Saberes e práticas de mães ribeirinhas e o cuidado dos filhos recém-nascidos:
contribuição para a enfermagem
Introdução
O interesse pelo estudo surgiu do contacto direto com mulheres ribeirinhas e
sua cultura peculiar através de um período de convívio no qual fui académica
voluntária na assistência em saúde local. O cenário é a cidade de Benjamin
Constant, localizada nas margens do Rio Solimões, região sudoeste do Estado do
Amazonas, Brasil. Por ser uma área de fronteira com mais dois países, Colômbia
e Peru, a população é formada por estrangeiros, descendentes de índios e de
imigrantes nordestinos que ocuparam o Estado do Amazonas na segunda metade do
século XIX atraídos pela extração do látex.
Como esta experiência pude associar as relações entre enfermagem e a cultura,
entendendo que a prática profissional da enfermagem se define como uma
profissão focalizada no fenómeno, nas atividades do cuidado e comportamento
humano e suas variações determinadas pelo processo cultural (Leininger e
McFarland, 2002).
A cultura influencia diretamente o processo saúde-doença dos indivíduos,
familiares ou grupos. Por este motivo, a enfermeira só poderá desenvolver ações
congruentes, se interagir com a consciência de que a sua cultura pessoal e
profissional poderá ser diferente daquela dos indivíduos, famílias e grupos com
quem está atuando (Leininger e McFarland, 2002).
Através da convivência com a população ribeirinha, constatei como os valores
culturais das mães podem influenciar de modo direto no cuidado com os filhos.
As práticas culturais estão extremamente inseridas na rotina diária das
pessoas, e os neonatos, por serem frágeis, podem estar suscetíveis ao
adoecimento como por exemplo, o enclausuramento nas residências no primeiro mês
de vida e o número de banhos racionados ou permitidos conforme o avançar dos
dias de vida. Os recém-nascidos são então os mais vulneráveis aos costumes,
pois se trata do período em que é totalmente dependente do cuidado materno.
Outras práticas também são realizadas na alimentação, como o fato da não-
ingestão de animais reimosos (classificação para determinar o grau de segurança
dos animais selvagens e domésticos para o consumo) por aqueles indivíduos que
tenham feridas, erupções cutâneas e doenças inflamatórias, ou ainda por
mulheres nos períodos de menstruação, gravidez ou pós-parto. Quanto aos
cuidados com os recém-nascidos, é comum a procura do rezador para curar o mau-
olhado, o uso de fitinha vermelha na testa do bebé para acabar com o soluço,
colocar óleo de mamona no coto umbilical ou não dar banho no recém-nascido nos
primeiros dias, por acreditarem que ela poderia morrer.
O encontro entre o enfermeiro e a população ribeirinha pode ser uma
oportunidade significativa de troca de informações, saberes e práticas em
saúde. No entanto, o que é perceptível para uns, pode ser um desencontro entre
as ações dos profissionais de saúde e a comunidade ribeirinha, principalmente
no que diz respeito à cultura local e sua forma de cuidar, especialmente dos
recém-nascidos.
Sabe-se que um cuidado culturalmente coerente com uma realidade funciona como
uma estratégia de atenção diferenciada, que aproxima o saber popular do saber
profissional, como nos fala Leininger e McFarland (2002). Porém, é sabido que
os currículos dos cursos de saúde não contemplam discussão da realidade das
famílias, por exemplo, ribeirinhas, indígenas, portanto a formação dos
profissionais de saúde está distante da real necessidade da população
brasileira.
É importante entender como as mães ribeirinhas vivem, pensam, sonham para as
suas vidas e como a sua cultura influencia no cuidado com os seus recém-
nascidos, estabelecendo uma interação constante entre os saberes, valores e
práticas da vida quotidiana. Conhecendo as práticas da cultura ribeirinha, os
profissionais de saúde poderão desenvolver condutas que aliadas com a
comunidade possam evitar prejuízo na saúde e bem-estar do recém-nascido.
Respeitando e orientando o saber popular é possível adotar medidas ativas e
produtivas locais com o intuito de desmistificar algumas práticas populares e
promover a saúde dos neonatos, a partir do cuidado materno. Este estudo tem
como objeto: "Saberes e práticas de mães ribeirinhas e o cuidado materno
dos seus filhos recém-nascidos."
Para o desenvolvimento do tema foram adotados os seguintes objetivos:
identificar os valores culturais materno no cuidado dos filhos recém-nascidos
ribeirinhos; discutir os saberes e as práticas de mães ribeirinhas com relação
ao cuidado do filho recém-nascido.
Quadro teórico
O referencial teórico utilizado foi a Teoria do Cuidado Cultural de Madeleine
Leininger, enfermeira e antropóloga americana. O objetivo desta teoria é
descobrir, documentar, conhecer e explicar a interdependência do cuidado e do
fenómeno com as diferenças e semelhanças entre as culturas. A finalidade é
manter ou retornar o bem-estar (saúde), ou enfrentar a doença de modo
culturalmente apropriado, tendo em vista que a saúde é o estado percebido ou
cognitivo de bem-estar, que capacita o indivíduo ou grupo a efetuar as
atividades segundo os padrões desejados em determinada cultura. Esta última é
constituída por valores, crenças e práticas compartilhadas, apreendidas ao
longo das gerações (Leininger e McFarland, 2002).
As relações entre mãe e filho iniciam-se desde a gestação, onde começam os
cuidados prestados ao filho, e a influência da cultura é percebida a partir
deste momento, quando o saber popular e a família se fazem presente. E como
esta influência se reflete no processo saúde/doença de mãe e filho, o
conhecimento destas relações, através da Teoria do Cuidado Cultural,
possibilitou-me levantar as dimensões da estrutura sociocultural das mulheres
ribeirinhas, traduzindo como vivem, seu modo de vida, crenças e valores,
entendendo, assim, como as mulheres cuidam de seus filhos à luz dos saberes
populares.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, já que
a pesquisa exploratória tem como objetivo explorar aspectos de uma situação
(Minayo et al., 2003) e a descritiva têm como objetivo a descrição das
características de determinada população ou fenómeno, sendo uma das suas
características mais significativas a utilização de técnicas padronizadas de
coleta de dados, como questionários (Gil, 2002). As pesquisas descritivas são
as que geralmente, junto com as exploratórias, são utilizadas pelos
pesquisadores sociais preocupados com a prática.
A fim de garantir o cumprimento das questões éticas, o estudo foi encaminhado e
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, considerando-se o que prevê a
Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional da Saúde ' CNS/MS a qual estabelece
normas para a pesquisa com animais e seres humanos (Brasil, 2006). Ressalta-se
que, todos os sujeitos foram informados sobre a justificativa, os objetivos e a
metodologia do estudo. Foi ainda assegurada a confidencialidade dos dados, bem
como o respeito ao anonimato dos sujeitos envolvidos. Estes, após receberem
todos os esclarecimentos pertinentes ao estudo assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido.
Para a colheita dos dados foram utilizados como instrumentos um questionário,
composto de duas etapas: a primeira, referente à identificação socioeconómico e
cultural e a segunda etapa uma entrevista estruturada com o objetivo de
conhecer o dia a dia das mães ribeirinhas e os valores que influenciam no
cuidado dos filhos recém-nascidos. Durante a entrevista foram utilizadas
perguntas que versaram sobre: alimentação (artificial e/ou aleitamento
materno), higiene (banho e coto umbilical), vestimenta, direitos da criança
(certidão de nascimento, vacinação, acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento), outros (banho de sol, cuidado com o filho doente).
E a análise qualitativa seguiu o método da etnoenfermagem de Leininger, que
utiliza quatro fases específicas: 1) leitura e releitura, organização da
documentação; 2) identificação e categorização de narradores e seus componentes
codificando e classificando os dados; 3) análise contextual e; 4) síntese e
interpretação emergindo uma categoria analítica: cuidado materno com o banho e
coto umbilical do recém-nascido ribeirinho.
Resultados e discussão
Durante a minha estada em Benjamin Constant, enxerguei a necessidade de
identificar, inteirar-me e respeitar a cultura local. A partir desta
diferenciação de assistência, o trabalho de enfermagem pôde se desenvolver de
forma mais coerente com a realidade das mulheres, deixando-as mais integradas
no estudo.
As informantes do estudo foram vinte mães ribeirinhas que viviam na cidade de
Benjamin Constant, Amazonas, Brasil e que eram responsáveis pelo cuidado dos
filhos ribeirinhos. Como critérios de exclusão: mães que delegam o cuidado dos
filhos a outras pessoas e que não tenham filhos ribeirinhos. Para este estudo,
entende-se por filhos ribeirinhos toda criança que tenha nascido nas cidades às
margens do Rio Solimões.
A idade entre elas variou de 20 a 46 anos, com média de idade 33 anos. Dentre
as participantes, quinze tinham entre 20 e 33 anos, e cinco tinham entre 34 e
46 anos de idade. Nota-se a presença de duas gerações de mulheres no estudo. A
diferença de idade é de grande valia para a pesquisa, já que, cada geração, é
possível vislumbrar mudanças culturais em uma sociedade (Laraia, 2003).
Com relação à situação conjugal, dezesseis (80%) possuem relação estável, três
(15%) são solteiras e uma (5%) é divorciada. Quanto à escolaridade, duas (10%)
são analfabetas, seis (30%) possuem o ensino fundamental Incompleto e duas
(10%) o completaram. O ensino médio completo é destaque, sete (35%) conseguiram
completar e três (15%) não o concluíram. O grau de instrução certamente
influencia as práticas de cuidado dos filhos ' entre elas a alimentação,
higiene, cuidado em enfermidade, entre outras (Leininger e McFarland, 2002).
Quanto à ocupação, sete são agricultoras, plantam mandioca, abacaxi, arroz,
cana-de-açúcar, feijão, milho, banana, cacau e coco, para sua própria
subsistência e vendem o excesso de suas produções, seis relataram ser donas de
casa, três são técnicas de enfermagem e trabalham no único hospital da cidade,
duas são estudantes e uma é comerciante. Quanto ao número de filhos, variou de
2 a 6 filhos.
As moradias são muito próximas umas das outras, o que estreita os laços entre
as famílias. Quanto ao material usado para construção das casas: dezessete
(85%) são de madeira e três (15%) de alvenaria. A justificativa para a maioria
as casas serem de madeira, segundo as depoentes, é o prazo da construção duas
semanas, a um preço bem reduzido em relação às de alvenaria.
Quanto ao número de habitantes em cada casa variou de 4 a 12 moradores. Cabe
destacar que de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística de 2010, a média nacional de pessoas que dividem a mesma casa é de
2.1, enquanto que a média de pessoas que moram na mesma casa das entrevistadas
é de 6 pessoas.
Cuidado materno com o banho e coto umbilical do recém-nascido ribeirinho
Cuidado com o banho do recém-nascido:
Quando questionadas sobre os cuidados com o recém-nascido durante o banho, onze
(55%) disseram ter maior atenção para não deixar entrar água no ouvido, quatro
(20%) ficam sempre atentas para a limpeza do coto umbilical. Duas (10%)
disseram ter atenção para não deixar cair sabão nos olhos e uma (5%) se
preocupa com o cuidado na limpeza da genitália, outra (5%) com a temperatura da
água, e uma (5%) disse ter cuidado para não deixar o bebé cair durante o banho.
O banho do recém-nascido, na maioria das culturas brasileiras, é dado desde o
primeiro dia de vida e para isso deve-se fazer uso de água tratada com cloro ou
fervida e sabonete neutro, devendo ser evitado o uso de xampus, talcos e loções
perfumadas (BRASIL, 2006). Neste estudo, as mães demonstraram grande
preocupação para a água do banho não entrar no canal auditivo e em
contrapartida apenas uma relata o cuidado com a higiene da genitália,
importante para a prevenção de assaduras.
É necessário proteger o ouvido contra a entrada de água sendo uma das
recomendações para evitar infecção no ouvido. Quanto à água do banho, deve
estar confortavelmente morna, por volta de 37º C. Pode-se usar um termómetro de
água, o seu cotovelo, ou a parte interna do pulso para verificar a temperatura
da água (Brasil, 2006). Cabe destacar que, dependendo do clima, é hábito dar o
banho em água tépida ou frio. Neste estudo, apenas uma mãe relata preocupação
com a temperatura da água.
Segundo Beck et al. (2004), o sistema para lutar contra infecções não está
desenvolvido em um recém-nascido. Isso significa que o recém-nascido pode
desenvolver infecções mais facilmente que uma criança mais velha ou um adulto.
Conforme o bebé cresce, o sistema que combate infecções fica mais forte. A mãe
e a família precisam proteger o recém-nascido contra infecção no nascimento e
nos primeiros meses de vida.
O uso de ervas medicinais no banho do recém-nascido:
A relação existente entre a sabedoria popular e a cura das doenças está
diretamente ligada à utilização de plantas medicinais, que é uma das mais
antigas práticas populares em saúde, conhecida predominantemente por mulheres
(Muller, Araújo e Bonilha, 2007).
Cabe destacar que essas práticas não ocorrem apenas em áreas rurais ou
afastadas, mas também nas áreas urbanas em todos os níveis sócio-económico-
educacionais, portanto, a medicina popular é extensamente praticada e
representa uma alternativa que faz concorrência à medicina tradicional e
científica.
Para Lomba (2001), as mães sabem que as crianças são dependentes da sua
proteção e necessitam que seja minimizada a sua vulnerabilidade à doença. No
estudo, as informantes responderam se utilizavam as ervas medicinais para o
banho do recém-nascido e 90% (18) falaram que utilizavam. Dentre as ervas
medicinais usadas estão: folha de limão, jambú, mucuracáa, manjericão, japana,
cravo, alfavaca e hortelã, conforme quadro 1 abaixo.
Quadro 1 ' Propriedades e indicações terapêuticas das folhas utilizadas no
banho do recém-nascido.
As ervas hortelã, alfavacão ou manjericão e a oriza pertencem a uma importante
família Lamiaceace, do ponto de vista medicinal, visto que nela se concentra um
grande número de plantas referidas e citadas como medicinais em todo o mundo. A
família também é importante como fonte de espécies de grande valor no mercado,
pois são usadas como condimentos, alimentos, bem como na indústria de perfumes
e cosméticos.
Já as ervas japana, jambu e cravo são da família Asteraceae, que pode ser
considerada uma das mais importantes fontes de espécies vegetais de interesse
terapêutico, dado o grande número de plantas pertencentes a ela que são usadas
popularmente como medicamentos, muitas das quais amplamente estudadas do ponto
de vista químico e farmacológico.
As folhas de mucuracaá e limão são usadas para o banho e é útil como
antisséptico e antiemético para crianças; o uso tópico do preparado de folhas
de mucuracaá, alfavaca e limão é utilizado contra dores de cabeça. O uso
externo das folhas novas e da raiz, no alívio de dores musculares, também é
comum.
Os banhos dos filhos são preparados, na maioria das vezes, na água em
temperatura ambiente e em depósitos, como, por exemplo, bacias de plástico,
onde as mães ribeirinhas relataram misturar mais de uma folha com o intuito de
potencializar a ação contra os males que afligiam seus recém-nascidos.
As mães disseram ter cuidado para que o bebé não ingerisse a água do banho e
também quanto ao tempo dentro da solução, com duração de cinco a dez minutos.
Cuidado com o coto umbilical:
Quanto ao cuidado do coto umbilical, sete (35%) utilizaram faixa chamada de
umbigueiro e usavam para limpeza óleo Johnson®, violeta de genciana,
mertiolate, soro fisiológico ou banha de cobra, seis (30%) limpavam somente com
álcool, cinco (25%) passavam óleo de andiroba ou óleo de copaíba para
cicatrização e duas (10%) usavam pó de banana queimada.
O cuidado com o coto umbilical é necessário e muito importante para evitar que
um recém-nascido tenha tétano ou sepse (Beck et al., 2004). Limpá-lo com
substâncias ou cobri-lo com curativos ou faixas podem causar infecções graves
por manter principalmente a área ocluída e propícia à proliferação de micro-
organismos.
Para Di Stasi, Hiruma-Lima e Akiko (2002), o óleo de copaíba é indicado para
cicatrização e mais de 50 outras finalidades, dentre as quais, destacam-se:
anti-inflamatório, antisséptico, vermífugo, faringite, feridas e machucados
(cicatrizante), psoríases, eczemas, tumores e dermatoses. Já a andiroba tem as
seguintes propriedades medicinais: antidiarreica, anti-inflamatória,
antirreumática, antisséptica, cicatrizante, emoliente, febrífuga. Utilizar
substâncias no cordão umbilical ou cobri-lo com curativos pode causar infecções
graves no cordão umbilical, como tétano e septicemia Quanto ao pó de banana
queimada não foram encontradas citações científicas sobre seu mecanismo de
ação.
O cuidado com o coto umbilical é essencial para cicatrização e leva em média
sete dias para mumificação e queda. A região deve permanecer seca e limpa, para
evitar infecção e por isso é importante orientar as mães para a utilização do
álcool a 70%, com um chumaço de algodão ou hastes flexíveis de algodão,
seguindo da base até a extremidade do coto (Agenda de Compromisso com a
Assistência Integral à Saúde da Criança e Adolescente, 2004).
Simpatia em relação ao coto umbilical do recém-nascido:
Quando perguntado as mães se elas conheciam alguma simpatia em relação ao coto
umbilical, dezanove (95%) disseram que já haviam realizado, conforme podemos
ver no quadro 2 a seguir.
Quadro 2 ' Simpatia em relação ao coto umbilical, finalidade e como realiza.
Com relação à simpatia com coto umbilical, das 20 mães dezanove (95%) as
utilizam, sendo que quatorze (70%) afirmam que guardam o coto umbilical de seu
filho para ter sorte, três (15%) disseram que faziam chá com o coto umbilical e
ofereciam para o recém-nascido em episódios de cólica, uma (5%) enterrou o coto
umbilical no quintal de casa para a criança ter vínculo com a família e a outra
(5%) escondeu para que o filho não se tornasse ladrão.
Quando questionadas sobre o que fazem quando o seu recém-nascido tem cólica e
se realizam alguma simpatia, dez (50%) mulheres ofereceram chá que pode ser de
hortelã, elixir paregórico indicado para dores abdominais e para cólica
considerada muito forte, cidreira ou capim limão. Quatro (20%) disseram ter
cuidado com a roupa do recém-nascido, não torcendo e não secar ao sereno, duas
(10%) levaram seus recém-nascidos no rezador, sendo que uma (5%) defuma o bebé
com tabaco misturado do pó de chifre de veado e folhas cheirosas, uma (5%) mãe
relata não deixar que nenhum estranho veja o bebé antes de seus sete dias de
vida, uma (5%) amarrou a fralda da própria criança no listão da casa, uma (5%)
mãe relata usar nas costas da criança formiga saúva e outra (5%) oferece o chá
do próprio coto umbilical ao bebé.
Assim como estudo de Galvão e Silva (2011), as experiências e a educação da
mulher desde a mais tenra idade influenciarão as suas atitudes e desempenho no
cuidado de seus filhos e netos posteriores e que certamente atitudes passadas
de geração em geração desenvolverão atitudes positivas de cuidado com o outro.
Conclusão
O estudo evidencia como os valores culturais maternos podem influenciar no
cuidado prestado aos recém-nascidos ribeirinhos. A perspectiva transcultural
empregada permitiu não só identificar características do contexto cultural e
social do meio ribeirinho, mas delinear novas frentes para o trabalho da
enfermagem nessas comunidades.
O conhecimento da habilidade das mães ribeirinhas em cuidar dos seus filhos
permitiu apreciar e valorizar as semelhanças e as diferenças culturais de um
dado grupo reconhecendo, aceitando e valorizando as suas diferenças culturais.
Os dados e situações levantados devem ser usados na promoção de uma assistência
culturalmente adequada e que respeite o saber local das mães para seus filhos
com a finalidade de promover o bem-estar e saúde, além de decidir os cuidados
de enfermagem que irão preservar, acomodar ou repadronizar.
Constatou-se a importância do profissional de saúde, como cuidador da
comunidade e mediador das práticas de cuidado por meio de conhecimento dos
valores culturais da área. O profissional de saúde necessita compreender a
mulher e o seu contexto para ajudá-la no cuidado direcionado ao seu filho, ou
seja, o enfermeiro não pode desconsiderar o cuidado cultural materno e suas
experiências passadas, como, também, não devem considerar-se os detentores do
saber técnico e científico e sim articular essas vertentes com objetivo de
tornar benéfico o cuidado ao recém-nascido ribeirinho.
As conclusões desta pesquisa fortalecem as observações de Madeleine Leininger
quando relatam que a Teoria do Cuidado Cultural tem conduzindo a um novo
paradigma no cuidado a saúde. Ela move os pesquisadores para longe do enfoque
médico, dominante e estreito, patológico e sistemático, para uma perspectiva
ampla do comportamento do cuidado humano. Mais acertadamente, focalizar nas
culturas tem sido um novo caminho holístico para descobrir a saúde e o bem-
estar (Leininger e McFarland, 2002).
Foi um desafio descobrir a influência da cultura no cuidado de mães com os seus
filhos ribeirinhos e também uma grata e imensa satisfação conviver e trocar
experiências com esta população, experiência essa que não foi aprendida no meio
académico. E as informações aqui levantadas podem vir a ser utilizadas para
futuras discussões do cuidado materno com um enfoque transcultural, que nada
mais é do que escuta, identificar, avaliar, recomendar e negociar.
Sem dúvida, o século XXI traz à tona a discussão sobre a atuação dos
enfermeiros em conhecer e trabalhar com diferentes culturas no Brasil e no
mundo e assim cuidar de modo eficaz prestando cuidados de saúde culturalmente
competentes com a população de diferentes origens culturais.