Corrosão sob tensão em ancoragens
1. INTRODUÇÃO
Ancoragens em terreno são por definição sistemas que permitem a transferência
de tensões da estrutura ao terreno, contribuindo assim para a estabilidade
global da estrutura. O início da utilização das ancoragens remonta a finais do
séc. XIX, inicialmente com a construção de suportes provisórios e,
especialmente a partir dos anos 50 do século passado, na forma de ancoragens
definitivas. Posteriormente, o desenvolvimento das ancoragens resulta do
progresso no fabrico do aço de alta resistência e da otimização das técnicas
construtivas, sendo que atualmente as ancoragens, com elevada capacidade de
carga, apresentam uma grande variedade de soluções de utilização corrente para
um vasto campo de aplicações.
Genericamente, uma ancoragem em terreno é constituída por (i) cabeça, (ii)
comprimento livre e (iii) comprimento de selagem (Fig._1), sendo a respetiva
capacidade de carga devida à resistência intrínseca de cada um dos seus
componentes e às reações neles mobilizadas. Geralmente, a cabeça prende a
armadura da ancoragem a um suporte através de uma ligação mecânica, o
comprimento livre transfere a carga da estrutura para o comprimento de selagem
e este último assegura a transmissão das tensões ao terreno.
As ancoragens são caracterizadas de acordo com o tipo de terreno (solo ou
rocha), vida útil, forma de transferência de carga, nível de pré-esforço e
capacidade. No que respeita à vida útil projetada as ancoragens são
classificadas em (i) provisórias ou (ii) definitivas respetivamente quando a
vida útil é inferior ou excede um período de tempo regulamentado, normalmente
de 24 meses.
Os conceitos de ancoragem passiva e ativa são respeitantes à respetiva função e
força aplicada: (i) as ancoragens ativas estão permanentemente solicitadas,
enquanto que (ii) a resistência das ancoragens passivas é apenas mobilizada
proporcionalmente aos movimentos da estrutura e, em particular, na fase
construtiva.
O comportamento e a capacidade de carga das ancoragens dependem do projeto,
características do terreno, propriedades dos materiais, técnicas construtivas e
qualidade da execução. Os materiais constituintes das ancoragens devem ser
compatíveis e estáveis para que a sua capacidade se mantenha inalterada durante
a vida útil prevista da ancoragem, sendo a sua integridade essencial para
assegurar a estabilidade e, especialmente no caso das ancoragens definitivas, a
durabilidade duma obra. Neste contexto é então especialmente crítica a proteção
contra a corrosão dos diversos componentes das ancoragens.
A corrosão em ancoragens pode ter sérias consequências, podendo estar na origem
de roturas catastróficas. Deste modo, a aplicação de um sistema de proteção
contra a corrosão eficaz e durável, durante o tempo de vida útil da estrutura,
é fundamental. Genericamente, a seleção do sistema de proteção contra a
corrosão das ancoragens em terreno deverá considerar a agressividade do
terreno, a vida útil projetada para o sistema de ancoragem, as consequências da
sua rotura e os custos associados.
A norma EN 1537:2013 [1] contém os requisitos que os sistemas de ancoragem
devem satisfazer para que apresentem bom desempenho e durabilidade adequada.
Esta norma especifica a proteção contra a corrosão de todos os componentes de
aço durante o respetivo tempo de vida e, em particular, para ancoragens de
carácter definitivo em terreno considera dois níveis de proteção: (i) uma
camada contínua de um material preventivo da corrosão que não se degrade
durante o tempo de vida útil da ancoragem, como condição mínima de proteção, e
(ii) a utilização de duas barreiras de proteção contra a corrosão, como
garantia de que pelo menos uma permanece intacta durante a instalação e
colocação em serviço da ancoragem, ou a utilização de uma única barreira cuja
integridade seja provada por testes in situ. As características dos materiais e
respetiva aplicação são pormenorizadamente especificadas para cada um dos
constituintes que compõem o sistema de proteção, sendo adicionalmente
recomendada uma especial atenção às zonas de transição entre diferentes
componentes.
Os critérios genéricos aplicáveis ao sistema de proteção incluem [2]: (i)
assegurar a vida útil efetiva numa única aplicação; (ii) não ter efeitos
adversos, tanto no meio ambiente como na ancoragem; (iii) não restringir os
movimentos no comprimento livre da ancoragem; (iv) envolver materiais estáveis
e compatíveis; (v) não sofrer alterações, durante os ensaios de carga, que
afetem o seu desempenho; (vi) não limitar a fabricação, transporte e construção
da ancoragem; (vii) não impedir ações de observação da ancoragem.
Apesar das especificações existentes, verifica-se que a durabilidade das
estruturas ancoradas é normalmente comprometida por falhas na fase de projeto,
resultantes da inadequada seleção dos materiais, da deficiente execução e/ou
dum ineficaz controlo de qualidade. Na sua maioria, este tipo de falhas conduz
à corrosão dos elementos de reforço metálicos e à sua consequente rotura.
Dependendo das propriedades do aço e das condições de exposição e de
solicitação, a corrosão poderá dar origem ao início de fissuração e consequente
rotura frágil por diferentes mecanismos.
Em ancoragens é reportada a ocorrência de problemas devidos à corrosão por
mecanismos similares aos registados em estruturas préesforçadas, porém
agravados pela maior agressividade das usuais condições de exposição.
De acordo com a literatura [3 - 5], os mecanismos de rotura do aço de pré-
esforço são essencialmente devidos a: (i) corrosão sob tensão e (ii)
fragilização por hidrogénio. Apesar de não serem frequentemente observados em
estruturas pré-esforçadas, para além destes mecanismos são ainda referidas
(iii) a corrosão por atrito e (iv) a corrosão por fadiga, que influenciam o
limite de fadiga. Encontram-se ainda referências à ocorrência de rotura frágil
no aço de pré-esforço, depois de excedida a sua capacidade de carga residual,
resultante da perda de secção devida à corrosão localizada.
Por definição, a corrosão sob tensão resulta da utilização de um material
suscetível sob esforços de tração num ambiente agressivo que favoreça a
ocorrência de corrosão. Genericamente regista-se uma grande diversidade de
modelos e argumentos no estudo da corrosão sob tensão, tais como a dissolução
por escorregamento, a mobilidade superficial e a clivagem induzida por filme.
Normalmente existem condições eletroquímicas que podem favorecer a ocorrência
do processo de corrosão sob tensão, tais como (i) passivação instável, (ii)
corrosão localizada e (iii) corrosão ativa [6]. Em meio alcalino as principais
reações anódica e catódica da corrosão do aço são traduzidas respetivamente
pelas equações (1) e (2).
Em particular, no caso de corrosão localizada por picadas, a hidrólise dos
catiões no interior da picada e a separação espacial das zonas anódicas e
catódicas promove localmente a diminuição do pH e a depleção de oxigénio com
consequente propagação autocatalítica da corrosão.
Nestas condições a fissuração por corrosão sob tensão pode ser assistida por
fragilização por hidrogénio, sendo por vezes difícil a atribuição precisa do
mecanismo envolvido na rotura do elemento de pré-esforço.
O fenómeno de fragilização por hidrogénio é inteRpretado por recurso a
diferentes modelos, tais como a ação da adsorção de hidrogénio na fissura, a
descoesão que promove ou a sua interação com os deslocamentos na fissura.
Contudo, é consensual que, depois de gerado, o hidrogénio difunde-se no aço
promovendo a sua fratura frágil. O hidrogénio pode ser produzido catodicamente
como parte do processo de corrosão (i) em ambientes ácidos (equação (3)), tal
como numa picada, ou (ii) pela decomposição da água (equação (4)). A sua
adsorção pode ainda ser potenciada (iii) em interstícios sob condições de
depleção de oxigénio ou (iv) pela presença de promotores, que dificultem a
formação de hidrogénio molecular, tais como sulfuretos, tiocianetos ou
compostos de arsénico ou selénio.
Uma vez iniciada a corrosão, a fragilização por hidrogénio em aços de pré-
esforço ocorre preferencialmente em meios ácidos, por polarização a baixos
valores de potencial, na presença de determinados elementos promotores da
adsorção ou sob condições de depleção de oxigénio.
Uma vez iniciada a corrosão, a fragilização por hidrogénio em aços de pré-
esforço ocorre preferencialmente em meios ácidos, por polarização a baixos
valores de potencial, na presença de determinados elementos promotores da
adsorção ou sob condições de depleção de oxigénio.
A ocorrência da corrosão sob tensão e da fragilização por hidrogénio é
condicionada pelas propriedades do material, sendo que, em particular para os
aços de pré-esforço, se regista um aumento da sua suscetibilidade com o aumento
da sua resistência [7].
Na prática, o mecanismo de rotura de elementos pré-esforçados nem sempre é
evidente dificultando o diagnóstico e as sequentes ações corretivas e de
prevenção de eventos similares. Para além da complexidade destes fenómenos, as
sérias consequências da corrosão e rotura deste tipo de elementos estruturais
fundamenta a necessidade de investigação e divulgação nesta área.
No presente artigo são apresentados resultados da análise das causas de rotura
de ancoragens ativas em terreno existentes numa estrutura de betão. As
ancoragens, cuja rotura em serviço foi detetada durante uma inspeção de rotina,
eram constituídas por barras roscadas de elevada resistência ligadas entre si
por acopladores metálicos, e protegidas por um sistema que incluía, tal como
especificado, duas barreiras de proteção contra a corrosão (bainha plástica e
calda cimentícia). O início da fissuração a partir duma área com corrosão
localizada na superfície das armaduras das ancoragens e a típica morfologia das
fraturas indicia a existência de deficiente proteção anticorrosiva que
propiciou, em conjugação com a tensão aplicada, a ocorrência de um processo de
rotura por corrosão sob tensão.
2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL
De diversas ancoragens foram extraídas amostras constituídas por troços
incluindo: (i) zonas de acoplamento onde se deram roturas e (ii) armaduras com
as respetivas bainhas para proteção, sem acoplador (troços simples) e com
acoplador (troços compostos).
A análise das causas da rotura de armaduras de ancoragens envolveu a
caracterização química, microestrutural e mecânica das barras de aço, bem como
a observação dos elementos fraturados e a respetiva análise fratográfica.
As superfícies de fratura foram observadas depois de limpeza apropriada, por
recurso a técnicas microscópicas, com lupa binocular OLYMPUS SZH e microscópio
eletrónico de varrimento (MEV) JEOL JSM-6400.
A composição química do aço foi determinada por espectrometria de emissão ótica
por faísca de acordo com a especificação de ensaio ASTM E 415-08 [8].
A caracterização microestrutural foi efetuada utilizando um microscópio
metalográfico (MO) OLYMPUS PMG 3 e um microscópio eletrónico de varrimento,
após preparação prévia, que envolveu polimento progressivo com lixas de
granulometria decrescente até P2500 (8,4 µm) e com pasta de diamante até 1 µm e
ataque químico com nital 2%.
Para a caraterização mecânica por ensaio de tração, foram adotados os
procedimentos estipulados na versão portuguesa da Norma Europeia NP EN ISO
6892-1:2012 [9] e na Norma Europeia EN ISO 15630-3: 2010 [10]. O equipamento
utilizado incluiu: máquina de ensaios universal com a Refª LPM/EQ41, da marca
MFL, com um alcance máximo de 5000 kN em compressão e de 2500 kN em tração, da
Classe 1 de acordo com a norma NP EN ISO 7500-1:2006 [11]; extensómetro com a
Refª LPM/EQ24, da marca HBM, modelo DD1, com uma base de medida de 50 mm, da
Classe 1 de acordo com a norma NP EN ISO 9513:2007 [12]; craveira com a Refª
LPM/EQ48, da marca Horex, com um alcance máximo de 300 mm.
3. RESULTADOS
3.1 Observação visual das amostras
O sistema de proteção contra a corrosão utilizado nas ancoragens em estudo
compreendia uma bainha plástica corrugada com injeção de pasta cimentícia, tal
como se mostra na secção em corte esquematizada na Fig._2. Nas zonas de ligação
das armaduras, efetuada com um acoplador metálico, a proteção era conferida por
massa anticorrosiva, sendo a interface entre o acoplador metálico e a bainha
corrugada protegida por um anel de borracha.
A observação preliminar dos troços das ancoragens onde se localizaram as
roturas revelou a existência de corrosão nas superfícies das armaduras em áreas
contíguas às superfícies de fratura, tal como exemplificado na Fig._3. As
superfícies de fratura apresentavam-se também muito oxidadas e em certos casos
com óxidos muito aderentes. Genericamente, verificou-se que a localização das
fraturas ocorreu sob a manga metálica muito próximo da zona de interface com a
proteção por injeção com calda cimentícia.
A observação complementar, após remoção das bainhas, de troços das armaduras
nas zonas totalmente embainhadas (troços simples) e de troços nas zonas de
acoplamento das ancoragens (troços compostos) permitiu verificar que (i) nos
troços simples, com a bainha plástica injetada com a calda cimentícia, não se
observava corrosão nas armaduras, enquanto que (ii) em alguns dos troços
compostos (Fig._4) existiam evidências de corrosão nas proximidades da
interface entre os dois sistemas de proteção utilizados nestas áreas (massa
anticorrosiva sob o acoplador e bainha com calda cimentícia). O posicionamento
e a excentricidade da barra roscada na bainha também parece determinar as
zonas, em particular sob a calda cimentícia, preferenciais para a ocorrência de
corrosão (Fig._4).
3.2 Análise fratográfica
Genericamente, verifica-se que a iniciação da fissuração ocorre na superfície
das armaduras em resultado da concentração de tensões em zonas onde se iniciou
a corrosão localizada. As superfícies de fratura apresentam, para além dos
locais bem definidos de início de fissuração na superfície das barras, zonas
com marcas radiais que indicam a direção de propagação do processo de rotura ao
longo da secção, tal como exemplificado na Fig._5. As fraturas são do tipo
frágil apresentando algumas variações no que se refere à topografia, com
progressão de fissuração num plano perpendicular ou em planos ligeiramente
inclinados em relação ao eixo longitudinal da armadura, muito provavelmente
consequentes de diferenças na intensidade e estado de tensões existentes na
zona de acoplamento.
A topografia das superfícies de fratura em análise contrasta com a exibida pela
rotura típica de um provete submetido a ensaio de tração (Fig._6). Neste caso,
a propagação é também transgranular por clivagem, porém com o início e final da
rotura, respetivamente, numa zona central e numa zona de corte muito diminuta
junto à superfície.
A observação em MEV das superfícies de fratura permite confirmar a ocorrência
de um processo de rotura transgranular por clivagem (Fig._7), característico de
um processo de rotura frágil. Regista-se neste caso uma zona de início de
fissuração, em forma de semicírculo, com produtos de corrosão incoRporados na
matriz metálica, sendo evidente a transição para a zona radial de progressão
rápida por clivagem.
3.3 Análise química
Os resultados de análise química do aço, apresentados na Tabela_1, indicam uma
composição próxima da composição eutectóide, que é compatível com um aço de
elevada resistência de matriz perlítica.
A Norma Europeia EN 1537:2013 [1] inclui especificações para a generalidade dos
componentes da ancoragem, sendo que em particular as armaduras deverão
respeitar as especificações do projeto de Norma Europeia prEN10138 [13] e do
Eurocódigo 2, Parte 1-1 [14], prevendo, porém, a possibilidade de se utilizarem
outros materiais, desde que se prove a sua adequabilidade. Contudo, a
normalização europeia vigente não especifica a composição química do aço de
pré-esforço, sendo normalmente o conteúdo dos elementos de liga ajustado face
aos requisitos mecânicos. Mesmo considerando as poucas limitações existentes a
nível mundial [15], respeitantes aos teores de fósforo (<0,04%) e enxofre
(<0,05%), a composição química do varão, em conformidade com o certificado do
fabricante, respeita a normalização vigente.
3.4 Caracterização microestrutural
A observação em secção longitudinal de amostras do varão de aço (Fig._8) antes
do ataque revela uma baixa severidade de inclusões, morfologicamente
identificadas como dos tipos A (sulfuretos) e D (óxidos), de acordo com a norma
ASTM E 45 97 (2002) [16].
O aço apresenta uma matriz perlítica, formada por lamelas alternadas de ferrite
e cementite, muito fina (Fig._9) com espaçamento interlamelar aparentemente
variável que não é integralmente resolvido com as ampliações disponíveis em
microscopia ótica, sendo apenas possível por observação em microscopia
eletrónica de varrimento (Fig._10), registando-se valores na ordem dos
nanómetros e confirmando-se a aparente variabilidade do espaçamento
interlamelar, muito provavelmente também em consequência da variação da
orientação das lamelas relativamente ao plano da secção em observação.
O tamanho das colónias de perlite é também variável numa mesma amostra
apresentando, todavia, uma maior homogeneidade no centro da secção transversal
do que na sua extremidade, onde se regista a existência de colónias de perlite
com menores dimensões.
A microestrutura perlítica observada está em conformidade com a composição
química obtida, próxima da composição eutectóide. O tratamento térmico a que as
barras de aço são sujeitas no seu fabrico permite a obtenção duma perlite muito
fina em colónias de pequena dimensão, que do ponto de vista do comportamento
mecânico se traduzem num aumento significativo da força de cedência e numa
elevada resistência à tração e dureza, sem afetar a ductilidade.
A observação da microestrutura em secção longitudinal não revela diferenças
apreciáveis relativamente às observações em secção transversal.
3.5 Caracterização mecânica por ensaio de tração
No ensaio de tração registou-se um patamar de cedência bem definido,
correspondente a uma força de 1175 kN, sendo o valor calculado do módulo de
elasticidade de 191,5 kN/mm2. A força máxima de ensaio registada foi de 1331,4
kN. O valor da extensão permanente na força máxima, determinado pelo método
manual previsto na norma NP EN ISO 6892 [9], é de 5,4 %, sendo o valor
correspondente da extensão total na força máxima de 6,1 %. O valor de extensão
após rotura é igual a 10,7 %.
Os resultados do ensaio de tração com varão simples satisfazem assim os valores
indicados no projeto de norma prEN10138 [13] e na Especificação LNEC 459-2012
[17].
4. DISCUSSÃO
A caraterização química e a análise microestrutural do aço revelaram
respetivamente uma composição próxima da eutectóide e uma microestrutura
perlítica com espaçamento lamelar muito fino. Estas características estão em
conformidade com as das armaduras de aço de pré-esforço para ancoragens, não
sendo detetada qualquer singularidade nas características do aço que possa à
partida comprometer o comportamento mecânico das armaduras. Contudo, a elevada
resistência mecânica destes aços poderá aumentar a sua suscetibilidade à
corrosão sob tensão, especialmente sob condições que favoreçam a ocorrência de
fragilização por hidrogénio.
A análise fratográfica dos troços fraturados, apesar de parcialmente
comprometida pelo avançado estado de corrosão das superfícies de fratura das
armaduras das ancoragens, permitiu confirmar que a iniciação da fissuração
ocorreu na superfície das barras, com um desenvolvimento característico,
seguida de progressão transgranular por clivagem. Estas características da
iniciação da fissuração promovida por corrosão localizada na superfície das
barras e a respetiva progressão contrastam com as de uma rotura típica de
tração deste tipo de aço.
A existência de deficiente proteção anticorrosiva nas zonas de interface do
anel de borracha, no topo da manga corrugada injetada com a calda cimentícia, e
a manga metálica de ligação (acoplador) é especialmente crítica, pois permite o
acesso local de água e de elementos agressivos, potenciando ainda a iniciação
da corrosão em áreas de fluxo restrito com diferenças significativas nas
condições locais (calda cimentícia e massa orgânica anticorrosiva). Estas
diferenças favorecem a ocorrência de corrosão localizada na superfície da
armadura, nas proximidades destas áreas críticas, preferencialmente na diretriz
com nervuras de menor espessura, ou seja, em zonas para as quais é favorecida a
contaminação e consequente diminuição de pH. As condições nestas zonas de baixo
pH e de escassez de oxigénio poderão também ter favorecido a formação de
hidrogénio atómico na reação catódica.
O início da fissuração na superfície das barras e a morfologia típica das
fraturas, em conjugação com a tensão aplicada, propiciaram a ocorrência de um
processo de rotura por corrosão sob tensão em resultado da ação simultânea da
corrosão na superfície da barra e das forças de tração aplicadas no aço e,
eventualmente, com a coexistência de fragilização por hidrogénio.
A rotura das ancoragens ocorreu no comprimento livre, sugerindo uma maior
agressividade local ou a conjugação de diferentes fatores que resultam numa
maior vulnerabilidade dos sistemas nesta zona, comparativamente com o
comprimento de selagem. A distinta suscetibilidade das duas zonas é evidenciada
pela quantidade de incidentes atribuíveis a roturas por corrosão documentados
na literatura [18] (21 e 2 incidentes, respetivamente no comprimento livre e na
zona de selagem). Como causas de rotura por corrosão no comprimento livre são
identificadas [18]: (i) sobrecarga na armadura devida a movimentos do terreno e
iniciação de corrosão por picada ou por fadiga; (ii) armadura exposta ao meio
envolvente devido a recobrimento inadequado ou ausência de calda cimentícia;
(iii) falha no revestimento betuminoso; (iv) seleção inadequada de materiais de
proteção; (v) danos durante o período de armazenamento; (vi) deficiente sistema
de proteção.
Em particular, este caso de estudo mostra a suscetibilidade do aço de pré-
esforço utilizado nas ancoragens analisadas face a processos de rotura frágil
devida a uma falha no respetivo sistema de proteção em zonas próximas da
interface entre dois componentes de proteção distintos. A normalização vigente
para ancoragens em terreno, para além de especificar os requisitos para uma
eficiente proteção contra a corrosão durante o tempo de vida útil da ancoragem,
recomenda especiais cuidados em relação à selagem das zonas de transição entre
os diferentes componentes de proteção, reconhecendo assim a sua potencial
fragilidade face à vulnerabilidade do aço de pré-esforço a processos de rotura
frágil promovidos por corrosão. É ainda especificado pelo menos um ensaio no
sistema de proteção que assegure a sua eficácia sob as condições de solicitação
e de exposição previstas no projeto. As condições e os resultados de avaliação
do desempenho dum sistema de proteção são assim fundamentais para assegurar a
durabilidade dos elementos de pré-esforço nas ancoragens em terreno.
Na prática, são inúmeros os fatores que determinam o desempenho das ancoragens
e, de um modo geral, a resistência à corrosão de elementos de pré-esforço. As
características ambientais, a conceção do projeto, incluindo a seleção dos
materiais, e as práticas de construção e de manutenção são determinantes para a
durabilidade das ancoragens e consequentemente para a estabilidade das
estruturas ancoradas.
No que se refere ao ambiente envolvente, devem ser especialmente cuidadas as
condições de elevada agressividade, tais como ambientes marítimos e solos com
um elevado conteúdo em sais, apesar de genericamente todas as situações
representarem um risco para os aços de elevada resistência produzidos por
tratamento térmico que induzam microestruturas do tipo intermediário instáveis
e que são naturalmente suscetíveis a rotura frágil por corrosão sob tensão,
especialmente se esta for assistida por fragilização por hidrogénio.
Na fase de projeto, são especialmente críticas: (i) a seleção dos materiais de
acordo com as condições de exposição previstas, garantindo a compatibilidade
dos diferentes componentes e a sua estabilidade durante o tempo de vida útil
previsto para a estrutura; (ii) os detalhes de projeto, de modo a evitar
configurações que favoreçam a acumulação de água, humidade ou contaminantes,
assegurando a devida drenagem e circulação de ar; e (iii) a implementação dum
sistema eficaz de proteção à corrosão.
Durante a construção, devem ser cumpridas as especificações definidas no
projeto, especialmente as relativas ao sistema de proteção, devendo ser evitado
qualquer dano que afete a sua durabilidade. Neste âmbito é ainda fundamental o
ensaio do sistema de proteção para aferir a sua qualidade, tal como preconizado
pelo projeto de norma europeia. Uma vez em serviço, devem ser asseguradas ações
de inspeção que permitam detetar irregularidades que possam vir a afetar a
estabilidade das ancoragens, de modo a que possam ser tomadas atempadamente as
devidas medidas corretivas de reforço.
5. CONCLUSÕES
A análise das armaduras das ancoragens no presente estudo revela a ocorrência
dum processo de rotura frágil, com iniciação da fissuração por corrosão
característica de um processo de rotura por corrosão sob tensão. A iniciação de
fissuração é consequência das fragilidades do sistema de proteção em zonas de
interface entre componentes. Estes locais são especialmente críticos, pois,
também devido a singularidades geométricas, podem gerar condições diferenciais
que potenciem a iniciação e progressão da corrosão e que, adicionalmente,
favoreçam processos de fragilização por hidrogénio.