Corporalidade em confronto: brasileiras na indústria do sexo na Espanha
Apresentação
Na Vila Olímpica, frente à marina, há uma sucessão de bares, restaurantes,
discos... Há dois bares, me disseram, freqüentados por garotas brasileiras que
fazem programas. Um deles está lotado. Na entrada, há um coqueiro feito de
luzes verdes e amarelas. É amplo, tem uma pista de dança e plataformas
elevadas. O público é diversificado. O ambiente é pesado e um pouco assustador.
Uma jovem de pele cor de chocolate, curvas acentuadas, cabelo enorme, sapatos
brancos com saltos muito altos, mini-saia de jeans bem justa e top, dança em
uma das plataformas. Ela rebola as cadeiras com movimentos altamente
erotizados. Minha acompanhante acha que ela é brasileira. Mas, quando desce, a
menina explica que é espanhola, filha de uma cubana.
Em outra plataforma, uma garota loura, esguia, de corpo retilíneo, pele muito
branca e cabelos compridos, com mini-saia, também dança. Seu aspecto sugere que
é do Leste Europeu. Há uma enorme diferença no estilo corporal e nos movimentos
das duas. Os da jovem loura se concentram na parte superior do corpo. Mexe os
ombros, mas praticamente não ondula as cadeiras. Enrosca-se em um pau de metal,
subindo e descendo, como nos shows de strip-tease, mas aqui ela não tira a
roupa. À maneira dos clubs de alterne espanhóis, esta disco parece utilizar
como apelo a oferta visual de mulheres, de diferentes lugares do mundo, com
diversos estilos de corporalidade. Nesse lugar não vi nenhuma mulher negra
(Diário de campo, Barcelona, 6 de novembro, 2004).
Este trecho de diário de campo, sugerindo a implementação de um apelo erótico
ancorado na diversidade (étnica/"racial"), foi escrito durante uma pesquisa
sobre a inserção de brasileiras na indústria do sexo na Espanha.1 Neste
trabalho trato da construção desse estilo de erotização, explorando como gênero
e corporalidade se integram na concorrência que permeia o mercado do sexo
contemporâneo.
Constituído pelo jogo entre oferta e demanda de serviços sexuais, esse mercado
e a organização empresarial em torno dele estão marcados pelo caráter
transnacional. Refiro-me aos processos de atravessar as fronteiras para
consumir e oferecer serviços sexuais (Agustín, 2001, 2005; Piscitelli, 2005),
nos quais se estabelecem relações complexas entre diversos locais, incluindo
redes e laços sociais entre o local de origem e os diferentes destinos.2
Refiro-me também à participação dos capitais que sustentam a indústria do sexo.
Este termo, utilizado para designar a estrutura organizativa vinculada ao
mercado do sexo, destaca tanto a solidez dessa organização como as forças
econômicas e os interesses que a impulsionam (Lim, 2004).3 Tomando como
referência a inserção de brasileiras na indústria do sexo na Espanha, analiso o
jogo de relações que, nesse marco, opera na produção de configurações
corporais.4
Esta análise está baseada em uma pesquisa exploratória, realizada em uma
perspectiva antropológica, que incluiu o trabalho de campo entre outubro e
dezembro de 2004 e setembro de 2005. 5 Na primeira parte, faço alguns
comentários sobre noções vinculadas à difusão de imagens do Brasil através das
fronteiras. Na seqüência, trato das trajetórias dessas mulheres, considerando
as implicações culturais, políticas e econômicas dessa modalidade de migração.
Finalmente, criando uma perspectiva comparativa a partir das conceitualizações
acionadas nos relacionamentos entre estrangeiros e brasileiras no marco da
indústria do sexo no Brasil, considero como a alteração de contextos incide nos
significados concedidos às diferenças que permeiam os encontros com
consumidores de sexo na Espanha. Essa questão é elucidada explorando como
construções de gênero, nacionalidade/etnicidade, "raça", classe e idade são
acionadas nas interações comerciais estabelecidas por essas migrantes.
Imagens do Brasil através das fronteiras
Nas discussões socioantropológicas, a vinculação entre certas regiões pobres do
mundo e a prostituição é considerada efeito das viagens de turistas sexuais aos
países do "Terceiro Mundo", da ampliação do uso da Internet, tida como espaço
privilegiado para a criação e a difusão de imagens sexualizadas e racializadas
desses lugares e, ainda, da migração de mulheres do Sul para trabalharem em
night clubs e bordéis em todo o mundo (Thorbek e Pattanaik, 2002). Considera-se
que na "nova ordem global" (Appadurai, 1996), na qual marcas de gênero cada vez
mais sutis informam a recriação de desigualdades em escala mundial, a difusão
dessas imagens e a intensificação na mobilidade estimulam e facilitam o consumo
da alteridade em qualquer lugar do mundo. Nesse processo, as (antigas) relações
entre erotismo e exotismo (Leclerc, 1976) adquirem novos conteúdos (Kempadoo,
2004).
A discussão sobre a integração de brasileiras no mercado transnacional do sexo
está permeada por algumas dessas noções. No debate público brasileiro uma certa
construção da feminilidade nacional, intensamente sexualizada e marcada pela
"cor", é um aspecto central na dinâmica do turismo sexual internacional, da
prostituição de brasileiras no exterior e do tráfico internacional de mulheres.
O suposto é que essa construção, originada nas imagens de mulatas e negras
historicamente produzidas no Brasil e difundidas no exterior (Dias Filho,
1998), explica uma elevada demanda de mulheres do país. Essas imagens,
associadas a certos traços fenotípicos, vinculados a mulheres de pele escura,
como os que constituem a figura da mulata (Corrêa, 1996), teriam se disseminado
no exterior (Cecria, 2000).
Os estudos sobre a circulação de imagens corporais de brasileiros/as através
das fronteiras apresentam, porém, um quadro mais complexo. De acordo com essas
pesquisas, tais imagens não reiteram aquelas que, presentes no Brasil, foram
utilizadas para difundir o país no exterior, inclusive em propagandas oficiais,
até poucos anos atrás (Emrich Pinto, 2005; Alfonso, 2006). No âmbito
transnacional, elas tendem a ser erotizadas por meio de uma construção de
nacionalidade atravessada por gênero que é racializada e sexualizada, mas não
necessariamente associada às "cores" de pele escura (Pontes, 2004; Piscitelli,
2004). E a operação desse jogo de categorias aparece na percepção sobre as
brasileiras inseridas ou não na indústria do sexo.
As dançarinas go-go em New Jersey, originárias de camadas médias no Brasil, com
educação superior, de tons de pele claros, analisadas por Susana Maia (2007)
oferecem um exemplo desses processos. De maneira análoga, a imagem da empregada
doméstica brasileira exibida na mídia portuguesa, "uma mulher fatal",
posicionada em uma classe inferior, é incorporada numa mulher branca. Segundo
Luciana Pontes (2004), nos novos processos de construção da etnicidade
brasileira em Portugal, vinculados às migrações atuais, essa etnicidade está
marcada pela posição de classe no país de destino e associada a uma ideologia
da mestiçagem exotizada e sensualizada. As agentes, porém, não precisam ser
mestiças: sua brasilidade já lhes confere essa filiação.
A recorrência de uma construção de etnicidade brasileira relativamente autônoma
dos traços fenotípicos não significa, porém, que os significados a ela
atribuídos sejam os mesmos em diferentes contextos migratórios. Machado (2003),
em uma observação que compartilho, chama a atenção para a existência de
processos de exotização diferenciados, segundo as sociedades de recepção dos
migrantes.
Neste texto argumento que para entender as relações das imagens sobre o Brasil
com a inserção das brasileiras no mercado transnacional do sexo é necessário
prestar séria atenção aos cenários nos quais as convenções eróticas se
materializam. Nos deslocamentos para consumir ou oferecer serviços sexuais,
imagens corporais, escolhas e práticas sexuais apresentam aspectos
diversificados. A materialidade simbólica envolvida nesse tipo de mercado
assume traços particulares em diferentes espaços de interação, no Brasil e no
exterior, que são delineados em relação à localização geopolítica dos agentes e
a seu posicionamento na indústria do sexo no país em questão. Compreender os
vínculos entre exotismo e erotismo requer considerar as convenções que, nesses
contextos, permeiam as interações entre consumidores e "vendedores/as".
Brasileiras na indústria do sexo na Espanha
As brasileiras entrevistadas estão inseridas em distintos segmentos da
indústria do sexo na Espanha. De acordo com estudos sobre a temática, as
modalidades de trabalho nessa indústria são diversificadas, incluindo linhas
telefônicas eróticas, peep shows, espaços de espetáculo erótico, a Internet,
locais de stripperse os serviços sexuais resultantes de encontros em bares,
estradas, rua, clubes e pisos(apartamentos) (Pons, Rodríguez e Vega, 2002).
Nesta pesquisa, centrei-me em mulheres que trabalham nesses três últimos tipos
de locais: rua, clubes e pisos.
Os serviços sexuais que têm lugar a partir desses espaços apresentam diversas
nuanças. Contatos acertados durante o dia e no início da noite, na rua, podem
ser realizados em mueblése, nas madrugadas, dentro de carros ou em lugares
afastados. Os pisosdivergem em sua organização, na população que neles trabalha
(alguns são ocupados exclusivamente por mulheres, outros por "trans") e no
"nível", expressado nos valores dos serviços. Entre os clubs, há uma ampla
diversidade: em um pólo estariam os estabelecimentos "tradicionais", cujo lucro
provém da venda de bebidas e/ou de receber um percentual dos serviços
prestados, espaços que contam com bar, pista de dança e nos quais as mulheres
circulam, saindo deles ou entrando em "reservados". No outro extremo, os novos
hotéis-plaza.Os clubes de estrada tradicionais, localizados nas periferias dos
povoados, com aproximadamente dez mulheres trabalhando começaram a fechar no
início dos anos de 1990, substituídos por outros maiores com ascendente
"filosofia empresarial" (Pons, Rodríguez e Veja, 2002). Neles podem trabalhar
até 150 mulheres, ocupando vagas por períodos de 21 dias (Pons, 2003). O lucro
dos proprietários reside no valor que as mulheres pagam pela utilização do
hotel e pela alimentação. Em 2004, essa diária estava em torno de 40 a 60
euros. Para se ter uma referência, o valor dos serviços prestados durante meia
hora nesses clubes era aproximadamente 60 euros, enquanto pelo mesmo período de
tempo, na rua, era, aproximadamente, 30 euros.6 No momento, avalia-se que a rua
concentra um número trabalhadores sexuais significativamente inferior aos que
ofereceram serviços em clubes ou "hotéis", com percentuais que variam em
regiões e cidades.7
As entidades que apóiam trabalhadoras/es do sexo consideram que na Espanha,
como em outros países da Europa, o perfil da prostituição mudou ao longo da
década de 1990; hoje é uma atividade desempenhada, sobretudo, por
estrangeiras.8 Não há um acordo sobre o percentual de estrangeiras, o que não
surpreende, uma vez que os estudos limitam-se a nichos ou modalidades de
serviços em regiões específicas e, além disso, costumam divergir nas
metodologias utilizadas.9 Os relatórios existentes sobre modalidades
específicas de trabalho sexual apontam para uma maioria de pessoas
estrangeiras, de diversos lugares do mundo. No entanto, é importante registrar
que a alteração na nacionalidade das prestadoras de serviços sexuais é
considerada análoga à modificação entre prestadores de serviços em outros
setores, como o doméstico, de pesca e agricultura.
As leituras mais cautelosas sobre a presença de estrangeiras na indústria do
sexo na Espanha avaliam que a mesma, ainda em ascensão, já supera o patamar de
50-60% e chamam a atenção para a exagerada repercussão e para o vitimismo que
permeiam afirmações sobre percentuais mais elevados (Pons, 2003; Agustín,
2001). No quadro dessas variações, diversos relatórios apontam para a
significativa presença de latino-americanas, particularmente em algumas
regiões.10 Mas, seria inútil tentar oferecer cifras. As características da
atividade (a clandestinidade, agravada quando os prestadores de serviços são
migrantes irregulares, e ampla mobilidade dos/as que prestam serviços sexuais)
fazem com que as estatísticas sobre prostituição e sobre tráfico não passem de
estimativas. No que se refere às brasileiras, a isto se soma o fato de que
vários dos estudos classificam as mulheres em categorias amplas, referidas a
continentes ou regiões e não à nacionalidade.
Em termos de cifras relativas a migrantes regulares, o Boletim estadístico de
extranjeria y inmigración(n. 3, 2004) informa que em junho de 2004, as
brasileiras, 71,07% do total de brasileiros legalmente residindo na Espanha,
totalizavam 11.153 (um número pequeno quando comparado com o de outras latino-
americanas: colombianas, 72.284, e equatorianas, 94.541). As pesquisas sobre
migrações, porém, mostram a enorme diferença entre os migrantes com permissão
de residência e os empadronados(que registraram seu domicilio na Espanha com
algum fim, sobretudo para ter acesso à assistência médica). No caso de cidadãos
do Equador e da Argentina, essa diferença supera os 200% (Terrón, 2004). Nos
estudos que exploram essa diferença não há um levantamento análogo para os
brasileiros, talvez porque seu número não seja tão elevado quanto o de outros
cidadãos latino-americanos. Mas é possível pensar na diferença entre o número
de brasileiros regulares e irregulares considerando a estimativa de agentes do
consulado brasileiro em Barcelona. Na região atendida por esse órgão, em 2004,
havia aproximadamente 10 mil brasileiros (2500 novos registros correspondiam ao
ano de 2004) e outros tantos seriam atendidos pelo consulado de Madri.
Segundo esses agentes, o consulado recebe mais solicitações de documentação de
mulheres para contrair matrimônio do que de homens. Entre cinco e seis
solicitações semanais, número equivalente, no período em que a pesquisa foi
realizada, ao de deportações de brasileiras das quais o Consulado tinha
notícia.11
Entre os agentes entrevistados, há um acordo significativo: considerar que o
número de brasileiras oferecendo serviços sexuais na rua é relativamente
reduzido quando comparado a mulheres de outras nacionalidades. Em
contrapartida, sua presença cresce em espaços fechados, como pisose, sobretudo,
clubes.12 A leitura dos depoimentos registrados no site espanhol para clientes
(www.hotvalencia.com) sustenta as impressões sobre a presença das brasileiras
nesses espaços. As trocas de mensagens dos usuários sobre mulheres que
trabalham em pisosde Valência também são significativas: dos 298 registros, 133
referem-se a brasileiras e 62, a mulheres de outros países da América Latina.13
Essa impressão é referendada pelo representante da Asociación Nacional de
Clubes de Alterne (Anela),em Barcelona.14 Segundo ele, nos estabelecimentos
vinculados à entidade em todo o país, em 2004 havia aproximadamente 14 mil
mulheres oferecendo serviços sexuais. Delas, 40% seriam russas, romenas, da
antiga Iugoslávia, tchecas. As mulheres latino-americanas, principalmente
brasileiras e colombianas, representariam os outros 40%, embora com a presença,
também, de uruguaias, dominicanas, venezuelanas e, muito ocasionalmente,
argentinas. Já as africanas, nitidamente inferiorizadas, teriam uma presença
menor. Segundo ele:
En los clubs hay alguna que otra nigeriana, pero muy pocas, porque quitan
categoría a los lugares, son muy sin cultura, hay dos o tres, porque siempre
hay algún cliente al que le gustan las chicas más salvajes. Y en la calle ellas
son las que cobran menos.
Os estudos sobre migração dificilmente prestam atenção nos deslocamentos para
trabalhar na indústria do sexo (Agustín, 2006). Mas, se brasileiras e
colombianas15 ocupam espaço equivalente nesses clubes, a grande diferença
numérica entre mulheres das duas nacionalidades na Espanha no período em que
foi realizada a pesquisa sugere que a inserção na indústria do sexo pode ser
uma estratégia relevante de migração para as brasileiras que partem em direção
àquele país.
Trajetórias
As entrevistadas brasileiras que oferecerem serviços sexuais na Espanha estão
marcadas pela diversidade em termos da inserção na indústria do sexo (incluindo
modalidades, ritmo e condições de trabalho), da idade, dos estados de origem,
da "cor", do tempo e da condição de permanência no país. Essas diferenças e o
fato de residirem em diferentes cidades são fatores que impossibilitam realizar
generalizações tendo como referência esse universo. No entanto, no quadro dessa
pluralidade manifestam-se sugestivas regularidades no que concerne à percepção
das mesmas sobre as imagens criadas em torno delas.
Algumas têm hoje em torno de 20 anos, mas ingressaram na indústria do sexo na
Espanha recém-saídas da adolescência; outras estão na faixa dos 30 anos; e
outras, ainda, chegaram ao país com mais de 40 anos.
A escolaridade tende a ser relativamente baixa, entre o primeiro grau
incompleto e o segundo completo. Apenas uma iniciou o curso superior. Os
estados de origem são diversificados: Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e São Paulo. Algumas migraram
para Espanha depois de terem morado em outros estados.
Algumas, antes de migrar para Europa, já sobreviviam exclusivamente da
prostituição no Brasil, outras fizeram programasdurante um breve período de
tempo no âmbito do turismo sexual no Nordeste do Brasil, mas a maioria delas já
tinha oferecido algum tipo de serviço sexual no Brasil, e migrou com este
objetivo em mente. Chegaram diretamente em Madri, ou passaram antes por Paris,
dirigindo-se, em seguida, a cidades nas quais tinham contatos: o endereço de um
clube fornecido por um agenciador ou por alguma amiga ou conhecida.
Algumas, contatadas em lugares onde já ofereceriam serviços sexuais para
estrangeiros, migraram mediante contato com intermediadores vinculados a clubes
espanhóis (taxistas brasileiros ou agenciadores estrangeiros); outras, contudo,
estavam inseridas em redes femininas de vizinhas, amigas, conhecidas e parentes
que já moravam na Espanha, o que também é recorrente para migrantes de outras
nacionalidades (Oso Casas, 2005), assim como para pessoas transexuais.
A migração com vistas à inserção na indústria do sexo envolve muitas vezes
redes semelhantes às usadas por migrantes brasileiros que trabalham em outros
setores e, no passado, de migrantes internos, do Norte e Nordeste do Brasil
para o Sudeste do país. Nesses casos, o adiantamento do dinheiro a ser
devolvido com juros análogos aos pagos em um clube, a oferta de uma vaga em um
apartamento (pela qual se paga um valor superior ao que ela de fato teria) e/ou
o apoio para se estabelecer em "pontos" na rua, tudo isso é lido como "ajuda".
Entre as entrevistadas há também mulheres que migraram com o objetivo de
trabalhar em outro ramo de atividade, mas que optaram por uma mudança de plano,
quando já estavam na Europa, ao avaliarem que poderiam obter maiores recursos
financeiros por meio da inserção na indústria do sexo. O deslocamento entre
outra atividade no setor de serviços e a prostituição é uma possibilidade que
aparece como permanentemente aberta e tentadora, e está longe de restringir-se
às migrantes brasileiras (Casas e Jimenez, 2001). Compreender tal sedução exige
considerar a dificuldade, enfrentada pelos migrantes irregulares, para obter
emprego e o grau extremo de exploração ao qual são submetidos quando o obtém.16
As mulheres, as que estão de maneira regular na Espanha obtiveram os "papéis"
através do casamento com espanhóis, clientes ou não. As outras estão
irregulares ou passam uns meses na Espanha e retornam ao Brasil para regressar
novamente à Espanha.
As rendas que declaram receber pelos serviços sexuais oscilam entre 2.500 e 5
mil euros por mês. Embora o trabalho na rua seja considerado de um nível
"inferior" à prostituição que tem lugar em clubes e pisos, as diferenças na
renda aparecem, sobretudo associadas à maturidade e à capacidade de administrar
o dinheiro. Aliás, as preferências por uma ou outra modalidade de prostituição
são variadas. Entrevistadas mais jovens preferem trabalhar em clubes com certa
clientela e condições de trabalho percebidas como mais adequadas, devido à
convivência e sociabilidade com outras garotas da mesma idade e, com isso, um
clima de diversão. As mulheres mais velhas, que já passaram por clubes, ao
contrário, preferem a rua, no período diurno. Segundo elas, apesar de cobrarem
por um programa quase a metade do que se cobra em um clube, suas rendas são
equivalentes, porque são exclusivamente para elas. Além disso, as condições de
trabalho são mais flexíveis.
Os rendimentos mensais dessas entrevistadas, particularmente das que trabalham
na rua, recebendo clientes de menores recursos, podem ser superiores aos de
seus clientes. Os níveis de renda mostram, portanto, a necessidade de
categorias alternativas para refletir sobre as distribuições diferenciadas de
poder que permeiam a inserção dessas mulheres na indústria do sexo na Espanha.
A noção de localização, como marco estrutural no qual situar as posições
desiguais vinculadas às nacionalidades em jogo é relevante para pensar estas
interações. No caso das migrantes que trabalham na indústria do sexo, o
posicionamento é ainda mais frágil nos (muitos) casos em que não estão em
situação regular. E, irregulares ou não, isto se agrava devido à estigmatização
da prostituição (Garaizabal, 2005), na percepção das entrevistadas, maior ainda
do que no Brasil.17 De acordo com uma delas:
No Brasil, se sabe que quem está nisso é porque precisa. As mulheres vivem para
a família, trabalham para sustentar filho, irmãos. Aqui, quem está na
prostituição e é espanhola, é para manter vícios. Droga, jogo, máquinas traga
perras. E, no fundo, acho que há algo de verdadeiro nisso. Quem nasce na Europa
não precisa se prostituir, pode fazer qualquer outra coisa. Já no Brasil, não.
Assim como os migrantes brasileiros inseridos em outros setores do mercado de
trabalho em todo o mundo (Assis, 2004), estas também mantêm estreitos laços com
o Brasil. A comunicação telefônica é intensa, as visitas ao Brasil, no caso das
que têm "papéis", é freqüente. E também o é a circulação de parentes, irmãs,
primas. Parte substantiva dessa comunicação exprime-se em remessas que são
manifestação de carinho e, simultaneamente, da obrigação criada pelos laços de
parentesco. Elas são enviadas ao Brasil via agências de câmbio particulares
(jamais um banco brasileiro), em valores que oscilam entre 100 e 1500 euros
mensais, para sustentar filhos, mães, sobrinhos, cobrindo gastos os mais
variados (telefone, gás, material escolar, até a mensalidade da faculdade) e
para investimentos diversificados no país. E, se as condições econômicas são
determinantes para a inserção dessas entrevistadas na indústria do sexo na
Espanha, isto não significa necessariamente aludir a uma situação miserável no
Brasil. Trata-se, sobretudo, da falta de possibilidade que elas sentem em
termos de planejar o futuro, em termos econômicos, para elas e para seus
descendentes.
Os projetos elaborados no traçado desse futuro são diversificados, mas tendem a
estar associados ao retorno ao Brasil. Com esses objetivos, as entrevistadas
enfrentaram o estigma associado à prostituição, em muitos casos a
"irregularidade", as dificuldades de aprendizagem da língua, de procura de
moradia, a distância cultural com os espanhóis e, sobretudo, as espanholas e
migrantes de outras nacionalidades, além da difícil relação com as estrangeiras
com as quais disputam clientes no mesmo mercado.
Consumo erótico e trasnacionalidade
Uma pessoa ligada à Asociación de los Clubs de Alterne em Barcelona
me recebe em um apartamento imenso, em estilo modernista, cheio de
obras de arte. O lugar cheira a dinheiro e requinte. Conversamos
sobre o lugar das brasileiras nos Clubs. Na visão dele, constituem um
grupo significativo, mas é mais um entre outros. Comento com ele as
diferenças entre o quadro que está sendo traçado por mim na Espanha e
os resultados do meu trabalho sobre turismo sexual no Brasil. Ele
reflete um instante e logo diz:
"Es que los que van a turismo sexual a Brasil están buscando
brasileñas que son mujeres por naturaleza sensuales, cariñosas [...].
La brasileña es cariñosa. Pero aquí, el cliente quiere el mejor
rendimiento en el menor tiempo, y, en ese sentido, las mujeres del
Este Europeo tienen más salida, porque son mucho más profesionales.
En Brasil es más una cuestión de naturaleza" (Diário de Campo,
Barcelona, 4 de novembro, 2004).
Para entender como corporalidade e gênero se integram na "concorrência" por
clientes, é preciso analisar a maneira pela qual as convenções de erotização
que marcam a brasilidade adquirem conotações particulares na Espanha e em
nichos específicos da indústria do sexo nesse país. Uma leitura comparativa da
maneira como esses jogos de categorias são corporificados em um contexto de
turismo sexual no Brasil oferece elementos para refletir sobre as
especificidades dessas convenções. Refiro-me a Fortaleza, cidade na qual
estudei uma modalidade de "turismo sexual" (Piscitelli, 2004).18
Nesse contexto, os corpos são produzidos na imbricação de noções de
feminilidade e masculinidade vinculadas à origem nacional, "raça", classe e
idade, em processos nos quais as mulheres nativas são intensamente sexualizadas
e os estrangeiros são considerados a corporificação dos estilos mais
valorizados de masculinidade. No quadro de viagens à procura de
"autenticidade", a exotização das nativas se expressa na atribuição de um valor
positivo a estilos de feminilidade "tradicionais" associados a uma intensa
sexualização, animando corpos com marcas claramente delineadas no que se refere
à juventude, aos traços faciais, o tipo de cabelo, as formas da silhueta e,
sobretudo, a "cor", morena.
As nativas tendem a serem singularizadas em relação a mulheres de outros
destinos dos circuitos globais de turismo sexual, na base de noções de
intensidade sexual, associada à disposição para o sexo, que se expressa em
qualquer prática sexual, até as mais banais, por exemplo, nos estilos de
beijar. O clima de erotismo que perpassa esses relacionamentos, longe de estar
vinculado a práticas sexuais necessariamente pensadas como extremas ou anômalas
é produzido por uma combinação entre essa intensidade e transgressões situadas
em outros planos: nas possibilidades da procura de um prazer inteiramente
desvinculado de investimentos afetivos, ou, ao contrário, de unir o prazer
sensual aos sentimentos. Nesse último caso, podem conduzir ao casamento, e com
ele realizar um duplo movimento: introduzir a extrema paixão carnal na
conjugalidade e interromper convenções homogâmicas e homocromáticas. Nesse
universo, as técnicas corporais desenvolvidas pelas mulheres nativas reiteram a
idéia de um saber sexual específico, vinculado à intensa sexualização e à "cor"
a elas atribuídas pelos visitantes estrangeiros.
Nos processos migratórios de nativas que supostamente corporificam a
"sexualidade tropical" para os países do Norte, porém, as imagens corporais e
as práticas sexuais envolvidas no consumo sexual não se mantém estáveis. Nesse
deslocamento de contextos, as convenções que permeiam a corporalidade são re-
significadas, atingindo de diversas maneiras as brasileiras que se inserem no
mercado do sexo na Europa, em países cujas relações históricas com o Brasil são
diferentes.
Na Espanha, a visibilidade do Brasil e a integração da brasilidade na
conformação das convenções corporais e eróticas aparece de maneira mais diluída
que em outros países europeus, como a Itália, também emissores de turistas
sexuais para o Brasil. Tomando como referência Milão e Barcelona, capitais de
regiões que atraem brasileiras para inserir-se na indústria do sexo, uma
comparação entre ambas cidades mostra que a aparente incidência do país na
moda-praia e na prestação de serviços corporais em sentido amplo (aulas de
dança, samba-terapias, capoeira) é mais intensa na cidade italiana. Na
Lombardia, as brasileiras aparecem, entre as latino-americanas, como
privilegiadas por essa vinculação (Piscitelli, 2007). Na Catalunha, porém, essa
relação, parece apontar, sobretudo, para "morenas" das ex-colônias espanholas,
com destaque, de acordo com regiões, locais e "níveis", para colombianas e
cubanas. Precisamente essas nacionalidades são apontadas por algumas
entrevistadas como as mais sérias concorrentes. De acordo com uma paulista de
28 anos, esguia, de cabelos e pele claros (que, curiosamente, se recusou a
falar em português) que já trabalhou em clubes em diversas partes da Espanha e
agora oferece serviços em pisosem Barcelona:
No hay muchas cubanas, pero hay... Tenemos mucho en común las
brasileras y las cubanas, la religión es la misma, eso de bailar,
somos muy parecidas. Pero claro, en el piso, a ver, las cubanas son
tan calientes cuanto las brasileras, entonces [risas] la
competencia... mas aún que [con] las colombianas, yo creo que por eso
no hay mucha amistad... Una colombiana, una ecuatoriana por ser
latinas tienen mas proximidad entre ellas, pero las brasileñas como
que son latinas, pero "soy latina pero no soy como vosotras" [...].
Concorrências
A concorrência na indústria do sexo, tida como "feroz", é assinalada nos
estudos sobre o tema na Espanha, com destaque para as regiões em que há
trabalhadoras do sexo de várias nacionalidades (Oso Casas e Ulloa Jiménez,
2001). Em um ranking organizado com a utilização de diversos "traços"
(juventude, beleza, educação e nacionalidade), a hierarquia seria encabeçada
pelas espanholas, seguidas por mulheres do Leste Europeu, latino-americanas e,
em último lugar, africanas (Pons, Rodriguez e Vega, 2002). De acordo com Pons
(2003), na Catalunha, os empresários classificam as trabalhadoras na base de
noções que consideram latino-americanas e africanas mulheres que, "com o sexo a
flor da pele", têm uma predisposição natural para ele. Isso não aconteceria com
as mulheres do Leste Europeu, que, tidas como mais cultas, de mais categoria,
seriam as preferidas dos europeus.
As mulheres concorrem nesse contexto criado pelos critérios de empresários e
clientes. De acordo com a jovem paulista:
Entre los clientes y entre las chicas se crean estos mitos de cada
nacionalidad... Yo noto que en los clubes las españolas trabajan mas,
incluso hay algunos que van a buscar españolas catalanas, porque no
quieren estar con extranjeras. Pero depende A unos les encantan las
brasileras. A otros les gustan las rusas, que normalmente hacen otro
tipo de servicios, como las rumanas prácticas de riesgo Yo entré en
la habitación con una rusa, son como frías en la cama... pero tipo
así, hacía unas cosas! Brasilera, que para ellas es mas caliente, no
las hace.
Nas discussões do sitejá mencionado, nas quais os clientes descrevem suas
experiências, o item nacionalidade faz parte do leque de questões que incluem
perguntas referidas ao corpo, rosto, idade da garota, práticas sexuais e
atitudes em relação a essas práticas e de repetir ou não a experiência com a
mesma garota.
Os clientes, porém, não constituem uma categoria homogênea. As distinções entre
consumidores de sexo que freqüentam clubes em diferentes regiões da Espanha são
marcadas pela jovem paulista:
En ese sitio, en Almeria los clientes, la mayoría, eran gitanos y
marroquíes, que para nosotras son los peores clientes que hay porque
ponen el cuchillo en el cuello de las chicas. Claro, en cada
nacionalidad hay gente buena y mala pero ya es la cultura de cada
país y los marroquíes, la manera como tratan a las mujeres... En el
club de Barcelona era prohibido ir con marroquíes, ellos entraban
tomaban una copa, pero nosotras no podíamos acercarnos a la
habitación con ellos, lo que ya nos daba algo de seguridad.
E, em uma mesma região, de acordo com as entrevistadas, há uma ampla
diversidade entre os freqüentadores de clubes e da prostituição de rua. Segundo
elas, em Barcelona os clientes dos clubes tendem a ser espanhóis e de outros
países da comunidade européia. Na rua haveria clientes com menos recursos,
migrantes africanos (marroquinos, argelinos) e de diversos países "pobres"
(Índia, Paquistão, Polônia) e espanhóis muito jovens (na casa dos 20 anos) ou
bem mais velhos (de 60 ou mais anos). Nas palavras de uma brasileira que
trabalha neste setor, em Barcelona: "Tenho clientes de 18, de 20. Até 90. No
Brasil poucos velhos vão foder, mas aqui... Esses de 80, 90 eles querem
carinho. Porque o homem, ele não vem só para foder, entendeu?".
Levando em conta essa diversidade, as percepções dos clientes vinculadas às
nacionalidades das trabalhadoras não são generalizáveis. Contudo, o valor
concedido à nação de origem em diferentes segmentos de trabalho sexual aponta
para um ponto em comum: a relevância da variedade sobre a singularidade. O
diálogo com um cliente espanhol de 44 anos, residente em Barcelona, que
freqüenta uma vez por mês os clubse ocasionalmente consome serviços sexuais nas
estradas, dá uma idéia desses critérios:
Entrevistado: me he separado y esto me da pereza comenzar nada y
no quiero abandonar mi vida sexual Voy siempre al mismo lugar Allí
hay de todos los colores rusas, belgas o rumanas, y rubias hasta
negras, deben ser africanas o de Brasil. de Ecuador, de cualquier
país. Lo que menos hay son españolas Muy provocativas... y ellas
siempre vienen a disputar los clientes no? [...].
Adriana: Cuéntame, con chicas de qué nacionalidad estuviste?
Entrevistado: Pues seguro, seguro con una rumana, una rusa, albanesa,
ecuatoriana, de Bolivia, de Venezuela, morenas así son estas chicas,
brasileña, Argentina
Adriana: Encontraste alguna diferencia en relación a la nacionalidad
de las chicas?
Entrevistado: que va, son todas iguales, al final es todo igual. Al
final todo es caricias, felación y penetración. A la hora de elegirla
si, a ver la mas bonita. Después no quiere decir ni que lo haga
mejor, ni que esté más buena Algunas son más profesionales que
otras Yo valorizo el profesionalismo. La nigeriana no era nada
profesional, tal vez porque para ella follar sea más natural. Las de
Europa del Este son más profesionales.
Ao fazer referência a um local de prestação de serviços inteiramente diferente,
na rua, na região do Raval, em Barcelona, uma baiana, muito delgada e morena,
de 42 anos, alude em outros termos à dimensão da variedade.
Há jovens muito bonitas, realmente, cada menina que tem aí... Para
Barbie só falta a caixa. Porque realmente são bonitas de cara, de
cabelo, de corpo, de tudo. A maioria é da Romênia. Mas, aqui eles [os
clientes] não tem preferência de nada, nem de idade, nem de cor, nem
de nada.
Como as trabalhadoras do sexo brasileiras recriam as convenções vinculadas à
etnicidade no quadro dessas percepções?
Recriando imagens corporais
No espaço escuro de um clube em Las Cortes, um bairro tradicional de
prostituição, no centro de Bilbao, algumas mulheres estão sentadas na
barra, outras em mesinhas contra as paredes. É cedo, não há clientes,
mas umas vinte garotas aguardam por eles. Minha acompanhante pára
diante de uma loura e diz: "ela é brasileira". Pergunto pelas
nacionalidades das outras garotas. Ela vai assinalando os grupos. E
me dou conta de que estão agrupadas por nacionalidade. Colombianas em
um canto. As louras do Leste Europeu em outro. As brasileiras estão
no fundo. Minha acompanhante me chama para o fundo, junto a outras
duas louras... São duas irmãs, de Rio Grande do Sul. Vieram a Bilbao
no início dos anos 90 [....]. "O serviço está fraco", dizem, "há
poucos clientes, muita concorrência...". Pergunto sobre as
nacionalidades mais freqüentes nos clubes, em Bilbao. Elas dizem
colombianas e brasileiras. Acham que os homens preferem as
brasileiras, porque são mais carinhosas, se preocupam mais com eles
e, também, porque são mais naturais. Pergunto, "como?". Elas dizem:
"olha para a gente!". A mais velha tem o cabelo pintado. A mais
jovem, um pouco mais magra, parece ser loura natural. As duas usam
maquiagem muito suave, têm bolsas pequenas, estão de calça jeans,
blusa de lã e jaqueta e calçam sapatos baixos. A mais jovem está de
tênis. Elas mostram os pés e dizem: "nós estamos sempre assim".
Segundo elas, as colombianas, não: "usam saltos altíssimos, muita
maquiagem, muito ouro e só estão interessadas no dinheiro, só querem
tirar dinheiro dos clientes". Quando saímos do clube comento com
minha acompanhante a inimizade entre brasileiras e colombianas.
Achando graça ela diz: "é assim mesmo, não sei por quê, mas não ficam
juntas de jeito nenhum, que nem gato e cachorro" (Diário de Campo,
Bilbao, 12 de novembro, 2004).
A disputa por clientes se expressa na concorrência entre estilos de
corporalidade, em contextos em que as convenções eróticas freqüentemente
indicam o privilégio de uma certa competência sobre a "sensualidade natural"
(que inclui a noção de "caliente"), atribuída às brasileiras. Os estilos
corporais dessas mulheres, contudo, não são homogêneos. Eles mantêm relações
com os gostos atribuídos à clientela diversificada em um ou outro segmento da
indústria do sexo. De acordo com as entrevistadas, nos clubes valorizam-se a
juventude e determinados estilos corporais.
A relevância da idade é registrada por brasileiras na faixa dos 40 anos de
idade, que acabaram optando pelo trabalho na rua. Segundo elas, a idade,
considerada "avançada", no Brasil, estava tornando-se um empecilho para ganhar
dinheiro no país e apareceu como obstáculo também nos clubes espanhóis. De
acordo com uma entrevistada de 48 anos, originária de Minas, loura, de olhos
verdes, pele clara e "esticada" com botox, cadeiras largas e nádegas volumosas,
que trabalha no período diurno, na região do Raval, em Barcelona:
Tinham me dado um endereço aqui... em La Coruña. Só que é tudo clube.
E mulher com mais idade aqui não ganha dinheiro dentro de clube.
Quando eu cheguei, vi o ambiente e falei... muita menina nova. Aqui
onde eu trabalho tem mulher de 70 anos... No Brasil, os homens têm
aquela mentalidade da mulher novinha de 18 anos, 20 anos. Na Europa
não, entende? Aqui é totalmente diferente. Se você tiver 70 anos você
ganha dinheiro... Arruma marido também... Porque os brasileiros não
gostam de mulher mais velha... Nem de graça... Não é? Aqui não.
Uma garota originária de Natal, de 24 anos, morena, esguia, de cabelo liso e
comprido e enormes olhos negros, que ingressou no trabalho nos clubes de Bilbao
aos 18 anos, explica qual é o tipo físico selecionado, nessa região do Brasil,
para esses espaços: "Éramos três, mas viemos duas porque minha prima, afinal,
como era um pouco gordinha, eles desistiram e mandaram só duas, porque éramos
magrinhas, morenas".
Neste universo povoado por estrangeiras de diversas nacionalidades, a cor,
porém, aparece como um adereço a mais, sem ser determinante nas escolhas, à
exceção da negritude, que freqüentemente é rejeitada. Nesses casos, porém, o
racismo tende a ser expresso como rejeição a traços culturais. As nigerianas
são rechaçadas, em diversos espaços, enquanto nigerianas e, portanto,
selvagens, e não necessariamente enquanto negras. Esse "primitivismo"
manifesta-se em uma produção corporal em que os cortes no corpo e a ablação
genital aparecem como inadequados para os padrões eróticos. O que se rejeita é
a dissonância associada à nacionalidade e não à cor da pele. A vinculação entre
racismo e nacionalidade é claramente percebida pelas trabalhadoras do sexo
brasileiras. Nos termos de uma mulata carioca, de 38 anos, cor de chocolate
claro, com olhos verdes, efeito produzido pelo uso de lentes de contato, e
longuíssimos cachos dourados criados mediante a utilização de extensões,
extremamente cálida:
Aqui, o racismo é diferente que no Brasil, não passa por cor, mas por
nacionalidade. Há lugar no qual equatoriano não pode entrar, não
importa se mais claro ou mais escuro, ou mouro não pode. Já se é
brasileiro, é difícil ter problema. Eles gostam do Brasil, está na
moda. Ronaldinho. Carlinhos Brown. Europeu gosta de morena, mas o que
mais gostam em mim, como em outras brasileiras, é que sou carinhosa e
alegre.
No quadro dessa diversidade, as percepções das entrevistadas convergem em
considerar que o temperamento alocado a seus estilos de feminilidade é o
principal aspecto que as favorece na inserção na indústria do sexo na Espanha.
Essa percepção está presente em trabalhadoras do sexo de todas as idades,
trabalhando em clubes, na rua ou em pisos, em diferentes partes do país. Entre
as que oferecem serviços sexuais em clubes uma certa valorização estética que
exclui a gordura é tida como um trunfo, em detrimento de outras concorrentes
latino-americanas, particularmente as colombianas. Descrevendo as relações
entre nacionalidades em um clube onde trabalhou, e a corporificação de uma
suposta superioridade brasileira, a jovem entrevistada de Natal explica:
Tinha mais colombianas e brasileiras. E tinha sempre aquilo de
brasileira em um canto, venezuelana em outro, colombiana em outro,
africana em outro, sabe?... Era tipo um enfrentamento. As brasileiras
não gostam das colombianas... Os homens, acho, preferem as
brasileiras... É dito por todos, que são mais carinhosas, mais
divertidas, dizem. E que mais? Que são mais magrinhas, dizem que
entre as colombianas, têm muitas gorditas.
As entrevistadas que desempenham suas atividades na rua assinalam que as
preferências dos clientes não estão ancoradas necessariamente em aspectos
estéticos, nem vinculados à cor. De acordo a entrevistada baiana:
A preferência deles é que a mulher seja carinhosa e trate eles bem e
seja limpa... Acho que cinqüenta por cento deles, eles sempre ficam
mais com a gente. Porque acho que eles se realizam mais...
Essas escolhas tampouco aparecem associadas a um domínio, a um saber específico
das brasileiras no que concerne a práticas sexuais. Segundo a trabalhadora
sexual de Minas:
[...] [as outras] por exemplo, para o homem gozar na boca delas sem
camisinha, não passa nada, normal. E brasileira já não faz isso... Há
essas diferenças. E aí os espanhóis gostam muito dessas anarquias...
A gente não faz. Só que tem o outro lado, que a gente é mais
carinhosa com os homens, é amável.
Acusar mulheres de outras nacionalidades de realizarem qualquer tipo de prática
sexual é um recurso utilizado por trabalhadoras do sexo. No estudo de Oso Casas
e Ulloa Jiménez (2001), as prostitutas colombianas lançam essa acusação às
brasileiras e marroquinas. Entretanto, o que interessa destacar é a idéia das
entrevistadas brasileiras de serem singularizadas como brasileiras. Elas
afirmam que são portadoras de um temperamento naturalmente sensual e,
sobretudo, carinhoso, alegre (com especial inclinação a brincadeiras e risos),
bondoso, tranqüilo, no sentido de evitar brigas, e de simpatia. Confrontando as
percepções dessas mulheres com as dos consumidores e empresários da indústria
do sexo, cabe perguntar sobre o alcance do privilégio que a atribuição desse
temperamento outorga em relação às concorrentes. Contudo, é importante
sublinhar que na percepção delas o temperamento é o que lhes confere
singularidade. De outra maneira, a suposta superioridade concedida à
brasilidade em virtude de uma sexualidade exacerbada, associada a um saber
específico e vinculada à valorização da cor (morena) é algo secundário.
Exotismos em confronto?
Que relação tem a noção de exotismo com a produção de imagens corporais das
brasileiras nesse contexto? E que sentido tem pensar em confrontos entre
exotismos?
De acordo com os escritos clássicos sobre o exotismo, essa noção alude à
valorização das diferenças culturais, particularmente da experiência das
diferenças mais radicais (Segalen, 1978; Michel, 1996). Esses trabalhos são
problematizados há tempos pela produção socioantropológica que sublinha a
necessidade de considerar as implicações políticas da noção (Foster, 1982); em
leituras éticas no lugar de puramente estéticas (Machado, 2003). Leclerc
(1973), discutindo as relações entre exotismo, colonialismo e antropologia,
analisou o espírito vitoriano que permeia a visão imperial do mundo realizada
pelas metrópoles. De acordo com o autor, o colonialismo, além de expansão e
dominação econômica, envolve dominação e etnocentrismo cultural. O processo de
tornar o Outro "exótico", característico da visão imperial, deveria ser
considerado nessa leitura política.
Levar em conta essa dimensão permite compreender como o Outro racial, étnico ou
cultural é dotado de aspectos românticos e, ao mesmo tempo, é oprimido e
explorado. Segundo Kempadoo (2004), o exotismo valoriza povos e culturas
remotos, alimentando a ilusão de admiração e atração pelo Outro. No entanto,
seria uma forma diferenciada de racismo que situa a alteridade em um lugar
inferior. Analisando os processos de exotização contemporâneos, a autora chama
a atenção para sua especificidade. Para ela esses processos, vinculados a
movimentos econômicos e culturais globalizantes, atualizam as leituras
imperiais alargando o leque de sexualidades racializadas.
Esse conjunto de referências oferece elementos para pensar nas dinâmicas que
envolvem as viagens de turistas à procura de sexo para o Nordeste do Brasil. A
idéia de exotismo, que faz parte do universo desses viajantes, está vinculada a
uma exacerbação da diferença e intimamente ligada ao erotismo. Vale assinalar
que essa relação tem uma longa história nos relatos de viagem "ocidentais", nos
quais as viagens aos países do Sul foram consideradas fonte de liberdade
erótica (Edwards, 2001). Essa atração, na qual a alteridade é delineada
mediante distinções inseridas em nítidas relações de desigualdade, pode
adquirir conotações de verdadeira fascinação. Mas, essas "trocas", longe de
serem apresentadas apenas como sexo de fácil acesso em qualquer lugar do mundo,
são valorizadas como expressão de uma série de singularidades: um estilo de
sexualidade específico que, por sua natureza "autêntica", abre vias para o
contato "real" com o outro.
Em síntese, embora inferiorize o "Outro", o exotismo destaca sua singularidade.
Mas, no âmbito da inserção das brasileiras na indústria do sexo na Espanha, a
transformação da diferença em exotismo parece diluir-se. Nesse contexto, a
diferença, longe de ser exacerbada, é quase banalizada.
Em cenários onde as convenções do erotismo são regidas por um grau extremo de
mercantilização há uma permanente valorização do novo e do diferente. Os
empresários acreditam que a inovação e a oferta de novos serviços atraem os
clientes, seja oferecendo disfarces (mulheres fantasiadas de estudantes,
freiras etc.), seja decorando os quartos dos pisos de maneira temática (Roma
Antiga, Egito, Japão) e, ainda, nos clubes, com o sistema de plazas, renovando
a oferta de novas mulheres cada 21 dias (Pons, Rodriguez e Vega, 2002). A
nacionalidade faz parte dos critérios de novidade e diversificação presentes
nesta lógica. Este ponto resulta particularmente claro nos depoimentos dos
clientes do site www.hotvalencia.com. A tendência presente em parte
significativa dos relatos de contatos sexuais com mulheres de um amplo leque de
nacionalidades é não repetir a experiência, procurando permanentemente um novo
corpo, uma nova nacionalidade.
Neste quadro, em que a excitação está associada à possibilidade de escolher
entre inúmeras "marcas" de um mesmo produto e os critérios de seleção muitas
vezes sugerem o privilégio da "eficácia" no menor tempo possível, a
"sensualidade natural" vinculada à cor (morena), relativamente esvaziada de
valor, desloca-se, ocupando um lugar secundário. E a força do exotismo parece
desvanecer-se na valorização da variedade.
Conclusão
As convenções de erotismo envolvendo a brasilidade adquirem conotações
particulares em contextos diferenciados, no âmbito da transnacionalização do
mercado sexual. As imagens corporais produzidas nesses contextos são
identitárias, marcadas pela nacionalidade. No entanto, as categorias utilizadas
nessa construção e o peso a elas concedidas são diferenciados, revelando a
adequação a diversos mercados em países com relações históricas diferenciadas
com o Brasil e aos nichos específicos da indústria do sexo.
As imagens corporais produzidas na indústria do sexo na Espanha acionam
imbricações entre categorias que se diferenciam daquelas presentes em contextos
de turismo sexual internacional, no Brasil. Por sua vez, as imagens corporais
produzidas em nichos médios e nos mais baixos desse mercado variam em função de
entrecruzamentos diferenciados entre idade e padrões estéticos. Contudo, e de
maneira aparentemente paradoxal, no quadro da concorrência com a oferta de
serviços sexuais de mulheres de diversas nacionalidades, a marca mais intensa
percebida pelas entrevistadas inseridas em espaços vinculados a uns e outros
nichos remete a um estilo de feminilidade em que a nacionalidade se expressa em
traços de temperamento singularizados por aspectos que remetem à sensualidade
"natural", à alegria e à afetuosidade. Mas, esses traços distam de ser
vinculados a uma sexualidade exacerbada e associada a um saber sexual
específico, conectada com a idéia da "mulata" que supostamente caracteriza o
Brasil no âmbito transnacional.
No marco da inserção na indústria do sexo na Espanha, essas qualidades estão
associadas a uma diversificação na oferta que é apreciada por empresários e por
clientes. No entanto, o valor atribuído a essa diferença a distancia da idéia
de singularidade que permeia as formulações do exotismo.
Notas
1 Essa pesquisa foi viabilizada pelo apoio da Fapesp ao projeto temático
"Gênero, corporalidades", ao qual está vinculada, e pelo apoio a estágio de
pós-doutoramento concedido pela Capes, na Universidad Autónoma de Barcelona.
Agradeço especialmente a Verena Stolcke, Dolores Juliano, Dilma Felizardo,
Katia Juncks, Cristina Garaizával, Laura Agustín, Isabel Holgado, Constancia,
Carla, Justine, Fátima, Lurdes Perramon e a integrantes de diversas
organizações: Irmãs Oblatas, Licit, Ambit Dona, Hetaeira, Comisión Ciudadana
Antisida de Biskaia.
2 Para as diversas acepções do termo transnacional em abordagens feministas,
ver Ata Aidoo et al. (2000), Phizacklea (2003) e Anthias (2000).
3 Quando se fala em "indústria do sexo", alude-se à sua dimensão, à capacidade
de gerar renda, às interrelações com outras grandes indústrias e infra-
estruturas e à diversidade de negócios relacionados com o sexo, alguns dos
quais apresentam formas de organização industrial e outros poderiam ser
considerados quase "artesanais" (como no turismo sexual) (Agustín, 2001).
4 A Espanha (assim como Portugal) é um dos países da Europa que suscitam maior
preocupação no Brasil no que se refere a esse tipo de migração; uma inquietação
ligada à sua associação com o tráfico internacional de pessoas (Piscitelli,
2006).
5 O trabalho de campo envolveu a observação em entidades que apóiam
trabalhadoras/es do sexo nas cidades de Barcelona, Madri e Bilbao e em espaços
destinados à oferta desses serviços (na rua e em clubes); entrevistas em
profundidade realizadas com dez agentes vinculados a essas entidades, à
indústria do sexo, ao Consulado de Brasil em Barcelona e à Comisaría General de
Extranjeria; com dez mulheres e "trans" (termo êmico que se refere ao conjunto
de pessoas consideradas travestis, transexuais ou transgêneros) que têm
oferecido serviços sexuais nessas cidades; entrevistas de controle com duas
brasileiras inseridas nas mesmas redes de relações que não oferecem serviços
sexuais; e com dois "clientes" espanhóis. A pesquisa abarcou a análise de
fontes e de material secundário, dados estatísticos sobre migração, pesquisas
acadêmicas e relatórios sobre prostituição, material jornalístico e material de
um site espanhol destinado a clientes de prostitutas.
6 A legislação espanhola trata da prostituição como delitos contra a liberdade
sexual, limitando-os às situações extremas, nas quais falta o consentimento
(Código Penal de 1995, artigo 188.1). O proxenetismo é penalizado, mas,
diferentemente do Brasil, segundo Ruth Mestre (2004), é entendido como
atividade de terceiros, que coagem uma pessoa a prostituir-se mediante engano
ou abuso de poder.
7 Na região de Navarra, em 2003, apenas 5% do total de pessoas que ofereciam
serviços sexuais trabalhavam na rua; 85%, em clubes, e em torno de 10%, em
pisos (Arróniz et al, 2003) . Já estudos anteriores realizados na Galícia
apontam para a absoluta escassez de trabalhadoras sexuais nas ruas (Oso e
Ulloa, 2001).
8 Nesse sentido, é interessante comparar as etnografias sobre modalidades de
prostituição realizadas na segunda metade da década de 1990 e trabalhos mais
recentes. As entrevistadas no exce- lente estudo de Medeiros (2000), que
ofereciam serviços sexuais na rua no centro de Barcelona, eram majoritariamente
nascidas na Espanha.
9 Laura Agustín (2001) chama a atenção para a longa tradição, na Espanha, de
migrações internas e também entre países europeus vinculadas à venda de sexo.
Tais movimentos persistem, mas não aparecem em estudos que consideram migrantes
apenas as pessoas do Terceiro Mundo e dos países do Leste Europeu.
10 Relatórios parciais aludem a percentuais mais elevados e diversificados
segundo as regiões. Segundo a Guardia Civil, em 2000, nos clubes de estrada de
várias províncias, 90% das trabalhadoras seriam estrangeiras (Agustín, 2001).
Um estudo realizado no país Basco, em 2002, contemplando clubes, prostituição
de rua e pisos, indica que, nessa região, entre 80 e 90% das mulheres eram
estrangeiras, procedentes principalmente de América Latina (71,8%); depois as
espanholas (17,9%), seguidas por africanas (5,1%) e portuguesas (5,1%)
(Emakunde, 2002). Segundo Dolores Juliano (2004), em meados de 2003, registros
dos Mossos de Escuadra, na Catalunha, considerando apartamentos, clubes e ruas,
indicam que 23% das mulheres seriam espanholas, 2%, de outros países da
comunidade européia, e 75%, de migrantes não comunitárias, entre as quais 30%
oriundas da África subsahariana, 30%, da América do Sul, 30%, dos países do
Leste, 8%, magrebíes, e 2%, de outros países.
11 Essa cifra pode ser plausível, considerando os dados elaborados pela
Comisaría General de Extranjería y Documentación. De acordo com essas
informações, em 2004 o total de cidadãos brasileiros que retornaram ao Brasil
mediante a intervenção da polícia (devoluciones, expulsionese retornos) foi de
2.342, um número elevado se comparado com os 798 casos registrados em 2003.Vale
lembrar que as cifras se referem ao total de cidadãos deportados, não havendo
separação por sexo ("Registro de dados de cidadãos brasileiros", gentilmente
enviados por e-mail pelo órgão referido, em 15/2/2005).
12 E, se a atenção nacional e internacional se detiver em mulheres que oferecem
serviços sexuais e, eventualmente, foram vítimas do tráfico, a informação,
colhida por ONGs espanholas e referendada pela presente pesquisa, mostra que há
uma significativa incidência de "trans" brasileiras, algumas muito jovens, não
só nas ruas ou em pisos, mas também em espaços considerados mais "difíceis e
duros", como o Campo do Barça, em Barcelona, e a Casa de Campo, em Madrid.
13 Os demais depoimentos, acessados no site em maio de 2006, referem-se a 42
mulheres da comunidade européia ' principalmente espanholas (38) ', 49,
provenientes da Rússia e do Leste Europeu ' com especial destaque para Romênia
(28) ', 6, da África, e 5, da Ásia.
14 No momento em que foi realizada esta pesquisa, tal instituição abarcava em
torno de 10% dos clubes.
15 Sobre colombianas em Galicia ver Riopedre (2004).
16 Em 2004, um espanhol com baixo nível de escolaridade ou um migrante regular
recebia no mercado de trabalho de Barcelona entre 6 e 8 euros por hora,
enquanto um migrante irregular (independentemente de seu grau de escolaridade)
recebia aproximadamente a metade (Juncks, 2004). Essa diferença obriga os
migrantes irregulares a trabalhar durante jornadas extenuantes para poder
sobreviver, enviar dinheiro para o Brasil (o que todas as entrevistadas fazem)
e/ou poupar dinheiro para investir ou retornar ao país.
17 É claro que não se pode generalizar a maneira pela qual as mulheres percebem
tal estigma. Para uma leitura dos efeitos causados pelo preconceito em mulheres
marroquinas, ver Rodríguez Martínez e Lahbabi (2005).
18 Destaco o contexto específico ao qual me refiro porque estudos realizados na
década de 1990 (por exemplo, Dias Filho, 1998) somados a trabalhos mais
recentes sobre turismo sexual apontam como cada contexto implica em traçados
bastante diferenciados(Silva e Blanchette, 2005; Ribeiro e Sacramento, 2006).