequívoca que o Poder
Executivo domina a produção legislativa federal no Brasil (Figueiredo e
Limongi, 2000; 2001). De acordo com esses trabalhos, a capacidade dos
presidentes brasileiros de ditar a agenda do parlamento decorre de dois
fatores.
Em primeiro lugar, decorre dos amplos poderes legislativos que a Constituição
de 1988 outorgou ao Poder Executivo. O presidente pode editar medidas
provisórias que surtem efeito a partir de sua edição, provocando alteração
imediata do status quo; pode solicitar urgência para seus projetos, forçando
assim, unilateralmente, a apreciação das proposições que apresenta dentro de um
prazo determinado; e pode vetar parcial ou totalmente as proposições que o
parlamento envia à sua sanção. Além disso, o presidente possui a prerrogativa
exclusiva de iniciar a legislação relativa à administração federal e de
formular o projeto anual de orçamento, que os parlamentares podem emendar mas
cujo limite de gastos não pode ser ampliado.
Em segundo lugar, a capacidade decorre do uso de recursos políticos para
construir coalizões de apoio majoritárias no parlamento. Nesse ponto, o papel
dos líderes partidários é crucial. Os presidentes negociam uma troca com os
líderes dos partidos políticos que formarão sua base de apoio: oferecem
controle sobre cargos na administração e influência política no governo em
contrapartida ao apoio das agremiações. A posse desses recursos torna os
líderes capazes de premiar os parlamentares leais e de punir os
correligionários infiéis à orientação do partido. Assim, os líderes têm
condição de cumprir, por meio da disciplina partidária, com a sua parte do
acordo: garantir o apoio de seus partidos às propostas do Executivo. Contando
com poderes legislativos extensos e com a disciplina de uma base aliada
majoritária, o presidente pode, em grande medida, determinar as proposições que
serão consideradas pelo Legislativo federal e quando elas serão consideradas.
É verdade que os autores da tese da dominância do Executivo na produção
legislativa nacional a formularam tendo em mente um objetivo específico:
refutar a idéia amplamente disseminada de que as instituições políticas
brasileiras ' especialmente a combinação rara de presidencialismo,
multipartidarismo e representação proporcional com lista aberta ' são
incompatíveis com a governabilidade. Não obstante, utilizarei a mesma tese
tendo em vista um problema diferente: entender a relação que existe entre a
dominância do Executivo e a sorte política dos interesses organizados ' neste
caso, os interesses do empresariado industrial. Ao fazer isso, acompanho uma
das sugestões oferecidas por King et alii (1994:17) para tornar um esforço de
pesquisa isolado em uma contribuição para a acumulação de conhecimento: mostrar
que uma tese formulada para um propósito particular pode ser aplicada para
iluminar outras questões, que vão além daquelas que lhe deram origem.
Em um cenário marcado pela preponderância do Executivo na produção legislativa
em geral, é razoável supor que a mesma preponderância irá reproduzir-se no
subconjunto das normas jurídicas que mais interessam à indústria. Assim, a
sorte da indústria no que tange às decisões políticas que mudam o status quo
irá depender, em grande medida, da congruência entre sua posição e os textos
resultantes de projetos do Poder Executivo. Sucessos que produzem ganhos
tangíveis ocorrerão amiúde caso o nível de congruência seja alto; insucessos
que acarretam perdas serão freqüentes caso o nível de congruência seja
reduzido.
Efetivamente, o que se verifica na produção legislativa em geral também se
verifica entre as proposições mais importantes para o empresariado industrial,
como mostra a Tabela_6. É sólida a evidência de associação entre a autoria dos
projetos e o impacto das decisões finais sobre o status quo, pois o teste qui-
quadrado sugere que é minúscula (0,000) a chance de erro envolvida em afirmar
que tal associação existe. Dentre as decisões que resultam em normas jurídicas
novas e, portanto, mudam o status quo ' sejam elas classificadas como sucessos
ou insucessos da indústria ', as decisões referentes a projetos do Poder
Executivo predominam nitidamente sobre as referentes a projetos do Poder
Legislativo. No caso particular dos sucessos, a proporção de decisões relativas
a projetos do Executivo chega a 83,3% (45 em 54), enquanto no caso dos
insucessos a proporção corresponde a 75% (9 em 12). A análise dos resíduos
ajustados indica que, em ambos os casos, há significativamente mais decisões
relativas a projetos do Executivo do que seria esperado se a origem dos
projetos e o impacto das decisões finais sobre o status quo não estivessem
associados. A magnitude dos resíduos ajustados indica que a diferença entre a
quantidade de casos observados e esperados é muito mais ampla entre os sucessos
do que entre os insucessos.
Assim, a vantagem crucial da indústria é que, na realidade, sua posição
converge com as normas jurídicas resultantes de projetos do Poder Executivo na
grande maioria das vezes. A primeira coluna da tabela mostra que a convergência
ocorre em 45 casos, enquanto a terceira mostra que a divergência ocorre em
apenas 9 casos. Ou seja, para um total de 54 normas jurídicas oriundas de
projetos do Poder Executivo, a relação sucesso/insucesso é igual a 5. Em outras
palavras, para cada episódio de insucesso da indústria, em que o status quo
muda para pior e o custo Brasil aumenta, há cinco episódios de sucesso político
do segmento, em que o status quo muda para melhor e o custo Brasil diminui14.
A tendência favorável à aprovação de projetos do Poder Executivo coexiste com a
tendência contrária à aprovação de projetos do Poder Legislativo. Esta
afirmação é correta em geral e para o subconjunto de projetos mais relevantes
para a indústria, em particular. A Tabela_6 revela que, entre as decisões que
mantêm o status quo, as decisões relativas a projetos do Poder Legislativo
claramente superam as relativas a projetos do Poder Executivo '
independentemente da qualificação dessas decisões como sucessos ou insucessos
da indústria. No caso das decisões qualificadas de sucessos, a proporção de
decisões relativas a projetos do Legislativo atinge a elevadíssima marca de
91,1% (82 em 90), enquanto no caso dos insucessos a proporção é de 83,3% (50 em
60). A análise dos resíduos ajustados indica que, nos dois casos, há
significativamente mais decisões referentes a projetos do Legislativo do que
seria esperado em caso de independência entre a origem dos projetos e o impacto
das decisões finais sobre o status quo. A magnitude dos resíduos ajustados
indica que a diferença entre a quantidade de casos observados e esperados é bem
maior entre os sucessos do que entre os insucessos.
Dessa forma, na maior parte das vezes em que projetos do Legislativo deixam de
ser aprovados, a decisão de manter o status quo, ao invés de modificá-lo,
representa um alívio para a indústria, e não uma frustração. A segunda coluna
da tabela mostra que há 82 episódios em que a decisão tomada correspondeu a um
alívio (62,1% dos projetos não aprovados de parlamentares) e a quarta coluna
mostra que há 50 eventos de frustração (37,9% dos projetos não aprovados). Ou
seja, para um total de 132 decisões referentes a projetos do Legislativo que
não foram aprovados, o número de sucessos é 64% maior que o número de
insucessos.
Em resumo, a Tabela_6 indica que os sucessos da indústria prevalecem sobre os
insucessos nas duas situações mais usuais: quando os projetos do Poder
Executivo são transformados em normas jurídicas e quando os projetos do Poder
Legislativo deixam de ser aprovados. Em outras palavras, a indústria é
simultaneamente beneficiada pelas duas tendências predominantes no processo
brasileiro de produção legislativa: de um lado, existe a tendência favorável à
aprovação das propostas do Poder Executivo, e esta tendência trabalha em favor
da indústria, dado o alto grau de afinidade do setor com as propostas do
governo; de outro lado, existe a tendência contrária à aprovação das propostas
do Legislativo, e esta tendência também trabalha em favor do segmento, uma vez
que a maior parte das propostas de parlamentares é interpretada como uma
ameaça, e não como uma oportunidade. Os sucessos também são mais freqüentes que
os insucessos em uma situação menos comum: quando os projetos do Poder
Legislativo são transformados em norma jurídica. Nos 12 casos em que isso
ocorre, há 9 sucessos e 3 insucessos, o que corresponde a 3 êxitos políticos da
indústria para cada malogro. Finalmente, em apenas uma circunstância se
verifica um predomínio ligeiro dos insucessos sobre os sucessos: quando os
projetos do Executivo deixam de ser aprovados. Nessa circunstância pouco
habitual, a mencionada afinidade da agenda da indústria com a agenda do
Executivo explica por que os episódios de frustração (10 observações) superam
os episódios de alívio (8 observações).
Os dados da Tabela_7 permitem-nos verificar que os sucessos predominam sobre os
insucessos em todos os itens que compõem o custo Brasil. Dentre estes, a maior
porcentagem de sucessos verifica-se entre as proposições de infra-estrutura
social (educação, saúde e previdência social). Neste tema, o nível de sucesso
atinge a elevada marca de 77,8% dos casos. O de sucesso também é superior ao
nível geral (66,7%) em dois outros itens do custo Brasil: entre as proposições
de legislação trabalhista (74,6%) e entre as de infra-estrutura material
(68,4%). O grau de sucesso é inferior ao nível geral entre as proposições
relativas ao custo de financiamento (62,5%), à regulamentação da atividade
econômica (61,4%) e ao sistema tributário (57,9%). O teste qui-quadrado não
oferece evidências contra a hipótese de que não há associação entre os temas
das proposições e o resultado alcançado pela indústria. De fato, a chance de
erro em rejeitar a hipótese nula é muito alta (0,409). Assim, em nenhum item do
custo Brasil há significativamente mais ou significativamente menos casos
observados de sucesso ou insucesso do que seria esperado dada a hipótese de
desassociação entre as variáveis.
A maior parte das entidades empresariais que participam da elaboração das
Agendas Legislativas da Indústria concorda com a afirmação de que a importância
de cada um dos itens que compõem o custo Brasil é aproximadamente igual ' seja
para o segmento industrial como um todo, seja para as empresas que cada
entidade representa (Tabela_8).
De tal modo, o resultado não sugere a necessidade de atribuir peso diferente
aos sucessos políticos colhidos pelo empresariado industrial em cada tema do
custo Brasil. Além disso, permite afirmar que a indústria não somente é mais
bem-sucedida do que supõem os proponentes da tese da debilidade política, como
também os seus êxitos superam os fracassos em todos os aspectos de relevância
similar da agenda pró-competitividade.
O que pode ser dito quando os sucessos e insucessos da indústria em cada item
do custo Brasilsão avaliados quanto ao impacto que exercem sobre o status quo?
Em cada item, qual é a proporção de sucessos que efetivamente mudam o status
quo para melhor, ocasionando ganhos tangíveis para o empresariado industrial?
Qual é a proporção de sucessos que trazem alívio para o setor, impedindo a
piora do status quo? Tema por tema, a proporção de sucessos de cada tipo é
sempre semelhante à proporção observada em geral, como mostra a Tabela_5? Ou há
variações relevantes? Quanto aos insucessos, qual é a proporção de decisões que
causam perdas reais, em cada tema? Qual é a proporção de decisões que frustram
as esperanças da indústria? A proporção de insucessos de cada tipo, em cada
tema, segue de perto a proporção observada na Tabela_5? As respostas para essas
perguntas são dadas pela Tabela_9.
Os dados da Tabela_9 complementam as informações da Tabela_7. Os sucessos
predominam sobre os insucessos em todos os itens que compõem o custo Brasil,
mas o tipo de sucesso prevalecente em cada item nem sempre é o mesmo.
Há dois temas em que se nota um predomínio significativo de sucessos políticos
que ocasionam ganhos tangíveis para a indústria: regulamentação da economia e
infra-estrutura material15. Os sucessos que alteram o status quo para melhor
também são maioria entre as decisões relativas ao custo de financiamento, mas,
nesse caso, a superioridade não chega a ser estatisticamente expressiva. Note-
se portanto que, para esses temas específicos do custo Brasil, o tipo de
sucesso predominante é diverso do tipo que prevalece para o conjunto geral das
decisões, como mostra a Tabela_5. Em outros dois temas ' legislação trabalhista
e sistema tributário ' predominam justamente os sucessos políticos defensivos,
que proporcionam alívio para a indústria mediante a rejeição, retirada ou
arquivamento de projetos cuja aprovação aumentaria o custo Brasil. Nesses
casos, no entanto, a freqüência observada de sucessos defensivos não é
significativamente maior que a freqüência esperada16. Entre as decisões
referentes à infra-estrutura social, a proporção de sucessos que reduzem o
custo Brasil é igual à proporção de sucessos que barram sua ampliação.
A Tabela_10 ajuda a entender por que, em alguns temas do custo Brasil,
sobressaem os sucessos que conferem ganhos para o empresariado industrial,
enquanto em outros temas os sucessos que causam alívio formam a maioria.
A diferença entre os temas do custo Brasilno que tange ao tipo prevalecente de
sucesso deve-se, em grande medida, à origem dos projetos. A maior parte dos
projetos de regulamentação da economia e infra-estrutura material que
resultaram em sucessos para a indústria é de autoria do Poder Executivo. Em
ambos os casos, a tendência favorável à aprovação de projetos do Executivo
operou em máxima potência: todos os projetos do Executivo foram transformados
em norma jurídica17. Por si só, este resultado já garantiria a superioridade
dos sucessos que melhoram o status quo. Não obstante, o percentual desse tipo
de sucesso foi elevado ainda mais um pouco, nos dois temas, por causa da
aprovação de alguns projetos oriundos do Poder Legislativo. No caso dos
projetos relativos ao custo de financiamento, os dois do Poder Executivo também
foram aprovados, mas isoladamente eles seriam insuficientes para garantir o
predomínio dos êxitos que reduzem o custo Brasil. Este predomínio ocorreu
porque um projeto do Poder Legislativo obteve aprovação.
Por outro lado, a maior parte dos projetos relativos à legislação trabalhista e
ao sistema tributário que resultaram em sucessos para a indústria é de autoria
de parlamentares. A tendência contrária à aprovação de projetos do Poder
Legislativo atuou plenamente nos dois itens, pois todos os projetos de
deputados e senadores foram rejeitados, retirados ou arquivados, o que
determinou a predominância de alívios para a indústria18.
Assim como nos outros casos, também no caso específico dos projetos de infra-
estrutura social, o Poder Executivo é o autor da maior parte dos projetos
transformados em normas jurídicas que melhoram o status quo, enquanto o Poder
Legislativo é a origem da maior parte dos projetos que ocasionam sucessos
defensivos19. Entretanto, pequenos desvios em relação às tendências
predominantes do processo legislativo provocaram o equilíbrio entre os dois
tipos de sucesso neste item das Agendas Legislativas da Indústria.
A permanente inferioridade dos insucessos em relação aos sucessos,
independentemente do tema do custo Brasil, não é o único fato que chama a
atenção. Deve-se ressaltar ainda que em nenhum tema do custo Brasilse verifica
a preponderância dos insucessos políticos mais perigosos para a indústria,
aqueles que impõem perdas efetivas para o setor. Em quase todos os itens das
Agendas Legislativas, a grande maioria dos insucessos consiste em decisões que
desapontam a indústria, por meio da rejeição, retirada ou arquivamento de
projetos que ela apóia ' exatamente o mesmo tipo de insucesso que prevalece no
conjunto geral das decisões (Tabela_5). A exceção fica por conta das
proposições de infra-estrutura social, em que a freqüência dos dois tipos de
insucessos é a mesma.
A origem dos projetos também ajuda a entender por que a frustração de
oportunidades é o tipo de insucesso mais freqüente em quase todos os temas do
custo Brasil ' como indica a Tabela_11.
Exceto no caso dos projetos de infra-estrutura social, o Poder Legislativo é a
origem da maior parte dos projetos que resultaram em insucessos para a
indústria. A tendência desfavorável à aprovação dos projetos de parlamentares
obrou com intensidade elevadíssima ' quando não em grau total ' em praticamente
todos os itens do custo Brasil. Deste modo, as derrotas da indústria
consistiram, predominantemente, na frustração decorrente da impossibilidade de
realizar os benefícios potenciais prometidos por propostas de parlamentares20.
CONCLUSÕES
Em resumo, o empresariado industrial tem se mostrado um ator político
fortemente interessado na redução do custo Brasil, ou seja, na implementação de
políticas públicas que o setor julga necessárias para aprimorar a
competitividade das empresas do país em comparação com empresas situadas em
outros países.
Com esse propósito, os industriais têm realizado um grande trabalho coletivo
para identificar, dentre os projetos que tramitam no Congresso Nacional,
aqueles que possuem maior efeito potencial sobre o custo Brasil; para definir
uma posição unificada diante dos projetos mais relevantes; e para promover sua
posição durante o processo decisório. Tal trabalho comum é coordenado pela CNI,
que divulga anualmente, desde 1996, a Agenda Legislativa da Indústria,
publicação que condensa e exprime a posição do segmento.
Essas constatações vão de encontro ao que sustentam os proponentes da tese da
debilidade política da indústria no Brasil, que representam os empresários do
setor como inábeis para a ação coletiva e atribuem esta inabilidade, em grande
medida, à presença do sistema corporativista de representação de interesses,
principal responsável, ao mesmo tempo, pela fragmentação excessiva do
empresariado e pela falta de representatividade das associações empresariais
mais abrangentes.
Os resultados apresentados na seção anterior acrescentam evidências contra a
tese da debilidade da indústria. A indústria não somente tem sido capaz de
identificar projetos de lei referentes ao custo Brasil e de definir e defender
seu ponto de vista em relação a eles, mas também tem obtido um índice de
sucesso elevado ' conclusão autorizada pelo confronto sistemático entre a
posição da indústria e o teor da decisão final sobre os projetos das Agendas
Legislativas que tiveram tramitação encerrada. De fato, os resultados apontam
que o nível de êxito político da indústria é considerável: dois terços das
decisões podem ser classificados como sucessos, contra um terço das decisões
finais que é classificado como insucesso (Tabela_4).
Os sucessos prevalecem sobre os insucessos tanto entre as decisões que mudam o
status quo ' ou seja, há mais ganhos do que perdas ' quanto entre as decisões
que mantêm o status quo ' ou seja, há mais alívios do que frustrações. Os
sucessos que mantêm o status quo são mais freqüentes do que os sucessos que o
alteram; no entanto, a chance de sucesso da indústria entre as decisões que
mudam o status quo ' e, portanto, têm maiores conseqüências práticas ' é três
vezes maior que a chance de sucesso entre as decisões que o preservam. O tipo
de insucesso político mais freqüente é justamente o mais inofensivo ' aquele
que provoca frustração de expectativas, mas não ocasiona perdas reais (Tabela
5).
Essa situação extremamente positiva para o empresariado industrial se verifica,
em grande medida, porque as duas tendências principais do processo legislativo
brasileiro operam em favor do segmento: por um lado, a tendência favorável à
aprovação de projetos do Poder Executivo geralmente beneficia a indústria, por
causa do alto grau de afinidade do setor com as normas oriundas de proposições
do governo federal; por outro lado, a tendência contrária à aprovação de
projetos do Poder Legislativo mais beneficia do que prejudica a indústria,
porque ela avalia a maior parte das propostas apresentadas por deputados e
senadores como uma ameaça aos seus interesses (Tabela_6).
Os sucessos predominam sobre os insucessos em todos os temas do custo Brasil e,
apesar das variações do grau de sucesso de tema para tema, em nenhum deles a
incidência observada de sucessos é significativamente inferior à incidência
esperada (Tabela_7). Posto que os integrantes da RedIndústria atribuem
relevância similar a todos os temas do custo Brasil ' seja para a indústria
como um todo, seja para as empresas que suas organizações representam ', não há
nenhuma razão aparente para supor que o grau de sucesso alcançado em um tema é
mais ou menos importante do que o grau de sucesso obtido em outros temas
(Tabela_8).
As duas principais tendências do processo legislativo federal também ajudam a
explicar o tipo predominante de sucesso e de insucesso em cada tema do custo
Brasil. Em alguns temas ' especialmente regulamentação da economia e infra-
estrutura material ' existe uma nítida superioridade dos sucessos que mudam o
status quo para melhor, gerando ganhos para a indústria, em relação aos
sucessos que mantêm o status quo, causando alívio. Portanto, para esses casos,
o tipo usual de sucesso político é o oposto do tipo mais freqüente em geral. Em
grande medida, este resultado ocorre porque a maioria dos projetos que
ocasionam sucessos para a indústria é de autoria do Poder Executivo. A
tendência favorável à aprovação dos projetos do Executivo, associada à
afinidade da indústria com as normas jurídicas vindas de projetos do Executivo,
explica a elevada freqüência de ganhos em ambos os casos. Em outros itens do
custo Brasil' legislação trabalhista e sistema tributário ' verifica-se uma
clara preponderância dos sucessos que oferecem alívio. O resultado é
explicável, em grande medida, porque a maior parte dos projetos que ocasionam
sucessos é formada por projetos de parlamentares que representam um risco para
os interesses da indústria, mas que estão sujeitos à tendência contrária à
aprovação de projetos oriundos do Legislativo. Em praticamente todos os temas
do custo Brasil ' exceto infra-estrutura social ' prevalece o mesmo tipo de
insucesso que prevalece em geral: o insucesso menos prejudicial, que produz
frustração, em vez de perdas. Isto ocorre, em grande medida, porque em quase
todos os temas a maioria notável das decisões classificadas como insucessos se
refere a projetos de parlamentares, que correspondiam aos interesses da
indústria (Tabelas_9, 10 e 11).
O grau de sucesso obtido pelo setor industrial é muito expressivo,
especialmente quando confrontado com as expectativas contrárias dos expoentes
da tese da debilidade política da indústria. No entanto, é prudente reconhecer
que não existem evidências suficientes para afirmar que os sucessos políticos
ocorreram por causa do lobby realizado ao longo do processo legislativo pelos
industriais e/ou pelos representantes de seus interesses.
Também é sensato reconhecer que o expressivo índice de sucesso político
alcançado pela indústria se refere a um momento histórico preciso, situado
entre a segunda metade da década de 90 e a primeira metade da década de 2000.
No que diz respeito ao passado, é legítimo questionar se a indústria sempre
manteve um nível tão alto de sucesso no processo legislativo federal, desde que
o Congresso Nacional retomou em plenitude as suas prerrogativas políticas, com
a redemocratização. Eventualmente, uma investigação de maior alcance histórico
poderia constatar que a preponderância de sucessos no período analisado
configura uma exceção, e não a norma. No que tange ao futuro, nada assegura que
a atual situação favorável ao empresariado industrial irá continuar, nada
impede que a situação mude para pior. Em política, muitas vezes as vitórias são
fugazes, e o caráter dinâmico do processo político torna passível de reversão,
no futuro, grande parte dos sucessos obtidos no presente por um ator social.
A argumentação desenvolvida no artigo questiona aspectos fundamentais da tese
da debilidade política da indústria, que tem atingido o statusde nova sabedoria
convencional sobre o comportamento político do setor, especialmente entre
importantes autores estrangeiros. Sob outros matizes, a mesma idéia de que a
desunião e a fraqueza coletiva distinguem o empresariado industrial brasileiro
já foi contestada em trabalhos anteriores, que se tornaram referências na
literatura sobre a matéria (Diniz e Boschi, 1978:153-199; Leopoldi, 2000). O
debate acadêmico sobre o assunto revela-se muito promissor. Há muito espaço
para novos estudos sobre a organização da indústria para a ação política e
sobre sua atuação efetiva diante dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário em âmbito federal, estadual e local. Somente o acúmulo de estudos
inspirados teoricamente e orientados empiricamente permitirá o entendimento
mais preciso dos resultados alcançados por esse segmento de classe.
NOTAS
1. Ao final do governo Sarney havia dezenas de regimes especiais de importação,
sob os quais se dava a entrada da grande maioria de produtos estrangeiros no
mercado nacional. Dentro desses regimes, as importações ocorriam com tarifas
especialmente reduzidas, desde que fosse observada a Lei do Similar Nacional,
que estabelecia que um produto somente poderia ser importado se ficasse
comprovado que nenhum produto similar era produzido no país. Dada a prevalência
de tais regimes, a redução das tarifas do imposto de importação sob o governo
Sarney teve um efeito mais simbólico do que prático (Suzigan e Villela, 1997:
76).
2. A desvalorização do real a partir de 1999 contribuiu para a redução das
importações (IEDI, 2002), mas o efeito da ampliação da concorrência sobre a
indústria nacional já se fizera sentir ao longo de toda a década.
3. Reformas associadas à redução do custo Brasilvêm sendo realizadas desde o
início da década passada, tais como privatizações, concessões de serviços
públicos, desregulamentação da economia, mudanças na previdência social,
mudanças no sistema tributário, entre outras. Permanece vívida a discussão
sobre o impacto real dessas mudanças no custo Brasil. De qualquer maneira, hoje
faz pouco sentido entender a debilidade política do empresariado industrial
como uma explicação para a inexistência das reformas. Portanto, a tese figura
em trabalhos mais recentes sob uma versão mitigada, em que a debilidade
política do empresariado é reinterpretada como um fator que impede que a
redução do custo Brasil ganhe em ritmo, abrangência e profundidade.
4. A contribuição sindical responde pela sustentação financeira de todos os
níveis da estrutura corporativista, uma vez que a contribuição paga por uma
empresa é distribuída entre o sindicato, a federação e a confederação que a
representam (CLT, artigo 589).
5. A Coordenadoria de Assuntos Legislativos ' COAL da CNI concedeu gentilmente
ao pesquisador o acesso ao LEGISDATA, em um exemplo raro e louvável de
transparência.
6. A posição da indústria sobre as proposições legislativas foi obtida por meio
de duas fontes: as próprias Agendas Legislativas e o LEGISDATA. O teor das
decisões tomadas também foi obtido em duas fontes: o LEGISDATA e o Sistema de
Informações do Congresso Nacional ' SICON-SF, atualizado diariamente pelo corpo
técnico do PRODASEN ' Serviço de Processamento de Dados do Senado Federal.
7. O regimento da Câmara (art. 105) determina o arquivamento de todas as
proposições ao final da legislatura, exceto aquelas com pareceres favoráveis de
todas as comissões; as já aprovadas pelo plenário em turno único, primeiro ou
segundo turno; as que já tenham tramitado no Senado ou sejam dele originárias e
as proposições de iniciativa popular, de iniciativa de outro Poder ou do
procurador-geral da República. O regimento do Senado (arts. 332 e 333)
determina o arquivamento de todas as proposições ao final da legislatura,
exceto aquelas com parecer favorável das comissões e as originárias da Câmara
ou por ela revisadas. As proposições em tramitação há duas legislaturas são
arquivadas automaticamente.
8. As ressalvas poderiam refinar a dicotomia "sucesso X insucesso", criando-se
a partir dela quatro categorias: sucesso completo e parcial (quando há
ressalvas), e insucesso completo e parcial (quando há ressalvas). A principal
vantagem seria destacar nuanças que previnem a concepção de sucesso ou
insucesso político como uma questão de "tudo ou nada". Entretanto, a vantagem
não supera a desvantagem. As duas categorias novas conteriam pouquíssimos
casos, e por este motivo dificultariam sensivelmente a análise estatística dos
resultados. Somente 16,7% dos sucessos (24 casos em 144) seriam classificados
como sucessos parciais. Apenas 2,8% dos insucessos (2 casos em 72) seriam
classificados como insucessos parciais. Portanto, a opção por manter a
dicotomia é justificável. Admita-se, todavia, que algumas decisões
classificadas como sucessos não são decisões perfeitas aos olhos dos
industriais, embora as imperfeições sejam insuficientes para alterar a
classificação. Ao mesmo tempo, há decisões contabilizadas como insucessos que
possuem aspectos aceitáveis pelos empresários.
9. Sessenta projetos das Agendas Legislativas foram transformados em normas
jurídicas. As outras seis normas vieram de projetos que não estavam nas
publicações, mas cuja aprovação prejudicou oito projetos das Agendas.
10. Para solicitar uma cópia das bases de dados que originaram as tabelas, os
interessados devem enviar uma mensagem para pralon@usp.br. A base de dados está
disponível em arquivos dos programas Excel, Access e SPSS.
11. Nesta tese, a hipótese de que não há associação entre as variáveis não será
rejeitada quando a chance de erro tipo I (rejeitar a hipótese nula quando ela é
verdadeira) for maior que 0,05.
12. O resíduo ajustado é uma medida calculada para cada célula de uma tabela de
contingência. Para cada célula, ou seja, para cada combinação entre as
categorias das variáveis utilizadas, o resíduo ajustado indica se há ou não há
significativamente mais (ou menos) casos do que seria esperado se as variáveis
não estivessem associadas. O resíduo ajustado indica que há significativamente
mais casos do que o esperado quando é maior que 1,96. Por outro lado, o resíduo
ajustado indica que há significativamente menos casos do que o esperado quando
é inferior a -1,96. Quando o resíduo ajustado se situa no intervalo entre -1,96
e 1,96, não há diferença significativa entre o número de casos esperado e o
número de casos observados. Para calcular os resíduos ajustados, utilizei o
programa SPSS, que arredonda o valor dos resíduos, apresentando-o com apenas
uma casa decimal. Portanto, o resíduo ajustado é significativo quando for igual
ou maior que |2,0|.
13. Quando o resultado do teste phi é positivo e significativo (ou seja, quando
o p-value é igual ou menor que 0,05), ele indica que há mais casos observados
na diagonal principal da tabela do que seria esperado no caso de independência
entre as variáveis. Quando o resultado do teste phié negativo e significativo,
ele indica que há mais casos observados na diagonal oposta do que seria
esperado na hipótese de independência.
14. Das 54 normas jurídicas, 43 (79,6%) vieram de projetos apresentados pelo
governo Cardoso. Dessas normas, 35 são classificadas como sucessos (81,4%),
enquanto as outras 8 como insucessos (18,6%). Os sucessos também superam os
insucessos entre as 3 normas (5,6% do total) que vieram de projetos do governo
Collor (2 sucessos e 1 insucesso); entre as 4 normas (7,4% do total)
provenientes de projetos do governo Franco (4 sucessos); e entre as 4 normas
(7,4%) vindas de projetos do governo Lula (4 sucessos).
15. A chance de erro em afirmar que o resultado da decisão e o efeito da
decisão sobre o status quo estão associados é ínfima para os dois temas
(respectivamente, 0,000 e 0,011). O teste qui-quadrado de independência das
variáveis não é adequado para tabelas 2x2 em que o número de casos esperados em
qualquer célula seja inferior a 5. Para essas tabelas, o SPSS examina a
hipótese de independência com o teste exato de Fisher. Para os dois temas, o
teste phi aponta que há mais casos de sucessos que mudam o status quo e de
insucessos que o preservam do que seria esperado na ausência de associação.
16. Nos dois temas é elevada a chance de erro em afirmar a associação entre o
resultado da decisão e o impacto da decisão sobre o status quo
(respectivamente, 1 e 0,450).
17. Os testes revelam que são pequenas as chances de erro em rejeitar a
hipótese de independência entre a origem do projeto e o tipo de sucesso nos
casos de regulamentação da economia (0,000) e infra-estrutura material (0,021).
Nos dois casos, o teste phi indica que a diagonal principal da tabela concentra
mais observações do que seria esperado se as variáveis fossem independentes.
18. Os testes apresentam evidências sólidas contra a hipótese de independência
no caso dos projetos de legislação trabalhista ' em que a chance de erro tipo I
é igual a 0,001 ' e de sistema tributário ' em que a chance é igual a 0,000.
Também nesses dois casos o teste phi indica que a diagonal principal da tabela
concentra mais observações do que seria esperado na hipótese de independência
das variáveis.
19. Neste caso, o teste exato de Fisher mostra que a chance de erro em rejeitar
a hipótese de independência é igual a 0,103. A chance de erro supera o patamar
estabelecido nesta tese, mas atinge um valor que é admitido em muitos trabalhos
científicos.
20. Dentre todos os temas, o teste exato de Fisheroferece evidências sólidas
contra a hipótese de independência apenas no caso das proposições de sistema
tributário ' em que a chance de erro tipo I é igual a 0,036.