Situação vacinal da hepatite B de estudantes da área da saúde
Introducao
A infecao pelo virus da hepatite B e um importante problema de saude publica e
estima-se que cerca de 600.000 pessoas morrem a cada ano,em decorrencia da
hepatite cronica, cirrose e carcinoma hepatocelular (World Health Organization,
2012; Moraes, Luna e Grimaldi, 2010). No Brasil, entre 2000 e 2009 foram
registadas 5.441 mortes por hepatite B, levando a uma taxa bruta de mortalidade
de 0,3 obitos por 100 mil habitantes (Tauil et al., 2012). O virus da hepatite
B e um importante fator de risco para os trabalhadores de saude. Incluem-se
neste grupo os estudantes de cursos da saude, pois desde os primeiros periodos
mantem contacto com pacientes por meio de aprendizagem pratica com aulas em
unidades basicas de saude, ambulatorios e hospitais, onde o cuidado ocorre
(Arent, Cunha e Freitas, 2009).
A imunizacao atraves de tres doses da vacina contra esse agravo e a medida de
prevencao da doenca mais eficiente. Esta disponivel no servico publico de saude
e e iniciada a partir do nascimento; tambem e indicada para proteger pessoas
com maior risco de adquirir a infecao, entre elas, os estudantes da area da
saude. A vacina contra hepatite B foi comercializada a partir de 1982, tendo
sido recomendada desde entao aos profissionais de saude.
Faz-se necessario salientar a importancia de iniciar a imunizacao contra a
hepatite B sete meses antes do contacto do estudante com situacoes de risco,
considerando, o esquema vacinal de tres doses, com intervalo de administracao
da primeira para a terceira dose de 180 dias (Brasil. Ministerio da Saude.
Secretaria de vigilancia em Saude, 2009).
Na Universidade Federal de Sao Joao Del Rei, Campus Dona Lindu (UFSJ), os
cursos de enfermagem, medicina e farmacia contam com a insercao dos estudantes,
em Unidades de Saude, desde o primeiro ano academico, onde mantem o contacto
com pessoas com as mais diversas doencas evitaveis por imunizantes. Alem disso,
os estudantes tambem desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensao
junto a comunidade. A partir do segundo ano de curso, os graduandos de medicina
e enfermagem mantem o contacto tambem com pacientes hospitalizados e em
situacoes de risco, o que aumenta a exposicao a infecoes, sobretudo as que
estao ligadas aos acidentes com perfurocortantes como e o caso da hepatite B.
As atividades academicas desenvolvidas pelos estudantes de graduacao da area da
saude sao similares aquelas que sao realizadas pelos profissionais de saude.
Assim e evidente a necessidade de imunizacao como estabelece a Norma
Regulamentadora - NR 32 (2008), que tem por finalidade a implementacao de
medidas de protecao a saude dos trabalhadores dos servicos de saude, incluindo
a vacinacao. Neste sentido e importante a verificacao da situacao vacinal dos
discentes para o diagnostico de saude em relacao a imunizacao e o planeamento
de acoes direcionadas para a regularizacao do status vacinal.
Vale destacar que no terceiro periodo do curso de enfermagem da UFSJ e
ministrado conteudo sobre a vacinacao e como atividade de aprendizagem realiza-
se uma campanha vacinal para os estudantes dos cursos de saude. A Secretaria
Municipal de Saude de Divinopolis e parceira nesta intervencao,
disponibilizando as seguintes vacinas: Dupla Adulto; Triplice ou Dupla viral;
Febre Amarela; e Hepatite B. No ano de 2010 aproveitamos esta atividade de
aprendizagem para realizar esta investigacao.
Desta forma, o objetivo deste estudo foi verificar a situacao vacinal de
hepatite B dos estudantes de enfermagem, farmacia e medicina da Universidade
Federal de Sao Joao Del Rei, campus Divinopolis, em 2010, e descrever o
conhecimento destes sobre a forma de contagio da doenca.
Enquadramento/ Fundamentacao teorica
O virus da hepatite B tem grande importancia pelo seu potencial de causar
infecao cronica (5 a 10% dos individuos adultos infetados) e, sobretudo, pelo
alto risco de transmissao, que varia de 6 a 30%, nos acidentes com
perfurocortantes que envolvem sangue sabidamente contaminado (Brasil.
Ministerio da Saude. Secretaria de Vigilancia em Saude, 2009).
Os estudantes da area de saude tambem constituem um grupo de risco para a
infecao pelo virus da hepatite B, pois desde os primeiros periodos que mantem
contacto com pacientes por meio de aprendizagem pratica com aulas em ambiente
hospitalar e nas unidades ambulatoriais onde o cuidado e prestado (Arent, Cunha
e Freitas, 2009). Eles desenvolvem parte das suas atividades academicas em
situacoes semelhantes a pratica profissional, o que tambem os coloca em risco
de exposicao a material biologico (Gir et al., 2008).
Os acidentes com material biologico entre profissionais e um facto real. Num
levantamento realizado para analisar os acidentes com perfurocortantes, 25,3%
dos acidentados apresentavam esquema vacinal contra hepatite B incompleto e
15,1% dos casos de exposicoes ocupacionais envolveram estudantes (Gir et al.,
2008).
Porem, observa-se que a cobertura vacinal entre os trabalhadores da saude ainda
e baixa, verificando-se que, mesmo apos o ingresso no mercado de trabalho,
esses profissionais continuam sem a necessaria protecao. Essa constatacao pode
ser atribuida a falta de conhecimento por parte dos profissionais de saude,
assim como a pouca importancia que e dada a esta protecao especifica (Araujo,
Paz e Griep, 2006).
Um estudo realizado para determinar a prevalencia dos marcadores da hepatite B
em profissionais de saude, detetou que do total de funcionarios vacinados,
87,8% completaram o esquema de vacinacao e os outros 12,2% receberam apenas uma
ou duas doses da vacina. Eles acreditam que a nao realizacao do esquema
completo e um facto que ocorre frequentemente na vacinacao contra a hepatite B,
seja por esquecimento ou pela ideia de que uma unica dose ja confere imunidade
(Moreira e Lima, 2007).
Os estudantes brasileiros do curso de graduacao em Medicina iniciam estagios
extracurriculares precocemente e desordenadamente, as vezes sem conhecimento
das normas de biosseguranca e sem a verificacao da sua situacao vacinal,
correndo risco de infecao por doencas imunopreveniveis (Moreira e Lima, 2007).
Um estudo com alunos de odontologia encontrou 75,9% de academicos vacinados
(Cavalcanti et al., 2009).
A transmissao do virus da hepatite B antes da introducao da vacina constituia
um grave problema de saude publica. Entretanto, o numero de profissionais de
saude infetados diminuiu nos ultimos 20 anos, o que tem sido atribuido a
vacinacao e a utilizacao das medidas de precaucao padrao. Assim, considera-se
que e minima a possibilidade de um profissional vacinado adquirir o virus da
hepatite B (Paiva, 2008).
Metodologia
Trata-se de um inquerito vacinal realizado com estudantes de saude da
Universidade Federal de Sao Joao Del Rei, campus Divinopolis, Minas Gerais/
Brasil, em 2010. Foram convidados a participar no estudo todos os graduandos
regularmente matriculados nos cursos de Enfermagem, Farmacia e Medicina,
totalizando 510 estudantes. Foram selecionados para este estudo os alunos que
estavam no momento da coleta de dados e que aceitaram participar na pesquisa.
Os criterios de exclusao foram os estudantes que nao quiseram participar na
pesquisa e os que nao estavam presentes no momento da colheita de dados. Assim,
participaram na investigacao 392 (76,9%) alunos.
Durante a intervencao aplicou-se o questionario estruturado e autoaplicado que
continha questoes relativas a: sexo; idade; curso; ano em que ingressou na
universidade; situacao vacinal contra a hepatite B; se o estudante recebeu
orientacoes da Instituicao de Ensino Superior sobre a imunizacao contra a
hepatite B; local onde recebeu a imunizacao; contacto com o material
perfurocortante; se ja teve algum acidente com o material perfurocortante; e
quais as formas de contagio do virus da hepatite B que o academico conhece. Foi
realizado um estudo piloto com 32 academicos dos tres cursos para testar e
validar o questionario aplicado.
Foram utilizados os programas EPIDATA 3.1 para a tabulacao dos dados e o EPI
INFO 6.0 para a analise descritiva.
Este estudo obedece aos principios eticos da Resolucao n? 196/96 do Conselho
Nacional de Saude e foi aprovado pelo Comite de Etica da Fundacao Educacional
de Divinopolis/FUNEDI. Todos os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Do total dos 392 participantes, 144 (36,7%) sao estudantes do curso de
medicina, 129 (32,9%) de enfermagem e 119 (30,4%) de farmacia. Os resultados
apontaram que a maioria dos participantes era do sexo feminino, possuiam menos
de 25 anos de idade e tomaram tres ou mais doses de vacina contra a hepatite B,
conforme recomenda o Ministerio da Saude - MS (Brasil. Ministerio da Saude.
Secretaria de Vigilancia em Saude, 2009) (Tabela_1).
Vale destacar o grande numero de alunos que nao tomaram as tres doses
recomendadas (15,6%) e nao souberam informar acerca do seu estado vacinal
(29,7%). Em relacao ao local onde receberam a imunizacao, 82,1% dos
entrevistados foi nas unidades publicas de saude, 7,3% receberam a vacina na
propria Universidade, 4,2% em clinicas particulares e 6,4% em outros locais.
Outro resultado de destaque esta no fato de 53,1% dos estudantes relatarem
manusear os materiais perfurocortantes nas suas atividade didaticas e 4,1%
relataram ja ter sofrido algum tipo de acidente com esses materiais.
Em relacao ao conhecimento sobre as formas de contagio do virus da hepatite B,
91,3% dos estudantes reconheceram os acidentes com materiais perfurocortantes.
Por outro lado, 26,3% nao reconheceram a via sexual como forma de infecao e
16,1% disseram ser a via oral-fecal fonte de infecao. Apenas 6,6% afirmaram
desconhecer as formas de transmissao da doenca.
Discussao
Verificamos que 93,8% dos estudantes tem menos de 24 anos, o que caracteriza
uma populacao jovem. E sabido que a logica racional na prevencao de doencas e
pouco motivadora para a juventude, que vive em plena saude e que a ideia de
risco nao esta na perspetiva jovem (Cunha-Oliveira et al., 2009). Neste estudo,
o considerado numero de estudantes (45,3%) nao imunizados contra a hepatite B
pode estar relacionado com as caracteristicas desta fase juvenil. A introducao
da vacina contra a hepatite B no calendario nacional do Brasil iniciou-se no
ano de 1996 para criancas menores de 2 anos, e somente a partir de 2001 houve a
ampliacao do uso desta vacina para os menores de 20 anos de idade. Desta
maneira, os entrevistados do estudo no momento da ampliacao do calendario
nacional da hepatite B eram maiores de 10 anos, o que de certa forma dificulta
a ida aos centros de saude para vacinacao.
Os estudantes de saude sao considerados um grupo de risco para a hepatite B,
pelo que e um fator preocupante o numero de estudantes nao imunizados ou com
numero de doses insuficientes ou incertas por os colocar em maior risco de
contrairem a hepatite B, uma vez que para a soroconversao e necessario a
administracao de tres doses da vacina. Estudos semelhantes identificaram
prevalencias que variam de 24,7% a 86% de esquemas vacinais incompletos em
estudantes e profissionais da area de saude (Garcia e Fachinni, 2008; Silva et
al., 2011; Garcia, Blank e Blank, 2007; Ribeiro, 2002).
Espera-se que os profissionais de saude tenham um conhecimento maior sobre as
doencas imunopreveniveis e a sua vacinacao. Porem, um estudo realizado para
avaliar a cobertura vacinal de alunos do Curso de Especializacao em Saude da
Familia, identificou que 31,6% dos enfermeiros, 90,9% dos dentistas e 69,2% dos
medicos nao tinham informacao sobre quais as vacinas que o Programa Nacional de
Imunizacao preconiza para os profissionais de saude, o que representa uma
grande lacuna no conhecimento (Araujo, Paz e Griep, 2006).
Desta maneira, e da responsabilidade da Instituicao de Ensino Superior (IES)
assegurar que os estudantes sejam imunizados e informados das vantagens, bem
como dos riscos a que estao expostos por falta ou recusa em imunizar-se
(Moreira e Lima, 2007).
Tambem e imperativo conhecer o agendamento das doses subsequentes da vacina e a
importancia em completar o esquema vacinal para que o individuo nao incorra no
esquecimento e se descuide da sua propria protecao, uma vez que o intervalo
entre a segunda e a terceira dose e longo (Souza et al., 2008).
Considera-se que os profissionais e os estudantes de saude estao sob risco
significativo de contrairem ou transmitirem a doenca pela natureza do seu
trabalho. As suas atividades ocupacionais aumentam a sua exposicao ao material
biologico, como o sangue, tecidos ou fluidos corporais potencialmente
infectantes, e aos materiais perfurocortantes (Garcia, Blank e Blank, 2007).
O manuseio do material perfurocortante por estudantes da graduacao da area da
saude e frequente na atividade academica, o que os expoe ao risco acidental
devido a inexperiencia clinica e a falta de destreza manual (Oliveira e
Goncalves, 2009). Pode-se notar que mais de metade dos estudantes investigados
tiveram contacto com perfurocortantes e que uma parte destes ja teve um
acidente, o que e um dado relevante porque esses individuos podem nao estar
imunologicamente protegidos contra o virus da hepatite B. Uma vez que estes
discentes desenvolvem grande parte das suas atividades academicas em
estabelecimentos de saude e que na maioria das vezes nao tem conhecimentos
sobre biosseguranca, tornam-se mais vulneraveis aos riscos de infecoes causadas
por acidentes nos estagios.
Um estudo para identificar e analisar as exposicoes ao material biologico
potencialmente contaminado, ocorridas entre os estudantes dos cursos de
graduacao da area da saude do municipio de Ribeirao Preto-SP, verificou uma
percentagem de 15,1% de casos de exposicoes ocupacionais envolvendo estes
estudantes (Gir et al., 2008). E necessario intensificar a orientacao sobre as
medidas de biosseguranca, incluindo aspectos relacionados a imunizacao,
especialmente a vacina contra a hepatite B (Gir et al., 2008).
Noutro estudo realizado com estudantes de medicina com o objetivo de avaliar o
risco ocupacional de exposicao ao HIV, 68 (50%) dos estudantes relataram ja ter
sofrido algum tipo de exposicao ao sangue (Junior et al., 1999). As taxas de
exposicao a riscos ocupacionais tambem sao altas entre os trabalhadores. Um
estudo realizado com trabalhadores de enfermagem identificou que 17,3% ja
sofreram acidentes, sendo que na maioria o sangue e a agulha sao o principal
agente causador durante o descarte de material (Oliveira, Kluthcoviskt e
Kluthcoviskt, 2008). Devido a isso, a utilizacao da vacina e de significativa
importancia, uma vez que a vacina utilizada no Brasil confere imunidade acima
de 95% (Moraes, Luna e Grimaldi, 2010).
Investigou-se tambem o conhecimento dos graduandos sobre as formas de contagio
da hepatite B. Observou-se que a maioria dos participantes relataram a via
hematologica como a principal via de transmissao do HBV. Contudo, poucos sao os
que demonstraram conhecimento sobre a transmissao vertical, fator a que devemos
dar importancia, pois trata-se de graduandos que futuramente participarao de
forma ativa na saude da populacao. Os dados reforcam a importancia de aumentar
a orientacao dos discentes a respeito das formas de transmissao do virus e das
suas respectivas consequencias no organismo.
E importante ressaltar que todos os academicos com situacao vacinal irregular
foram orientados para regularizar o esquema das vacinas no inicio das
atividades academicas, visto que a insercao destes alunos nas unidades de saude
acontece no primeiro periodo do curso.
Por ultimo, cabe destacar que por se tratar de um questionario autorrespondido
pode-se especular que os resultados superestimam a aderencia as medidas de
protecao individual, ja que os sujeitos tendem a reportar comportamentos
aceitaveis mesmo quando nao os adotam. Porem, ainda assim, os resultados
fornecem um panorama geral sobre a cobertura vacinal e possiveis medidas a
serem adotadas.
Conclusao
Constatou-se que uma parte significativa dos estudantes de saude nao esta
adequadamente imunizada contra a hepatite B, o que evidencia a necessidade de
implementar campanhas que reforcem o conhecimento sobre a doenca e melhorem a
cobertura vacinal entre os alunos.
Ainda quanto as formas de transmissao da hepatite B, verificou-se que os
estudantes necessitam de aumentar os seus conhecimentos, considerando que alem
da sua propria protecao, eles tambem sao agentes multiplicadores da informacao
a comunidade.
Diante do exposto, cabe as instituicoes de ensino da area da saude irem alem da
formacao tecnico-cientifica dos graduandos, devendo-se comprometerem com as
mudancas de comportamento dos futuros profissionais. Neste sentido, faz-se
necessario o investimento em acoes educativas, uma vez que no local estudado os
academicos estao inseridos desde o primeiro periodo da graduacao, em estagios,
e, desta forma, estao em contato constante com as formas de transmissao da
hepatite B.