PRODUTORES DE TOMATE PARA INDÚSTRIA:
SUAS ORGANIZAÇÕES E PRÁTICAS PARA A PROMOÇÃO
DA QUALIDADE E DO AMBIENTE
INTRODUÇÃO
O sector do tomate e seus produtos
transformados insere-se num mercado mundial
muito competitivo, dominado em grande parte
pelos Estados Unidos da América (EUA)
(Califórnia) e pelos países da bacia mediterrânica da União Europeia, onde se inclui Portugal.
Ao nosso país cabe, para efeito de financiamento, o limiar de transformação comunitário
fixado em 13% (1 050 000 toneladas).
Em Portugal, o sector funciona com um
número relativamente elevado de Organizações de Produtores (OP), em estádio diverso
de capacidade organizativa, e com uma
indústria transformadora na qual se registam
fenómenos de concentração em empresas
ligadas a dois importantes grupos estrangeiros
(Pinto & Fragata, 2002). Entre nós existem,
actualmente, 33 OP e AP que associam 960
produtores de tomate e se repartem pelo
Ribatejo e Alentejo. Fornecem tomate a 11
empresas industriais (GPPAA, 2004) (Tomato
News, 2004).
A indústria de transformação de tomate é
a que mais se destaca no sector industrial de
transformação dos produtos hortofrutícolas
portugueses. O concentrado de tomate é o
principal produto elaborado nas indústrias
portuguesas de transformação e representa
cerca de 90% nas exportações dos produtos
derivados de tomate (Tomato News, 2003).
Em 1996, a Comissão Europeia procedeu
à reforma da Organização Comum de Mercado
Hortofrutícola – Reg. (CE) n.º 2000/96 redefinindo o papel das OP que passaram a
ter entre os seus principais objectivos: i) a
programação da produção e sua adaptação à
procura em termos quantitativos e qualitativos;
ii) a promoção de práticas de cultivo e técnicas
de produção e de gestão de resíduos respeitadores do ambiente, para proteger a qualidade
da água, do solo e da paisagem e para fomentar
a biodiversidade.
Sob a alçada do referido Regulamento foi
promovida a constituição das OP, através dos
denominados “Fundos operacionais das OP”.
Para se candidatarem a estes fundos, as organizações de produtores foram obrigadas a apresentar um Programa Operacional (PO) com
acções em três domínios: “melhorias da qualidade”, “estruturas de comercialização” e
“ambiente”.
Em Portugal, no ano de 2002, o financiamento dos fundos operacionais das OP atingiu
o total de 3 246 449 euros para todo o tipo de
despesas. A acções levadas a cabo nos domínios identificados couberam: “melhoria da
qualidade”- 1 952 598 euros (60,1%), “estruturas de comercialização”- 574 988 euros
(17,7%) e “ambiente” – 47 317 euros (1,5%).
Importa ainda referir que o domínio “recursos
humanos” foi financiado num montante de 626
118 euros (19,3%). Entre 2000 e 2002, o peso
da verba atribuída à “melhoria da qualidade”
cresceu 13%, enquanto a atribuída ao
“ambiente” passou de 8% para 1,5% no total
dos fundos operacionais (INGA, 2003).
No presente trabalho, iniciado por um
breve panorama das reformas operadas na
OCM relacionadas com a problemática aqui
apresentada, pretende-se, através de um
inquérito realizado no início de 2004, constatar
como as OP têm procurado responder aos
referidos desafios da reforma da OCM:
adaptação em termos qualitativos e promoção
de práticas para a defesa do ambiente.
Em relação aos aspectos qualitativos,
adiantamos que o critério para a valorização
da qualidade do tomate de indústria tem sido
o grau Brix à porta da fábrica, que se toma
em consideração neste trabalho. Um problema
sério para os industriais tem sido a diminuição
do grau Brix verificada nos últimos anos no
tomate português, por diminuir o rendimento
industrial, aumentar o consumo de energia e
encarecer o processo de fabrico e que, a persistir, acarretará sérios problemas às empresas
transformadoras (Pinto & Fragata, 2002).
Além do grau Brix, também se consideraram critérios associados ao tomate
destinado a novas linhas de produtos, com cuja
introdução no mercado os industriais pretendem atingir as tendências no consumo com
maior peso na comercialização mundial de
novos produtos, que actuam no carácter polisensorial do indivíduo (variedade de gostos,
formas, cores, texturas) e que limitam ao
máximo os riscos potenciais para a saúde
(agricultura biológica, agricultura raisonnée,
rastreabilidade) (Tomato News, 2000). Entre
os produtos mais recentes contam-se: doces
de tomate e frutas (Tomato News, 2002), sopas
de beber, ketchup biológico (verde e laranja),
concentrado, sumo e ketchup com elevados
teores de licopeno.
No que se refere à “protecção do ambiente”, no presente trabalho levamos em linha
de conta a rastreabilidade da cultura do tomate,
a adopção de práticas relacionadas com o
respeito pelo ambiente e a defesa da qualidade
da água e do solo, como sejam a recolha de
embalagens e a as análises de resíduos, e os
recursos das OP em técnicos qualificados
recrutados com meios financeiros dos PO.
METODOLOGIA
Quanto à metodologia adoptada, a estrutura do inquérito foi elaborada a partir do
método exploratório “entrevista semi-directiva” a técnicos e responsáveis de organizações
de produtores em diversos estádios organizativos. A partir da informação assim recolhida
e com o apoio da literatura de especialidade e
das pistas fornecidas por outras linhas de
trabalho do projecto, construiu-se o inquérito
final, estruturado em perguntas fechadas que,
nalguns casos, são completadas com uma
pergunta aberta simples do tipo “se sim,
porquê”.
As 21 questões do inquérito distribuemse pelos seguintes temas: “Caracterização
social da OP”; “Rastreabilidade da cultura”;
“Práticas culturais, equipamento e serviços”;
“Práticas ambientais”; “Relações com a indústria”; “Recursos humanos”; “Comercialização
de outros produtos”.
Os inquéritos foram enviados por correio
normal e/ou electrónico às 33 OP e AP de
tomate existentes em 2003, das quais apenas
seis não responderam. Assim, as 27 respostas
obtidas representam 82% das organizações e
agrupamentos, que enquadram 759 produtores
de tomate para indústria, ou seja 79% do seu
total em 2003.
As respostas dos 27 inquéritos recebidos foram analisadas, preparadas e transformadas em variáveis para posterior
análise estatística. Num primeiro momento,
procedeu-se a uma análise estatística
simples: contabilização do número de
observações pertencentes a cada modalidade
(categoria) das variáveis e obtenção da
respectiva dispersão através da estatística
simples “frequência”. Esta foi obtida através
da percentagem do número de observações
correspondente a cada modalidade da
variável. Num segundo momento, as variáveis
em análise foram de novo tratadas estatisti-
camente segundo um método simples,
tendo agora como variável de ponderação
o número de produtores de tomate.
O papel atribuído às OP na promoção da
qualidade e do ambiente
No sector das frutas e produtos hortícolas,
a política comunitária tem, desde sempre,
direccionado a sua acção para o incentivo à
organização da produção.
Em 1972, aquando da definição do regulamento que estabeleceu a organização comum
de mercado do sector (Reg. (CEE) n.º 1035/
72), os produtores que manifestassem a vontade de se associarem podiam obter um
financiamento comunitário de apoio à constituição de uma organização de produtores. Esse
apoio obrigava ao acatamento de determinados
objectivos ligados ao cumprimento de normas
comuns de comercialização.
Na reforma de 1996, a constituição de
organizações de produtores passou a ser “a
pedra angular da organização de mercado das
frutas e produtos hortícolas” (CEE, 2001). No
novo regulamento - Reg. (CE) n.º 2200/96 ficou claramente definido que “as organizações de produtores representam os elementos
de base da organização comum de mercado”,
tendo sido revistas as regras para a sua constituição e funcionamento (CE, 1996).
Neste Regulamento, os agrupamentos e as
organizações de produtores são obrigadas à
apresentação de um PO para obtenção do seu
reconhecimento como OP em determinado
tipo de produtos hortofrutícolas.
Nesse PO, com duração mínima de 3 anos
e máxima de 5 anos, são definidos os objectivos, programadas as acções, identificados os
meios e contabilizadas as verbas necessárias
para execução do programa operacional no seu
período de execução. Têm servido de suporte
à definição dos objectivos e das diferentes
acções dos PO três orientações
fundamentais do Regulamento: “eficiência
da produção”, “melhoria do posicionamento
no mercado” e “respeito pelo ambiente”.
Importa sublinhar que, ao longo do Regulamento 2200/96, a preocupação pela questão
ambiental é muito vincada e existem artigos,
nomeadamente, o 11º e o 15º, onde alguns dos
respectivos pontos pretendem que as OP
tenham por finalidade a promoção de “práticas
de cultivo e técnicas de produção e gestão dos
resíduos respeitadoras do ambiente” e que o
PO “deve comportar medidas destinadas a
desenvolver a utilização de técnicas respeitadoras do ambiente pelos produtores associados, a nível tanto das práticas de cultivo como
da gestão dos materiais usados”
A reforma ocorrida em 1996, além de se
ter feito sentir ao nível do associativismo
agrícola, veio também alterar as relações
estabelecidas entre os produtores de hortofrutícolas transformados e as indústrias de
transformação. O Reg. (CE) 2201/96, relativo
à OCM do sector dos produtos transformados
à base de frutas e produtos hortícolas, veio
lançar um grande desafio às organizações com
produtores de tomate: a estas organizações12
foi limitada a contratação com as empresas
transformadoras e a elas ficou a caber o
pagamento aos produtores.
Em Agosto de 2003, após definidas as
novas orientações da Política Agrícola
Comum, ocorreu uma nova reforma da OCM
do sector das frutas e produtos hortícolas e com
esta surgiram novos regulamentos, nos quais
são estabelecidas novas regras e normas
respeitantes às OP e AP. Entre estas, realçamos
o incentivo à criação de OP transnacionais
como forma de incentivar a concentração da
oferta na Comunidade (CE, 2003). Embora os
objectivos dos PO não se tenham alterado com
esta última reforma de 2003, para o financiamento das acções e das medidas foram definidas “listas de acções e de despesas elegíveis”. Da análise destas listas , como
exemplo, referem-se as despesas com pessoal
“decorrentes de medidas destinadas a melhorar
ou conservar um elevado grau de qualidade
ou protecção ambiental”, cuja aplicação “...
exigirá essencialmente o recurso a pessoal
qualificado”.
E ainda muito recentemente (Agosto
2004), a Comissão reafirmou, como questão
de ordem estratégica para a OCM, a melhoria
da oferta de produtos de qualidade e obtidos
com técnicas respeitadoras do ambiente (CCE,
2004).
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS
Vamos, de seguida, apresentar os resultados do referido inquérito que se centram na
problemática deste trabalho – “qualidade” e
“ambiente”–, cuja promoção e defesa são,
como vimos, objectivos primordiais dos PO
que sustentam financeiramente as actividades
das organizações de produtores.
Qualidade e novos produtos
Consideramos, em primeiro lugar, a
“qualidade” do tomate de indústria e o controle
do grau Brix, que continua a ser o principal
critério da respectiva valorização pela indústria.
Em relação à evolução do grau Brix nos
últimos cinco anos (Quadro 1), 56% das OP
referem que ele estabilizou entre os seus
produtores, o que corresponde, em termos de
número de produtores, a um valor da mesma
ordem de grandeza (58%). Em idêntico período, o grau Brix aumentou apenas em 33 % das
OP (igual valor para os produtores), que
apontaram terem só 38% dos produtores de
tomate utilizado o serviço de controle do grau
Brix com refractómetro.
Quase todas as OP (85%) apontam a
necessidade de virem a existir outros critérios
de valorização do tomate pela indústria, além
do grau brix, sendo os mais referidos a “cor”
(82% de respostas) e o “licopeno” (64%).
Quanto à contratação de fornecimento de
matéria prima destinada a “novos produtos”,
33% das OP negociaram a entrega de tomate
para “cubos”, 22% para “sumos” e apenas uma
(3%) para “produtos biológicos”, na maioria
dos casos com mais-valias para os produtores
de tomate. Em 2003, 6% das OP fizeram
contratos com a indústria para fornecimento
de tomate obtido sob “protecção integrada”.
Rastreabilidade e ambiente
Em segundo lugar, referem-se os resultados do inquérito (Quadro 2) relativos às
práticas levadas a cabo por OP e AP, na
assistência aos seus associados, no que se
refere à rastreabilidade da cultura e ao respeito
pelo ambiente.
Quanto à rastreabilidade, quase todas as
OP (89%) e quase todos os produtores de
tomate (91%) dispõem de caderno de campo
para registo da condução da cultura nas suas
parcelas, mas um número menor de produtores
(69% e 67%) fazem, respectivamente, o
rastreio das condições de transporte até à
fábrica e o registo da água de rega. Em apenas
34% dos produtores a rastreabilidade da
cultura abrange o controlo mais avançado do
processo de produção de plantas através de
auditoria aos viveiristas.
No que se refere às práticas respeitadoras
do ambiente, a mais adoptada, mas por apenas
33% dos produtores de tomate, é a “recolha
de embalagens e colocação em aterro sanitário”, seguida da “recolha de resíduos” (32%)
e do uso de “reciclagem da fita de rega” (23%).
Ainda menos OP e AP procedem ao uso de
“plásticos biodegradáveis” (22%) e à “compactação mecânica de resíduos plásticos”
(7%).
Relativamente a práticas mais relacionadas
com a ”qualidade do solo e da água”, os dados
do inquérito sugerem que a monitorização de
resíduos de pesticidas (feita por 19% das OP),
de resíduos de nitratos (12%) e de resíduos da
solução fertilizante (4%) são práticas promovidas por um pequeno número de organizações
de produtores. Devemos referir que um terço
das OP é obrigada a recorrer a laboratórios
estrangeiros, em especial de Espanha, para a
realização destas análises, por razões de
rapidez e preço.
Recursos das OP em técnicos
Como se referiu, os PO proporcionam às
OP e às AP os meios financeiros necessários
à contratação de técnicos para apoio aos
associados em acções enquadradas nos
objectivos da promoção da qualidade e da
defesa do ambiente.
No Quadro 3 apresenta-se um breve
panorama dos recursos humanos existentes
nas organizações de produtores de tomate
em diferentes áreas de qualificação técnica.
Verifica-se que todas ou grande parte delas
dispõem de técnicos recrutados ao abrigo dos
PO para: “acompanhamento dos cadernos de
campo dos produtores e aconselhamento de
práticas culturais”, “produção integrada de
tomate”, “práticas respeitadoras do ambiente”
e “controle de normas de qualidade”.
CONCLUSÃO
A promoção da qualidade e de práticas
respeitadoras do ambiente são objectivos
primordiais da OCM no sector dos frutos e
legumes que, para o efeito, assentam em dois
pilares – as organizações de produtores e os
programas operacionais que sustentam
financeiramente as suas actividades.
Em relação à qualidade do tomate para
indústria, que continua a ser valorizada pelo
grau Brix, verifica-se que muitos produtores
mantêm a preferência por maiores volumes e
quantidades de produto em vez de maior grau
Brix, com consequências no rendimento
industrial e apesar da introdução de novas
variedades ricas neste parâmetro.
Nas relações com a indústria são ainda
escassos os contratos para o fornecimento de
matéria prima destinada ao fabrico de novos
produtos e com mais valias para os produtores.
Nessas relações contratuais, em comparação
com os “novos produtos”, parece prevalecerem ainda os critérios logísticos relacionados com a organização e o escalonamento
da entrega de tomate na fábrica.
No universo de OP e AP, os resultados
encontrados revelam, por um lado, que a
rastreabilidade está largamente adoptada e, por
outro lado, que as práticas respeitadoras do
ambiente têm baixas taxas de adopção, apesar
das organizações de produtores estarem
apetrechadas em recursos humanos disponibilizados pelos fundos dos programas operacionais.
Os resultados, no entanto, revelam também
a existência de uma fracção de OP, situada
entre 4% a 33% segundo as práticas levadas a
cabo, que se rege por regras ambientais mais
exigentes e inovadoras.