O valor da diversidade racial nas empresas
Introdução
Durante os anos 90, a globalização, o multiculturalismo, e o movimento pela
responsabilidade social empresarial provocaram mudanças sobre como pensarmos e
agirmos diante uma sociedade e um mercado cada vez mais diversos. No Brasil,
esses desenvolvimentos junto às reivindicações do movimento negro e do
movimento sindical colocaram em pauta as questões de discriminação e
diversidade raciais e geraram um diálogo nacional em torno delas. As
instituições públicas, privadas e as do terceiro setor começaram a assumir o
desafio de diminuir a discriminação racial e ao mesmo tempo procurar maneiras
de abraçar a diversidade racial que caracteriza o país. Surgiram ações
afirmativas na forma de cotas raciais em algumas universidades e alguns
Ministérios, estimulando ainda mais o debate. As empresas não podiam ficar fora
da discussão por muito tempo e começaram a tomar medidas em resposta às
cobranças da sociedade e/ou em função da disseminação de políticas e práticas
de diversidade, oriundas de suas matrizes localizadas em países estrangeiros.
As políticas de diversidade têm por objetivo "a adoção de iniciativas,
atividades e medidas que reconheçam e promovam a diferença entre pessoas ou
grupos como um valor positivo a ser desenvolvido como instrumento de integração
social, em benefício da produtividade da empresa e da democratização das
oportunidades de acesso e tratamento no mercado de trabalho" (Alexim, 1999).
Esse relatório analisa as atividades das empresas na área de promoção de
diversidade com foco na população afro-brasileira. A primeira parte do
relatório resume e analisa as estatísticas e a literatura relacionadas com
discriminação e diversidade racial no mercado de trabalho e nas empresas. A
segunda parte resume e analisa as experiências de treze empresas brasileiras na
promoção de diversidade racial. O relatório conclui com uma série de
recomendações. Dada a dificuldade que muitas empresas têm em lidar com questões
raciais, o objetivo da pesquisa é destacar a importância da inclusão racial no
setor privado e sugerir linhas de ação para as empresas realizarem o valor da
diversidade racial.
Revisão da literatura e apresentação dos dados
Este relatório começa por mostrar a situação dos negros no mercado de trabalho
e nas empresas. O grau de exclusão observado nas empresas é uma reflexão da
exclusão que acontece no mercado de trabalho. Essas tendências se revelam nas
estatísticas do IBGE e nos estudos recentes do DIEESE e do Instituto Ethos.
Depois de apresentar os números, responderei a duas explicações oferecidas
pelas empresas: 1) há poucos negros porque poucos deles têm uma formação
superior; e 2) a discriminação no Brasil é mais econômica e social do que
racial.
Números nacionais: Segundo os números do IBGE, o Brasil tem uma população
autodeclarada negra de 46% (dos quais 5,6% são pretos e 40,4%, pardos), a
população economicamente ativa conta com um contingente negro de 43,3%
(Instituto Ethos, dezembro 2003:15).1 O diploma universitário é privilégio de
6,8% da população com mais de 25 anos; dessa população com mais de 25 anos e
nível superior, 82,8% são brancos, 14,3% são negros (12,2% pardos, 2,1% pretos)
(Escóssia, 3/12/2003). Os números do IBGE também mostram que o rendimento médio
mensal da população negra ocupada é 50% menor que o salário médio da população
branca, mesmo que os negros possuam em média 1,5 anos de estudo menos do que os
brancos (Instituto Ethos, 2003:6; Ballan, 2002:37).2
Números metropolitanos: Em 1999, o Instituto Sindical Interamericano pela
Igualdade Racial (INSPIR) publicou o Mapa da População Negra no Mercado de
Trabalho no Brasil, uma pesquisa realizada nas regiões metropolitanas de São
Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Recife, e Distrito Federal.3 A
população negra abrange 43,7% das seis regiões metropolitanas e constitui 41,7%
da população economicamente ativa, havendo diferenciações regionais (INSPIR,
1999:15). O Mapa revela que a remuneração do negro é inferior quando comparada
com a do branco que exerce a mesma função. Na maioria das capitais pesquisadas,
o rendimento médio do trabalhador branco é mais do que o dobro do do negro e os
rendimentos dos homens negros são inferiores aos das mulheres brancas em todas
as regiões pesquisadas (INSPIR, 1999:6, folheto bilíngüe). Em todas as capitais
pesquisadas, os diferenciais de rendimentos entre negros e brancos aumentam à
medida que aumenta a escolaridade; ou seja, o retorno de educação é menor para
os negros (Bento, 1999:123). Por fim, as taxas de desemprego são maiores entre
os trabalhadores negros, e na maioria das capitais a duração do desemprego é
bem maior do que o tempo gasto pelos brancos (57 semanas versus 50 semanas)
(INSPIR, 1999:16, versão popular).
Números nas empresas: O Instituto Ethos lançou, em dezembro de 2003, o
relatório
Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas
ações afirmativas
.4 A constatação principal desse relatório é a predominância de homens brancos
com alto grau de instrução nos principais cargos executivos (Instituto Ethos,
2003:5). E à medida que vai descendo na hierarquia empresarial (níveis:
funcional, chefia, gerência, e executivo), encontra-se um número maior de
negros, mas o número de negros nas empresas é longe da sua proporção na
população nacional. As estatísticas no relatório revelam essas e outras
discrepâncias entre funcionários negros e brancos e fornece informações sobre
as ações das empresas voltadas para a promoção de diversidade. Segue abaixo um
resumo desses dados:
Olhando para dentro das empresas, o relatório do Ethos revela que o retorno de
educação é menor para os negros e que estes enfrentam mais barreiras para
promoção. Para cada ano de estudo a mais, os brancos têm sua renda elevada em
1,25 salário mínimo, enquanto para os negros essa elevação é de 0,53 salário
mínimo (ibidem:6). E enquanto a maioria dos negros do quadro executivo (53,8%)
têm mais de quinze anos de empresa, só 37,4% dos executivos brancos e 29,7% dos
amarelos estão nessa mesma condição. Isso significa que os poucos negros a
atingir o topo demoraram mais tempo para consegui-lo que os executivos de
outras raças (ibidem:18).
O Instituto Ethos também solicitou que o presidente desse sua opinião sobre a
situação dos negros em cada nível hierárquico da empresa. Em 74% das empresas
não há negros no quadro executivo (primeiro escalão) e 4% não têm essa
informação. É também alto o índice de empresários que declaram não haver negros
em nível de gerência (42%, segundo escalão), e 1% deles admitiram que não há
negros nem mesmo no quadro funcional (ibidem:22).5 Chama a atenção a situação
da mulher negra, que constitui apenas 0,1% e 1,0% dos quadros executivo e de
gerência, respectivamente (ibidem:14).
Em relação às iniciativas das empresas em favor da diversidade, 40% das que
responderam dizem promover ações desse tipo. Dentre as iniciativas, no entanto,
poucas organizações têm políticas claras de promoção de diversidade étnica ou
de gênero (ibidem:7). É significativo o apoio a projetos na comunidade que
visem melhorar a oferta de profissionais qualificados provenientes de grupos
usualmente discriminados no mercado de trabalho (não exclusivamente negros),
citado por 24% das empresas. Por outro lado, apenas 1% das empresas dizem
manter programas para melhorar a capacitação profissional de negros (ibidem:
23).6
Interpretação dos Dados: Diante desse quadro preocupante de informações, as
empresas costumam dizer que não existem negros qualificados ou que poucos
negros têm uma formação acadêmica e técnica tão competitiva como a dos brancos
(Vassallo, 6/9/2000: 164). Por exemplo, "É objetivo da empresa contratar
pessoas negras, mas essas pessoas têm que ter especialização em área específica
e a empresa encontra dificuldades nesse recrutamento" (Bento, 2002:58).7 Por
isso, muitas das iniciativas de diversidade racial das empresas estão voltadas
para a educação, como veremos mais tarde. Outro discurso comum para explicar a
sub-representação de pretos e pardos nas empresas em todos os níveis é que, "No
Brasil, as barreiras para contratação não são raciais; são sociais e
econômicas" (Vassallo, 27/9/1995:75).8
Penso que a falta relativa de escolaridade e de preparo profissional dos negros
não é uma explicação adequada para o grau de exclusão registrado pelas
estatísticas acima. Reinaldo Bulgarelli, um consultor e especialista na área de
diversidade, observa que "Não são apenas os negros e pessoas com deficiência
que têm pouca escolaridade, mas a população brasileira em geral. A
discriminação vivida por estes dois segmentos agrava a situação, mas não pode
ser usada como desculpa para a não existência de pessoas qualificadas para o
trabalho. Há barreiras internas no mercado de trabalho, até mesmo nas grandes
empresas, nacionais ou multinacionais (que teriam acesso a melhores práticas e
boas tecnologias) que precisam ser consideradas também" (Bulgarelli, 24/1/2004,
e-mail). Essas barreiras existem não somente na hora da contratação dos negros,
mas também na hora de sua promoção. Por exemplo, no relatório do Ethos entre os
diretores com pós-graduação ou mestrado, o grupo racial que mais se destaca são
os pardos: 44,7% deles estão nesse grau de escolaridade. Seguem-se os amarelos,
com 40,5%, os brancos, com 31,9%, e os pretos, com 21,5% (Instituto Ethos,
2003:19). O fato de que os negros levam mais tempo para alcançar os altos
escalões, mesmo com mais escolaridade que os brancos, sugere que os negros
ainda enfrentam barreiras na sua trajetória dentro da empresa.
Ao mesmo tempo, o ponto de vista de que as barreiras enfrentadas pelos negros
no mercado de trabalho podem ser explicadas por condições sociais e econômicas
é incompleto. Os números do IBGE, INSPIR, e do Instituto Ethos demonstram uma
situação de desigualdade para os trabalhadores negros (salários mais baixos,
apesar dos mesmos níveis de escolaridade, mais tempo para subir na hierarquia
empresarial, apesar de jornadas mais longas e mais anos trabalhando na empresa
etc.) e que a discriminação racial interfere em todos os espaços do mercado de
trabalho brasileiro e em todos os níveis das empresas (INSPIR, 1999:117).
Combate à discriminação e a redução da desigualdade são duas das justificativas
citadas pelas empresas por lançarem iniciativas de diversidade. Essas
justificativas são analisadas na próxima seção.
Proposição
As empresas oferecem uma variedade de razões para a adoção de políticas e
práticas da promoção de diversidade. A justificativas podem ser divididas em
duas categorias: ética e vantagem competitiva. Ou seja, há uma possibilidade de
se pensar na promoção de diversidade a serviço de interesses econômicos e
sociais (Bellan, 2002:17). Essas duas dimensões uma baseada nos valores da
cidadania e outra na estratégia empresarial são um reflexo do fato de que as
empresas são tanto instituições econômicas como instituições sociais que têm um
impacto profundo nas comunidades onde estão inseridas. O ambiente de trabalho,
com seus projetos, suas relações, suas políticas de contratação, oferece uma
oportunidade única para tratar de diversidade e inclusão; as inúmeras vantagens
e sinergias que um ambiente diversificado trazem para o desempenho da empresa e
da sociedade são praticamente inexploradas (Carneiro, 2002:2).
Ética
Por um lado, a promoção da diversidade faz parte de responsabilidade social
empresarial. O tema da diversidade, apesar de presente no meio educacional
desde a década de 80, foi incorporado pelo movimento de responsabilidade social
empresarial (RSE) durante os anos 90 (Bulgarelli, julho 2002:6). Segundo o
Instituto Ethos, responsabilidade social empresarial é uma forma de conduzir os
negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo
desenvolvimento social.9 A responsabilidade social visa a uma sociedade mais
próspera e justa e envolve ações das empresas contra a pobreza e a desigualdade
na própria realização dos negócios (Bulgarelli, julho 2002:7). Ética é a base
da responsabilidade social e se expressa por meio dos princípios e valores
adotados pela organização.10
Um dos valores de muitas empresas é o respeito às pessoas. A promoção da
diversidade estimula as pessoas a demonstrarem esse valor. A valorização da
diversidade é o respeito às diferenças, o exercício da tolerância, do diálogo,
das construções coletivas, de relações de parceria e de complementaridade que
têm como base a ética e a valorização, a proteção, o cuidado com a vida e a
responsabilidade sobre ela e tudo que diz respeito ao bem comum (Bulgarelli,
17/12/2003:slide 10). A promoção da diversidade concretiza esses valores de
cidadania abraçados pelas empresas socialmente responsáveis.
Um dos ditados de responsabilidade social empresarial é que não se pode ter uma
ilha de prosperidade num mar de miséria. Essa crença motiva as ações sociais
das empresas em parceria com organizações da sociedade civil nas áreas de
educação, saúde, e meio ambiente, por exemplo. Do ponto de vista das empresas
que exercem responsabilidade social, tais intervenções ou investimento em
iniciativas sociais (chamado investimento social privado) que melhora as
pessoas e protege o meio ambiente garante a sustentabilidade da sociedade e ao
mesmo tempo da empresa.
Implícita nos programas de diversidade e na responsabilidade social em geral é
a idéia de redistribuição de oportunidades/renda. O Brasil não é um país pobre,
mas um país profundamente injusto, ou seja, não se trata de limitação de
recursos, mas de sua distribuição, pois a desigualdade de renda não muda no
Brasil há pelos menos trinta anos (Ministério de Trabalho e Emprego, 2003:33).
Os brancos são 88% do seleto grupo dos 1% mais ricos do país, enquanto os
negros são 68% do mais pobres (Loyola, 26/6/2003). Segundo o Professor Hélio
Santos, "O país tem uma perda colossal em termos estratégicos por não
aproveitar em todos os níveis a mão-de-obra das mulheres e negros ' 50,5% e
45%, respectivamente, da população brasileira. Pode-se afirmar que as empresas
ao discriminarem esses dois segmentos estão operando na contramão do
desenvolvimento sustentável do país" (Santos, 18/12/2003). Num país com sérios
problemas raciais, não é possível ao movimento de responsabilidade social
empresarial ignorar o papel das empresas no combate aos prejuízos que a
discriminação tem causado a todos, principalmente às mulheres negras
(Bulgarelli, julho 2002:7). Para construir um país mais justo e mais
sustentável, faz-se necessário combater a discriminação racial que gerou e
sustenta muito das desigualdades existentes.11
É importante anotar que a promoção da diversidade e o combate à discriminação
constituem dois lados da mesma moeda. São estratégias complementares. A
primeira trata do que quer construir e o segundo trata do que precisa
desmontar. Tem que ter os dois para garantir maior eqüidade nas empresas. Os
sindicatos têm contribuído muito ao inserir a questão de não-discriminação na
agenda empresarial, mas o assunto é pouco discutido nas empresas (Bulgarelli,
17/12/2003). Existe uma condenação formal da discriminação nas empresas, mas
nem sempre processos e ferramentas para reduzir a discriminação. É
relativamente mais fácil mobilizar os funcionários pela proposta de promover a
diversidade porque aborda a realidade de exclusão de uma maneira positiva. A
promoção da diversidade não fala daquilo que queremos rejeitar, mas daquilo que
queremos promover, estimulando discussões e práticas com base em valores éticos
(ibidem). No entanto, a professora Maria Aparecida Bento, do CEERT, diz que "É
importante destacar aqui que o termo diversidade não raro é utilizado pelas
instituições para relativizar e evitar o enfrentamento da discriminação racial"
(Bento, 1999:131; 2000:29).
Vantagem Competitiva
Pelo lado econômico, a promoção da diversidade apresenta-se como uma vantagem
competitiva, como uma estratégia empresarial para garantir a permanência e
competitividade da empresa no mercado. Além dos benefícios do ponto de vista
ético, programas de diversidade trazem uma série de benefícios econômicos:
desempenho financeiro fortalecido; rotatividade de mão-de-obra reduzida; maior
produtividade; aumento de satisfação dos empregos nas atividades profissionais;
menor vulnerabilidade das empresas face às leis trabalhistas; valorização da
imagem empresarial junto aos consumidores e opinião pública em geral;
reconhecimento adequado do desempenho e do potencial dos trabalhadores (Bellan,
2002:17).12 Adaptação ao mercado e inovação/criatividade são as justificativas
econômicas mais relevantes à promoção de diversidade.
Adaptação aos Mercados/Clientes: Diversidade representa uma exigência do
mercado atual (Bulgarelli, janeiro 2002:1). A globalização tem aumentado o
volume do comércio internacional, o número de fusões e aquisições de empresas
entre países, e tem provocado mudanças demográficas e culturais na sociedade.
Por isso, é preciso conhecer e adaptar-se aos mercados nacionais e
internacionais que estão ficando cada vez mais diversos. "Em um mercado
crescentemente diverso, empresas devem estar preparadas para fazer negócios com
consumidores, competidores, e parceiros que também estão crescentemente
diversos" (Ministério do Trabalho e Emprego, 2003:18). O motor da diversidade é
a busca cada vez maior de competências e conhecimento do mercado para manter a
competitividade (Vassallo, 6/9/2000:154).
Uma equipe diversificada permite que a empresa aumente seu mercado consumidor.
Por ter dentro da empresa pessoas diferentes que entendem os gostos e
preferências dos vários grupos na sociedade, a empresa pode melhor atender as
demandas do mercado. Consumidores conscientes, independentemente do grupo ao
qual pertencem na sociedade, compram produtos e serviços das empresas que
projetam uma imagem de diversidade.13 A promoção da diversidade e a aquisição
de competências cross-culturais são fundamentais para o relacionamento da
empresa não somente com os consumidores, mas também com todas as partes
interessadas, da comunidade local até os governos estrangeiros nos países onde
a empresa tem negócios. A vantagem competitiva de uma empresa será determinada
em grande medida pela qualidade da relação que ela mantém com as pessoas,
interna e externamente. E essa qualidade está diretamente relacionada ao
problema da inclusão ou exclusão de diferentes grupos sociais (Instituto Ethos,
dezembro 2003:25). Para que os negócios sejam espelhos de seus mercados, é
preciso promover a diversidade dentro da empresa (Vassallo, 6/9/2000:104).
Inovação/Criatividade: A segunda justificativa pela promoção da diversidade é
inovação/criatividade. A mistura de pessoas, de experiências e de idéias
estimula a criatividade e permite que a empresa encontre soluções inovadoras
para os desafios colocados pelo mercado e pela concorrência. Um grupo homogêneo
terá mais dificuldade de vender para um mercado multicultural, global e cada
vez mais segmentado que um grupo diverso. Nelson Savioli, o diretor de Recursos
Humanos da empresa Unilever, aponta que "uma equipe formada só por homens,
jovens, brancos freqüentadores das mesmas universidades, nas mesmas cidades,
pode fazer um bom produto, mas uma equipe múltipla fará um produto excelente e,
provavelmente, com menor custo e fará isso porque carrega muito mais
informação" (ibidem:156). Bulgarelli observa que "Equipes marcadas pela
diversidade são mais criativas, produtivas, inovadores, atraentes para talentos
que chegam e ficam em nossas empresas, trazendo novas perspectivas para o
conjunto e formando um 'mix' que traduz a contribuição de cada um, gerando uma
sinergia que transcende essas contribuições individuais (1+1=3)" (Bulgarelli,
janeiro 2002:1). A promoção da diversidade também aumenta a qualidade do
ambiente de trabalho e o relacionamento entre funcionários, que têm implicações
importantes para a produtividade da empresa. Quando todos se sentem
confortáveis na empresa e sentem que a empresa se preocupa com eles, isso
aumenta a lealdade, o entusiasmo, a motivação; os funcionários dão o máximo de
si, a produtividade fica melhor, e as taxas de rotatividade e de absenteísmo
ficam muito menores (Somoggi, novembro 1999:114).
As justificativas pela promoção de diversidade partem de focos distintos. O
conceito de diversidade, a partir do interesse econômico das empresas, visa à
adequação a um mercado mais exigente em termos de imagem e desempenho,
aglutinando eficiência e compromisso social; e, sob o ponto de vista da
sociedade, visa à superação das práticas discriminatórias e de exclusão (Alexim
apudBellan, 2002:15). Mesmo assim, a promoção de diversidade voltada às
políticas sociais de eqüidade e inclusão social e políticas econômicas de
gestão de diversidade podem se complementar (Bento, 2002:58). No final de
contas, tanto a empresa como a sociedade ganham com a promoção de diversidade
no setor privado.
Correlação entre desempenho dos negócios e a valorização de diversidade: Esses
argumentos em favor da promoção de diversidade são persuasivos, mas será que a
promoção de diversidade traduz em benefícios econômicos para as empresas que
abraçam essa idéia? Pois, diversidade é apenas um de um leque de fatores que
impacta a produtividade e a rentabilidade de uma empresa. Cox, autor do livro
Cultural diversity in organizations(1994), diz que as diferenças de identidade
individuais (tanto físicas como culturais) interagem como uma complexa gama de
fatores individuais, grupais e organizacionais (o clima da diversidade) para
determinar o impacto da diversidade nos resultados individuais e
organizacionais (Fleury, 2000:20). Um aumento na diversidade nas organizações
provocará impactos tanto em termos da eficácia organizacional como individual e
o contexto organizacional é relevante para determinar se esse impacto será
positivo ou negativo (idem).
A proposta não é simplesmente promover diversidade e pronto. Há uma ciência de
gestão de diversidade que precisa ser estudada pelas empresas que assumem um
compromisso com a promoção da diversidade para que seu impacto seja positivo.
Segundo Maria Tereza Leme Fleury, da Faculdade de Economia e Administração da
USP, o objetivo principal da gestão da diversidade racial é administrar as
relações de trabalho, as práticas de emprego e a composição interna da força de
trabalho a fim de atrair e reter os melhores talentos dentre os chamados grupos
de minoria e adicionar valor à companhia (ibidem:21, 24).
Evidência empírica das empresas que efetivamente promovem e gerenciam
diversidade tem mostrado que empresas que superam a discriminação, contratando
e promovendo minorias e mulheres, são mais rentáveis (Ministério de Trabalho e
Emprego, 2003:18). Por exemplo, num levantamento feito pela revista Fortune, as
ações das 50 empresas americanas consideradas modelos de diversidade tiveram um
desempenho muito superior à média do mercado de capitais (Vassallo, 6/9/2000:
155). Segundo Christopher Wells, o analista de Investimentos Socialmente
Responsáveis do Unibanco, "Não existe ainda nenhuma pesquisa científica que
comprove a correlação entre empresas financeiramente bem-sucedidas e aquelas,
social e ambientalmente responsáveis, mas verificamos que em mais de 50% dos
casos, a relação é válida" (Instituto Ethos, 11/7/2001). Os critérios de
avaliação das empresas e os procedimentos para ter acesso a esse capital variam
muito, mas incluem a existência de mulheres na alta diretoria e os
investimentos na diversidade (ibidem). A promoção da diversidade é uma das
alavancas para melhorar o desempenho financeiro da empresa e atrair capital
estrangeiro.
Diversidade e ação afirmativa: Concluindo essa seção, a promoção da diversidade
significa considerar as diferenças como uma riqueza, como algo que adiciona
valor na hora de tomar decisões, de realizar escolhas (Bulgarelli, 17/12/2003:
slide 10). Olhar para a diversidade é também reconhecer que determinados grupos
têm dificuldades históricas para se incluir na sociedade, diz a socióloga
Rebecca Raposo, diretora executiva do Grupo e Institutos, Fundações e Empresas
(Gife). "Eles terão de ser privilegiados por políticas sociais para que isso
aconteça" (Loyola, 26/6/2003). Não há valorização de diversidade e mudanças
reais na demografia interna das empresas sem ações afirmativas (Bulgarelli, 17/
12/2003:slide 20).
Ação afirmativa é o conjunto de políticas públicas e privadas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário concebidas com vistas à promoção de
populações historicamente discriminadas e ao combate à discriminação.14 Requer
um tratamento diferenciado a determinados grupos que se encontram em
desvantagem na sociedade que não lhes permita ascender socialmente. "Ação
afirmativa não é sinônimo de cotas. As cotas são não a única, mas uma das
estratégias das ações afirmativas" (Soares apudBellan, 2002:22). Segundo Ivanir
dos Santos, presidente da ONG CEAP, "Ação afirmativa é a empresa investir, dar
bolsas e qualificar seus quadros, direcionando-se à população negra"
(Herculano, 24/11/2003:1). No final desse relatório, considero os pontos de
vista das empresas quanto ao conceito e à prática de ação afirmativa.
Ação afirmativa não é uma fonte de discriminação, mas veículo para remover os
efeitos da discriminação. Sueli Carneiro, fundadora e dirigente do Geledés '
Instituto da Mulher Negra, diz que o princípio que orienta a adoção de
políticas de ação afirmativa ' e um de seus instrumentos, as cotas para negros
' se baseia num imperativo ético e moral de reconhecimento das desvantagens
historicamente acumuladas pelos grupos raciais discriminados numa dada
sociedade, que sustentam os privilégios de que desfrutam os grupos dominantes e
explicam as desigualdades de que padecem os dominados (Carneiro, 2002:12). O
consultor Reinaldo Bulgarelli reforça essa perspectiva ao declarar que é
fundamental que os programas de promoção da diversidade tenham como método as
ações afirmativas, meio pelo qual se pretende: 1) corrigir as situações de
desvantagem simbólicas e concretas enfrentadas por alguns segmentos da
sociedade; 2) promover oportunidades iguais efetivamente para todos, tratando
os desiguais de maneira desigual, ou seja, promovendo eqüidade (Bulgarelli, 17/
12/2003:slide 11). Dadas as estatísticas apresentadas no início desse
relatório, o uso de ações afirmativas e a inclusão de negros devem ser
critérios básicos para qualquer programa de diversidade no contexto brasileiro
(entrevista com Bulgarelli, 21/1/2004).
Estudos de caso
Tendências gerais: Meu levantamento identificou treze empresas com políticas e/
ou práticas de promoção da diversidade que visam à inclusão de negros, entre
outros grupos historicamente excluídos. Esses casos foram avaliados em três
dimensões: história e discussão da diversidade, prática/mecanismos de promoção
da diversidade racial, e os resultados/impactos da promoção da diversidade
racial. Não incluo, nesse artigo, o resumo de cada iniciativa, mas gostaria de
fazer algumas constatações sobre tendências de programas de diversidade e
mencionar algumas empresas que adotaram cotas de contratação para negros.
Enquanto estava pesquisando as iniciativas de diversidade no setor privado
brasileiro, constatei que, apesar da natureza ampla da palavra diversidade, o
conceito de diversidade adotado por essas companhias é geralmente restrito a um
ou dois grupos de pessoas historicamente discriminados no mercado de trabalho.
Freqüentemente, as mulheres e/ou os portadores de deficiência são o(s) foco(s)
da iniciativa da diversidade. Seguem abaixo alguns exemplos:
Durante a revisão da literatura e as entrevistas, muitas outras empresas foram
citadas como tendo um compromisso com a diversidade, mas não consegui confirmar
a existência de uma política e/ou prática de promoção da diversidade nessas
empresas utilizando os recursos disponíveis.15 Pode-se dizer que as empresas
com iniciativas de diversidade acham mais fácil promover a inclusão/ascensão de
mulheres e portadores de deficiência do que a inclusão/ascensão dos negros.
Parte da explicação é que as mulheres, equivalentes a 50,3% da população,
representam 54,3% dos que têm nível superior um dos requisitos essenciais de
muitas empresas.16 Quanto aos portadores de deficiência, há uma lei que diz que
todas as companhias com mais de cem funcionários estão obrigados a preencher de
2% a 5% dos seus cargos com portadores de deficiência (Buchalla e Martins, 7/6/
2000:118).17
Outra constatação do meu levantamento de iniciativas de diversidade é a
existência de cotas de contratação em três empresas. Esses casos não foram
analisados em detalhe porque duas das empresas não estão dentro do âmbito
geográfico dessa pesquisa (São Paulo e Rio de Janeiro) e a outra empresa adotou
cotas tão recentemente que não deu tempo para pesquisá-la. Por estes casos
representarem um dos tipos de ação afirmativa, é importante incluí-los aqui.
Cotas para afrodescendentes nas empresas: Em 1999, a Prefeitura de Porto Alegre
firmou um acordo com a rede de hipermercados Zaffari para que a empresa
garantisse a contratação de no mínimo 5% de empregados negros como condição
para uma nova loja na cidade (Heringer, 2000:315). O acordo diz que as vagas
não poderão ser apenas em postos de menor remuneração (idem). A empresa Ford
implantou uma fábrica em Camaçari, Bahia, em outubro de 2001, e estabeleceu uma
meta mínima de 40% de mulheres e 70% de afrodescendentes em suas contratações,
de acordo com a proporção desses grupos na população regional (Imprensa Ford,
março de 2002:1-2). O presidente da Ford no Brasil, Antonio Maciel Neto, disse,
"Estamos comprometidos com as ações afirmativas. Elas não são positivas só para
os afrodescendentes, mulheres e deficientes; elas são benéficas para toda a
sociedade" (ibidem:2). É importante anotar que a Ford procura reproduzir no
chão da fábrica (ênfase minha), na medida do possível, a mesma composição
cultural, étnica e sexual da região onde está instalada, diferente do acordo
entre a Prefeitura de Porto Alegre e a rede Zaffari, que exige contratação não
somente no nível funcional da empresa (Sigollo, 2001:149). O mais recente
exemplo de cotas de contratação de negros ocorreu em São Paulo, em janeiro de
2004. Lá , um acordo entre o Sindicato dos Comerciários, filiado à Força
Sindical, fechou um acordo com a rede de lojas Camisaria Colombo estabelecendo
que 20% das vagas da empresa serão para negros (Diário de São Paulo, 10/1/
2004).
Conclusão
Resultados
Ao começar essa pesquisa, eu postulava que as únicas empresas com iniciativas
de promoção da diversidade racial fossem subsidiárias de empresas estrangeiras,
especificamente norte-americanas, e que essas filiais brasileiras só assumiram
um compromisso com a promoção da diversidade racial porque a matriz exigiu a
criação de programas desse tipo. Algumas das informações que eu colhi por meio
da revisão de literatura e as entrevistas me surpreenderam. Para poder comparar
as iniciativas e as empresas que as administram, criei uma matriz. Os nomes das
empresas se encontram na parte superior da matriz e, no lado esquerdo desta, os
critérios de comparação estão baseados, em parte, nos Indicadores Ethos, uma
ferramenta para avaliar responsabilidade social. Nos seguintes parágrafos,
farei uma série de constatações sobre as tendências reveladas pela matriz e
pelos estudos de caso. Concluirei minha análise apresentando minhas
recomendações para as empresas atuais e futuras que querem realizar o valor (em
termos éticos e econômicos) repleto de diversidade racial.
Observações
A maioria das empresas com uma iniciativa de promoção da diversidade racial
estão sediadas nos Estados Unidos, e a maioria delas têm iniciativas em função
de políticas/programas de diversidade na matriz. Chama a atenção o fato de que
duas delas são empresas nacionais. Também foi interessante aprender que três
das iniciativas são únicas e existem somente no Brasil. As outras três
iniciativas são oriundas de um compromisso da empresa com a responsabilidade
social empresarial (RSE).
Um estudo recente sugere que as preocupações de responsabilidade social com
questões sociais e ambientais ajudam a sensibilizar a empresa para a
diversidade. O IPEA fez um cruzamento dos dados da pesquisa Ação Social das
Empresas com os da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) para saber se as
empresas que praticam ação social contratam proporcionalmente mais negros; para
as empresas que fazem algum tipo de ação social, a média é um trabalhador negro
para dezessete brancos, e para as empresas que não fazem nenhum tipo de ação
social essa relação é de um para 22 (GIFE, 11/11/2002). Entidades que defendem
os interesses dos negros também desempenharam um papel importante ao colocarem
em pauta o assunto da diversidade racial nas empresas. A partir de 1997, por
iniciativa de membros do movimento negro, desenvolveram-se algumas ações que
visavam ao contato com empresas norte-americanas que aplicavam políticas de
diversidade em suas matrizes, mas discriminavam negros nas filiais brasileiras
(Bento, 2000:27).
Retornando à matriz, a maioria das iniciativas de diversidade são recém-
lançadas,18 e embora todas as empresas declarem que diversidade ou respeito às
pessoas e/ou diferenças é um valor corporativo, a maneira como elas valorizam a
diversidade racial varia bastante. Geralmente, as empresas procuram promover a
diversidade racial em uma ou mais de três áreas: recursos humanos, investimento
social privado, e/ou compras. As duas na área de compras têm uma parceria com a
ONG Integrare e valorizam a diversidade por apoiar as atividades da Integrare e
compra bens e serviços de fornecedores cujos donos são negros ou membros de
outras minorias (as chamadas EFIs Empresas Fornecedores da Integração). Na
área de Investimento Social Privado, quase metade apóia financeiramente bolsas
de estudos e/ou programas de educação para jovens negros que geralmente
oferecem oportunidades para fazer um estágio na empresa afiliada. Apesar de
beneficiar um grupo relativamente pequeno de estudantes e fornecedores negros,
tanto as iniciativas na área de compras como as na área de investimento social
privado são compromissos de longo prazo. Neide Fonseca, do INSPIR, comentou que
a maioria das iniciativas de diversidade nas empresas não altera a realidade e
são tímidas em relação à magnitude do problema (entrevista com Fonseca, 15/12/
2003). Mas John Jansen, da DuPont, sugeriu que se outras empresas tomassem
essas iniciativas como um exemplo e fizessem a mesma coisa, faria uma diferença
(entrevista com Jansen, 21/1/2004).
Recomendações
Não dá para dar uma receita para um programa de diversidade (entrevista com
Bulgarelli, 21/1/2004). Mas, refletindo sobre os casos nessa pesquisa, posso
oferecer algumas dicas para ingredientes importantes para iniciativas da
promoção da diversidade racial. Organizei essas recomendações em quatro
categorias, as mesmas utilizadas nos estudos de caso: História e Discussão,
Prática, Impacto, e Comentários. Muitas das minhas recomendações são uma
reflexão daquelas feitas pelo Instituto Ethos e incluem:19
1) criar um comitê/conselho de diversidade,
2) realizar treinamentos internos e externos (com fornecedores),
3) iniciar um diálogo/criar parcerias com entidades do terceiro setor
e com outras empresas sobre e para a promoção de diversidade,
4) buscar alinhamento entre ações externas e ações internas na
promoção da diversidade,
5) mensurar o número de minorias no quadro de funcionários,
6) estabelecer metas específicas de longo prazo para aumentar a
presença dessas minorias na empresa em todos os níveis,
7) oferecer incentivos financeiros aos gestores para cumprirem essas
metas,
8) adotar ações afirmativas.
História e Discussão: Analisando a história das treze empresas, muitas das
iniciativas contaram com o apoio da direção da empresa durante as fases
iniciais. Segundo o superintendente de FMC, "se os líderes da empresa não se
convencerem de que a diversidade dá resultados melhores, o processo não
caminha" (Vassallo, 6/9/2000:160). Além da direção, é fundamental que os outros
funcionários estejam comprometidos com a promoção da diversidade. Para fazer
isto acontecer, é preciso criar um corpo formal (um comitê ou um conselho de
diversidade) que administre as atividades de promoção de diversidade, e
realizar treinamentos regulares para sensibilizar os funcionários sobre o valor
da diversidade (veja a próxima seção). Alguns dos papéis do comitê/conselho de
diversidade são construir uma agenda e metas de acordo com a realidade da
empresa e da comunidade em que está inserida, coordenar a implementação do
programa, acompanhar e avaliar o progresso do programa, e revisar/aperfeiçoar
as atividades para realizar os objetivos do programa.
Prática: Outro papel do comitê/conselho de diversidade deve ser organizar
palestras, oficinas, fóruns e/ou treinamentos para sensibilizar os funcionários
sobre culturas diferentes e sobre os benefícios da diversidade. Na minha
opinião, eles são tão importantes para os resultados das iniciativas de
promoção da diversidade quanto a direção, porque eles são responsáveis pela
implementação das atividades. Se eles não forem convencidos do valor da
diversidade, não vão implementá-la com muito vigor, e o resultado será muito
menos do que esperado. Muitas empresas nessa pesquisa registraram dificuldades
em realizar os objetivos das iniciativas de diversidade, e nos casos das
filiais americanas não é incomum que as pessoas vejam nessa questão da
diversidade a importação de um problema que não tem nada a ver com a realidade
brasileira (Esteves, 1999:7). Para mudar esse ponto de vista, mais da metade
das empresas realizaram treinamentos, palestras, e fóruns internos sobre
diversidade e, em alguns casos, o foco da discussão foram os negros.
Algumas empresas foram além do público interno, visando engajar os fornecedores
na promoção da diversidade. Na área de compras, IBM e DuPont informalmente
encorajam os fornecedores a identificar e comprar das EFIs. A Fersol enviou uma
exigência formal às empresas terceirizadas pedindo que lhe enviassem currículos
de candidatos negros, e o CPFL realiza oficinas práticas com seus fornecedores
para ajudá-los a diversificar suas fontes de recrutamento para que haja mais
candidatos das minorias. O ABN-Amro/Banco Real foi a primeira empresa a criar
um banco de currículos de candidatos negros e, assim como a Fersol e o CPFL,
divulgam suas vagas pelas entidades negras, fontes nas quais essas empresas
anteriormente não buscavam candidatos.
Entidades negras não devem ser vistas apenas como meios de divulgação de
oportunidades, mas como parceiros potenciais na promoção da diversidade. Além
das parcerias existentes entre entidades negras e empresas, Kodak e IBM estão
construindo novas parcerias com o Afrobras e o QualiAfro, por exemplo.20 As
empresas podem e devem iniciar um diálogo com entidades negras e com outras
empresas com o objetivo de disseminar a cultura de promoção da diversidade
racial no setor privado. A Shell, por exemplo, possui um Grupo Empresarial de
Valorização da Diversidade que tem representantes de 35 empresas diferentes e
fazem três reuniões por ano. O professor Hélio Santos, do CEERT, e um
representante do QualiAfro falaram sobre estratégias para a inclusão dos negros
nas empresas durante uma reunião recente (entrevista com Kepler, 4/2/2004).
Diálogos e parcerias deste tipo sugerem que a promoção da diversidade não tem
necessariamente que ser um processo de cima para baixo, mas que pode ser de
baixo para cima.
Minha última recomendação com respeito à promoção da diversidade na prática é
que as empresas busquem um alinhamento entre suas ações internas e externas com
relação à promoção da diversidade. Se a diversidade é um valor da empresa, ela
deve ser difundida por todas as áreas da empresa e deve marcar a forma de agir
da organização em sua totalidade. Olhando para a matriz na categoria de
recursos humanos e a de investimento social privado, vemos que empresas como
DuPont e Kodak apóiam programas bolsa-estágio para jovens negros e, dentro da
empresa, têm corpos formais e informais de diversidade e realizam atividades de
sensibilização sobre diversidade. Por outro lado, empresas como Dow, Fundação
BankBoston e Xerox também investem em programas de educação fora da empresa,
mas não têm, dentro dela, corpos estruturados, nem atividades voltadas para a
promoção da diversidade.
Ivanir Santos, do CEAP, diz que não basta investir na diversidade fora da
empresa e não promover diversidade dentro da empresa também (entrevista com
Santo, 2/2/2004). O consultor Reinaldo Bulgarelli fez comentários semelhantes,
dizendo que é esquisito para uma empresa investir num grupo historicamente
discriminado fora da empresa e não contratar membros daquele grupo para
trabalhar dentro da empresa (entrevista com Bulgarelli, 21/1/2004). Dois dos
entrevistados acharam que as atividades comerciais da Monsanto com transgênicos
são contraditórias ao conceito de responsabilidade social e à iniciativa de
diversidade da empresa, o Projeto Afro-Brasileiro (entrevistas com Fonseca e
Oliveira, 15/12/2003 e 15/1/2004, respectivamente).
Das empresas incluídas nessa pesquisa, quem mostrou o melhor alinhamento entre
o valor, o discurso e a prática da promoção da diversidade racial foi a DuPont,
com atividades em todas as áreas de atuação identificadas: recursos humanos,
investimento social privado e compras. Por outro lado, tem a Levi's. Apesar de
ter políticas de valorização da diversidade, a Levi's realizou poucas
atividades para concretizar a diversidade e nem tem material escrito sobre o
assunto porque, segundo representantes de recursos humanos, "[a diversidade] é
algo muito natural na Levi's" (entrevista com Padilha e Staich, 27/1/2004).
Impacto: Minhas recomendações para melhorar o impacto das atividades de
promoção da diversidade dizem respeito à mensuração e aos incentivos à
diversidade racial. Na segunda subcategoria de recursos humanos da matriz,
vemos que além de estimular a participação dos negros nos programas de estágio
e de capacitação dentro da empresa, mais da metade das empresas sabem o número
de funcionários negros, mas nem sempre monitoram mudanças nesse número e/ou não
sabem em que patamar da hierarquia os negros estão. Duas empresas, a Fundação
BankBoston e a Levi's, não medem o número de funcionários negros porque acham
que isso seria discriminatório.
Ainda estamos longe da igualdade porque as empresas têm medo de corrigir a
situação, pensando que estão discriminando por pedir aos seus funcionários que
indiquem sua cor/raça (Herculano, 22/7/2002). Para saber seu desempenho na
promoção da diversidade, o Instituto Ethos diz que é fundamental "realizar um
acompanhamento das informações a respeito de seus empregados, identificando as
discrepâncias e mudanças nas situações comparativas de mulheres, negros ou
outros grupos relevantes para a empresa" (Instituto Ethos, dezembro de 2003:
28). Segundo Reinaldo Bulgarelli, "uma organização que divulga a idéia de que
somos todos diversos não tem problemas em identificar as pessoas, nem as
pessoas se sentem ameaçadas com isso" (Herculano, 22/7/2002). O primeiro passo
para uma iniciativa de promoção da diversidade deve ser saber quantos são e em
que nível estão os funcionários de grupos historicamente discriminados.
Para garantir que a iniciativa da diversidade alcance seus objetivos, é preciso
estabelecer metas específicas de longo prazo e oferecer incentivos concretos
para as pessoas responsáveis pela implementação das atividades. Por isso, o
Instituto Ethos recomenda que as empresas adotem a diversidade como um
parâmetro orientador das políticas de desenvolvimento e remuneração das pessoas
da empresa (Instituto Ethos, dezembro de 2003:28). Para duas empresas, IBM
(compras) e Monsanto, o desempenho na promoção da diversidade é um dos
parâmetros da avaliação periódica dos gestores (idem). No caso da IBM, o
gerente de compras Brasil tem um objetivo anual para a diversidade entre os
fornecedores (o número de EFIs ' Empresas Fornecedoras de Integração) que
aumenta a cada ano, e uma parte de seu bônus depende do cumprimento dessa meta.
É impressionante observar que quem alcançou os melhores resultados na promoção
da diversidade dentro da empresa é uma empresa brasileira a Fersol. Trinta e
oito por cento dos funcionários da empresa são negros.
Comentários: Termino este relatório com algumas constatações sobre os
comentários dos entrevistados. Quando perguntado sobre as justificativas da
promoção da diversidade, a maioria citou os benefícios econômicos. Duas
exceções foram a Dow, que mencionou solidariedade, e a Fersol, que falou da
necessidade de corrigir uma injustiça de séculos quanto ao gênero e à raça. No
final das contas, os motivos importam menos do que as ações concretas das
empresas e a inclusão efetiva dos negros e outros grupos historicamente
discriminados no mercado de trabalho.
Os comentários dos entrevistados refletem uma certa nebulosidade sobre o que
constitui ação afirmativa na prática. Essa pesquisa constatou várias práticas
empresariais voltadas especificamente para os negros,21 mas, na minha opinião,
poucas delas podem ser chamadas ações afirmativas. Por exemplo, a incubação/
tutoria de fornecedores ou estagiários negros mencionada por algumas empresas
já fazia parte do trabalho delas com fornecedores e estagiários
independentemente do perfil deles, e não tinham/têm como objetivo a superação
das desvantagens historicamente acumuladas pelos grupos raciais discriminados.
Considerando o segundo critério de ação afirmativa ' tratamento desigual dos
desiguais ' para favorecer somente a mulheres ou negros em casos de empate, não
passa por ação afirmativa. Uma das maneiras para tratar de uma maneira desigual
os desiguais é reservar vagas para pessoas dos grupos historicamente
discriminados, mas nenhum dos entrevistados aprovou da idéia de cotas. A DuPont
declarou que cotas representam uma desigualdade necessária para que haja
condições de igualdade, mas não tem cotas de contratação. Por outro lado, a IBM
reforça cotas para portadores de deficiência (em função da lei), mas nunca
adotou cotas para outros grupos.
Então, o que é ação afirmativa, na prática? Na minha opinião, programas como o
Programa Afro-Brasileiro, da Monsanto, o Geração XXI, da Fundação BankBoston, e
o Afro-Ascendentes, do Instituto Xerox, podem ser qualificados como ação
afirmativa. São investimentos sociais privados, dirigidos aos negros com o
objetivo de dar-lhes condições para superar as barreiras históricas e
contemporâneas na sociedade brasileira.
Dentro de uma empresa, posso citar um exemplo de ação afirmativa na prática: a
Fersol montou um banco de dados com currículos de mulheres, negros, portadores
de deficiências e de pessoas com mais de 45 anos; cada nova vaga que a empresa
abrir é oferecida prioritariamente para as pessoas qualificadas desses grupos.
Se a vaga não for preenchida, só então é divulgada para outras pessoas
(Instituto Ethos, janeiro de 2002). Na hora de contratação, a Fersol segue uma
regulamentação interna para privilegiar pessoas historicamente excluídas na
seguinte ordem: 1º) mulheres; 2º) negros/afrodescendentes; 3º) portadores de
talentos especiais; e 4º) pessoas com mais de 45 anos), mesmo quando o
candidato com esse perfil seja menos qualificado que um candidato com um perfil
tradicional. Por exemplo, se tivesse um candidato tradicional com 100 pontos e
outro candidato geralmente excluído com 80 pontos, a Fersol vai selecionar o
candidato excluído. Se o candidato excluído tivesse 50 pontos, é provável que a
Fersol não desse preferência ao segundo candidato (entrevista com Manchesski e
Haradom, 6/2/2004).
Hoje, na Fersol, pessoas de grupos historicamente discriminados estão
representadas nas seguintes porcentagens: mulheres ' 71%; negros ' 38%;
portadores de talentos especiais ' 3%; e pessoas com mais de 45 anos ' 20%.22 A
razão de a Fersol ter obtido resultados tão impressionantes na promoção da
diversidade se deve a que a empresa adotou ações afirmativas. Essa evidência
empírica reforça a declaração feita no final da primeira seção desse relatório:
não há promoção de diversidade sem ação afirmativa.
Conclusão
Concluindo, é fácil dizer que não discrimina e que valoriza a diversidade, mas
colocar esse valor na prática e realmente diversificar o quadro de funcionários
são tarefas bastante difíceis. Os comentários dos entrevistados refletem essa
dificuldade; segundo Wagner Celeste Gerente de Recursos Humanos da CPFL,
"iniciar um programa não quer dizer iniciar uma prática, há uma dificuldade/
distância entre a proposta e a prática. O CPFL não tinha noção da profundidade
do processo de criar um programa de diversidade" (entrevista com Celeste, 20/1/
2004). E o superintendente de FMC disse, "quem aposta na ação afirmativa tem de
estar preparado para despertar conflito e lidar com frustrações" (Vassallo,
1995:74). Não é fácil para uma corporação madura, com pouca diversidade,
mesclar-se rapidamente (Zachary, 6/9/2000). É um processo lento de mexer na
estrutura e processos internos das empresas para que haja mais diversidade
(Bulgarelli, 17/12/2003). Uma mudança nesse sentido não acontece do dia para a
noite, é um processo de longo prazo (Somoggi, novembro de 1999:114).
Mas há que acreditar que enfrentar essas dificuldades e frustrações vai valer a
pena. Apostar na diversidade, e especificamente na diversidade racial, é
contribuir para uma sociedade mais justa e uma economia mais competitiva.
Parabenizo essas treze empresas que estão caminhando nesse sentido. Tomara que
minha pesquisa contribua para o aperfeiçoamento e expansão das suas iniciativas
e inspire outras empresas a abraçarem o valor, tanto ético como econômico, da
diversidade.
Notas
1. O método de determinar a cor no Brasil é autodeclaratório; a pessoa define
sua cor ou raça. As categorias utilizadas são as de IBGE: preto, pardo, branco,
índio, e amarelo.
2. A segunda estatística vem da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) de 1999.
3. Pesquisa realizada em 1998 pelo INSPIR ' Instituto Sindical Interamericano
pela Igualdade Racial, Fundação Seade ' Sistema Estadual de Análise de Dados, e
DIEESE ' Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos.
4. O Instituto Ethos é uma associação sem fins lucrativos, que visa mobilizar,
sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente
responsável. Site: www.ethos.org.br/docs/institucional/perguntas.shtml.
5. As não-respostas à pergunta sobre cor ou raça dos funcionários oscilaram
entre 23% e 27%. Isso indica haver certa dificuldade nas empresas para tratar
do assunto (Instituto Ethos dezembro 2003: 15). As empresas também têm tido
dificuldade em cumprir a Portaria do Ministério do Trabalho (1.470/99) que
determina que o empregador deve informar raça/cor dos empregados na declaração
da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais, Bulgarelli julho 2002: 11). É um
censo que todas as organizações deve preencher anualmente 1999 foi o primeiro
ano em que o quesito raça/cor foi incluído no formulário (GIFE, 11/11/2002). A
inclusão da raça/cor no formulário foi questionada como uma prática racista
(Herculano, 22/07/2002; Bulgarelli, 17/12/2003).
6. Essas empresas são: Variglog. Citibank, e Fundação BankBoston. "Segundo
Dagoberto Campigoto do RH [de Variglog], houve algumas iniciativas sobre o
assunto na empresa, mas não tiveram continuidade. E não havia nada muito
estruturado. Quem cuidava disso era uma subgerente, Renata Cota, que se
especializou no tema. Mas ela saiu da empresa para desenvolver um trabalho
sobre diversidade numa universidade em New Orleans, nos EUA, focalizando a
América Latina". (e-mail de Benjamin S. Gonçalves, Gestão da Informação,
Instituto Ethos, São Paulo, no dia 27/1/2004).
7. Palavras de um dos representantes das empresas participantes do Encontro
Tripartite sobre Implementação de Políticas Voltadas à Diversidade em São Paulo
em 1996.
8. Palavras de Felipe Westin, então diretor de recursos humanos de Monsanto.
9. Site: www.ethos.org.br/docs/institucional/perguntas.shtml.
10. Site: www.ethos.org.br/docs/institucional/perguntas.shtml.
11. Combate à discriminação é aqui justificada pela ética, mas poderia ser
justificada por razões econômicas também, pois discriminação causa prejuízos
econômicos. Segundo Sueli Carneiro, a urgência em implementar políticas para
promover a igualdade racial no país atende a um imperativo de ordem econômica,
na medida em que a exclusão dos negros do desenvolvimento conduziu o Brasil a
uma situação de aleijamento de metade de sua população dos processos de
desenvolvimentocomprometendo a capacidade competitiva do país diante de outras
nações do mundo, numa conjuntura em que um dos principais ativos econômicos é
uma base social ampla, educada, em condições de se apropriar do desenvolvimento
cultural e tecnológico, que resulta em maior produtividade, maior
competitividade, e melhores condições de consumir (Carneiro 2002: 13-14.).
12. Fonte original: Instituto Ethos (dezembro 2003:26-27).
13. Segundo Oded Grajew, fundador do Instituto Ethos, estudos mostram que as
empresas que usam a responsabilidade social apenas como marketing correm
grandes riscos. Elas vão enganar durante determinado tempo, mas quando esse
engano é revelado os resultados são danosos (Observatório Social outubro 2003:
42). Neide Fonseca do INSPIR mencionou dois casos interessantes. Banco Itaú
lançou cheques com foto de famílias negras, mas raramente contratam negros para
trabalhar no banco. Ela falou que Ceda introduziu produtos de beleza negra, mas
utilizou termos insultantes como "cabelos negroides" durante a pesquisa que
levou a criação dos produtos (Entrevista com Fonseca no 15/12/2003).
14. "Ação Afirmativa Atitude Positiva" 2003 (folheto).
15. Iniciativas de diversidade não identificadas: Banco Chase Manhattan, CIA,
Citibank, Coca-Cola, Compaq, Cummins, Elma Chips, General Motors, Gessy Lever,
Intel, Johnson & Johnson, JP Morgan, Lucent, Motorola, Natura, Novatis-
Agro, Pão de Açúcar, Procter & Gamble, Seiko, e Wal-Mart.
16. Escóssia (3/12/2003). Segundo dados do IBGE, citado durante entrevista com
Pacheco, em 16/12/03.
17. Esta lei, de 1999, nem sempre é cumprida.
18. A iniciativa da Monsanto, o Projeto Afro-Brasileiro, é uma das mais antigas
e precedeu à iniciativa do programa Geração XXI, da Fundação BankBoston, que
muitos chamavam a primeira iniciativa empresarial de ação afirmativa para
negros, por cinco anos.
19. Duas referências excelentes do Instituto Ethos são: "Perfil social, racial
e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas"
(dezembro 2003); e "Como as empresas podem (e devem) valorizar a diversidade"
(setembro de 2000).
20. As parcerias existentes incluem: Integrare com DuPont e IBM, Geledés com a
Fundação BankBoston e o Instituto Xerox, CEAP com o Instituto Xerox, e Banco
Real com o CEERT.
21. Atividades observadas: diversificação das fontes de recrutamento e seleção
(através de divulgação de vagas para entidades negras, oficinas de
sensibilização para os fornecedores/empresas terceirizadas, e pedidos formais
[às empresas terceirizadas ou nos anúncios de jornais] para candidatos negros),
fóruns ocasionais que convocam funcionários e representantes de entidades
negras, comemoração de feriados de interesse da comunidade negra (Dia Nacional
da Consciência Negra, Dia Internacional de Combate ao Racismo etc.), criação de
um banco de currículos de candidatos negros e encaminhamento desses currículos
para diretores regionais, e tutoria de fornecedores ou estagiários negros,
investimento social privado em programas de capacitação/educação para negros
etc.
22. Entrevista com Manchesski e Haradom, da Fersol, 6/2/2004. Os números aqui
apresentados somam mais que 100% porque alguns funcionários pertencem a mais de
um grupo.