Poder e sistemas de turismo: uma visão aplicada ao regime jurídico dos
empreendimentos turísticos
1. METODOLOGIA
A metodologia deste artigo baseia-se na observação do Direito dos
empreendimentos turísticos por via de uma metodologia estrutural, funcionalista
e sistémica, pela qual se reconstitui uma ordem que identifica a construção e
manutenção de relações de poder.
A manutenção de padrões históricos de regulação desde os primórdios até ao novo
regime jurídico dos empreendimentos turísticos (constante do D.L n.º 39/2008,
de 07.03.2008, como alterado pelo D.L. nº 228/2009, de 14.09.2009), adiante
designado RJET, e seus desenvolvimentos, é detectada através de uma interacção
sistémica de variáveis, própria do princípio newtoniano de igualdade entre a
acção e reacção, que permitem a detecção de homologias no funcionamento da
ordem de tais empreendimentos, enquanto organizações de poder.
Igualmente, por tais homologias e na busca de uma compreensão sistémica deste
poder, tal ordem é observada, pela mesma metodologia, no regime jurídico dos
Planos de Ordenamento Turístico dos Açores e da Madeira, em ordem a uma
conclusão mais sólida sobre o objecto da investigação, concluindo por uma
padronização e homologia no funcionamento das variáveis de eficiência de poder
dos empreendimentos turísticos.
2. SISTEMAS DE TURISMO, ORGANIZAÇÕES E PODER
A Economia Institucional defende que as instituições, definidas como conjunto
durável de regras e práticas organizadas incrustadas em estruturas (Olsen,
2007: 3), de modo a incluir os hábitos, usos e costumes, os mitos, os
princípios éticos partilhados por uma sociedade, determinam a trajectória da
evolução e os resultados dos processos económicos. Assim a história, o tempo e
as instituições contam e contam muito, constituindo elementos activos sociais
que determinam a forma de preferências e o poder (Soares, 2007: 294).
Lesourne et all(2002, cit. por Soares, 2007: 343)identificam 10 categorias de
formas institucionais, a saber, as crenças, os sinais, os costumes ou
convenções, os contratos, o mercado, as regras, os agregados familiares, os
grupos de interesse, as organizações e as colectividades públicas.
As instituições mais importantes que regulam qualquer sociedade são as regras
formais, as leis gerais, as regras económicas, financeiras e políticas;
todavia, os comportamentos rotineiros baseados em hábitos, usos e costumes têm
poder, porque o mimetismo em que se baseia a sua aprendizagem resiste mais
fortemente a alterações, continuando a subsistir mesmo quando as regras formais
se modificam (Soares, 2007: 343).
Como dizem Presthus (1962) e Etzioni (1964) (ambos cit. por Pearce, 1992: 21),
a sociedade de hoje é uma sociedade organizacional onde o turismo participa.
Organizações supõem um sistema condicionado de actividades coordenadas de dois
ou mais participantes, para atingir um ou vários objectivos comuns (Wright,
1977: 7) em que se empenham, nomeadamente, quando estão convencidos que tais
objectivos comuns que visam a atracção e permanência dos turistas, também os
vão favorecer.
As organizações são instituições que vivem e convivem num determinado meio
ambiente. O princípio fundamental estratégico das organizações ao seu ambiente
institucional é o da apropriabilidade (Olsen, 2007: 3), a sua adequação a meios
funcionais e normativos, com capacidade de agir como estrutura e cimento
federador de poder (Sueur, 2001: 334).
Neste contexto, os empreendimentos turísticos são entendidos como organizações
que procuram poder, ou seja, ambiente normativo favorável no eixo de processos
de planeamento e desenvolvimento turístico.
Matthews (1975, cit. por Hall, 1994: 2) e Hall (1994: 3) constatam que a
literatura sobre Turismo acusa uma omissão relevante na investigação política.
Politica, diz Lasswell (1936, cit. por Hall, 1994: 2) é sobre poder, quem obtém
o quê, onde, como e porquê. O Turismo, diz Wilson (1988, cit. por Hall, 1994:
196), como todos os fenómenos de lazer, faz parte da luta pelo controlo do
espaço e tempo em que todos os grupos sociais estão continuamente envolvidos.
Nessa luta pelo poder, o grupo dominante procura legitimação, através de
suporte legislativo e administrativo, ao seu entendimento sobre apropriado uso
do tempo e do espaço e onde os grupos dominados resistem a este controlo,
através de rebelião individual e acção colectiva. Assim, o regime jurídico dos
empreendimentos turísticos pode favorecer o poder a certas tipologias de
alojamento, retirando poder a outras.
Planeamento e desenvolvimento também devem ser entendidas como actividades
políticas (Smith, 1992: 319; Gunn, 2002: 223; Vieira, 2007: 29), que se ocupam
com a presença, distribuição e disposição no território de instrumentos que
conferem capacidade de influenciar ou condicionar o desenvolvimento e bem-estar
dos seus habitantes (Zoído, 2001: 44).
O planeamento/ordenamento turístico serão, assim, actividades políticas,
sistemas de representação institucional que fazem inserir um determinado modo
de produção, um espaço ou uma transacção como turísticas nesse sistema,
integrando-as e dando-lhes sentido num determinado ambiente físico, social e
económico.
Como dizem Vera et all (1997: 285), todos os espaços são susceptíveis de serem
turísticos. A função turística traduz-se na capacidade de atrair visitantes,
através de recursos de diverso tipo (Ivars, 2003: 294). Os empreendimentos
turísticos podem, assim, ser implantados em conjuntos de edifícios (ex:
apartamentos turísticos), espaços rurais (ex: turismo no espaço rural), áreas
com valores naturais (ex: turismo de natureza), construindo ambientes de
diversa tipologia, significado e sentido.
O planeamento turístico assenta, assim, numa capacidade funcional híbrida de
superar divisões entre solo rústico e solo urbano (ex: turismo de habitação -
art.º 17º n.º 1 ou espaços e áreas verdes nos resorts ' art.º 15º n.º 2 alínea
c), ambos do RJET), de operar, tanto no plano físico (infra-estruturas, usos do
solo), como económico (impulso de relações de comercialização, compra e venda e
consumo de serviços para uma oferta turística actualizada e competitiva).
O Direito do Planeamento e Desenvolvimento Turístico deve ter como
característica fundamental garantir efectividade, numa perspectiva de
sobrevivência do ajustável às organizações, com a referida capacidade
funcional híbrida, enquanto fundamento e instrumento de costura das
instituições e compreensão dos mecanismos políticos e de poder (Pires, 1998:
25).
Para tal, dever-se-ão instituir sistemas ou organizações capazes de conciliar
as referidas formas de planeamento, combinando funcionalmente equipamentos,
obras e infra-estruturas, ou seja, planeamento físico, com planos de impulso a
comercialização de bens e serviços (ex: promoção turística). Os empreendimentos
turísticos, enquanto unidade ou organização empresarial participam, enquanto
organizações, nesse sistema.
Na verdade, o Turismo é complexo (Valls, 2004:24), envolvendo diversas
dimensões (solo edificável, atractivos naturais ou culturais, qualidade
ambiental), que obrigam a uma necessidade imperiosa, nomeadamente, por via de
organizações empresariais sensíveis às relações custo-benefício, de eficiência
na gestão dos processos necessários à deslocação e permanência dos visitantes.
Igualmente, o Direito do Planeamento e Desenvolvimento Turístico deverá estar
atento à legibilidade do Turismo enquanto sistema, fazendo inserir tais
organizações num enquadramento jurídico racionalizado, em que respostas a
questões como o porquê (causas de sofrimento/prazer que estão na base das
razões do planeamento), o quê (atribuições, competências que vão investir a
organização nos seus objectivos), o como (recursos, instrumentos para cumprir
com eficiência os objectivos), o quando (calendarização de programas de acção,
investimentos) e o onde (território físico (infra-estruturas) e económico
(promoção comercial)) deverão estar enquadradas e resolvidas.
Apresenta-se, de seguida, um quadro que, recorrendo aos contributos de Ivars
(2003: 30) na conceptualização dos espaços turísticos, constitui um instrumento
de referência na defesa da centralidade das organizações nos eixos dos sistemas
de turismo e dos seus processos de planeamento e desenvolvimento.
O quadro permite várias leituras. A primeira é que, tanto as organizações
privadas (ex: aldeamentos turísticos em Portugal) como as públicas (ex:
municípios turísticos em Espanha) participam nos eixos dos processos de
planeamento e desenvolvimento turístico a diferentes escalas territoriais
(desde a do resort à regional).
A segunda e, talvez a mais importante, é que é possível enquadrar e desenvolver
numa leitura sistemática o regime jurídico de organizações, nas quais se
incluem os empreendimentos turísticos, colocando-os como partes integrantes de
opções políticas de planeamento e desenvolvimento turístico.
Como se constrói, então, tal ambiente favorável de poder? Recorrendo à
abordagem sistémica (Durand, 1992: 11) e a elementos paradigmáticos (escolha
alternada de palavras) importadas do estruturalismo linguístico (Echtner, 1999:
48), enunciamos algumas variáveis de eficiência de poder, importantes para
demonstrar a importância de organizações vencedoras e perdedoras nos
processos de planeamento/desenvolvimento. Destacamos três: a qualidade de
título, a flexibilidade e a divisibilidade, pois um sistema de poder, ora se
coordena, concentra (qualidade de título), ora se parcela, divide
(divisibilidade), ora se ajusta às tendências e conjunturas advenientes das
evoluções tecnológicas e preferências sociais (flexibilidade).
A qualidade do título reporta-se à facilidade, à certeza, à segurança na
criação e características da definição do direito (absoluto/proporcional;
compensável/não compensável) e à existência de um Poder que vai garantir a
coercibilidade e executoriedade desse direito (Guérin, 2003:5).
O direito pode ganhar qualidade de título, se for portador de faculdades
contidas em regimes especiais ou excepcionais com diversos poderes (ex:
benefícios fiscais ou financeiros, expropriação), concentrando-se tais poderes
numa única entidade ou se o título permitir ao seu titular, ora a unificação de
competências, procedimentos e decisões dispersas por várias entidades, ora um
poder decisório de coordenação da actividade dessas entidades.
Tabela_1 - As organizações, o espaço e o sistema de turismo
Um bom exemplo pode ser dado com o regime especial do procedimento
administrativo contido nos art.ºs 8º e ss. do D.L. n.º 285/2007, de 17.08.2007,
que aprova, com técnicas de tramitação simultânea de procedimentos
(Portocarrero, 2002: 61) com interlocutor único (art.º9º) e conferências
decisórias (art.º 10º), o regime dos projectos de potencial interesse nacional
e importância estratégica (PIN+), também aplicável a projectos turísticos
(art.º 2º n.º 4).
Por seu turno, a flexibilidade é a faculdade interna de gestão do direito que
consiste na regulação dos seus padrões de exercício, com vista à sua
transformação e introdução de melhorias na sua capacidade de adaptação à
envolvente (Guérin, 2003: 5).
Como faculdade interna, não deverá desconfigurar a natureza da sua substância
face a terceiros, mantendo todas as capacidades de exercício e valor externo,
mas com reorganização interna, nisto consistindo a sua flexibilidade.
A flexibilidade apresenta-se como uma técnica ou grau de compatibilização de
interesses e sua satisfação simultânea a vários interesses no aproveitamento de
um bem ou recurso. Por exemplo, o art.º 39º n.º 1 do RJET que permite a
dispensa de alguns requisitos para a atribuição da classificação dos
empreendimentos turísticos se a sua estrita observância for susceptível de
afectar características arquitectónicas ou estruturais de edifícios que estejam
classificados a nível nacional, regional e local (veja-se também a
flexibilidade, no caso dosresorts (art.º 39º n.º 3).
A divisibilidade consiste na mudança no modo ou uso do bem ou recurso sem o
desconfigurar na sua natureza, através da sua divisão espacial ou temporal, com
potencialidade de criação de titularidade conjunta de direitos sobre o mesmo
bem (Pennings, Heijman e Meulenberg (1997: 59).
Tal característica permite criar a figura dos direitos plurais sobre o mesmo
bem, com delimitação dos respectivos âmbitos de aplicação, de acordo com a
funcionalidade a que cada um deles está adstrito, que pode ser de natureza
especial, geográfica ou temporal.
A divisibilidade opera sobre uma unidade que se desdobra em pluralidades, de
forma a captar recursos (financeiros, técnicos) ao funcionamento da referida
unidade. Assim é uma técnica de realização, pelo Direito, de uma pluralidade
de direitos sobre o mesmo bem ou recurso. Exemplifica-se com o art.º 15º n.º 5
do RJET, que permite a instalação, num conjunto turístico, de empreendimentos
turísticos de diversas categorias.
Vamos verificar como estas variáveis de apropriação de poder evoluíram ao
longo da história do regime jurídico do alojamento turístico. Essa é a nossa
preocupação do sub-capítulo seguinte.
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Na compreensão da história do planeamento turístico, há a realçar a importância
concedida ao alojamento e, em particular, aos hotéis que, logo em 1914, através
do Decreto n.º 1121, de 28.11.1914, receberam um conjunto de incentivos fiscais
(designadamente, isenção de contribuição industrial, de contribuição predial) e
de fomento (prémios financeiros) por parte do Estado.
No art.º 2º n.º 2 deste regime, previa-se, o que poderemos considerar uma
primeira medida normativa de ordenamento turístico, a saber, a imposição de um
espaço livre de construção no mínimo de 800 m2, ajardinado e arborizado,
conservado em bom estado e reservado para uso dos hóspedes, nos hotéis de
praias, termas e espaços de vilegiatura.
A previsão de apoios (isenções fiscais) à construção de grandes hotéis -
palácio de turismo (não inferiores a 250 quartos), mesmo em épocas de
constrangimento financeiro e de mudança de regime político é visível pelo
Decreto n.º 16295, de 27.12.1928, já sob a égide do Estado Novo.
O regime da utilidade turística consagrado pela Lei n.º 2073, de 23.12.1954 e
completado pela Lei n.º 2081, de 04.06.1956, que corresponde aos objectivos de
acompanhamento da diversificação da oferta turística nacional com o crescimento
do turismo, pretendendo consagrar qualidade de título a empresas do sector do
alojamento (hotéis, pensões, hospedarias, pousadas e estalagens) e da
restauração e bebidas (restaurantes, casas de chá, cafés, cervejarias e
botequins (bares), cabarets e salões de dança).
A utilidade turística seria apreciada tomando em conta a localização dos
estabelecimentos, tanto pelo interesse turístico próprio, como pela sua
importância no quadro das comunicações, o nível, verificado ou presumido, das
suas instalações e serviços e quaisquer outros factores que os qualifiquem como
pontos de apoio para o turismo nacional e internacional (art.º 11º da Lei
2073).
Amplos benefícios fiscais eram previstos (ex: isenção de 10 anos da
contribuição predial, da contribuição industrial e de impostos ou taxas para os
corpos administrativos e redução de 50% para os 15 anos seguintes -art.º 12º ou
de isenção de imposto pela aquisição de terrenos por compra ou doação
destinados à construção e instalação dos estabelecimentos -art.º 13º e ainda
isenção de direitos aduaneiros sobre móveis, utensílios, aparelhos quando não
pudessem ser adquiridos à industria nacional em preços e condições equivalentes
- art.º 14º).
Acesso a comparticipações públicas ou empréstimos a taxas de juro bonificadas
(art.ºs 15º e 16º) e bem assim o direito a expropriação por utilidade pública
dos bens imóveis necessários à construção, ampliação ou adaptação destes
estabelecimentos (art.º 17º da Lei n.º 2073) ou ainda a declaração de utilidade
pública à constituição de servidões sobre prédios vizinhos (art.º 9º da Lei n.º
2081), demonstram a intenção de construir um ambiente normativo favorável,
através da técnica da qualidade de título, a determinados empreendimentos
turísticos.
A associação da hotelaria e do alojamento turístico considerado de qualidade ao
poder é nota de fundo na evolução histórica do regime do planeamento turístico
português. Ainda hoje, o instituto da utilidade turística faz parte integrante
do nosso ordenamento jurídico, através do D.L. n.º 423/83, de 5.12.1983.
Como nota histórica de fomento ao alojamento turístico de qualidade e inserção
favorável no ambiente institucional, refira-se o regime das Pousadas de
Portugal constante do D.L. n.º 31259, de 09.05.1941, prevendo apoios fiscais
(isenção temporária de contribuição industrial -art.º 5º). São descritas, pelo
seu estilo e côr local, como devendo integrar-se tanto quanto possível no
pitoresco das regiões, tendo em vista o objectivo essencial da propaganda
turística e para que constituam, pelo exemplo do modelar funcionamento dos seus
serviços, elementos de orientação da pequena industria hoteleira (art.º 2º).
É reconhecido hoje, com carácter público e notório, o papel das Pousadas de
Portugal, como marca de qualidade na história da oferta turística de
alojamento nacional, e, em consequência, na estratégia de planeamento e
desenvolvimento turístico (Pina, 1988: 115).
Mais tarde surgiriam outras variáveis normativas. A evolução do alojamento para
formas de alojamento turístico complementar surge com o Decreto-Lei 49399, de
24.11.1969, que no seu art.º 23º n.º 2, já em resposta à previsão de criação de
grandes complexos turísticos (ex: Vilamoura), prevê a figura dos conjuntos
turísticos, entendidos como núcleos de instalações interdependentes que se
destinam a proporcionar aos turistas qualquer forma de alojamento, ainda que
não hoteleiro (...), aqui se introduzindo a variável da flexibilidade.
O Decreto 61/70, de 24.02.1970, que regulamenta aquele decreto-lei, prevê para
os conjuntos turísticos a dispensa da fase de declaração de interesse para o
turismo, atendendo ao valor do conjunto (art.º 20º) (qualidade de título) e
ainda a figura dos hotéis ' apartamentos (art.º 111º n.º 1), constituídos por
um conjunto de apartamentos mobilados e independentes explorados em regime
hoteleiro, aqui também se introduzindo (apartamentos independentes) a técnica
da divisibilidade.
Em 1978, pelo D.Regulamentar 14/78, de 12.05.1978, é regulamentada a figura dos
conjuntos turísticos, prevendo-se os aldeamentos turísticos, concebidos como
conjuntos turísticos constituídos por um complexo de instalações
interdependentes, objecto de uma exploração integrada, que se destinam a
proporcionar aos turistas, mediante remuneração, qualquer forma de alojamento
para-hoteleiro, acompanhado de serviços acessórios e com equipamento
complementar e de apoio (art.º 1º).
Por sua vez, o art.º 33º n.º 1 classifica os apartamentos turísticos como
conjuntos de apartamentos mobilados e independentes habitualmente locados a
turistas dia a dia ou por períodos não excedentes a um mês.
Estes estabelecimentos eram considerados automaticamente (qualidade de título)
estabelecimentos de interesse para o turismo (art.º 2º n.º 1 e 33º n.º 4). A
classificação de aldeamento turístico só poderia ser atribuída a um complexo
com um número mínimo de 100 camas com exploração turística (art.º 2º n.º 1) ou,
no caso dos apartamentos turísticos, dez apartamentos no total ou cinco por
edifício.
A exploração do aldeamento não era impeditiva da propriedade das várias
unidades de alojamento por uma pluralidade de pessoas jurídicas
(divisibilidade), admitindo-se ainda a possibilidade de desafectação de uma ou
mais unidades de alojamento da exploração, desde que não ficasse prejudicado o
número mínimo de camas exigido pela lei (art.º 4º n.º 1, 5º n.º 1 e n.º 3),
regime que se aplicava na mesma medida aos apartamentos turísticos (art.º 35º
n.º 1 e n.º 2).
No período histórico considerado, o regime jurídico manteve as características
da divisibilidade nos aldeamentos turísticos e nos hóteis-apartamentos. Nos
aldeamentos turísticos exigia-se que, pelo menos, 50% das unidades de
alojamento fossem afectas à exploração turística do empreendimento (art.º 27º
n.º 1 do D.R. 34/97,de 17.09.1997,como alterado pelo D.R. 14/99, de
14.08.1999). Nos hóteis-apartamentos tal percentagem elevava-se a 70% (art.º 30
n.º 1 do D.R. n.º 36/97, de 25.09.99, como alterado pelo D.R. 16/99, de
18.08.1999).
Os apartamentos turísticos mantiveram tais características pelo art.º 44 n.º 4
do D.L. 328/86, de 30.09.1986 e art.º 258º n.º 1 do D.R. 8/89, de 21.03.1989,
permitindo que a desafectação de qualquer apartamento da exploração turística
não prejudicasse a qualificação do empreendimento, salvo se, por esse facto,
deixasse de existir o número mínimo de apartamentos (10) ou se o número de
unidades retiradas fosse superior ao das afectas à exploração turística. Este
regime manteve-se até 1997, não tendo sido dada continuidade pelo D.R. 34/97,
de 25.09.1997.
Considerados os conjuntos turísticos uma forma de planificação urbanístico-
turística sem planos (Morais, 2006: 63), esta figura de alojamento flexível
(para-hoteleira, ou seja, turística e segunda residência), com serviços
complementares e de apoio (ex: animação), num espaço delimitado, superando e
combinando edifícios (solo urbano) com áreas verdes envolventes, revela fortes
características de poder.
As variáveis da flexibilidade e, em especial, da divisibilidade, proporcionadas
nos hotéis-apartamentos, nos apartamentos turísticos e nos aldeamentos
turísticos, marcarão um ideário de poder na associação destas formas de
alojamento ao planeamento e ordenamento turístico.
Apresentam-se os dados estatísticos sobre os sinais de reconhecimento desse
poder no Algarve com a evolução da capacidade de alojamento entre 1980 e 2000,
segundo dados da Direcção Geral do Turismo, adiante designada D.G.T.
Não se utilizam comparações com datas posteriores, face à mudança de
metodologia operada pelo Instituto Nacional de Estatística em 2001, entidade
onde a D.G.T passou a recolher os dados estatísticos (Turismo de Portugal,
2007: 94). Registam-se só a título indicativo os dados de 2005, com a ressalva
indicada. Atente-se na Tabela 2.
Tabela 2 - Distribuição regional da capacidade alojamento (camas) Portugal/
Algarve (1980/2000).
A análise dos dados da tabela permite várias leituras. A primeira e logo a que
ressalta como mais evidente dum sinal de reconhecimento de poder é a
extraordinária projecção que, logo em 1980, os aldeamentos turísticos e
apartamentos turísticos alcançaram no Algarve.
Na verdade, e, apesar de a informação não estar desagregada por apartamentos
turísticos e aldeamentos turísticos, verifica-se que em 1980 estas duas figuras
de alojamento já totalizavam 16.109 camas, suplantando em mais de 50% o número
de camas em hotéis (10.548), bastando dois anos de regulação (1978 a 1980) para
que estas organizações de poder, em conjunto, suplantassem em mais de 50%
(16.109/10.548) o número de camas de todos os anos de história (60-70?) da
hotelaria clássica do Algarve.
Os indícios de poder são evidentes. A regulação de 1978 é preparada para dar
resposta contratual a uma dinâmica forte de investimento privado (facto social
pré-jurídico) em territórios delimitados e controlados por organizações de
poder que, com flexibilidade e divisibilidade, ora associam solo urbano com
espaços verdes, ora constroem estabelecimentos para exploração em regime
hoteleiro, ora desafectam as unidades de alojamento para venda imobiliária,
compreendendo-se, assim, o forte crescimento destas unidades de alojamento
turístico.
Até 1985 e tendo por base o ano de 1980, no Algarve, os aldeamentos turísticos
crescem 243,8% ao ano e os apartamentos turísticos 197,2% em número de camas.
Outro indício de poder é a distribuição no Algarve destas figuras que, em 1980,
constituem 83% da oferta turística nacional de camas em aldeamentos e
apartamentos turísticos para, em 2000, com mais acerto, se posicionarem
respectivamente em 95,6% e 94,3%, sendo que os hotéis no Algarve representam
apenas 21,3% da oferta turística nacional deste tipo de alojamento.
Até 2000, o Algarve vai confirmar esta trajectória de dependência. Os
aldeamentos turísticos e os apartamentos turísticos correspondem nesta região a
cerca de 95% da oferta turística nacional destas unidades de alojamento. No
período entre 1985 e 1995, os apartamentos turísticos cresceram no Algarve
233,4% (23,3% ao ano) em número de camas, verificando-se uma certa
estabilização no número de camas dos aldeamentos turísticos desde 1985 (12.018
em 1985 e 12.415 em 2000).
Ainda assim, em 2000, no Algarve, o número de camas dos aldeamentos turísticos
e dos apartamentos turísticos atinge em conjunto 43.211 (30.806+12.405) camas,
mais do dobro do número de camas em hotéis (20.966). O desenvolvimento
turístico do Algarve é, como se comprova, o desenvolvimento destas organizações
de poder que adquirem e estruturam as suas relações de poder, com base em
variáveis normativas(flexibilidade, divisibilidade), numa relação de controlo
com o seu meio.
Neste controlo e manutenção da dependência da trajectória do Algarve dessas
organizações e estruturações de poder eficientes, se deverá somar o papel dos
hóteis-apartamentos. Como indicadores desse poder, registam-se o extraordinário
crescimento da oferta turística de camas entre 1985 e 1995 (427,8%, ou seja
42,7% ao ano) e o seu peso relativo na oferta turística nacional (fixando-se em
63% em 1995 para se posicionar em 52,5% em 2000).
Em conjunto com os aldeamentos turísticos e os apartamentos turísticos, a
referida trilogia obtém 58.757 camas no Algarve, o que quase corresponde ao
triplo (20.966) das camas existentes na hotelaria clássica no Algarve. Por sua
vez, o número de camas em hotéis no Algarve corresponde em 2000 a cerca de
21,3% do total nacional.
Vamos verificar agora se as mesmas variáveis normativas que conferiram
projecção de poder a estas figuras de alojamento turístico, se mantêm no actual
regime jurídico dos empreendimentos turísticos, com menções a outros diplomas
normativos, sempre que justifiquem a referida projecção.
4. O REGIME ACTUAL DOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS E OS PLANOS DE ORDENAMENTO
TURÍSTICO DA MADEIRA E DOS AÇORES
O novo RJET foi aprovado pelo D.L. n.º 39/2008, de 07.03.2008. Na sua
sequência, já foi alterado parcialmente pelo D.L. nº 228/2009, de 14.09.2009,
tendo sido publicados a Portaria n.º 327/2008, de 28.04.2008, que aprova o
sistema de classificação dos estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos
turísticos e apartamentos turísticos e a Portaria n.º 937/2008, de 20.08.2008,
que estabelece os requisitos mínimos a observar pelos estabelecimentos de
turismo de habitação e turismo no espaço rural.
O regime tem uma perspectiva de integração de diversas modalidades de
alojamento que antes constavam de diplomas autónomos. Assim, os empreendimentos
de turismo de habitação, turismo no espaço rural e turismo de natureza passam a
ser considerados como tipos de empreendimentos turísticos (art.º 4º n.º 1
alíneas e), f) e h).
Uma primeira nota a reter é a manutenção no novo regime da trilogia hotéis-
apartamentos (este como grupo dos hotéis-apartamentos (art.º 11º alínea b),
apartamentos turísticos e aldeamentos turísticos (art.º 4º n.º 1 alíneas b) e
c) do RJET), que marcaram o ideário de poder no Algarve e que representam hoje
um significativo número de capacidade de alojamento a nível nacional. O
conjunto turístico (resort) composto, no mínimo, por dois empreendimentos
turísticos, um equipamento de animação autónomo e um estabelecimento de
restauração é autonomizado no art.º 15º.
A segunda nota é a afirmação do princípio da exploração integral (unidade -
qualidade de título) das unidades de alojamento pela entidade exploradora
(art.º 45º), ainda que ocupadas pelos respectivos proprietários, afastando-se,
assim, o regime da possibilidade de desafectação de parte das unidades de
alojamento para venda imobiliária (divisibilidade) que caracterizava o regime
anterior.
Todavia, o alcance desta inovação é aparente. A divisibilidade mantém-se na
perspectiva de todos os estabelecimentos hoteleiros (hotéis, hotéis-
apartamentos, pousadas) poderem ocupar uma parteindependente de um edifício ou
a totalidade de um ou mais edifícios inseridos num conjunto de espaços
contíguos (art.º 12º n.ºs 1 e 2, respectivamente), pelo que a conjugação
exploração/ turística e venda imobiliária continua a ser possível, na
perspectiva de organização e promoção comercial.
A divisibilidade opera ainda na possibilidade de se poderem instalar nos
empreendimentos turísticos estabelecimentos comerciais ou de prestação de
serviços, desde que não afectem a função e a utilização das áreas de uso comum
(art.º 10º) e ainda edifícios autónomos de carácter unifamiliar, conforme
redacção dada ao nº 7 do artº 15º pelo D.L 228/2009, de 14.09.2009, devendo
estes edifícios dispor de alvará de autorização de utilização para fins
turísticos autónomo (art.º 14º n.º 7 do RJET).
Também num mesmo edifício ou conjunto turístico (resort) podem ser instalados,
ora diferentes categorias de estabelecimentos hoteleiros (art.º 12º n.º 3), ora
de empreendimentos turísticos (art.º 15º n.º 5).
O sistema de classificação introduz requisitos mínimos e opcionais (art.º 35º
n.º 3), o que introduz um carácter de flexibilidade a cada empreendimento
turístico obter a pontuação necessária para a obtenção de determinada
categoria. Analisando a portaria regulamentadora dos estabelecimentos
hoteleiros (327/2008), constata-se a possibilidade dos requisitos opcionais
serem alterados, mediante simples comunicação do empreendimento ao Turismo de
Portugal (art.º 4º n.º 4). Os anexos demonstram uma clara prevalência dos
requisitos opcionais sobre os requisitos obrigatórios.
Esta flexibilidade também se estende ao mundo rural, de natureza e na sua
ligação com o ambiente urbano. O turismo de habitação, ao contrário do regime
anterior, pode localizar-se hoje em espaços rurais ou urbanos (art.º 17º n.º
1). Também o turismo de natureza pode situar-se, para além das áreas
classificadas, noutras áreas com valores naturais (art.º 18º), desligando-se
das áreas protegidas, essência do regime anterior (art.º1º do D.L. n.º 47/99,
de 16.02.1999, alterado pelo D.L. 56/2002, de 11.03.2002).
Igualmente, qualquer tipologia de alojamento (estabelecimento hoteleiro,
aldeamento turístico, resort ou até parque de campismo e caravanismo) pode
integrar o turismo de natureza (art.º 20º n.º 3), contra o que estabelecia o
regime anterior, que só admitia os empreendimentos de turismo no espaço rural
(art.º 2º n.º 1 alínea a) do D.L. n.º 47/99).
O art.º 4º da Portaria 937/2008, de 20.08.2008, em sede de classificação de
estabelecimentos de turismo de habitação e turismo no espaço rural, define
espaço rural como área com ligação tradicional e significativa à agricultura
ou ambiente e paisagem de carácter vincadamente rural.
Estas definições áreas com valores naturais, paisagens de carácter
vincadamente rural introduzem conceitos vagos e indeterminados, de díficil
interpretação e delimitação, transportando para os decisores municipais e para
o palco das cartografias especiais dos planos directores municipais, as
decisões fundamentais de implantação de empreendimentos de turismo no espaço
rural, de habitação, ou de natureza.
Toda a flexibilidade pretendida pelo legislador no RJET em pretender
combinações políticas eficientes entre diferentes tipologias de empreendimentos
turísticos, pretendendo superar distinções entre solo urbano, rural ou de
natureza, o que é próprio da natureza híbrida do turismo, poderá, todavia,
enfrentar dificuldades na sua transposição política eficiente para o palco do
planeamento e ordenamento do território.
E aqui retomamos as considerações explanadas nos conceitos e resumidas na
tabela_1 deste artigo, ou seja, sem organizações movidas por uma lógica de
eficiência e que intervenham ou acompanhem a elaboração ou revisão de planos de
ordenamento do território a uma escala territorial mais alargada, dificilmente
a combinação eficiente pretendida pelo legislador no RJET ganhará efectividade.
A diferença entre Portugal e países próximos (Espanha, França) em matéria de
planeamento e ordenamento turístico do território é exactamente essa, ou seja,
que, em Portugal não existem organizações que a uma escala sub-municipal,
municipal ou supra-municipal façam intervir o turismo nos instrumentos de
planeamento e ordenamento territorial, não se colocando, assim, o turismo no
eixo dos processos de planeamento e desenvolvimento económico e social.
Resta-nos, pois, a escala do projecto, do aldeamento turístico, do resort. Para
ilustração do poder que essas figuras assumem no nosso regime, verifique-se a
importância, consagrada no RJET e nos Planos de Ordenamento Turístico da
Madeira e dos Açores de várias variáveis de eficiência de poder a favor dos
resorts.
Os conjuntos turísticos (resorts) (art.º 15º n.º1 do RJET) são núcleos de
instalações que integram (qualidade de título) empreendimentos turísticos,
equipamentos de animação autónomos e estabelecimentos de restauração com
continuidade territorial não sendo afectados, ainda que atravessados por
estradas e caminhos municipais, linhas ferroviárias secundárias, linhas de água
e faixas de terreno afectas a funções de protecção e conservação dos recursos
naturais.
A construção jurídica desta continuidade territorial é tão surpreendente,
como a estupefacção que um turista sentiria ao estar num aldeamento turístico
atravessado por uma linha ferroviária com comboios a apitar em movimento. Só
não surpreende pela lógica (dir-se-ia, sem contenção de bom senso do
legislador) de poder de planeamento e ordenamento territorial que lhe está
subjacente, mitigada pela preocupação regulamentar de garantir as condições de
segurança do utilizador (art.º 8º da Portaria 327/2008).
Os conjuntos turísticos que integrem um estabelecimento hoteleiro de 5
estrelas, poderão candidatar-se (com um investimento compreendido entre 60 e
200 milhões de Euros) à candidatura de projectos de potencial interesse
nacional e de importância estratégica quando promovam a diferenciação de
Portugal e contribuam decisivamente para a requalificação, aumento de
competitividade e diversificação da oferta na região onde se insiram (art.º 2º
n.º 3 alínea a) do D.L. n.º 285/2007, de 17.08.2007).
Importante ter em atenção para a lógica de poder destas organizações que
poderão ter um mínimo de 70% de unidades de alojamento de cada empreendimento
afectas à exploração turística (art.º 2º n.º 4 alínea c) do D.L. 285/2007), o
que significa, na continuação do regime anterior, a possibilidade de retirar
30% dessas unidades para uso residencial/venda imobiliária, enquanto norma
especial derrogatória do regime geral da exploração turística integral dos
alojamentos turísticos (art.º 45º n.º 1 do RJET).
Osresorts têm, ainda, a possibilidade de submeter, por fases temporais
(divisibilidade), a licenciamento ou comunicação prévia separadamente, cada um
dos seus componentes ou a distintas fases de instalação (art.º 28º), com a
consequência de disporem de alvará de utilização próprio (art.º 30º n.º 6,
parte final), exploração por diversas entidades a cada uma dessas componentes,
respondendo tais entidades directamente pelo cumprimento de normas legais e
regulamentares (art.º 44º n.º 3).
As normas especiais ou excepcionais derrogatórias de regimes gerais de
planeamento ou de uso, ocupação e transformação do solo a favor do projecto, do
empreendimento tipo resort também se verificam nos Planos de Ordenamento
Turístico da Madeira e dos Açores, adiante designados POT, aprovados,
respectivamente, pelos D.L. Regionais n.º 17/2002/M, de 29.08.2002 e 38/2008/A,
de 10.08.2008.
O art.º 1º do POT da Madeira prevê um limite máximo de alojamento turístico até
ao ano de 2012, fixado em 35.000 camas na Madeira e 4000 camas em Porto Santo.
Tais camas são distribuídas por concelhos e áreas de vários concelhos
(curiosamente não se utiliza a definição legal de município), com grande
destaque para o Funchal com 23.000 camas.
No art.º 2º prevê-se que os empreendimentos, obras ou acções, não totalmente
conformes com o regime do Plano e que pelas suas características ou dimensão
sejam susceptíveis de induzir um significativo impacto social e económico,
podem, fundamentada e excepcionalmente, ser admitidos, assegurada a prossecução
dos seus objectivos, através de mecanismos de concertação de interesses
públicos, devendo a pretensão ser fundamentada e acompanhada de estudos sócio -
económicos e de avaliação de impacto ambiental, bem como das garantias do
respectivo financiamento.
São ainda admitidos empreendimentos turísticos com capacidade de camas superior
à das regras gerais, desde que associados a equipamentos ou infra-estruturas de
interesse regional e de utilização colectiva ou pública, nomeadamente, campos
de golfe, portos de recreio, complexos desportivos ou quando se tratem de
empreendimentos turísticos de tipo resort, que, pelas suas características
funcionais, oferta complementar de equipamentos, disponibilização de espaços
verdes e integração no local, qualifiquem e diversifiquem a oferta turística
nas zonas onde se implantem (art.º 11º).
Oresorté qualificado como estabelecimento hoteleiro constituído por diversos
edifícios, que disponham entre eles de espaços verdes, equipamentos e serviços
de recreio e lazer de uso comum, sujeito a uma mesma exploração (art.º 14º n.º
1).
É estabelecida uma preferência na apreciação e licenciamento dos resortsque
cumpram determinadas condições em matéria de localização, maior área de espaço
livre, maior capacidade de estacionamento privativo, superfície de piscinas e
disponibilização de equipamentos e soluções arquitectónicas e paisagísticas
adaptadas às zonas, proporcionando uma oferta complementar diversificada e
diferenciada (art.º 14º n.º 2).
A análise do regime jurídico do POT da Madeira constata a utilização frequente
de conceitos indeterminados (ex: significativo impacto social e económico-art.º
2º n.º 1, equipamentos ou infra-estruturas de interesse regional, integração no
local/qualificação e diversificação da oferta turística -art.º 11º alíneas a) e
b); oferta complementar diversificada e diferenciada da existente -art.º 14º
n.º 2 alínea e)).
A utilização destes conceitos está associada à derrogação, na óptica do
projecto específico, de regimes gerais do Plano, seja para ultrapassagem do
limite do número global de camas (art.º 2º n.º1), aumento da capacidade de
alojamento nos espaços qualificados pelo POT (art.º 11º), ou ainda para
preferência na apreciação e licenciamento dos hotéis tipo resort (art.º 14º n.º
2).
Os indicadores confirmam e complementam a leitura apresentada para o
ordenamento jurídico nacional de planeamento e ordenamento do território e da
história institucional do turismo, constatando-se no Plano a importância dada
ao sector do alojamento turístico, na afirmação da hotelaria de qualidade,
refundada no conceito de resorte do conjunto ou complexo turístico, como
susceptível de derrogar normas gerais de limite de camas, capacidade de
alojamento ou pedidos de licenciamento, o que demonstra eficiência de poder. O
peso da história e das instituições nacionais conta e conta muito também para o
turismo da Madeira.
O POT dos Açores foi aprovado recentemente pelo já referido D. Legislativo
Regional n.º 38/2008/A, de 11.08.2008. Identificado como Plano sectorial,
destina-se a orientar as decisões de intervenção do território, no âmbito de
actuação da Administração Pública (art.º1º n.º 2 e Anexo I, art.º 1º n.º1).
O normativo enquadra uma nova tipologia de alojamento turístico, o
empreendimento integrado, qualificado como conjunto de instalações turísticas
enquadradas num espaço demarcado, funcionalmente interdependentes e integrando
em simultâneo, pelo menos, um empreendimento de alojamento turístico, um
estabelecimento de restauração e bebidas e um equipamento de animação
turística. O mesmo é reconhecido pelo membro do Governo Regional competente em
matéria de turismo (art.º 5º).
Este conceito é bastante similar ao conceito nacional de conjunto turístico
(resort-art.º 15º n.º 1 do RJET). Todavia, no regime nacional obriga-se à
existência de dois empreendimentos turísticos, enquanto a norma açoriana
satisfaz-se com apenas 1 empreendimento de alojamento turístico.
Face às limitações constantes do art.º 78º do RJET, que admite adaptações do
seu regime às Regiões Autónomas decorrentes da estrutura própria da
administração regional autónoma, propende-se a considerar ilegal o conceito de
empreendimento integrado avançado pelo legislador açoriano. O mesmo deverá ser
adaptado em conformidade com o conceito nacional de conjunto turístico.
Ressalvada esta questão prévia, o art.º 6º n.º 1 do POT dos Açores, à
semelhança do POT da Madeira, institui um limite de capacidade de carga
turística medido por 15.500 camas, com números distribuídos pelas várias ilhas
até final de 2015, data de vigência do Plano (art.º 4º). Admite-se, todavia,
uma bolsa de 1551 camas como uma reserva destinada a fazer face a dinâmicas
insulares não previstas (art.º 6º n.º 2).
As bolsas poderão ser preenchidas por empreendimentos, obras ou acções que,
pelas suas características ou dimensão, apresentem um impacte positivo do ponto
de vista social e económico para a região como um todo ou para uma ilha ou
conjunto de ilhas, quando associados a equipamentos ou infra-estruturas de
interesse regional e utilização colectiva ou pública ou quando se tratem de
empreendimentos integrados que qualifiquem e diversifiquem a oferta turística
nas zonas em que se implantem (art.º 6º n.º 3 e 4).
Compulsada a análise do regime jurídico do POT dos Açores, face aos sistemas e
história institucional do turismo verifica-se, à semelhança do POT da Madeira,
a mesma aptidão para a utilização de conceitos indeterminados na derrogação de
regimes gerais.
Tal verifica-se, por exemplo, no já referido art.º 6º n.º 3 e n.º 4 para os
projectos associados a equipamentos ou infra-estruturas de interesse regional e
que apresentem um impacto positivo para a região, tendo em vista a obtenção do
número de camas estabelecidos nas bolsas de reserva das ilhas, técnica que é
repetida no art.º 11º n.º 2, desta feita, nos espaços rurais e outros não
diferenciados para a ultrapassagem em número de camas das percentagens
estabelecidas em relação a essas bolsas.
Constata-se, também, a importância dada ao sector do alojamento turístico, dos
empreendimentos turísticos de qualidade à escala do resort, aqui denominado
empreendimento integrado, permitindo a sua construção em espaços específicos de
vocação turística fora dos solos urbanos ou urbanizáveis (art.º 10º alínea b)
ou dispensando a sua associação a equipamentos ou infra-estruturas de interesse
regional para a obtenção das camas estabelecidas nas bolsas de reserva, desde
que qualifiquem e diversifiquem a oferta turística nas zonas onde se implantem
(art.º 6º n.º 4 alínea b).
Em suma, quer o POT da Madeira, quer o POT dos Açores, reflectem o peso da
história institucional da associação da hotelaria de qualidade ao poder,
refundida no conceito de resort a uma escala de projecto, conjunto ou complexo
turístico, à semelhança, por homologia, com o conceito do hotel-palácio no
Estado Novo, referido aquando da evolução histórica do alojamento turístico em
Portugal.
Esta situação, não deixando de constituir sistema e organização empresarial
eficiente de poder, é construída, todavia, com base em conceitos indeterminados
e normas excepcionais ou especiais derrogatórias de regimes gerais de
planeamento, uso, ocupação e transformação do solo que desvalorizam um
ordenamento jurídico sistemático, racionalizado e com espírito de unidade e
coerência, que se defende para o posicionamento do turismo no eixo dos
processos de planeamento e desenvolvimento.
Preferível é fazer incluir flexibilidade do alojamento turístico numa
especialização geográfica (ex: praia, montanha, rural) ou de produto (ex:
familiar, desportiva) ou integrar os complexos turísticos em unidades mais
amplas (aldeias recuperadas, estâncias termais, de montanha, parques temáticos)
do que criar, como o faz o RJET, osmoses de divisibilidade, permitindo no
mesmo edifício, estabelecimentos hoteleiros (de 1 a 5 estrelas? -art.º 12º n.º
3) ou associando ao turismo de natureza, unidades de alojamento (apartamentos
turísticos, hotéis-apartamentos - art.º 20º n.º 4), claramente vocacionadas
para uma utilização intensa de práticas e modos de vida urbanos.
A necessidade de inserção num espírito de sistema e a uma escala territorial
mais alargada são necessários em turismo, uma vez que o turista, como afirma
Moisset (1999: 113), passa de mão em mão, entre o sector público e o sector
privado: chega a um aeroporto que é público, vai visitar um museu, que pode ser
público ou privado, mas vai a um hotel ou restaurante ( ). Ao longo desta
cadeia, pouco lhe importa se o operador é público ou privado ou se passa de um
município para outro, pois a satisfação ou insatisfação global resulta de um
sentimento, experiência de conjunto.
Assim, da análise do RJET e dos POT dos Açores e Madeira, não se descortinam as
variáveis jurídicas de eficiência na integração do alojamento turístico num
planeamento territorial duradouro e com enquadramento sistemático (porquê, o
quê, onde, como, quando), que enquadre racionalmente, com espírito de unidade e
coerência, opções desse regime, antes se verificando uma intensa utilização de
variáveis de divisibilidade ligadas a regras especiais ou excepcionais
derrogatórias (qualidade de título) de regras gerais de licenciamento ou de
regime de uso, ocupação e transformação do solo.
Tal contradiz o princípio do desenvolvimento sustentável, que é incumbência
prioritária do Estado no âmbito económico e social (art.º 81º alínea a) da CRP)
e as recomendações da Organização Mundial de Turismo, de que Portugal é membro
desde 1976 (D.L. 519/76, de 21.07.1976), pelas quais se deve inserir (entenda-
se, integrar) a planificação e ordenamento turístico na planificação geral do
desenvolvimento (n.º 3 alínea b) da Carta do Turismo e Código do Turista,
aprovado pela Assembleia Geral em Setembro de 1985).
A não se fazer assim, cria-se um péssimo sinal e enquadramento para o papel do
turismo no desenvolvimento da sociedade, ao se configurar um sinal
institucional de que os resortsservem para instalar turistas ou residentes
possidentes, em espaços delimitados e fechados, com regras criadas ou
permitidas à margem de normas gerais de planeamento e ordenamento do
território.
5. CONCLUSÃO
As conclusões finais do artigo são as seguintes:
A história institucional do alojamento turístico português revela uma
preferência pela associação da hotelaria de qualidade (refundada no conceito de
resort) ao poder, evoluindo para organizações empresariais mais abrangentes,
através da figura dos conjuntos turísticos.
O Turismo é um sistema complexo que envolve várias dimensões, o que obriga os
prestadores de serviços, onde se inclui o alojamento turístico, a se moverem em
organizações, segundo um princípio de eficiência, com uma forte sensibilidade
custo-benefício, retirando o máximo aproveitamento desse sistema, também,
segundo um princípio de apropriabilidade.
A evolução histórica portuguesa demonstra que o alojamento turístico procurou
sempre apropriabilidade ao meio ambiente envolvente, através de variáveis
normativas de eficiência, de natureza jurídico-económica, tais como a qualidade
de título, flexibilidade e divisibilidade.
A qualidade de título projecta-se, designadamente, nos benefícios fiscais e
financeiros concedidos, na figura da utilidade turística ou no projecto
turístico de potencial interesse nacional; a flexibilidade na utilização de
conceitos indeterminados para salvaguardar a utilização de imóveis com valor
cultural para fins turísticos e capacidade de adaptação à mudança; a
divisibilidade, na possibilidade do próprio alojamento turístico ser
fraccionado em parte, designadamente, para ocupação pelos seus proprietários e/
ou venda imobiliária.
Tais variáveis continuam presentes, em traços gerais, no actual regime jurídico
dos empreendimentos turísticos, confirmando-se a importância da perspectiva da
Economia Institucional na compreensão dos sistemas de turismo e da evolução do
Direito.
Existe défice de inserção do regime do alojamento turístico em regras gerais de
planeamento turístico e de ordenamento do território ou em sistemas e
organizações de turismo territoriais, o que constitui, também, défice de
eficiência organizacional no desenvolvimento dos sistemas de turismo a escalas
territoriais mais alargadas (sub-regionais ou regionais) com integração ou,
pelo menos, coordenação entre planeamento turístico e ordenamento do
território, com incumprimento do princípio constitucional do desenvolvimento
sustentável.
Os Planos de Ordenamento Turístico da Madeira e dos Açores utilizam largamente
conceitos indeterminados para permitir derrogações das normas gerais do Plano a
favor de empreendimentos, obras ou acções em contextos locais contratualizados,
reflectindo assim, as insuficiências de sistema apontadas na alínea anterior e
o peso da história institucional do turismo favorável ao alojamento turístico
de resort.
O alojamento turístico nacional deve evoluir para formas de integração
territorial (praias, termas, montanhas), com regimes flexíveis e adaptáveis às
suas especificidades e coordenação com os instrumentos de gestão territorial,
de forma a integrar-se num ordenamento turístico sistematizado, com espírito de
unidade e coerência e não obter eficiência e poder em regimes especiais ou
excepcionais, o que é próprio da regulação jurídica do resortem Portugal,
derrogatórios de regras gerais de planeamento e ordenamento.