Comunicação terapêutica em enfermagem: Como a caraterizam os enfermeiros
Comunicação terapêutica em enfermagem: Como a caraterizam os enfermeiros
Introdução
A ideia de que vivemos numa sociedade de comunicação é hoje bastante
generalizada. Convém no entanto não esquecer que, comunicar mais, pode não
significar obrigatoriamente comunicar melhor.
Sendo esta uma ideia geral, pensamos ser pertinente a sua aplicação à realidade
específica da enfermagem, em que o enfermeiro deve garantir o sucesso da
comunicação que utiliza no âmbito da prestação de cuidados, uma vez que níveis
de comunicação eficazes conduzem a resultados mais positivos (Gomes, Amendoeira
e Martins, 2012).
A comunicação é tanto mais importante quanto a constatação de que, comunicar
com aqueles que nos rodeiam constitui uma das nossas principais atividades,
pois a comunicação é indispensável para a sobrevivência dos seres humanos.
Para Phaneuf (2005), numa comunicação as nossas trocas compreendem duas
componentes principais: uma parte informativa, ligada ao domínio cognitivo ' o
quê da mensagem; e uma parte mais afetiva ligada à maneira como é transmitida '
o como.
É vasta a literatura que aponta para a existência de uma gama de elementos
verbais e não-verbais presentes no processo comunicativo, tornando assim a
comunicação numa totalidade que integra o verbal e o não-verbal.
No processo comunicativo, sendo naturalmente importantes as trocas verbais,
sabemos que estas representam uma pequena parcela no estabelecimento de uma boa
comunicação, pois estima-se que apenas cerca de 7% do significado é transmitido
por palavras, 38% por sinais paralinguísticos e 55% por gestos corporais
(Stuart & Laraia, 2006).
A comunicação não-verbal favorece uma perceção mais lúcida e totalizadora dos
processos comunicativos. O seu emprego na vida quotidiana acrescenta capacidade
de prestar atenção e reconhecer o que acontece para além das palavras, o que
pode conduzir à implementação das estratégias mais adequadas (Rulicki &
Cherny, 2007) .
Como afirmam Bertone, Ribeiro, e Guimarães (2007), a comunicação deve fazer
parte do exercício profissional dos enfermeiros, para que estes possam garantir
o êxito dos procedimentos técnicos e da convivência que competem para uma
melhor qualidade de vida da pessoa que necessita dos cuidados de enfermagem.
A comunicação é, desta forma, um denominador comum presente nas ações de
enfermagem que terá influência na maneira como o cuidado é prestado a cada
pessoa e deverá garantir a obtenção de ganhos terapêuticos (Gomes et al.,
2012).
Neste contexto surge a comunicação terapêutica, que é mais que comunicar-se com
a pessoa no exercício do papel profissional de enfermeiro (Gefaell, 2007), é um
método de comunicação através do qual o cuidador responde às necessidades
explícitas e implícitas da pessoa (Fuller, 2007), é um processo consciente e
deliberado usado para reunir informações relacionadas com o estado de saúde da
pessoa como um todo e responder com uma abordagem verbal ou não verbal que
promova o seu bem-estar, melhore a forma como este entende os cuidados
prestados (Wold, 2013) e permita estabelecer uma relação terapêutica (Williams
& Davis, 2005).
No âmbito da saúde, a comunicação precisa de ser terapêutica, porque esta
objetiva o cuidado e, através deste, favorece a tranquilidade, autoconfiança,
respeito, individualidade, ética, compreensão e empatia pela pessoa cuidada
(Bertone et al., 2007).
É igualmente importante considerar que a comunicação terapêutica tem a
finalidade de identificar e atender as necessidades de saúde de cada pessoa, e
contribuir para melhorar a prática de enfermagem.
Neste artigo pretende-se apresentar parte dos resultados obtidos com o
desenvolvimento da tese no âmbito do curso de Doutoramento em Ciências de
Enfermagem, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) '
Universidade do Porto, no que se refere ao objetivo caraterizar os itens que
integram a comunicação terapêutica.
Metodologia
Trata-se de um estudo com enfoque quantitativo, exploratório, descritivo e
transversal. Para a dimensão apresentada, tem como objetivo caraterizar os
itens que integram a comunicação terapêutica.
O instrumento de colheita de dados foi o questionário construído por nós, por
não ter sido encontrado um instrumento que permitisse colher dados sobre as
variáveis em estudo, tornando assim o seu desenvolvimento parte do processo de
investigação em si (Coutinho, 2011).
Na elaboração do questionário, considerámos as etapas descritas por Fortin
( 2009), tendo a construção do esboço do mesmo sido precedida por revisão da
literatura. O esboço do questionário foi submetido a revisão, pois só com dados
fiáveis se podem obter resultados válidos (Coutinho, 2011). Nesse sentido,
procedeu-se à avaliação do questionário. Não tendo sido encontrada unanimidade
quanto ao número de peritos a mobilizar nesta etapa, considerámos o referido
por Lynn citado por Alexandre e Coluci (2011), que recomenda um mínimo de 5 e
um máximo de 10 pessoas participantes neste processo.
Contámos assim com a colaboração de 7 peritos seleccionados de acordo com os
seguintes critérios: grau académico de doutor, experiência de pelo menos dois
anos na área da saúde/enfermagem ou como investigador na área da comunicação,
pois, de acordo com Carvalho et al., (2008), deve considerar-se o tempo mínimo
de dois anos para quem está no intervalo entre iniciado e perito. Após a
primeira avaliação pelos juízes foram introduzidas no questionário todas as
sugestões, à exceção das que tinham a ver como uso da terminologia própria dos
autores mobilizados e identificados no mesmo. Após esta etapa o questionário
foi de novo reenviado aos juízes tendo obtido a concordância dos mesmos.
Procedeu-se ainda ao pré teste do questionário, que foi aplicado a 12
indivíduos com características semelhantes às da população do estudo, tendo em
conta, como afirma Fortin (2009), que este deve ocorrer numa pequena amostra da
população, entre 10 a 20 pessoas. Foi o questionário resultante deste processo
que foi utilizado no estudo. Trata-se de um questionário misto, no entanto, os
resultados que apresentamos resultam de perguntas onde foi utilizada escala de
Likert, com 5 opções de resposta (1 discordo totalmente a 5 concordo
totalmente).
Os participantes do estudo e de acordo com o critério definido - ser enfermeiro
e estar inscrito na OE, constituíram-se numa amostra não probabilística
acidental ou de conveniência.
A colheita de dados foi feita com a colaboração da Ordem dos Enfermeiros (OE),
através da aplicação online do questionário, cujo link de acesso ao mesmo
esteve disponível na página da OE para todos os enfermeiros inscritos na mesma,
entre os dias 4 e 25 de Novembro de 2013. Responderam ao questionário, de forma
válida, 448 enfermeiros.
O tratamento dos dados foi efectuado com recurso a estatística descritiva e com
auxílio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão
20. Os resultados são apresentados em tabelas e gráficos.
O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética do ICBAS,
Universidade do Porto. Foram tidos em conta os princípios éticos de que se
destacam o consentimento livre e esclarecido e o respeito pela
confidencialidade de todas as informações.
Identificamos como principais limitações deste estudo o facto de não termos
encontrado outros estudos que permitissem a comparação dos resultados; a
divulgação do Link para acesso ao questionário não ter chegado a todos os
enfermeiros; e, o número de questionários respondidos não permitir extrapolar
os resultados para a população.
Resultados
Caracterização dos Participantes
Apresentam-se no quadro_nº_1 os dados que consideramos mais relevantes
referentes às variáveis de caracterização.
Aspetos Caraterizadores da Comunicação Terapêutica
Apresentamos de seguida dados que nos permitem caraterizar a comunicação
terapêutica de acordo com a opinião dos enfermeiros. Através dos resultados
apresentados no quadro_nº_2, podemos verificar que 94,2% dos enfermeiros
referem a sua discordância quanto à afirmação "a comunicação terapêutica só é
necessária nas intervenções psicoterapêuticas", sendo de salientar que 60,6%
afirmam discordar totalmente. Em relação à afirmação "toda a comunicação
utilizada pelo enfermeiro é comunicação terapêutica", discordam 38,2%, no
entanto, 54,7% dos enfermeiros assinalam a sua concordância.
Perante a constatação de que para mais de 50% dos inquiridos toda a comunicação
utilizada pelo enfermeiro é comunicação terapêutica e não sendo esta, também
para os teóricos, uma afirmação consensual, procedemos a uma análise cruzada
com as variáveis de caraterização dos inquiridos, de forma a melhor compreender
e descrever este posicionamento.
Como podemos verificar pelo quadro_nº_3, que apresentamos de seguida, a
concordância (concordo + concordo totalmente) com a expressão "toda a
comunicação utilizada pelo enfermeiro é comunicação terapêutica" é maior nos
inquiridos do sexo feminino, com a categoria profissional de enfermeiros e não
detentores do título de especialista pela OE. Quanto ao grau académico, o nível
de concordância vai diminuindo ao longo do percurso académico, sendo que, os
doutores são os que menos concordam.
Os dados do quadro_nº_4, permitem-nos verificar que há uma concordância
expressiva dos enfermeiros quanto às características da comunicação
terapêutica. Para mais de 90% dos enfermeiros questionados, a comunicação para
ser terapêutica deve: atender à individualidade da pessoa; identificar as
verdadeiras necessidades de saúde das pessoas; contribuir para a melhoria da
prática de enfermagem; responder às verdadeiras necessidades de saúde das
pessoas; aumentar a eficácia da relação terapêutica; possuir valor terapêutico
complementar, aumentando ou complementando a eficácia de outras intervenções.
Quanto aos itens "ser utilizada de forma intencional" e "possuir valor clínico
autónomo de outras intervenções", salienta-se que, respetivamente 23,5% e 35,6%
dos respondentes não concordaram (por discordância ou indecisão) com estas
afirmações.
Porque se destacam pela menor concordância obtida, procedeu-se ao cruzamento da
concordância dos enfermeiros quanto à expressão "ser utilizada de forma
intencional" e "possuir valor clinico autónomo de outras intervenções", com as
variáveis de caraterização. Verifica-se, de acordo com o quadro_nº_5, que a
concordância com a afirmação "ser utilizado de forma intencional", é maior para
os inquiridos com mais de 10 anos de experiência profissional, especialistas em
enfermagem pela OE e docentes. Quanto ao grau académico verifica-se que todos
os bacharéis concordam, sendo importante ter em conta a baixa percentagem de
respondentes neste grupo e, em relação aos outros graus, o nível de
concordância aumenta nos graus mais elevados, sendo que todos os doutores
concordam.
Quanto à concordância dos inquiridos com a expressão "possui valor clínico
autónomo de outras intervenções", e pela análise do quadro_nº_6, verifica-se
que esta é maior para os doutores, para os que têm o título de especialista
pela OE, para os docentes e para os que têm mais de 10 anos de exercício
profissional.
Discussão
Através da análise conjunta dos resultados referentes aos aspetos
caraterizadores da comunicação terapêutica, verifica-se que os enfermeiros
parecem não ter dúvidas de que a utilização desta está presente em mais do que
intervenções psicoterapêuticas. No entanto, perante a afirmação de que toda a
comunicação que o enfermeiro utiliza é comunicação terapêutica, as opiniões são
menos unânimes. Estamos assim, perante resultados que parecem confirmar a
afirmação de que comunicação terapêutica é uma expressão empregue de diferentes
maneiras no domínio dos cuidados de enfermagem, uma vez que, para alguns, ela
pode ter uma abordagem terapêutica específica e, para outros, abranger todas as
interações cuidador ' cuidado (Rubenfeld & Scheffer,1999).
No entanto, é fundamental não esquecer que a comunicação deve fazer parte do
exercício profissional dos enfermeiros, para que estes possam garantir o êxito
dos procedimentos técnicos e da convivência que competem para uma melhor
qualidade de vida da pessoa que necessita dos cuidados de enfermagem (Bertone
et al., 2007) pois esta constitui a principal ferramenta terapêutica de que
dispõe o enfermeiro (Phaneuf, 2005). Falamos desta forma da comunicação
terapêutica que, sendo uma componente essencial dos cuidados de saúde para
qualquer cliente (Tamparo & Lindh,2008), é a base da enfermagem (Gefaell,
2007).
É igualmente importante que os enfermeiros tenham em conta que, de entre as
mensagens emitidas, algumas são voluntárias ou intencionais e respondem às
necessidades do momento, outras porém são involuntárias (Phaneuf, 2005),
tornando difícil que toda a comunicação seja terapêutica.
A constatação de que são os especialistas pela OE e os que têm mais formação
académica a concordar menos com a afirmação de que toda a comunicação utilizada
pelo enfermeiro é terapêutica, permite-nos considerar a importância da formação
profissional e académica na atenção a esta temática, sobretudo tendo em conta
que a comunicação terapêutica é um comportamento adquirido, exige um
compromisso ativo, não depende da sorte nem é casual (Fuller, 2007) o que
reforça a importância da formação nesta matéria.
Nesta sequência, quando são apresentados aos inquiridos alguns aspetos que de
acordo com vários autores caraterizam a comunicação terapêutica, há, como já
referimos, uma quase unanimidade com a maioria deles. Evidencia-se porém a
menor concordância com as afirmações "ser utilizada de forma intencional" e
"possuir valor clínico autónomo de outras intervenções".
O não reconhecimento, por parte de alguns enfermeiros, da importância da
utilização intencional da comunicação terapêutica, pode pôr em causa a eficácia
da mesma e dessa forma contribuir para o insuficiente reconhecimento da
dimensão humana na saúde, identificado pela Organização Mundial da Saúde
(2008), sendo que, pelo contrário, o seu uso efectivo pode constituir-se num
contributo importante para que os serviços de saúde adaptem as suas respostas à
especificidade de cada individuo e comunidade, aumentando assim os ganhos em
saúde (OMS, 2008).
Estabelecer um paralelismo entre a afirmação "possuir valor terapêutico
complementar, aumentando ou complementando a eficácia de outras intervenções"
onde a concordância dos inquiridos foi quase total, com a afirmação "possuir
valor clínico autónomo de outras intervenções" em relação à qual 35,6% dos
respondentes não concordaram, leva-nos a refletir sobre as dimensões
interdependente e autónoma dos cuidados de enfermagem. Ainda que a
complementaridade da comunicação terapêutica possa ocorrer tanto em relação a
intervenções autónomas como interdependentes, parece-nos oportuno ter em conta
que, e de acordo com o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros -
REPE (Decreto Lei nº 161/96 de 4 de setembro) no nº 2 do artigo 9º, se
consideram "autónomas as ações realizadas pelo enfermeiro sob sua única e
exclusiva iniciativa e responsabilidade de acordo com as respetivas
qualificações profissionais...", o que parece incluir a comunicação
terapêutica, pois, como afirma Gefaell (2007), a comunicação terapêutica é
parte do papel autónomo do enfermeiro e requer pensar de uma maneira
específica.
Existem porém alguns enfermeiros para quem este aspeto parece não ser tão
claro, o que pode ter influência na decisão de utilizar ou mesmo na utilização
da comunicação terapêutica na sua verdadeira abrangência, aspeto da maior
relevância, reforçado pelo estudo de Pontes, Leitão e Ramos, (2008), ao
concluir que o processo de comunicação terapêutica deve ser priorizado como
actividade de enfermagem relevante e essencial, para efectivar a comunicação
terapêutica enfermeiro paciente.
O facto de se tratar, como temos vindo a referir, de aspetos que sendo
importantes na caracterização da comunicação terapêutica vão influenciar na
concretização da mesma e que não congregam a unanimidade dos respondentes,
levou-nos a procurar de entre estes os que manifestaram maior concordância.
Encontramos uma tendência de maior concordância nos enfermeiros que trabalham
há mais de 10 anos, são especialistas em enfermagem pela OE, são docentes, e
doutores. A importância dos aspetos apresentados é referida por autores como
Carvalho et al., (2008), ao identificar o tempo de serviço como indicador de
experiência que influencia na tomada de decisão, e por Benner (2001) que, ao
ter por base a experiência, refere que são enfermeiros com mais experiência que
estão mais próximos do estado de proficiente, aquele que é capaz de percecionar
as situações na sua globalidade, ou de perito, que tem uma enorme experiência e
compreende de maneira intuitiva cada situação.
Verifica-se assim, pelas respostas dos enfermeiros, que tanto o percurso
profissional como o formativo, que acontecem frequentemente em simultâneo, têm
influência na forma como estes se posicionam em relação à comunicação
terapêutica, sendo que esta ideia pode ser reforçada por Negreiros, Fernandes,
Macedo-Costa e Silva (2010) ao apresentarem como conclusão do seu estudo a
importância de um maior investimento na educação permanente, alertando e
esclarecendo os profissionais sobre a importância da comunicação terapêutica.
Conclusão
O estudo efectuado permite concluir que, a comunicação terapêutica é
considerada pelos enfermeiros necessária em mais do que só intervenções
psicoterapêuticas, havendo enfermeiros que consideram que toda a comunicação
que utilizam é comunicação terapêutica e outros que não comungam desta
opinião.
Globalmente existe uma manifesta concordância dos inquiridos em relação aos
aspetos caraterizadores da comunicação terapêutica, salientando-se no entanto o
facto de esta concordância ser menor quando se refere ao uso intencional e ao
valor clínico autónomo, fundamentais para o desenvolvimento da dimensão
autónoma dos cuidados.
Salienta-se também que os inquiridos que mais referem concordar com os itens
caraterizadores da comunicação terapêutica trabalham há mais tempo, são
especialistas pela OE, têm grau académico mais elevado e são docentes, o que
nos permite refletir no que se refere à comunicação terapêutica e à forma como
esta é tida em conta pelos enfermeiros, na importância da formação académica e
profissional, e da experiência/ percurso profissional.
Relevância para a Prática Clínica
Os resultados deste estudo permitem conhecer não só a forma como os enfermeiros
relevam os aspetos apresentados, como também identificar variáveis que
influenciam a opinião dos mesmos. Esta identificação permite-nos sugerir a
inclusão e/ou o aprofundamento dos aspetos relacionados com a comunicação
terapêutica, sobretudo na formação inicial dos enfermeiros e ao nível da
formação contínua desde o início da atividade profissional, o que acreditamos
se irá refletir numa utilização mais efectiva e adequada da comunicação
terapêutica, e, dessa forma, em cuidados de enfermagem que respondam às
verdadeiras necessidades de saúde das pessoas em cada situação.