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EuPTCVHe0871-97212013000100002

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Para além da bula: Prescrição off-label na patologia alergológica em idade pré-escolar

INTRODUÇÃO Vários fármacos utilizados no tratamento de patologia alergológica não estão estudados para a população pediátrica, principalmente nas crianças mais jovens e, em especial, nos lactentes. No entanto, a sua utilização off-label, isto é, fora das indicações autorizadas pelas autoridades reguladoras, seja por grupo etário, por dosagem ou pela indicação clínica1, é frequente em patologia pediátrica muito prevalente como é o caso da asma, da rinite alérgica ou do eczema atópico. Esta situação relaciona-se com a difi culdade na realização de ensaios clínicos nesta população devido a considerações práticas e a implicações éticas2. A prescrição off-label é estimadaentre 11 a 37% em crianças tratadas em ambulatório e chega a 62% em internamento3. O principal problema com esta utilização é o aumento do risco da ocorrência de reacções adversas4. Além disso, em crianças muito jovens e lactentes, o risco de erros na prescrição, particularmente de dosagem, está consideravelmente aumentado5.

Porém, a administração de fármacos off-label não é necessariamente incorrecta6 podendo ser apropriada em certas situações clínicas quando não existe alternativa terapêutica e os benefícios superam os potenciais riscos, tal como acontece quando os tratamentos convencionais não permitem alcançar o controlo das manifestações clínicas e/ou funcionais7. Fornece ainda novos dados sobre a eficácia e segurança da sua utilização8.

Diversos estudos têm demonstrado consistentemente que esta utilização em crianças é habitual. Um estudo de coorte, realizado em cuidados de saúde primários na Holanda, avaliou as prescrições de fármacos respiratórios em 2502 crianças concluindo que quase 37% eram off-label e, deste grupo, 39% eram prescrições de fármacos para tratamento de asma9. O estudo TEDDY que comparou o uso de fármacos anti-asmáticos em crianças na Holanda, Itália e Reino Unido, verificou que o uso off-label de β2 agonistas e de corticóides inalados é frequente, alcançando 80% das prescrições da budesonida inalada em Itália10.

Em Portugal existem poucos estudos referentes à utilização off -label de fármacos em idade pediátrica e nenhum relacionado especificamente com fármacos para tratamento de patologia alergológica.

OBJECTIVOS Para contribuir para o conhecimento sobre esta relevante problemática, os autores pretenderam caracterizar a prescrição off -label de fármacos utilizados no controlo da asma, da rinite alérgica e do eczema atópico em crianças em idade pré-escolar seguidas num ambulatório diferenciado de Imunoalergologia.

MÉTODOS Procedeu-se à revisão de processos clínicos de crianças com idade igual ou inferior a 6 anos seguidas na consulta de Imunoalergologia, após referenciação, com fenótipos de asma, rinite alérgica e eczema atópico, com predomínio de apresentações clínicas moderadas a graves. Foram analisadas consecutivamente as consultas efectuadas pelos autores, desde o início de Janeiro de 2012, até se obter uma amostra de 500 doentes (Junho 2012).

Os dados colhidos incluíam género, idade, diagnóstico e fármacos de controlo prescritos na consulta considerada e por um período mínimo de 2 semanas, bem como as respectivas doses. Não foram considerados os fármacos utilizados apenas como tratamentos de agudização. Os fármacos incluídos foram classificados da seguinte forma: 1) corticóides inalados (CI); 2) corticóides tópicos nasais (CN); 3) β2 agonista de longa acção (BL); 4) anti-histamínicos orais (AH); 5) anti-leucotrienos orais (AL); 6) imunomoduladores tópicos (IT).

As indicações autorizadas para cada um dos fármacos estão disponibilizadas pelo Infarmed ' Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.

(Infarmed)11, tendo sido as mesmas confirmadas pelos laboratórios responsáveis pela produção e distribuição dos fármacos estudados, os quais foram sistematicamente inquiridos pelos autores, não se tendo verificando discrepâncias (Quadro_1).

Quadro_1

A divisão por grupo etário foi baseada nas definições fornecidas pela EuropeanMedicines Agency(EMA)12. Como tal, a amostra foi dividida em 2 grupos: 1) menos de 2 anos; 2) 2 aos 6 anos. Apesar da EMA considerar um grupo de recém-nascidos (menos de 1 mês de idade), este não foi considerado pela inexistência de doentes neste grupo etário.

Análise estatística Comparações estatísticas foram realizadas com recurso ao programa estatístico IBM SPSS Statisticsversão 19.0 (2010, Chicago, Estados Unidos) sendo considerado significativos intervalos de confiança de 95% com p<0,05.

RESULTADOS Foram verificados os processos de 500 doentes (Quadro_2) correspondendo a um total de 1224 prescrições de tratamentos de controlo. Os fármacos mais prescritos foram os anti -histamínicos orais (34,6%) seguidos dos anti- leucotrienos (22,6%), dos corticóides tópicos nasais (20,3%), dos corticóides inalados (17,7%), da associação corticóide inalado com β2 agonista de longa acção (4,6%) e, por fim, dos imunomoduladores tópicos (0,2%). Os fármacos mais utilizados foram o montelucaste (22,6%), a levocetirizina (17,1%), a mometasona (17,1%) e a fluticasona (17,0%) (Quadro_3).

Quadro_3

Do total de prescrições, 802 (65,5%) estavam autorizadas para uso em crianças e foram utilizadas de acordo com as indicações formais aprovadas. As restantes 422 (34,5%) foram consideradas off-label, quer para a idade (62,6%), quer para a dose (31,7%) ou pela indicação clínica (5,7%), sendo a mometasona, a fluticasona e a levocetirizina os fármacos mais prescritos nesta condição (Quadro_3). A mometasona está autorizada apenas em crianças com mais de 6 anos sendo por isso usada frequentemente em off-label. O mesmo se passa com a levocetirizina cuja autorização abrange apenas crianças com mais de 2 anos.

Em relação à fluticasona, a sua utilização off-label está associada à prescrição superior à dosagem aprovada. Apenas o montelucaste foi prescrito fora da sua indicação clínica visto que antes dos 2 anos apenas pode ser usado como terapêutica adjuvante no tratamento preventivo de asma, não tendo indicação autorizada em monoterapia11.

Avaliando os fármacos por categorias, destaca-se a utilização off-label dos corticóides tópicos nasais com mais de 75% das prescrições efectuadas nesta condição (Quadro_4) e sempre por limitação de idade. Salienta-se ainda que a utilização do pimecrolimus (imunomodulador tópico) em casos de eczema atópico grave, sempre em off-label pela idade, apesar da sua prescrição ter sido reduzida, isto é, apenas foi efectuada em 3 doentes de 8, 10 e 12 meses de idade.

Quadro_4

Apesar da prescrição nas crianças com menos de 2 anos ser inferior à das crianças do grupo etário imediatamente superior, a utilização off -label foi muito mais frequente neste grupo (figura_1). Até 73,5% da prescrição nesta idade foi off-label enquanto que no grupo de maior idade alcançou 27,7% (Quadro_4), sendo esta diferença estatisticamente significativa (p<0,05). De salientar que, exceptuando uma, todas as crianças com menos de 2 anos receberam pelo menos uma prescrição off-label.

DISCUSSÃO Este estudo, efectuado numa consulta de referência, fornece informação original e detalhada sobre a prescrição nacional off-label em patologia muito prevalente na população pediátrica, nomeadamente na asma, na rinite alérgica e no eczema atópico. Verificou-se uma utilização frequente de fármacos nesta condição (34,5%), particularmente em crianças com menos de 2 anos, com mais de 73% do total de prescrições neste grupo. Isto deve-se ao facto de dados sobre segurança e eficácia dos fármacos nesta idade serem escassos por falta de ensaios clínicos.

A falta de investigação clínica na população pediátrica, principalmente na primeira infância, deve-se a um conjunto variado de factores e tem de ser avaliada por vária perspectivas2,13. A indústria farmacêutica a aprovação da extensão das indicações a esta população como de baixo interesse financeiro, com apenas alguns fármacos a constituírem um mercado suficientemente alargado para suscitar interesse, pelo que não surpreende que os mais adequadamente estudados sejam as vacinas anti-infecciosas e alguns medicamentos antibióticos de largo espectro de acção. São necessárias técnicas médicas específicas e equipamentos apropriados para investigação clínica em idade pediátrica.

Procedimentos simples em adultos, como colheitas sanguíneas, entre outras intervenções minimamente invasivas, podem não ser tão fáceis de executar ou de autorizar "em crianças. Por fim, a existência de implicações éticas ainda mais complexas, como os potenciais riscos da intervenção terapêutica, dificulta imenso a realização de ensaios clínicos nestas idades14. A investigação clínica de medicamentos na população pediátrica é regulada por normas internacionais (ICH E11), nomeadamente europeias (EC n.º 1902/2006), que estabelecem os requisitos específicos para a protecção das crianças nos ensaios clínicos15,16.

No entanto o regulamento actual da EMA visa incentivar a investigação e desenvolvimento de medicamentos na idade pediátrica e a melhoria da informação disponível sobre estes, através da atribuição de benefícios para a indústria farmacêutica tais como extensão do período de exclusividade de patente17,18. No entanto a maioria dos fármacos disponíveis no mercado continua a não ser testada especificamente em crianças, particularmente nas mais novas. Em Portugal, o Infarmed dispõe de comissões especializadas, nomeadamente da Comissão de Avaliação de Medicamentos, à qual compete a emissão de pareceres sobre a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos no âmbito das autorizações de introdução no mercado (AIM). É da sua responsabilidade a apreciação e aprovação dos Resumos de Características dos Medicamentos (RCM).

Contudo, não compete ao Infarmed pronunciar-se sobre a utilização dos medicamentos fora do que consta nos respectivos RCM, sendo esta utilização da exclusiva responsabilidade do médico prescritor19.

Neste estudo demonstrou-se um grande número de prescrições off-label; no entanto estes valores têm de ser interpretados com precaução por poderem sugerir que se trata de prescrições inadequadas. A administração de fármacos off-label não é necessariamente incorrecta6e está inclusive contemplada em várias recomendações terapêuticas nacionais e internacionais que incluem a idade pediátrica, não existindo qualquer referência à utilização off-label dos diferentes fármacos20. Este facto, no entanto, não autoriza clínica ou legalmente a sua utilização, apesar de a suportar. Esta utilização é frequentemente necessária e apropriada devendo ser avaliada de acordo com as indicações, as alternativas terapêuticas e as considerações de risco-benefício (Figura_2). Claro que a sua utilização deverá implicar sempre a obtenção de consentimento informado. Mas se o uso de fármacos off-label não carece de consentimento informado assinado pelo doente ou representante legal, será então o consentimento verbal suficiente? Nas prescrições estudadas pelos autores, foi sistematicamente indicada e justificada, aos pais ou aos seus prestadores de cuidados, a utilização off-label do medicamento bem como a necessidade clínica para a sua administração, a qual foi invariavelmente autorizada após os esclarecimentos solicitados. Este tipo de informação é fulcral para a adesão do doente, da sua família e de outros prestadores de cuidados, mas é frequentemente omitida.

Figura_2

Um questionário realizado no Reino Unido revelou que a maioria dos pediatras não obtinha um consentimento informado nem avisavam os pais da prescrição off- label, o que pode configurar uma prática clínica21.

Das prescrições efectuadas, salienta-se a utilização off-label muito frequente de um dos corticóides tópicos nasais, a mometasona. O motivo deve-se na totalidade à utilização por grupo etário, que se encontra autorizada apenas em crianças com mais de 6 anos. Esta imposição é feita pela EMA ao mesmo tempo que a U.S. Food and Drug Administration(FDA) autoriza a uso deste corticóide em crianças mais novas, isto é, acima dos 2 anos22. Apesar da discrepância de indicações, o facto de uma instituição como a FDA, responsável pela regulamentação de fármacos nos Estados Unidos, ter autorizado uma utilização mais abrangente deste medicamento, confere uma segurança adicional à prescrição off-label na Europa. Se as indicações fossem idênticas, a percentagem de prescrição off- label da mometasona seria de apenas 4,3%.

O mesmo pode ser referido em relação ao uso de alguns anti-histamínicos, em particular a levocetirizina, cujo uso off -label foi de aproximadamente 25% e quase na totalidade por utilização abaixo da idade autorizada. A FDA aprova, desde 2009, a prescrição deste fármaco em crianças e lactentes a partir dos 6 meses22, após a publicação de ensaios a longo prazo que demonstraram a sua eficácia e segurança nesta faixa etária23-25. Em Portugal, a aprovação mantém - se apenas em crianças com mais de 2 anos11.

Em relação ao uso de imunomoduladores tópicos como o pimecrolimus, foi prescrito em apenas 3 doentes, porém em todos foi utilizado em off -label pela idade apesar do seu uso ser justificado pela gravidade clínica do eczema atópico. Esta patologia surge em aproximadamente 60% dos doentes antes dos 12 meses de idade26,27, no entanto, a utilização de IT está aprovada a partir dos 2 anos, tanto pela FDA como pela EMA11,22,28. Esta limitação foi imposta por não existirem actualmente estudos de segurança a longo prazo considerados suficientes para a sua aprovação em crianças mais novas. As preocupações das entidades reguladoras são baseadas no risco teórico de imunosupressão sistémica que deriva da utilização oral dos inibidores da calcineurina, como o pimecrolimus ou o tacrolimus, em doentes transplantados e da existência de casos raros de malignidade associados a esta administração29.

No entanto, dados farmacocinéticos obtidos em ensaios clínicos realizados em crianças com menos de 2 anos, não sugerem concentrações sistémicas suficientemente altas para causarem imunosupressão, ao contrário da sua administração oral, nem evidenciam correlação entre esta concentração e a percentagem de superfície corporal tratada ou a duração de tratamento30,31. Do mesmo modo, não se verificou interferências no desenvolvimento da resposta imune normal à vacinação32. Além da extrema eficácia demonstrada, estes ensaios demonstram dados de segurança dos IT no tratamento de eczema atópico a curto prazo sendo ainda necessário uma vigilância mais extensa para se averiguar a segurança a longo prazo. Porém, desde a introdução no mercado em 2001, não foi estabelecida relação causal entre uso de pimecrolimus e malignidade29.

CONCLUSÃO Com este estudo, inovador no nosso país, comprovámos que o uso off-label de fármacos anti'alérgicos em idade pré-escolar para o tratamento da asma, da rinite alérgica e do eczema atópico, é elevado; existindo poucos estudos de segurança a longo prazo, as implicações inerentes a este tipo de administração tornam-se evidentes. O Comité Pediátrico da EMA elaborou uma lista de fármacos administrados actualmente em idade pediátrica e com necessidade urgente de informações de farmacocinética, eficácia e segurança na qual se inclui a fluticasona e o montelucaste, entre outros33 e onde também deverão estar incluídos os anti-histamínicos. O método de referência são estudos controlados randomizados, sendo estes limitados por dificuldades metodológicas, daí a necessidade de desenvolver estudos observacionais suficientemente alargados, após introdução no mercado, para a obtenção de dados de avaliação de segurança e eficácia dos fármacos usados em idade pediátrica34.

A presença de registos completos e actualizados com informação detalhada dos fármacos utilizados, as dosagens, as vias de administração e os efeitos adversos, são importantes para a existência de dados fidedignos essenciais que servirão de base para avaliação de segurança e eficácia dos fármacos, nos quais estudos mais complexos em crianças são inexequíveis por limitações práticas e éticas.

À semelhança de outras populações com características especiais, tais como as grávidas e os idosos, a publicação e difusão desta informação pela comunidade científica são fundamentais para a aquisição de novos dados sobre segurança possibilitando a aprovação de novas dosagens, de novas indicações clínicas e/ou da prescrição em crianças mais novas, diminuindo a utilização off-label de fármacos que, apesar de frequentemente adequada, pode não ser isenta de riscos.


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