Desafios endovasculares aórticos: cirurgia de recurso em patologia aórtica
Introdução
O tratamento endovascular de aneurismas (EVAR) revolucionou o tratamento do
aneurisma da aorta abdominal e de várias patologias da aorta torácica1. A
introdução de próteses fenestradas/ramificadas tornou possível oferecer este
tratamento a doentes com condições anatómicas desfavoráveis. Estas próteses
são, no entanto, dispendiosas e exigem muito tempo para a sua produção, o que
limita a sua aplicabilidade, especialmente em contexto de urgência. Deste modo,
técnicas como a de Chimney2 ou a de Funnel3, permitem-nos dar uma resposta
célere, quando necessário, que de outro modo não seria possível. A técnica de
Chimneyfoi descrita pela primeira vez em 2003 por Greenberg et al.2. Desde
então, a nossa instituição, assim como outras, expandiram esta técnica.
Utilizou-a como resgate de ramos aórticos inadvertidamente ocluídos, ou em
aneurismas urgentes, em que dispositivos off-the-shelf necessitariam de ser
utilizados2,4,5. Neste procedimento são utilizados stentsparalelos à
endoprótese, de modo a preservar o fluxo para um ramo aórtico vital2,4,5. A
técnica da Funnel foi descrita por Zanchetta et al em 2006 para o tratamento
electivo de um AAA com um colo ectasiado, não existindo nenhuma endoprótese of-
the-shelf com diâmetro proximal suficiente para uma selagem eficaz3. O
procedimento consiste na utilização de uma endoprótese torácica com
cuffproximal de uma endoprótese abdominal3.
Objectivos
Este conjunto de casos pretendem demonstrar a exequibilidade das técnicas,
reportando algumas das especificidades inerentes a cada uma. São descritos 3
casos clínicos: No primeiro caso utilizou-se a técnica de Chimney para
correcção endovascular de um aneurisma envolvendo
o arco aórtico; no segundo caso descrito, procedeu-se à exclusão endovascular
de um aneurisma justa-renal recorrendo à mesma técnica; no terceiro caso
utilizou-se um stent torácico como cuff proximal, contrariando a adversidade
anatómica de um colo aneurismático ectasiado.
Casos clínicos
Caso clínico ' Chimney torácico: Doente de 67 anos, sexo feminino, com
antecedentes pessoais de cardiopatia isquémia (CI) com revascularização
coronária prévia, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), dislipidémia e
tabagismo. Apresentava um aneurisma sacular da aorta torácica com 68 mm de
maior diâmetro, com início 9 mm após a emergência da artéria carótida comum
esquerda (ACCE).
Foi realizada a embolização da artéria subclávia esquerda (fig._1) com .035
Nester Platinium Coils (Cook Medical, Bloomington, IN) e a exclusão
endovascular do aneurisma com uma prótese torácica 40 × 20 × 40 mm TAG Gore®
(W.L. Gore and Associates, Inc., [AZ, USA]), observando-se intra-
operatoriamente a exclusão inadvertida da ACCE.
Perante esta intercorrência, optou-se pela exposição da ACCE seguida pela
punção retrógrada desta artéria e colocação de uma bainha 6F. Foi colocado um
stentauto-expansivel 8 × 40 mm Zilver Cook® (Cook Medical, Bloomington, IN) por
via cervical, com repermeabilização da ACCE (figs._1 e 2). Não se verificam
endoleaks ou deficits neurológicos focais no final do procedimento . A
tomografia computorizada (TC) realizada ao 1º mês de pós-operatório confirmou a
ausência de endoleaks e a permeabilidade da ACCE assim com a embolização eficaz
da ASE (figs._3_e_4). Ao 28º mês de follow-up, confirma-se a ausência de
endoleaks e permeabilidade do stent carotídeo.
Caso clínico ' Chimney abdominal:Doente do sexo masculino, de 66 anos com
antecedentes clínicos de CI com triplo bypass coronário prévio, ICC com uma
fracção de ejecção do ventrículo esquerdo muito comprometida (F.Ej.: 25%) e uma
doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) GOLD 2. Apresentava ainda, como
factores de risco para doença aterosclerótica, diabetes mellitus tipo 2,
hipertensão essencial e tabagismo. O doente é referenciado à urgência da nossa
Instituição por AAA justa-renal com 68 mm (fig._5) acompanhado por dor
abdominal com 48 horas de instalação. Foi realizada a exclusão endovascular do
aneurisma utilizando stents renais paralelos a uma endoprótese abdominal.
Utilizou-se a artéria axilar esquerda, após exposição cirúrgica prévia, como
via de acesso à colocação dos stentsrenais. Para a entrega destes stents,foram
colocadas na aorta descendente duas bainhas Flexor® Ansel Guiding Sheath (Cook
Medical, Bloomington, IN), através de um fio-guia Amplatz Super Stiff (Cook
Medical, Bloomington, IN).
Procedeu-se então à colocação de uma endoprótese Endurant® (Medtronic
Cardiovascular, Santa Rosa, Calif) com um oversize de 30% em relação ao colo
proximal e simultaneamente dois stents revestidos a ePTFE 6 × 50 mm Viabahn®
(WL Gore, Flagstaff, Arizona) (figs._6 e 7). Foi ainda colocado um stent auto-
expansivel Zilver® (Cook Medical, Bloomington, IN) 6 × 40 mm no interior de
cada endoprotese renal. Após a sua libertação, efectuou-se uma dilatação
simultânea dos stents renais e aórtico.
No angiograma final constatou-se exclusão total do aneurisma com permeabilidade
de ambas as artérias renais. A angio-TC realizada ao 1º mês de pós-operatório
confirma a ausência de endoleaks e a permeabilidade das artérias renais (fig.
8).
Caso clínico ' Técnica de Funnel:Doente do sexo masculino, com 77 anos de idade
e antecedentes clínicos de CI, hipertensão essencial e tabagismo. Tinha ainda
antecedentes cirúrgicos de ressecção anterior do recto por doença oncológica,
hepatectomia direita na sequência de metástases hepáticas e nefrectomia direita
por doença litiásica. O doente é referenciado à urgência da nossa Instituição
por AAA infra-renal com 66mm com uma rotura contida. O angio-TC mostrava um
colo proximal ectasiado, com 38 mm de maior diâmetro, o que constituía uma
impedimento à utilização das endopróteses abdominais convencionais. Os
antecedentes cirúrgicos do doente anteriormente referidos, também tornavam a
cirurgia convencional uma opção de elevado risco pelo que se optou pela
utilização da técnica de Funnel. O procedimento consistiu na libertação parcial
de uma endoprótese bifurcada Endurant Medtronic® (Medtronic Cardiovascular,
Santa Rosa, Calif) 36 × 145 × 16 mm (fig._9), recuando-se a bifurcação da
prótese até à bifurcação aórtica e cateterizando-se o ramo contra-lateral (fig.
10). A endoprótese aórtica foi então libertada completamente. Posteriormente
foi colocado como cuff proximal, uma endoprótese torácica Valiant Medtronic®
(Medtronic Cardiovascular, Santa Rosa, Calif) 42 × 100 mm (fig._9 e 11).
Colocou-se a extensão contra-lateral e no angiograma final observou-se a
artéria renal direita permeável e ausência de endoleaks(fig._12). Na angio-TC
realizada ao 1º mês de pós-operatório foi possível observar as próteses
torácica e abdominal utilizadas (fig._13) e confirmar a ausência de endoleaks
(fig._14).
Discussão
Em cada um dos casos descritos pretendeu-se fazer uma discrição dos detalhes
técnicos inerentes a cada procedimento, assim como demonstrar a sua
exequibilidade. Em qualquer um dos três casos é ainda perceptível o carácter
excepcional na utilização de cada uma das técnicas. Qualquer um dos métodos
anteriormente descritos, devem, na opinião dos autores, ser encarados como
opções de recurso, quando nenhuma das técnicas cirúrgicas convencionais se
revela segura.
O primeiro caso relatado refere-se a uma intercorrência cirúrgica, na qual
durante a exclusão endovascular de um aneurisma torácico é constatada a oclusão
inadvertida da ACCE. Nesta situação, é necessária a revascularização urgente
desta artéria para evitar sequelas neurológicas irreversíveis. A cirurgia
convencional preconizada seria uma pontagem carótido-carotídea com enxerto
protésico, que condicionaria um tempo operatório prolongado e consequentemente
de isquémia cerebral. Deste modo, optou-se por uma solução de recurso, com
exposição de um pequeno segmento da ACCE e colocação retrógrada de um stent
auto-expansivel para recanalização do óstio desta artéria. O procedimento
decorreu sem intercorrências, não se observando sinais neurológicos focais no
final da cirurgia. A doente encontra-se no 28º mês de follow-up, mantendo-se
clinicamente assintomática, com permeabilidade do stentcarotídeo e sem
evidências de endoleaks nos angio-TC de controlo.
O segundo caso descrito representa uma urgência cirúrgica, em que as
características anatómicas do aneurisma e os antecedentes patológicos do
doente, levam os autores a adoptar esta opção pouco convencional. Na
perspectiva dos autores, um aneurisma justa-renal num doente com as
morbilidades anteriormente descritas, operado pela técnica aberta em contexto
de urgência, esta associado uma mortalidade demasiado elevada. Uma solução
endovascular é bastante mais apelativa, embora os dispositivos off-the-shelf
para tratamento destes aneurismas ainda não esteja disponível de um modo
generalizado. Deste modo, a técnica de Chinmey pode surgir como uma opção
atractiva em casos seleccionados, sendo importante respeitar os detalhes
técnicos recomendados. Estes incluem um oversize do stentaórtico de 30%, uma
sobreposição entre os stents renais e a endoprótese aórtica de 20 mm e uma zona
de selagem também de 20 mm. Os autores colocaram ainda 2 stents descobertos
dentro das endopróteses renais para aumentar a sua força radial e evitar o seu
colapso. O doente encontra-se no 22ª mês de pós-operatório, tendo o follow-up
decorrido sem intercorrências clínicas ou imagiológicas.
O último doente exemplifica não só as possíveis adversidades encontradas no
tratamento de um AAA roto, mas também uma técnica de recurso utilizada para
contornar estas contigências. No caso descrito, os autores confrontam-se com
uma urgência cirúrgica, na qual a opção convencional é comprometida por um
abdómen hostil e por diversas co-morbilidades associadas, enquanto a técnica
endovascular fica limitado por colo proximal ectasiado, não existindo nenhuma
endoprótese abdominal off-the-shelfcompatível com esta anatomia. Deste modo,
optou-se por recorrer a uma técnica já descrita na literatura, onde é utilizada
uma endoprótese torácica como cuff proximal. A libertação do stent abdominal
feita em pleno aneurisma, de um modo parcial apenas ate à libertação do ramo
contra-lateral, apoiando-se a sua bifurcação na bifurcação aórtica. Isto
permite não só dar estabilidade à endoprótese, como também ter espaço entre a
origem das renais e a bifurcação protésica para colocar o stent torácico.
Nestas situações, a presença de um colo aneurismático coloca como principal
complicação a evolução da doença com consequente endoleak tipo I. Deste modo,
assume particular relevância um seguimento imagiológico rigoroso, para a
detecção precoce de endoleaks.Até à data, este doente conta com 27 meses de
follow-up,sem crescimento do saco aneurismatico ou endoleaks detectados.
Conclusões
As técnicas de Chinmey e de Funnel constituem desafios cirúrgicos que exigem um
elevado domínio dos procedimentos endovasculares. Apesar de não haver consenso
na literatura acerca da sua utilização, são técnicas admissíveis em situações
de recurso de casos clínicos complexos, em que outras opções cirúrgicas não se
apresentam como alternativas razoáveis.
Os casos clínicos apresentados demonstram a exequibilidade das técnicas, assim
como os resultados aceitáveis a médio prazo, focando alguns detalhes técnicos
inerentes a cada técnica.