INFLUÊNCIA DOS PRINClPAIS ÁCIDOS DO VINHO NA ACIDEZ
REAL (pH)
INTRODUÇÃO
O papel que os diferentes ácidos do vinho desempenham no seu equilíbrio
fisico-químico tem sido grande preocupação de muitos autores.
Desde Von der Heide e Baragiola (1910) a Dutoix e Duboux (1912), Bremond
(1937), Michod (1958), Berg e Keefer (1959), Nagel et al. (1975), Munyon
e Nagel (1977), Castino (1977), Steele e Kunkee (1978), Pato (1971, 1976,
1982), entre outros, o equacionamento do papel dos principais ácidos do
vinho na acidez real, tem sido objecto de continuados estudos.
O presente trabalho visa esclarecer determinadas dúvidas suscitadas por
diferentes autores sobre o fundamento do equacionamento utilìzado nas
publicações do autor sobre a correcção da acidez dos vinhos, e mostrar
mesmo que este equacionamento pode atingir horizontes mais vastos do que
os referidos até aqui, pois vai permitir-nos analisar a acção dos principais
ácidos, utilizados ou não, nas correcções da acidez dos vinhos.
-O fundamento dos trabalhos realizados pelo autor, baseou-se na asserção de
que a curva de titutação da acidez total pode ser representada por uma recta
no intervalo pH3 - pH4, o que veio a ser confirmado por Ribéreau-Gayon et
al. (1976). Mais, estes autores mostram mesmo que se poderia ir um pouco
mais longe, e considerar como uma recta a curva de titulacção até pH5
(Figura 1).
Assente este facto, o qual aliás, se poderia prever da equação de Ricci
(1952)
(1)
bs + H =
Σ aβ + as
onde se vê que bs, na zona de pH em referência, decresce linearmente à
medida que H aumenta (pois é uma resultante da diferença de dois ramos
parabólicos cujas curvaturas se compensam, linearizando a curva de bs),
torna-se legítima a proposição de Pato (1971, 1976, 1982), nessa zona, uma
vez que bs não é alterada pela adição de qualquer ácido j
(2)
e, portanto
bs = bso = π*(pHi-3) = π*(pHf -3) + mjβjf
(3)
mj = π*(pHi-pHf) / βjf
É esta expressão que fundamenta, não só os trabalhos da correcção da acidez
dos vinhos com ácido tartárico ou com gêsso, como vai permitir alargar o
estudo do equilíbrio iónico aos principais ácidos do vinho, na zona linear da
curva de titulação da acidez total.
De facto, na expressão (3), sendo pHi o pH inicial do vinho, pHf o pH desse
mesmo vinho após a adição de mj mM de ácido, resta-nos determinar π e βjf
para podermos calcular a variação pHi-pHf que mj mM do ácido j introduz
no vinho.
DETERMINAÇÃO DE π
Ora π = dbs / dpH = tang α é o poder tampão do vinho na parte linear da
curva e pode ser obtido analiticamente (Pato, 1971, 1976, 1982), pois não é
mais do que o número de mE de bs, consumidos no intervalo pH3 - pH4.
As curvas da acidez total, antes e depois da adição de qualquer ácido j,
apenas diferem, pontualmente, em mjβjf.
Determinado π, resta-nos considerar βjf. que é o coeficiente de carga do ácido
j a pHf.
A interacção dos ácidos com a água é tanto mais completa, quanto o ácido
é mais forte. O ácido clorídrico reage com a água de uma forma completa,
isto é, liberta tantos mE de iões H+, quantos mE deste ácido existem na água.
Por outro lado, os ácidos tartárico, málico, láctico e succínico (ácidos mais
fracos) reagem com a água de uma forma incompleta, isto é, o número de
mE de H+ libertados, é menor que o número de mE de ácido presentes.
A concentração de iões H+, expressa por (H+), constitui o que se chama
acidez real, a qual é traduzida pela notação logarítmica de Sörensen
(4)
pH = -log(H+)
Brönsted deu uma definição mais correcta do equilíbrio ácido-base, embora,
neste trabalho continuemos a usar, por comodidade, a notação antiga. Segundo
Brönsted, um ácido é toda a partícula, em estado de carga arbitrária, capaz
de ceder um protão. Desta forma, a designação de ácido ou base, onde há
troca de protões, depende apenas do sentido da reação, a qual é sempre
reversível.
Assim consideraremos equivalentes as equações
(H2O + H2O) ↔ (H3O+) + (OH-)
(H2O) ↔ (H+) + (OH-)
(5)
(6)
embora a (6) não exista. Utilizamos portanto (H+) em substituição de ( H3O+).
No equilíbrìo químico, um ácido monoprótico (ácido láctico, por exemplo)
pode ser representado por
(RH) ↔ (R-) + (H+), com
K1 = (R-) . (H+) / (RH)
(7)
(8)
De (8), teremos que
(9)
log K1 = log (R-) + log (H+) - log (RH)
-onde K1 regula o equilíbrio reversível (7) e é tanto mais elevado quanto mais
forte for o ácido,
-log (H+) + log K1 = log (R-) /log(RH)
e
Pondo, -log (H+) = pH
(10)
e
log K1 = -pK1 , somos conduzidos à expressão
pH - pK1 = log (R-)/(RH) = log (R-) - log (RH)
Fazendo x = (R-) , y = (RH) , r1 = (R-)/(RH) e x+y = 1, teremos
(11)
(R-) = r1/(1+r1)
(12)
(RH) = 1 / (1+r1)
Para um ácido ditrópico, teremos:
(RH2) ↔ (RH-) + (H+)
K1 = (RH-) . (H+) / (RH2)
(13)
com
e ainda
(RH-) ↔ (R2-) + (H+)
K2 = (R2-) . (H+) / (RH-)
com
Fazendo agora
r1 = (RH-) / (RH2) e r2 = (R2-) / (RH-)
teremos, da mesma forma
(14)
(RH2) = 1 / (1 + r1 + r1r2)
(15)
(RH-) = r1 / (1 + r1 + r1r2)
(16)
(R2-) = r1 r2 / (1 + r1 + r1r2)
E para os ácidos tripróticos, teremos
(17)
(RH3) = 1 / (1 + r1 + r1r2 + r1r2r3)
(18)
(RH2-) = r1 / (1 + r1 + r1r2 + r1r2r3)
(19)
(RH2-) = r1r2 / (1 + r1 + r1r2 + r1r2r3)
(20)
(RH3-) = r1r2r3 / (1 + r1 + r1r2 + r1r2r3)
com r1 = 10 ^ (pH-pK1),
r2 = 10 ^ (pH-pK2) e r3 = 10 ^ (pH-pK3)
CÁLCULO DOS COEFICIENTES DE CARGA
Agora já podemos calcular os coeficientes de carga βjf, isto é, o número de
protões com que cada ácido contribui para a acidez real a pHf.
Assim:
1 - para ácidos monopróticos
(21)
βjf = r1 / (1 + r1) = 10 ^ (pHf-pK1) / (1+10^(pHf-pK1)
-2 - para ácidos dipróticos
(22)
βjf = (r1+2*r1r2) / (1+r1+r1r2) =
=(10^(pHf-pK1)+2*10^(2*pHf-(pK1+pK2))/
/(1+10^(pHf-pK1)+10^(2*pHf-(pK1+pK2))
3 - para os ácidos tripróticos
(23)
βjf = (r1+2*r1r2+3*r1r2r3) / (1+r1+r1r2+r1r2r3)=
=(10^(pHf-pK1)+2*10^(2*pHf-(pK1+pK2))+3*10^(3*pHf-(pK1+pK2+pK3))/
/(1+10^(pHf-pK1)+10^(2*pHf-(pK1+pK2)+10^(3*pHf-(pK1+pK2+pK3)))
ESTABELECIMENTO DAS RESPECTIVAS EQUAÇÕES
MATEMÁTICAS
Com as constantes químicas do Quadro I, com os valores de π e de βjf vamos
estabelecer as expressões que nos permitem avaliar a influência dos principais
ácidos do vinho, isto é, dos que normalmente são utilizados nos balanços
acidimétricos, na sua acidez real.
-A partir da equações (3), (21), (22) e (23), vamos elaborar as expressões que
nos permitirão calcular, com bastante precisão, o número de g/L, de qualquer
dos ácidos, em referência, que introduz, no vinho, uma variação pHi-pHf
(Quadro II).
Pato (1982), de acordo com as curvas de neutralização até pH7 (acidez total),
determinou uma proporcionalidade entre a acidez total A e pHi e o poder
tampão
(24)
π = f (A,pHi) = (2.6*pHi - 2.987)*A
onde A é expressa em g/L de ácido tartárico e que tem uma precisão bastante
satisfatória.
-Os valores π, a partir da equação (24), são dados no Quadro III, e as expressões
matemáticas obtidas com (24) são dadas no Quadro IV.
-Foi com estas últimas que foram calculadas as Tabelas 1 (ácido tartárico), 2
(ácido málico), 3 (ácido láctico) e 4 (ácido cítrico) que apresentamos em
anexo.