Microbiota e cultura de arranque
Microbiota e cultura de arranque
Helena Canário1
1Medical Advisor Nestlé Materno Infantil
A mucosa do trato gastrintestinal (trato GI) constitui a maior interface de
contacto entre o organismo humano e o ambiente externo. Através da mucosa
intestinal, o hospedeiro interage com uma população microbiana de dimensão
substancial que está presente no lúmen intestinal e que se denomina de
microbiota intestinal ' incluindo tanto a microflora intestinal
(microrganismos residentes) como todos os microrganismos ingeridos pelo
hospedeiro.
Uma vez que o trato GI funciona como uma barreira e, simultaneamente, é uma
superfície de interação com o ambiente, não é surpreendente que nele esteja
presente a maior proporção de tecido linfoide do organismo. Cerca de 80% de
todas as células produtoras de imunoglobulinas encontram-se precisamente no
trato GI, compondo o tecido linfoide associado à mucosa intestinal (GALT ' Gut
Associated Lymphoid Tissue), um órgão imunológico major.
O crescente corpo de evidências científicas continua a elucidar-nos acerca dos
potenciais benefícios do consumo de microrganismos vivos, geralmente referidos
como probióticos. Através da modificação da composição da microflora intestinal,
e melhoria do equilíbrio microbiano, os probióticos conferem benefícios ao
hospedeiro, sobretudo através da modulação das respostas imunológicas do GALT.
Os probióticos podem assim ser definidos genericamente como microrganismos não
patogénicos presentes nos alimentos capazes de conferir benefícios para a
saúde do hospedeiro através de vários mecanismos. É ainda de salientar que a
palavra probiótico significa, literalmente, para a vida.
Bactérias probióticas comuns incluem-se sobretudo nos géneros Lactobacillus e
Bifidobacterium, sendo este último componente predominante da microflora
presente no cólon de lactentes alimentados com leite materno. O leite materno
contém inúmeros componentes, incluindo prebióticos (oligossacáridos). Estes,
tal como outros tipos de oligossacáridos presentes na alimentação de crianças
e adultos, podem favorecer o crescimento de Bifidobactérias e Lactobacillus.
In utero, o tracto GI é estéril. Imediatamente após o nascimento, inicia-se a
colonização bacteriana do tracto GI. Nos primeiros 2 dias de vida extra-
uterina o tracto GI do recém-nascido é rapidamente colonizado com bactérias,
maioritariamente enterobactérias. A alimentação influencia o desenvolvimento da
microflora intestinal, verifi cando-se um grande aumento de bifido-bactérias, a
par de aumentos, menos marcados, de LactobacillieBacteroides e diminuição do
número de enterobactérias. De salientar que lactentes alimentados com leite
materno verifica-se uma predominância de espécies pertencentes ao género
Bifidobacterium (80 a 90% da microfl ora total).
Assim, em lactentes alimentados com leite materno, a microflora intestinal é
bifidodominante, estando também presentes espécies de Lactobacillus e algumas
espécies de Staphylococcus. Pelo contrário, lactentes alimentados com fórmula
com idades compreendias entre 1 e 4 meses apresentam uma microflora mais
complexa, dominada por coliformes e Bacteroides (Figura 1). Com a diversificação
alimentar, a microflora intestinal do lactente começa a assemelhar-se à do
adulto, variando de indivíduo para indivíduo, mas permanecendo relativamente
estável no próprio indivíduo.
De que modo é que o tipo de parte poderá influenciar a microbiota intestinal? O
começo não é igual para todos os bebés. Assim, podemos dizer que este começo
estará dependente do tipo de parto, tempo de gestação (prematuridade), bem como
se o bebé é sujeito a tratamento com antibióticos. Por outro lado, o que se
verifica é que os bebés que nascem por cesariana têm um tipo de microbiota
diferente dos bebés que nascem de parto vaginal, tendo estes últimos uma
contagem total de bifidobacterias mais elevada. A colonização nos bebés nascidos
por cesariana é mais lenta. A questão que se coloca é: que impacto tem na
saúde futura do lactente? Parece haver uma correlação entre tipo de parto e
determinadas patologias tais como: asma, alergia alimentar, infeções
gastrintestinais etc.
Então qual será a melhor forma para modular a microbiota intestinal? Obviamente
que o leite materno é a melhor forma e a mais natural. No entanto, face a novas
evidências qual será a melhor atitude a tomar? Repensar a alimentação dos bebés
não amamentados ou continuar a fornecer uma alimentação estéril?