Estratégias de estudo de alunos dos 5º e 7º anos e resultados em ciências
Science learning; Learning strategies for science
Strategies d’étude des élèves du 5éme et du 7éme et resultats en sciences
Résumé
Cette article fait partie d’un étude principal qui a eu comme première objectif
celui de constater si le visionnement de documentaires scientifiques (éducation
informelle) a ou non un rôle dans l’apprentissage des Sciences, en comparaison
avec le procès d’apprentissage des Sciences en cours (éducation formelle). Avec
cet objectif et dans une perspective sociologique, on a analysé l’apprentissage
des élèves dans les deux contextes (télévision et classe), en contrôlant
facteurs sociologiques importantes tels que la famille, le sexe, l’âge et la
motivation à l’apprentissage des Sciences. Cette étude a été fondée
principalement sur le modèle théorique de Bourdieu et Passeron (s. d.). Dans
cette étude, on a analysé un des axes de la problématique principal. Ici, nous
avons étudié les stratégies d’étude des élèves vers l’apprentissage des
Sciences, constituées par les temps qu’ils affectent aux deux principales
sources d’information, lesquelles l´étude voulait comparer (visionnement
télévisée et apprentissage en cours), complémentairement a l’éventuel
utilisation chez-soi d’autres sources didactiques (films et vidéos ou livres et
revues scientifiques). Méthodologiquement on a travaillé avec une population de
340 élèves du 5éme et 311 élèves du 7éme dans les quatre écoles de Olhão,
Portugal.
Mots-clé
Apprentissage de la Science; stratégies d’études pour la Science
Introdução
Este estudo é parte integrante de uma investigação maior (Dias, 2004), onde
procurámos comparar, do ponto de vista da aprendizagem dos alunos de ciências,
duas formas diferentes de veicular informação: documentários científicos sobre
a natureza, emitidos televisivamente (tais como o BBC Vida Selvagem, o National
Geographic, etc., do âmbito da educação informal) e a aprendizagem em sala de
aula com um professor (educação formal). Por as unidades temáticas abordadas
nestas duas fontes de informação ora referidas apenas serem iguais para os 5º e
7º anos do Ensino Básico, foram esses os dois anos que constaram do nosso
estudo.
Numa altura em que a televisão capta de forma avassaladora muitos dos nossos
jovens logo desde os primeiros anos de idade (Abelman, 1999; Alexander, 2001;
Barroso, Pla, Ferrer & Mazana, 1996; Benavente, 1989; Blurton, 2000;
Calvert, 1999; Carneiro, 1994; Dodd, 2000; Ferrés, 1996a, 1996b; Lazar, 1992;
Pinto, 2000; Seixas, 1997; UNESCO, 1998), não raramente para programas
mediocrizantes (Popper & Condry, 1995; Baudrillard, 1991; Morin, 1998;
Bourdieu, 1997; etc.), procurámos neste estudo perscrutar o outro lado da
questão, onde a força socializadora televisiva fosse usada em programas de
excelência científica, como os que acima mencionámos. Para dar prossecução a
este desiderato, iremos procurar identificar os tempos que os alunos disseram
dedicar em casa ao visionamento desses documentários científicos, bem como o
tempo de estudo formal para a disciplina de ciências. Complementarmente,
analisaremos também a utilização em casa de certos recursos didácticos para
ciências, tais como filmes e vídeos ou livros e revistas, cuja conjugação
permite identificar a estratégia de estudo para a disciplina de ciências em
termos das fontes de informação usadas para esse fim. A inclusão deste tipo de
recursos decorre da circunstância de que o próprio visionamento televisivo pode
ser visto como um outro recurso informativo em casa, o qual, dada a sua grande
ubiquidade, pode eventualmente compensar os alunos com poucos recursos
didácticos em casa.
Neste processo, dado que muito daquilo que os alunos fazem decorre do seu
contexto familiar de origem, procuraremos verificar a influência (se alguma)
que a família desempenha no âmbito da estruturação das referidas estratégias de
estudo dos alunos. Esta abordagem será complementada, por um lado, com a
medição da influência da idade dos alunos na respectiva estratégia de estudo e,
por outro, na medição e procura de eventuais motivações desiguais dos alunos
para ciências em função do género, com possíveis consequências nas referidas
estratégias de estudo.
Teoricamente, para além das análises estrutural-deterministas já referidas
(Bourdieu, 1980, 1987; Bourdieu & Passeron, s. d.), este estudo
consubstancia-se nas teorias psicológicas de Reboul (1991) em termos do próprio
conceito de aprendizagem adoptado, em Ausubel (Moreira & Buchweitz, 1993)
no que respeita ao processamento dessa mesma aprendizagem e, concomitantemente,
em Novak & Gowin (1996), em torno da importante noção teórica de mapa
conceptual. A conceptualização da aprendizagem no campo das ciências, através
da qual aferimos os níveis de aprendizagem alcançados pelos alunos, decorreu de
Glynn, Yeany & Britton (1991), de Lunetta (1991) e de Champagne & Bunce
(1991).
Problemática
O tema central deste estudo é a comparação de dois processos diferentes de
construção de conhecimento para ciências, a aprendizagem formal decorrente do
contexto de sala de aula (ligada ao uso do manual escolar e dos apontamentos),
e a aprendizagem informal feita através do visionamento de documentários
científicos sobre a natureza. Face a este desiderato, serão avaliados e
comparados os resultados conseguidos pelos grupos de alunos que disseram
recorrer, no seu estudo, ao uso do manual escolar e dos apontamentos, por um
lado; face aos que disseram basear-se no visionamento televisivo, por outro,
usando essas duas fontes de informação de forma exclusiva ou combinada. Nesse
âmbito, porque constituem também outras fontes de informação com eventual valor
didáctico-heurístico para a aprendizagem das ciências, serão ainda integrados e
comparados os níveis de aprendizagem conseguidos pela utilização em casa de
filmes e vídeos ou livros e revistas científicos, também eles usados de forma
isolada ou combinada com as outras duas fontes de informação ora referidas.
Nessa análise, tendo em conta aquilo que são os grandes contributos teóricos
que têm sido desenvolvidos sobre este tema, colocam-se algumas questões de
base.
Podendo o contexto familiar condicionar muito do que são as aprendizagens dos
alunos, em que medida, ou até que ponto, esse contexto poderá igualmente
interferir no conjunto dos processos de aprendizagem formal e informal antes
referidos?
De igual modo, e em função da natureza própria do acto de aprender, em que
medida a idade, o género e os níveis motivacionais dos alunos poderão
interferir nesse mesmo conjunto de aprendizagens comparadas?
Fundamentação teórica
O contexto familiar tem sido apontado como um dos meios de socialização que
mais fortemente condiciona o desenvolvimento social das crianças, nomeadamente
tendo em conta as suas aprendizagens autónomas. Na verdade, cada família
desenvolve e faculta um determinado habitus. Este integra uma gramática das
práticas dos agentes com um elevado nível de estruturação e que, por ser
estruturado, transfigura-se em estruturante, na medida em que as regras e
procedimentos nele integradas serão progressivamente interiorizadas pelos mais
novos que, no decurso da acção social, tenderão a actualizá-las, dando origem a
um certo nível de reprodutibilidade social (Bourdieu & Passeron, s. d.).
Este processo, contudo, não é unilinear, o que deixaria os agentes sem qualquer
margem de autonomia. De facto, segundo as perspectivas construtivistas mais
actuais, a reprodutibilidade referida será sempre contingente em relação à
idiossincrasia dos agentes, porque os elementos estruturantes referidos serão
interiorizados caracteristicamente, determinando que os níveis de
reprodutibilidade variarão segundo eles. Não obstante, ainda assim, essa
variabilidade não é total, como em muito pretendem fazer crer certas correntes
de pendor fenomenológico, uma vez que ela fica condicionada aos elementos
enformadores estruturais, porque muito daquilo que é a "autonomia
idiossincrática" dos agentes é, também, construída através desses
elementos estruturantes não sendo, por isso, destrinçáveis os dois níveis de
análise (Berger & Luckmann, 1987). Para exercer uma acção estruturante tão
avassaladora o habitus de cada família resulta da conjugação particular de
determinados elementos estruturados que, pela sua força decisiva, adstrita,
caso a caso a um determinado arbitrário cultural, conduzem à criação de formas
particulares de concepção do mundo e, posteriormente, de acção (Bourdieu, 1987;
Bourdieu & Passeron, s. d.). Assim, desde a codificação linguística
socializada familiarmente (Bernstein, 1985), ao capital cultural familiarmente
facultado — que pode, por sua vez, determinar que algumas crianças possuam,
desde logo, um mapa conceptual mais rico do que outras (Novak & Gowin,
1996) onde podem, por consequência, mais facilmente alicerçar aprendizagens
significativas sobre esses conceitos subsunçores (Moreira & Buchweitz,
1993) —, passando pela disponibilização diferencial de recursos didácticos,
cada família constitui, portanto, um contexto único (embora com proximidades
tendenciais para as famílias da mesma classe) no âmbito do qual se processará o
desenvolvimento de cada criança e, nomeadamente, onde será desenvolvido o seu
processo de aprendizagem, como já tínhamos referido.
Neste âmbito, a diferencial disponibilização de recursos referida e a
influência familiar para o estudo interessam-nos particularmente porque, por um
lado, uma qualquer estratégia de estudo dos alunos fundamenta-se e
consubstancia-se na utilização de determinados recursos, desde logo livros e
revistas ou filmes e vídeos e, por outro, porque a influência familiar para o
estudo (parte integrante do habitus familiar) pode orientá-los diferencialmente
em termos do tipo de estratégia desenvolvida. Ao mesmo tempo, o próprio
visionamento de documentários científicos sobre a natureza (como o National
Geographic, o BBC Vida Selvagem, etc.) pode ser considerado um recurso e, uma
vez que mesmo nos meios mais pobres a presença da televisão é ubíqua, então ela
pode constituir um dos recursos didácticos mais democráticos (Blurton, 2000;
Lazar, 1988; Pinto, 2000), podendo, para as crianças mais desfavorecidas que a
usam, constituir um recurso alternativo aos vídeos e filmes sobre ciências
existentes em casa dos seus colegas mais favorecidos. Assim se percebe até que
ponto a estratégia de estudo dos alunos para ciências, podendo parecer decorrer
exclusivamente dos seus dados idiossincráticos, nomeadamente, da sua motivação
para essa disciplina, não pode, ainda assim, ser desligada do habitus familiar,
porque muito do que são esses dados idiossincráticos foram, por sua vez,
construídos no contexto da família.
Concomitantemente, há estudos que atestam que as crianças mais velhas conseguem
processar melhor a informação televisionada, beneficiando mais desse
visionamento (Gunter, Furnham & Griffiths, 2000), o que poderá constituir
um incentivo dos mais velhos comparativamente aos mais novos para incluir nas
respectivas estratégias de estudo o visionamento dos documentários científicos
enquanto fonte de informação para ciências. Paralelamente, o género pode
assumir um duplo efeito de condicionamento no âmbito das referidas estratégias
de estudo, cuja análise nos detém: por um lado, alguns autores verificaram que
as alunas tendem a desempenhar melhor o "ofício de aluno" do que os
seus colegas do género masculino (Felouzis, 1997) o que, entre outros aspectos,
pode significar dissemelhanças na estratégia de estudo dos dois géneros; por
outro, existe evidência empírica que atesta que os rapazes e as raparigas são
diferencialmente motivados para as ciências no âmbito dos contextos de
socialização, o que tende a orientar os primeiros para as ciências e as
segundas para as letras (Calvert, 1999), o que, mais uma vez, pode ter reflexos
em termos do maior ou menor recurso ao visionamento de documentários
científicos enquanto parte integrante das fontes de informação para ciências.
Metodologia
Amostra
Construímos, de forma a dar prossecução ao nosso estudo, uma amostra
representativa dos alunos do Concelho de Olhão, Distrito de Faro. Para começar,
fizemos questão de incluir as quatro escolas do Concelho, por existir uma
elevada heterogeneidade entre elas, o que implicou que as integrássemos a
todas, de forma a evitarmos perder algum do particularismo desse universo.
Posteriormente, foram seleccionados 12 professores para o primeiro ano de
observação, sendo metade do 5º e a outra metade do 7º ano. A tiragem destes
professores foi feita aleatoriamente. De cada um desses professores retirámos,
também aleatoriamente, uma turma para acompanhar ao longo do ano lectivo. No
segundo ano de observação, voltámos a fazer uma nova tiragem aleatória de 12
professores e de turmas, segundo o critério que utilizáramos no ano anterior e
já descrito. Desta forma, no conjunto dos dois anos, trabalhámos com uma
amostra de 651 alunos, sendo 340 do 5º ano (52.6% do género masculino e 47.4%
do género feminino) e 311 do 7º (52.4% do género masculino e 47.6% do género
feminino).
A distribuição de frequências relativas aos níveis de escolaridade do pai foi a
seguinte: 1º ciclo 62.5% para o 5º ano (51.9% para o 7º ano); 2º Ciclo 10.1%
para o 5º ano (11.3% para o 7º ano); 3º Ciclo 9.3% para o 5º ano (14.2% para o
7º ano); Secundário 6.7% para o 5º ano (15% para o 7º ano); Ensino Médio 6.7%
para o 5º ano (5.2% para o 7º ano); Licenciatura e mais 4.6% para o 5º ano
(2.4% para o 7º ano).
Plano de Observação
Em termos da construção do Plano de Observação, de forma a evitarmos ir para o
terreno com instrumentos previamente construídos que, com grande probabilidade,
condicionariam as nossas observações (Delamont & Hamilton, 1984;
Hammersley, 1986, 1996; Shulman, 1989; Woods, 1986, etc.), desenvolvemos um
processo de observação directa (Almeida & Pinto, 1994) de tipo naturalista
(Estrela, 1995), que utilizámos durante o primeiro ano de observação das aulas
de cada professor seleccionado. Esta informação foi sendo registada num diário
de campo (Albarello, Digneffe, Hiernaux, Maroy, Ruquoy & Saint-Georges,
1997). No segundo ano de investigação, uma vez que este procedimento anterior
nos permitiu isolar as categorias mais relevantes a observar, partimos para a
observação dessas mesmas aulas mediante a utilização de uma grelha categorial
do professor (que, decorrendo, como se disse, da nossa observação prévia, foi
posteriormente adaptada de duas fontes principais: Estrela & Estrela, 1978;
Postic, 1990), complementada com uma grelha de sinais
1
(baseada em Estrela, 1995) para medir a quantidade e a qualidade da informação
veiculada pelo professor e pelos alunos.
Para a obtenção da informação respeitante a este artigo em particular,
construímos e aplicámos aos alunos dois questionários semi-estruturados
(Ghiglione & Matalon, 1997) de forma a identificarmos, pelas suas
respostas, o tipo de estudo que os alunos faziam para ciências, o gosto pela
disciplina e outras variáveis referentes à sua caracterização sócio-
demográfica.
Ao mesmo tempo, de forma a podermos avaliar a aprendizagem escrita dos alunos,
aplicámos-lhes, no contexto de sala de aula, avaliações uniformes de
conhecimentos (A1, A2 e A3), de forma a podermos comparar, com um mesmo
instrumento, o desempenho dos diferentes alunos dos diversos professores. A
medição do desempenho verbal dos alunos foi feita mediante a aplicação da já
referida grelha de sinais, tendente a medir comunicações verbais (adaptada de
Estrela, 1995).
A comparação da eficácia de estudo dos diferentes alunos em termos dos seus
resultados em ciências foi a seguinte: os alunos foram agrupados por grupos, em
termos da informação que disseram ter usado para responder às nossas
avaliações: a) só aulas; b) aulas e visionamento televisivo; c) só visionamento
televisivo; d) utilização de recursos didácticos em casa.
Cronologia
O estudo decorreu entre 25/10/1996 e 07/06/1998.
Tratamento da informação recolhida
No que se refere ao tratamento da informação, em termos do estudo maior donde
retirámos este artigo, construímos um modelo causal, consubstanciado nas
hipóteses que desenvolvemos, tendo como variáveis dependentes a aprendizagem
dos alunos (medida nas avaliações escritas, o que deu origem a NNOTA1, NNOTA2 e
NNOTA3 e na oralidade, com as variáveis IGO e PPART) e como variáveis
independentes a escolaridade do pai (N471), a influência familiar para o
visionamento de documentários científicos (N3), a posse de recursos didácticos
em casa (filmes e vídeos (N4), por um lado e livros e revistas (N5), por
outro), a profissão do pai (APRO)
2
, a utilização no estudo dos recursos N4 e/ou N5 detidos (N7), o gosto por
ciências (N8), o tempo de visionamento dos documentários científicos (TEMPO), o
tempo de estudo formal para ciências (TRAB), a preferência que os alunos
disseram ter entre a abordagem pedagógica das aulas e a do visionamento (PREF),
o tipo de teste que os alunos fizeram (Tipo A1 e Tipo A2), a fonte de
informação na qual os alunos disseram ter-se baseado para responder às nossas
avaliações A1, A2 e A3 (FONTIN), o tipo de professor (P), o género (N45) e, por
fim, a idade dos alunos (N46).
Pela sua natureza, algumas destas variáveis merecem um esclarecimento adicional
em termos da sua construção e/ou significado.
Em primeiro lugar, cabe referir que usámos a variável nível de escolaridade do
pai para medir a classe social dos alunos. Urge salientar que a profissão do
pai (APRO) seria uma outra variável relevante a ter em conta na determinação da
classe social de cada aluno. No entanto, como obtivemos entre ela e a
escolaridade do pai uma elevada correlação (*=0.82), assumimos esta última
variável como agregando o essencial das relações que estabeleceríamos com a
profissão do pai.
Para medirmos o tempo de visionamento dos documentários científicos que os
alunos disseram ter feito em suas casas (TEMPO), agregámos as categorias das
seguintes perguntas: 1 - Costumas ver o BBC Vida Selvagem?; 2 - Costumas ver
outros do mesmo género (National Geographic, 100 % Natural, África Selvagem,
etc.)? Tratavam-se de perguntas previamente codificadas, com quatro
possibilidades de escolha: 'Nunca', 'Quase Nunca', 'Quase Sempre' e 'Sempre'.
Através dessa agregação constituímos uma única variável TEMPO, para tal tendo
procedido do seguinte modo: a) determinámos o tempo de duração de cada um dos
programas em estudo. A duração média de todos esses programas era de 50 minutos
(BBC, National Geographic e 100% Natural); b) verificámos que os dois primeiros
(National Geographic e o BBC) eram transmitidos apenas uma vez por semana, ao
Sábado e ao Domingo, respectivamente, o que produziu 4 transmissões por mês.
Por seu lado, o 100% Natural era transmitido de 2ª a 6ª Feira, 5 vezes por
semana e, consequentemente, 20 por mês; c) aplicámos aos dois primeiros
programas um coeficiente de visionamento 1, dado que nada levava a crer que os
alunos não assistissem à sua transmissão até ao fim. Já no que se refere ao
100% Natural, aplicámos um coeficiente de 0.(3), dado que o horário das aulas e
os próprios testemunhos dos alunos nos levaram a crer que, mesmo os mais
assíduos, nunca teriam conseguido ver mais do que 1/3 desses programas devido à
hora a que chegavam a suas casas; d) por forma a constituir um índice de
visionamento e, dado que cada uma das variáveis referidas previa uma escolha
múltipla de vejo 'Nunca', 'Quase Nunca', 'Quase Sempre' e 'Sempre', atribuímos
à 1ª categoria referida o valor 0, à segunda o valor 1/4, à terceira o valor 3/
4 e à quarta o valor 1; e) com base em todos os procedimentos anteriores
construímos uma variável de intervalo (vários autores consideram este tipo de
escalas ordinais como sendo intervalares): para cada aluno a posteriori foi o
tempo de visionamento do(s) documentário(s) que vê, multiplicado por 4 ou por
20 (conforme os casos e seguindo o critério definido na alínea b), pelo
coeficiente de visionamento (1 ou 1/3) e pelas categorias das variáveis
iniciais: 0, 1/4, 3/4 ou 1. Assim, por exemplo, um aluno que tivesse respondido
que tinha visto 'Quase Sempre' o National Geographic teria tido como tempo de
visionamento: 50_4_1_0.75=150 (minutos mensais). Tivemos de proceder deste modo
por ser muito difícil colocar os alunos a fazerem estas contas e determinarem
eles qual o tempo efectivo de visionamento mensal.
Paralelamente, para construirmos a variável referente ao tempo de estudo formal
para ciências (TRAB), agregámos as respostas das perguntas Quanto tempo diário
costumas estudar ciências (pelo manual escolar e pelos apontamentos das
aulas)?; Quanto tempo costumas estudar ciências (pelo manual escolar e pelos
apontamentos das aulas)? A primeira destinada aos alunos que disseram estudar
todos os dias para ciências e a segunda para os que disseram que não o faziam
com essa regularidade, numa única variável TRAB, medida em minutos, com os
valores intervalares 0-20, 20-40, 40-60, 60-80, 80-100, 100-200 e 200 e+.
Como já dissemos, os alunos integrantes da nossa amostra foram avaliados na
escrita através de três avaliações uniformes de conhecimentos (A1, A2 e A3),
cujas notas foram, respectivamente, NNOTA1, 2 e 3. Por sua vez, na oralidade, a
qualidade e a quantidade das suas comunicações verbais foram medidas
sistematicamente dando origem, respectivamente, ao Índice Geral de Observação
de Informação transmitida pelos alunos (IGO) e à Percentagem de Aulas por nós
Assistidas em que os Alunos Participaram (PPART).
Comecemos por ver, brevemente, a construção do Índice Geral de Observação de
Informação transmitida pelos alunos (IGO). Numa planta de sala de aula, tal
como sugerido por Estrela (1995), fomos registando, para cada aluno, a
totalidade das suas comunicações verbais, relacionadas com a matéria
(programáticas), ou não, utilizando, para tanto, os diversos sinais da Grelha
de Sinais proposta por Estrela (op. cit.) ou por nós criados especificamente
para esse fim. Aqui cabe referir brevemente que os sinais criados por esse
autor não permitiam separar, entre os diferentes tipos de comunicações
(perguntas, respostas, exposições/explicações espontâneas, etc.), quais eram de
natureza programática (ou seja, que se referiam a conhecimentos/
"matéria") e quais eram de natureza diferente. Por exemplo: O aluno
faz uma pergunta sobre o regime alimentar de um animal, ou dá espontaneamente
uma explicação sobre o revestimento de um insecto (carácter programático); um
outro aluno pergunta em que dia é a Páscoa, ou explica, por solicitação do
professor, por que motivo um colega está a faltar às aulas (carácter não
programático). Assim, tivemos que criar sinais específicos para medir cada um
dos tipos possíveis de comunicações programáticas em sala de aula, para poder
posteriormente avaliar o desempenho de cada aluno e também do professor
(situação que não analisaremos aqui).
Além de termos tido na construção de cada um desses sinais a preocupação em
indicar o nível de correcção da prestação do aluno (fosse ela uma pergunta, uma
resposta a uma pergunta do professor, uma exposição/explicação a pedido do
professor ou uma exposição/explicação espontânea), isto é, se era parcialmente
certa, certa ou errada, procurámos, igualmente, identificar se o tipo de
comunicação iria para além das explicações previstas no Manual Escolar,
complementando-as (situação indicada como sendo supra-programática ou com
acrescento), por nos interessar medir o valor dos contributos em função das
fontes utilizadas pelos alunos ou se, pelo contrário, estava ao nível do
Manual. No primeiro caso, seria considerada supra programática e no segundo
programática. Por vezes, no final da aula, tivemos de recorrer ao auxílio do
professor para lhe mostrar esses registos e perceber em que categoria
deveríamos incluí-los. Exemplifiquemos. Numa determinada aula, um aluno fez
quatro perguntas, sendo três certas (uma com acrescento, ou supra programática,
e duas sem acrescento) e outra errada; apresentou espontaneamente (sem ser
solicitado pelo professor para fazê-lo) uma exposição/explicação certa com
acrescento (ou supra programática) sobre a matéria; fez três exposições/
explicações à turma (por solicitação do professor), uma certa com acrescento,
outra parcialmente certa sem acrescento e outra errada. E, por fim, deu duas
respostas a perguntas do professor, uma parcialmente certa com acrescento, a
outra certa sem acrescento. Então, através dos respectivos pesos expressamente
previstos na Grelha de Sinais já referida
3
, esse aluno terá participado nessa aula com um valor de participação verbal
de:
IGO=1x2+2x1+1x0+1x4+1x4+1x1+1x0+1x2+1x3=18
Por sua vez, para a determinação de PPART fomos ver em quantas das aulas por
nós assistidas (seis para cada turma do 5º ano e cinco para cada turma do 7º) o
aluno participou. Dividimos esse valor pelo número de aulas assistidas e
multiplicámos por 100. Assim, por exemplo para o 5º ano, em que assistimos a
seis aulas, se o aluno tivesse participado numa única aula, a sua percentagem
de participação teria sido 1/6=0,66(6)x100=16.(6) ->17%. Neste caso, não nos
interessou o valor da participação por aula, pois por cada aula em que
interveio contou, invariavelmente, 1. Imaginemos uma situação esclarecedora: um
aluno pode ter participado em todas as aulas (seis no 5º e cinco no 7º ano), ou
seja, teve uma percentagem máxima de participações: PPART=100% (6/6x100 no 5º
ano e 5/5x100 no 7º ano). No entanto, se, no cômputo geral, não conseguiu
produzir nenhuma comunicação informativa válida (deu respostas erradas, fez
perguntas descontextualizadas, etc.), então ele terá tido um total
comunicacional informativo mínimo (IGO=0). Mediante PPART pretendemos ver a
constância participativa ao longo do conjunto das aulas assistidas. Por sua
vez, para medir a qualidade e a quantidade dessas participações criámos o
Índice Geral de Observação da informação transmitida pelos alunos (IGO). Por
fim, cabe salientar que IGO apresentou, para o 5º ano, valores entre 0 e 72
unidades inclusive. Por sua vez, para o 7º ano, esta variável IGO apresentou
uma amplitude de valores compreendidos entre 0 e 70 inclusive. Ou seja, o
intervalo de variação foi praticamente o mesmo. (Para uma análise exaustiva
sobre a construção destas duas variáveis, veja-se Dias, 2004).
Posteriormente, aplicámos um teste F, entre as variáveis de intervalo, para
comparar a variância existente dentro de cada grupo com a variância entre
grupos, no que concerne aos resultados (Bryman & Cramer, 1996). Procedemos
de igual modo, para medir as associações entre as variáveis nominais e ordinais
através da aplicação de modelos loglineares. Através destes dois procedimentos
estatísticos, modelos loglineares e análise da variância, pudemos determinar as
variáveis com relações estatisticamente significativas entre si. As restantes
ficaram representadas nos diagramas causais, mas sem ligações lineares,
obviamente (Tipo A1, Tipo A2, PREF e N46).
Finalmente, desenvolvemos um estudo modelar de path analysis (Bravo, 1986;
Bryman & Cramer, 1996) para determinar, mais concretamente, o peso de cada
variável na aprendizagem (verbal e escrita) e para orientar com mais precisão o
tipo de modelo causal válido entre as nossas variáveis em estudo. Neste tipo de
análise, trabalhámos com coeficientes de regressão estandardizados ou
coeficientes beta (ß), que nos indicam os efeitos directos (causalidade) das
variáveis entre si, e com os coeficientes de determinação múltipla (R2), que
nos permitem compreender a percentagem de variação de cada variável dependente
que é devida ao modelo (Bryman & Cramer, 1996: 296).
Análise de dados
Tempo de estudo, Tempo de visionamento e utilização em casa dos recursos
didácticos disponíveis
Através dos nossos dois modelos causais
4
conseguimos explicar, em média, cerca de 70% das variações observadas nas
variáveis respeitantes ao desempenho escrito dos alunos
5
tendo, por isso, conseguido localizar-nos próximo da clausura do sistema. Já
para a prestação verbal dos alunos esse valor foi bastante menor
6
. Neste caso, os nossos dois modelos localizaram-se longe da clausura do
sistema, admitindo-se, por isso, que outras variáveis que não considerámos
fossem igualmente relevantes para explicar o desempenho verbal dos alunos.
Paralelamente, em ambos os modelos, a tolerância entre as variáveis apresentou
valores elevados, pelo que pudemos excluir a hipótese de verificar-se
multicolinearidade entre elas.
a) Tempo de estudo e resultados em ciências
Quer para o 5º quer para o 7º ano, a variável que mais se destacou em termos
dos resultados dos alunos foi o tempo que estes dedicaram ao estudo formal
através do uso do manual escolar e dos apontamentos das aulas (TRAB). Para o 5º
ano, esta variável definiu com os resultados escritos dos alunos, NNOTA1,
NNOTA2 e NNOTA3, um efeito directo, respectivamente, de ß=0.43, p<0.00005
(ß=0.58, p<0.00005 para o 7º ano), ß=0.36, p<0.00005 (ß=0.52, p<0.00005 para o
7º ano) e ß=0.33, p<0.00005 (ß=0.35, p<0.00005 para o 7º ano). Mormente, para o
5º ano, o tempo de estudo (TRAB) estabeleceu com a quantidade e a qualidade da
informação transmitida pelos alunos em sala de aula (IGO) um efeito directo
ß=0.23, p<0.05 (ß=0.26, p<0.05 para o 7º ano). Para o 5º ano, contudo, essa
variável não estabeleceu qualquer efeito directo com a percentagem de
participações dos alunos nas aulas assistidas (ß=0)
7
; já para o 7º ano, o referido efeito directo foi de ß=0.34, p<0.0005.
b) Tempo de visionamento e resultados em ciências
Quanto ao impacto do tempo de visionamento de documentários científicos sobre a
natureza (TEMPO), variável cuja importância o estudo pretendia comparar face às
aulas, ele descreve padrões diferentes de influência no aproveitamento dos
alunos, consoante nos referimos ao 5º ou ao 7º ano. Vejamos: a) para o 5º ano,
definem-se efeitos directos e indirectos — via a variável Fonte de Informação
(FONTIN) e via uma relação de tipo não recursivo com a variável tempo de estudo
(TRAB) — da variável tempo de visionamento (TEMPO) nos resultados escritos dos
alunos (com excepção de NNOTA2 em relação à qual o tempo de visionamento não
apresentou efeito directo). Os valores desses efeitos directos foram,
respectivamente, para NNOTA1 e NNOTA3, ß=0.18, p<0.01 e ß=0.17, p<0.01.
Paralelamente, verifica-se um efeito indirecto do tempo de visionamento (TEMPO)
através da fonte de informação que os alunos disseram ter usado para responder
às três provas de avaliação escrita que lhes passámos: A1, A2 e A3 (FONTIN).
Esse efeito nas três notas obtidas nessas avaliações escritas (NNOTA1, NNOTA2 e
NNOTA3) foi, respectivamente, de 0.0096
8
, 0.0672 e 0.0432. Desta forma, o efeito total nos resultados escritos dos
alunos (soma do efeito directo com os efeitos indirectos resultantes de
relações recursivas, calculáveis, portanto) é, respectivamente, de 0.1896,
0.0672 e 0.2132.
Os dados indicam — e era previsível — que a fonte de informação na qual os
alunos disseram ter-se baseado para responder às nossas três avaliações
(FONTIN) está ligada à variável TEMPO. De facto, foram tendencialmente os
alunos que disseram dedicar mais tempo ao visionamento dos documentários
científicos sobre a natureza os que afirmaram que, para responder às nossas
três avaliações, se basearam neles e nas aulas ou somente neles. Mas, então,
como entender que relativamente a NNOTA1 e NNOTA3 a relação entre TEMPO e estas
variáveis permaneça significativa, mesmo controlando FONTIN? Pensamos que os
alunos nem sempre têm consciência do verdadeiro impacto do seu visionamento.
Vêem os documentários científicos em análise essencialmente por uma razão
lúdica e não se apercebem do impacto que esse visionamento tem na sua
aprendizagem. Ao responderem aos testes, não obstante utilizarem exemplos e
explicações extraídas desses programas, atribuem-nas exclusivamente às aulas e,
por esse facto, FONTIN não coincide com TEMPO. Os dados disponíveis apontam
neste sentido. De facto, a maioria dos alunos que disseram ver frequentemente,
mas apenas por razões lúdicas, ao serem questionados sobre a fonte informativa
na qual se basearam para responderem às perguntas do teste afirmaram ser
exclusivamente as aulas. Curiosamente, os seus testes evidenciavam inúmeros
exemplos que não tinham sido dados aí, antes na Televisão, e eles, por verem
por razões lúdicas, não tinham disso consciência, questão que detalharemos
melhor adiante.
Por sua vez, a relação entre TEMPO e NNOTA 1, 2 ou 3 é uma relação moderada
pela variável FONTIN
9
. Na verdade, o impacto da variável tempo de visionamento (TEMPO) nos
resultados dos alunos não foi o mesmo segundo duas das categorias de resposta
da variável fonte de informação na qual os alunos disseram ter-se baseado para
responder às nossas três avaliações escritas, A1, A2 e A3 (FONTIN). De facto,
foram os alunos que disseram usar em simultâneo o visionamento televisivo e o
estudo formal para ciências (TRAB) os que conseguiram resultados mais elevados,
superiorizando-se claramente aos que disseram apenas basear-se na informação
das aulas (manual e apontamentos); pelo contrário, os alunos que afirmaram ter-
se baseado somente no visionamento de documentários científicos obtiveram
resultados muito baixos. A relação do tempo de visionamento (TEMPO) nos
resultados dos alunos (NNOTA1, 2 e 3), moderada pela variável FONTIN, podem
ver-se na tabela abaixo para o 5º ano:
Tabela 1 - Resultados médios segundo três fontes de informação (5º ano)
Para qualquer das notas escritas, veja-se como se superioriza de forma
flagrante a estratégia de estudo que contém como fontes de informação o
visionamento e as aulas cumulativamente (estratégia formal e informal
televisiva) comparativamente àquela que apenas usa as aulas (estratégia
formal). Por outro lado, avultam, também, os maus resultados obtidos só com o
visionamento (estratégia informal-televisiva) e, mais ainda, os resultados
ainda piores para os alunos que disseram basear-se somente nos recursos
didácticos que têm em casa (estratégia informal-familiar). Este aspecto alerta
para a inoperância de um estudo não acompanhado nestas idades, feito através
dessas fontes de forma exclusiva.
Por sua vez, ainda para o 5º ano, o tempo de visionamento dos documentários
científicos apresentou um efeito directo na qualidade e na quantidade de
informação que cada aluno transmitiu em sala de aula (IGO), através de um
coeficiente ß=0.32, p<0.001. Ou seja, foram, tendencialmente, os alunos que
mais assistiram a esses documentários os que apresentaram melhores
participações verbais em sala de aula (perguntas e/ou respostas e/ou
intervenções solicitadas pelo professor ou espontâneas). Mormente, foram também
esses alunos os que intervieram maior número de vezes ao longo das aulas por
nós assistidas (PPART), definindo-se entre TEMPO e PPART um coeficiente ß=0.29,
p<0.00005.
Para o 7º ano, — mostrando maior coerência entre as respostas à pergunta sobre
o tempo de visionamento dos documentários científicos (TEMPO) e à questão sobre
a fonte na qual os alunos se basearam para responder às nossas três avaliações
(FONTIN) — não se verificou um efeito directo entre o TEMPO e os resultados
escritos dos alunos. O valor do efeito total do TEMPO nos resultados escritos
dos alunos (NNOTA1, NNOTA2 e NNOTA3) foi, respectivamente, de 0.0468, 0.0572 e
0.0572. Ou seja, como se pode ver, embora haja de facto uma relação directa e
positiva entre o tempo de visionamento dos documentários em estudo e as notas
escritas dos alunos, essa influência foi bastante menor para o 7º ano do que o
fora para o 5º ano, apresentando agora muito pouca intensidade a relação entre
ambas as variáveis.
Vejamos, tal como fizemos para o 5º ano, a relação moderada por FONTIN entre o
tempo de visionamento (TEMPO) e os resultados dos alunos (NNOTA1, 2 e 3):
Tabela 2 - Resultados médios segundo três fontes de informação (7º ANO)
Paralelamente, a variável TEMPO não apresentou um efeito directo na qualidade e
na quantidade de informação transmitida pelos alunos (IGO). O tempo de
visionamento dos documentários em estudo apenas se revelou positivamente
associado à percentagem de participações dos alunos nas aulas por nós
assistidas (PPART)(ß=0.19, p<0.01). Ora, o facto de haver uma percentagem de
alunos que participa mais (PPART) quando vê mais tempo esses documentários, sem
correspondência directa na qualidade e na quantidade dessas mesmas
participações (IGO), pode, afinal, revelar que muitas delas serão incorrectas
ou, quando menos, mal formuladas. O efeito de um visionamento não apoiado por
um adulto em casa ou pelo professor na aula pode voltar aqui a ser
legitimamente questionado, dada a ineficácia a que conduz.
Motivações para o visionamento (lúdicas ou formativas) e aprendizagem
Numa aproximação algo mais analítica, comparámos o desempenho dos alunos que
disseram ver os documentários por questões explícitas de aprendizagem (dimensão
formativa) e os que disseram fazê-lo por fins eminentemente lúdicos (dimensão
lúdica). Vejamos os resultados que conseguimos:
Tabela 3 - Aprendizagem por tipo de visionamento (5º ano)
Curiosamente, no que se refere aos resultados das avaliações escritas, as
diferenças entre o visionamento intencionalmente direccionado para a
aprendizagem e o visionamento orientado por questões essencialmente lúdicas não
apresentaram dissemelhanças muito grandes, pelo menos tão notórias quanto, à
primeira vista, se poderia ser levado a pensar. De facto, elas foram para
NNOTA1, NNOTA2 e NNOTA3, respectivamente, 0.56, 0.64 e 0.1. (valores). Além
disso, especificamente no caso de NNOTA3, quase não se verificou diferença
entre as duas modalidades de visionamento.
Vejamos agora o que se passa relativamente às participações verbais dos alunos.
Aqui há a salientar dois aspectos interessantes: 1º o índice geral de
observação da informação transmitida pelos alunos (IGO) superiorizou-se para os
alunos que disseram ver explicitamente por razões formativas, face aos seus
colegas que aludiram para tal visionamento motivações lúdicas
10
; 2º pelo contrário, em termos da percentagem de aulas por nós assistidas nas
quais os alunos participaram (PPART), a tendência inverte-se: são agora os
alunos que disseram ver os documentários científicos por razões lúdicas que,
definindo uma diferença de 14%, se destacaram face aos seus colegas que
disseram fazê-lo visando a sua formação. Cabe aqui salientar o seguinte: existe
uma grande diferença entre participar nas aulas, conduzindo a um nível de
participações elevadas, e fazê-lo de uma forma correcta. Parece, segundo os
dados indicam, que os alunos que visionam, orientados por objectivos lúdicos,
conseguem alguma informação mediante o seu visionamento televisivo o que os
leva a querer participar mais. No entanto, talvez devido ao seu nível de
atenção durante os programas, acabam por importar para a sala de aula muitos
exemplos que não estão correctamente percebidos, daí a ineficácia das suas
participações. Esta conclusão, contudo, apenas pudemos confirmá-la para alguns
dos alunos, pois inquirimo-los directamente sobre esta discrepância, ou seja,
quanto à diferença entre a percentagem de participações e a sua eficácia medida
por IGO. Noutros casos, fomos nós que percebemos que eles procuraram introduzir
nos debates das aulas conclusões oriundas da televisão e de outras fontes de
informação, contributos esses reveladores de uma incompreensão das ligações
conceptuais mais relevantes. A generalização desta análise, contudo, parece-nos
algo abusiva, pois muitos dos alunos não identificaram claramente os motivos
desta discrepância, talvez também por não saberem, permanecendo, portanto,
aqui, uma zona de penumbra que, por ora, não ficou cabalmente explicitada. Para
finalizar este ponto, cabe salientar o valor que o próprio erro e que,
portanto, estas comunicações ineficazes podem ter, desde que devidamente
potencializadas pelo professor ou por algum aluno capaz de corrigi-las ou
alterá-las o suficiente para adequá-las à realidade científica correcta.
Façamos agora uma diferenciação como aquela que acabámos de apresentar, mas
para o 7º ano:
Tabela 3 - Aprendizagem por tipo de visionamento (7º ano)
No caso dos alunos do 7º ano, define-se uma clara separação entre os resultados
conseguidos mediante um visionamento orientado por motivos lúdicos daquele que
lhe corresponde mas motivado por uma vontade manifesta de formação.
De facto, ao contrário do que acontecera para o 5º ano, agora as diferenças
entre NNOTA1, NNOTA2 e NNOTA3 são notórias, respectiva-mente, de 1.28, 1.65 e
1.64 (valores). Também no que se refere à informação verbal transmitida pelos
alunos esta tendência se verifica, havendo agora a registar uma diferença de
6.99 unidades contra as 5.67 que se tinham verifica-do para o 5º ano
11
. Por fim, cabe salientar que, embora mantendo-se a tendência para haver uma
percentagem de participações por parte dos alunos que disseram ver os programas
por razões lúdicas não correspondente à eficácia conseguida com tais
participações, a tendência agora atenuou-se, sendo até ligeiramente superior
para os alunos que disseram ver os programas por motivos formativos (42.12%)
face aos seus colegas que disseram fazê-lo ludicamente (41.9%).
c) Utilização de recursos didácticos em casa e resultados em ciências
Os dados indicam que a posse de recursos, quer filmes e vídeos (N4) quer livros
e revistas (N5), descreve um padrão semelhante para o 5º e para o 7º ano: em
ambos os casos esses recursos não apresentaram um efeito directo na
aprendizagem dos alunos, uma vez que a variável que indica a sua utilização ou
não — utilização de recursos didácticos no estudo (N7) — também não apresentou
um efeito directo sobre esses mesmos resultados. Embora para ambos os anos de
estudo em análise a variável utilização de recursos (N7) surja associada
(através de uma relação de tipo não recursivo) ao gosto por ciências (N8) que
tem efeito directo nos resultados dos alunos, variável que, mormente, define
uma relação também ela de tipo não recursivo com o tempo de estudo para
ciências (TRAB), variável também ela muito importante para a aprendizagem dos
alunos, a verdade é que, para estes dois anos de estudo, a utilização de
recursos que não os apontamentos das aulas ou o manual escolar é ainda muito
pouco relevante para a aprendizagem nesta disciplina.
Tempo de estudo, tempo de visionamento, posse e utilização de recursos, no
âmbito do contexto familiar dos alunos
Conforme podemos observar nos diagramas causais dos 5º e 7º anos, o tempo de
estudo para ciências pelos manual escolar e pelos apontamentos das aulas (TRAB)
é condicionado, por efeito directo, pelo nível de escolaridade do pai (ß=0.31,
p<0.00005, para o 5º ano e ß=0.43, p<0.00005, para o 7º ano). Essa variável é
também condicionada pela influência familiar para o visionamento de
documentários científicos, com a qual estabelece um coeficiente ß=0.43,
p<0.00005, para o 5º ano (ß=0.31, p<0.00005, para o 7º ano). Este último efeito
directo evidencia uma correlação que, pelo menos à primeira vista, não
esperaríamos. Na verdade, que relação pode ter a influência familiar para o
visionamento televisivo sobre o estudo que os alunos disseram fazer para
ciências? Pensamos que essa relação só se torna compreensível se, ao invés de
uma influência para o visionamento televisivo stricto sensu, essa influência
familiar for algo mais abrangente, afectando, afinal, todo um conjunto de
outras variáveis ligadas à aprendizagem dos alunos. A ser deste modo, então,
estaríamos perante um efeito de influência para o sucesso escolar lato sensu. O
conjunto de dados que iremos apresentando seguidamente permitirá dar alguma
credibilidade a esta hipótese explicativa. Por outro lado, uma vez que esta
influência familiar é também condicionada pelo nível de instrução do pai, então
esta última variável acaba por assumir (por efeito total) um peso ainda mais
significativo nos tempos de estudo dos alunos. De facto, esse efeito total é de
0.4433 para o 5º ano e de 0.5943 para o 7º ano
12
. Assim, o nível de instrução do pai apresenta aqui um primeiro forte nível de
diferenciação dos alunos entre si, a fazer corresponder tempos mais elevados de
estudo, tendencialmente, para os filhos cujos pais são detentores de anos de
estudo mais elevados e reciprocamente.
Por sua vez, o padrão de condicionamento da família em termos do tempo de
visionamento dos documentários científicos em estudo (TEMPO) é essencialmente
igual a este que acabámos de ver para o tempo de estudo. Existe um efeito
directo do nível de instrução do pai no tempo de visionamento (ß=0.30,
p<0.00005 para o 5º ano e ß=0.34, p<0.00005 para o 7º ano). Uma vez mais — e
aqui com toda a propriedade — a influência familiar para o visionamento dos
documentários científicos apresentou também um efeito directo sobre o tempo
desse visionamento (ß=0.35, p<0.00005 para o 5º ano e ß=0.24, p<0.00005 para o
7º ano). Uma vez mais, tal como antes, e por efeito total, a variável nível de
instrução do pai é a mais relevante: 0.4085 para o 5º ano e 0.4672 para o 7º
ano. Então, o nível de instrução do pai volta a estar implicado num segundo
nível de diferenciação dos alunos entre si, a fazer corresponder tempos de
visionamento mais elevados (cujo impacto já vimos ser relevante na aprendizagem
dos alunos), tendencialmente, para os filhos cujos pais são detentores de anos
de estudo mais elevados, sendo a recíproca também verdadeira.
Paralelamente, a posse de ambos os tipos de recursos é condicionada pela
escolaridade do pai, que estabelece com a posse de filmes e vídeos (N4) um
efeito directo de ß=0.57, p<0.00005 para o 5º ano (ß=0.20, p<0.00005 para o 7º
ano) e com a posse de revistas e livros sobre a natureza (N5) um efeito directo
de ß=0.60, p<0.00005, também para esse ano (ß=0.60, p<0.00005 para o 7º ano).
Dada a natureza da relação, nomeadamente, o facto de ser um efeito directo
positivo que o nível de instrução do pai determina na posse de ambos os
recursos, então a leitura que resulta é a seguinte: onde é baixo esse nível de
instrução também o é a posse (tendencialmente simultânea) de ambos os tipos de
recursos e reciprocamente. Assim, o nível de instrução do pai apresenta aqui um
terceiro nível de diferenciação dos alunos entre si. Por sua vez, encontramos
uma relação de tipo não recursivo entre a posse de recursos e a influência
familiar para o visionamento televisivo. Tal indica uma dupla leitura: por um
lado, são as famílias que exercem uma influência mais elevada sobre os seus
educandos para que vejam os documentários científicos em estudo as que facultam
mais recursos didácticos; por outro (dada a não recursividade da relação) esta
também pode ser lida como sendo as famílias que facultam mais recursos as que
mais influenciam para o visionamento dos documentários científicos.
Por fim, a variável utilização dos recursos disponíveis no estudo (N7) define
padrões diferenciais para os 5º e 7º anos. Para o 5º ano, essa variável
apresenta apenas um efeito directo da variável influência familiar para o
visionamento de documentários científicos (N3). Esta variável aparece a
condicionar aquela mediante um efeito ß=0.56, p<0.00005.
Para o 7º ano, a relação de influência familiar para o visionamento televisivo
é consentânea da que vimos para o 5º ano, mas agora com um coeficiente ß=0.51,
p<0.001. No entanto, no 7º ano o modelo apresentou um efeito directo que dera
estatisticamente não significativo para o 5º ano. De facto, estabelece-se um
efeito directo entre a posse de livros e revistas sobre ciências (N5) e a sua
utilização no estudo (N7) (ß=0.12, p<0.05). Ou seja, são, tendencialmente, os
alunos que mais possuem esse tipo de recursos os que mais disseram usá-los no
estudo. Desta forma, o nível de instrução do pai (via efeito directo através da
influência familiar) volta a estar implicado no desempenho escolar dos alunos.
Ao mesmo tempo, veja-se até que ponto ganha sentido a nossa assunção anterior
através da qual fomos começando a fazer corresponder à influência familiar para
o visionamento de documentários científicos sobre a natureza um efeito mais
geral sobre as diferentes áreas do processo de aprendizagem dos alunos. Os
dados, efectivamente, apontam no sentido de que são as famílias que mais
exercem influência para o visionamento televisivo as que o fazem afinal também
ao nível do tempo de estudo e, por outro lado, são as que facultam mais
recursos didácticos aos seus educandos, condicionando também a sua utilização.
Ao mesmo tempo, por efeito directo, essa variável de influência acaba por
condicionar os resultados dos alunos, uma vez que eles dependem, quer dos
tempos de estudo quer de visionamento. Ora, uma vez que, como já temos vindo a
explicitar, são tendencialmente as famílias onde o nível de escolaridade do pai
é mais elevado as que exercem uma maior influência sobre os seus educandos
13
, então, globalmente (tomando em linha de conta o nível de escolaridade do pai
e a influência familiar), as famílias dos alunos, através de alguns elementos
estruturantes do seu habitus, aparecem a condicionar as estratégias de estudo,
primeiro, e os resultados dos alunos, depois: onde o nível de instrução do pai
é mais elevado também o é, tendencialmente, a influencia familiar que, em
conjunto, determinam mais tempo de estudo, mais visionamento, maior
disponibilidade de recursos (para mais de forma essencialmente simultânea),
maior utilização desses recursos no estudo e melhores resultados, passando-se o
inverso quando os níveis de instrução do pai são mais baixos.
Tempo de estudo, tempo de visionamento e utilização de recursos, em função da
idade, do género e do gosto dos alunos por ciências
A idade dos alunos não definiu qualquer relação estatisticamente significativa,
quer com o tempo de estudo quer de visionamento, quer, ainda, com a utilização
de recursos.
Por seu lado, o género dos alunos revelou-se uma variável com muito pouca
capacidade explicativa em termos dessas três variáveis. De facto, para o 5º ano
nem sequer existe qualquer tipo de relação entre as variáveis, quer por efeito
directo quer indirecto. Pelo contrário, para o 7º ano o género dos alunos
apresentou um efeito directo único (sem efeitos indirectos) de ß=0.20,
p<0.00005 no tempo de visionamento dos documentários científicos (TEMPO): são
tendencialmente os rapazes que mais assistem a esse tipo de programas. Por
outro lado, embora exista uma ligeira tendência para as raparigas trabalharem
mais do que os seus colegas através do manual escolar e dos apontamentos das
aulas (TRAB), ainda assim a relação não é estatisticamente significativa.
O género dos alunos também não se revelou estatisticamente significativo em
termos da utilização em casa (N7) dos recursos didácticos disponibilizados
pelas famílias (N4 e/ou N5). Por fim, o género dos alunos não apresentou
qualquer correlação com o gosto para ciências (N8). Por seu lado, esta última
variável, o gosto dos alunos por ciências (N8), — uma vertente idiossincrática
por excelência — condiciona a estratégia de estudo dos alunos a dois níveis:
quer para o 5º quer para o 7º ano, estabelece-se uma dupla relação de tipo não
recursivo entre o gosto por ciências (N8) e a utilização dos recursos
didácticos disponíveis (N4 e/ou N5) no estudo (N7), e entre essa variável e o
tempo de estudo para ciências pelo manual escolar e pelos apontamentos das
aulas (TRAB). O conjunto dessas relações permite, pela sua não recursividade,
uma dupla leitura: a) será por os alunos gostarem mais de ciências que mais
usam os seus recursos ou será por possuírem mais recursos para essa disciplina
que mais gostam dela; b) será por os alunos gostarem mais de ciências que mais
estudam para essa disciplina e será por estudarem mais para essa disciplina que
acabam por gostar mais dela (previsivelmente por alcançarem melhores resultados
com as consequentes recompensas que daí decorrem, uma vez que os que mais
estudam dessa forma são os que alcançam os melhores resultados, como já vimos).
Em conjunto, esta análise permite perceber que, quer para a utilização em casa
dos recursos disponíveis no estudo (N7), quer para o aumento dos tempos de
estudo formais para ciências (TRAB), a variável influência familiar (N3) é
insuficiente para justificar as estratégias mais ambiciosas (com níveis de
utilização ou desse tipo de estudo mais elevados), havendo que integrar em
simultâneo o efeito gosto por ciências (N8): é nas situações de efeito
reforçado entre a influência familiar e o gosto dos alunos que se maximizam
essas fontes de estudo para ciências.
Conclusões
Tempo de estudo, tempo de visionamento e utilização dos recursos didácticos
disponíveis
O tempo de estudo feito para a disciplina de ciências através do manual escolar
e dos apontamentos das aulas é a variável que mais influencia os resultados
escritos dos alunos, tanto no 5º como no 7º ano, com maior ênfase neste último.
Já em termos dos seus resultados verbais em sala de aula, esta variável, sendo
importante, é, no entanto, suplantada pelo efeito do visionamento de
documentários científicos, que apresentou valores de correlação mais elevados.
Esta importância em termos do visionamento foi mais acentuada no 7º ano do que
no 5º. Pensamos que tal facto decorra da circunstância dos alunos do 7º,
comparativamente aos seus colegas do 5º ano, já terem um mapa conceptual (Novak
& Gowin, 1996) mais complexo e estruturado onde podem, também
comparativamente, ancorar mais proficientemente novos conceitos oriundos do
visionamento, ou seja, eles já serão possuidores dos conceitos subsunçores
fundamentais para poderem distinguir o fundamental do acessório e para
conseguirem, assim, assimilar de forma mais eficaz a informação que é
transmitida através dos documentários e que, posteriormente, utilizam no âmbito
dos debates em sala de aula, como tantas vezes vimos acontecer. Mas esta
situação, contudo, apenas se verificou na oralidade. De facto, na escrita, o
impacto do visionamento dos referidos documentários apenas foi relevante quando
a estratégia de estudo dos alunos combinou tempo de estudo formal e
visionamento televisivo em simultâneo (estratégia formal e informal-
televisiva), situação na qual os resultados conjuntos visionamento mais aulas
se superiorizaram claramente aos dos alunos que disseram ter-se baseado
exclusivamente nas aulas (estratégia formal). Pelo contrário, quando houve uma
centração exclusiva no visionamento desses documentários (estratégia informal),
os alunos obtiveram resultados muito baixos, como, aliás, aconteceu também para
os seus colegas que afirmaram ter baseado o seu estudo exclusivamente na
utilização dos recursos didácticos disponibilizados em casa (estratégia
informal-familiar). Pensamos que este facto, verificado sobremaneira
principalmente para o 5º ano, seja decorrente da ainda pouca capacidade de
selecção que os alunos possuem neste nível de ensino, faltando-lhes,
nomeadamente, critérios que lhes ditem a pertinência do que é fundamental face
ao que é menos importante. Ao mesmo tempo, aventamos como justificação para
essa circunstância dois aspectos paralelos mas complementares: 1º) a existência
de um nível de cultura geral ainda baixo por parte destes alunos, sabendo que
ela é essencial para a aprendizagem de notícias através da televisão (Gunter,
1991; Gunter, Clifford & Mcaller, 1997) e para a aprendizagem das ciências,
através da respectiva orientação de codificação científica (Morais, Peneda,
Medeiros, Neves & Salgueiro, 1996); e, concomitantemente, 2º) a existência
de um mapa conceptual ainda extremamente exíguo, faltando provavelmente a estes
alunos conceitos subsunçores essenciais onde ancorar muita da informação que
obtêm por via informal e, dessa forma, conseguindo níveis de aprendizagem muito
baixos mediante esta estratégia de estudo ou, dito de outro modo, não
conseguindo uma aprendizagem significativa na acepção de Ausubel (Moreira &
Buchweitz, 1993). O que acontece é o seguinte: para que a ancoragem referida
por Ausubel possa acontecer, parece-nos que (e a investigação desenvolvida
aponta nesse sentido) o aluno tem de ser orientado a identificar e a trabalhar
com os próprios conceitos que já adquiriu. Só aí, então, ele poderá, não
somente compreender melhor o seu processo de aprendizagem (meta-aprendizagem e
metacognição) como, também, estabelecer as associações fundamentais entre
conceitos, para conseguir as aprendizagens significativas (subordinada e
superordenada) preconizadas por Ausubel e que constituem o critério de
aprendizagem precípuo no campo das ciências (Glynn, Yeany & Britton, 1991;
Lunetta, 1991; Champagne & Bunce, 1991). Ora, a simples utilização de
recursos (e, em alguns casos, o visionamento) não faculta os critérios
necessários que permitam nortear e organizar a informação e esta acaba por não
passar disso mesmo, ou seja, não se transforma, através da acção dos alunos,
numa verdadeira aprendizagem. Aqui urge salientar que, apesar de, nesta fase,
no 5º e no 7º ano, o estudo ainda ser essencialmente marcado pela centração
quase exclusiva no manual e nos apontamentos das aulas, alguns dos professores
cujas aulas nós acompanhámos já incentivavam os alunos a obterem respostas para
exercícios propostos por eles nas aulas mediante um estudo em casa, por outros
livros, enciclopédias, etc. Para mais, muitos desses professores fizeram
questão, já no 7º ano, de instar os alunos a trazerem para a aula outros
exemplos (embora limitados às especificações por si prescritas), para levá-los
a habituarem-se à pesquisa por si mesmos e de forma a tornar as participações
em sala de aula mais animadas. Mas esta actividade foi sempre proposta em
complementaridade com o estudo mais formal, ou seja, nunca surgiu em detrimento
desse tipo de estudo. Este exemplo faz avultar, pelo menos nestes anos de
estudo, a importância precípua do professor, entre outros múltiplos aspectos,
para fornecer as macro-sequências e as macro-selecções onde, depois, os alunos
(caso o professor assim o entenda e eles o façam) possam integrar conhecimentos
conseguidos por outra via (Johnston, 1987; Ortega, 1993; Reboul, 1991).
Motivações para o visionamento (lúdicas ou formativas) e aprendizagem
Concluímos que a aprendizagem através do visionamento televisivo verificou-se
não somente para os alunos que afirmaram que viam os documentários científicos
por questões eminentemente formativas, mas também para os que disseram fazê-lo
por motivos lúdicos. No entanto, como aliás era previsível, os resultados
avaliativos dos que afirmaram fazer o visionamento com carácter formativo
superiorizaram-se face aos outros, cujo visionamento foi de tipo lúdico, dando
força à conclusões dos estudos de alguns autores (Molen & Voort, 1997;
Salomon, 1983, 1984, cit. em Cennamo, 1993; Gunter et al., 2000; Grimes, 1990;
Beentjes & Voort, 1997). Referindo-se especificamente a tal diferença de
desempenho, Grimes (op. cit.), baseando-se numa vasta revisão da literatura,
explica que vários investigadores verificaram que, quando se instruía um grupo
de alunos para processar a informação de uma história televisionada, estes
aprendiam mais do que os seus colegas que apenas tinham visto essa mesma
história mas por diversão. Os primeiros demonstraram um maior investimento
nessa tarefa e uma também maior afectação de recursos cognitivos do que os
segundos, o que poderá ter determinado esse melhor desempenho. Grimes (op.
cit.) acrescenta, ainda, que esse maior esforço de processamento poderá causar
um número mais elevado de conexões com informação prévia, o que poderá ser a
causa da sua vantagem acrescida. Seja como for, não conseguimos apurar de forma
clara, através dos testemunhos dos alunos, a veracidade desta hipótese
explicativa.
Mormente, pudemos verificar ainda que, mesmo os alunos que afirmaram que o
visionamento não teve influência na qualidade das suas respostas às nossas
avaliações, denunciando explicitamente não terem conseguido qualquer
aprendizagem por esse meio, também eles aprenderam com o visionamento. De
facto, ao analisarmos as suas respostas às nossas avaliações, verificámos que,
afinal, muita da informação lá constante não fora dada na aula e muitos dos
exemplos eram oriundos do visionamento. Uma primeira hipótese explicativa para
este facto é a seguinte: pode ser que, quando não existe uma menção explícita à
aprendizagem de algo, por exemplo, Ireis aprender o conteúdo x da maneira Z, o
espectador, que pode ser reticente em relação à aprendizagem (por uma atitude
que funciona de uma forma estereotipada e não decorrente de nenhuma anomalia
específica), não desenvolva essas resistências psíquicas à informação e,
consequentemente, capte uma maior quantidade de informação do que aquela que
conseguiria se tal visionamento fosse compelido, por exemplo. Paralelamente a
esta primeira hipótese explicativa há uma outra possível: esta aprendizagem não
intencional pode ter decorrido da circunstância dos documentários conseguirem
ensinar porque são lúdicos. Esta associação, a que chamaríamos sinérgica,
parece-nos ser o factor mais determinante na capacidade didáctica destes
documentários científicos: ao mesmo tempo que estão a facultar informação e a
dar formação, estes programas televisivos apelam à dimensão lúdica, aspecto
referido por vários autores (Ferrés, 1994; Masterman, 1993) e, especificamente,
evidenciado por Barroso, Pla, Ferrer e Mazana (1996), ao afirmarem que as
funções formativas e lúdicas são essencialmente indissociáveis: "Não
podemos afirmar que existem programas que têm somente uma função, antes pelo
contrário, na maioria dos casos as funções aparecem misturadas" (p. 27).
Concordantemente, Gunter et al. (1997) afirmam que: "Existem poucas
dúvidas de que as crianças possam aprender através de programas informativos,
mesmo quando elas não faziam questão intencional de aprender dessa forma"
(p. 19). Por fim, Trilla (1993) esclarece que "os mass-media geram
aprendizagens importantes e efectivas sem qualquer mediação pedagógica: geram
processos de educação informal. Daí, não resulta nada difícil de extrair a
consequência de que os meios de comunicação de massas podem ser
instrumentalizados com eficácia em função de objectivos educacionais
definidos" (p. 143).
Tempo de estudo, tempo de visionamento, posse e utilização de recursos, no
âmbito do contexto familiar dos alunos
O contexto familiar dos alunos apareceu fortemente implicado, quer na
disponibilização de recursos e na sua posterior utilização no estudo, quer nos
tempos de estudo formais para ciências (através do manual escolar e dos
apontamentos das aulas), quer, por fim, nos tempos de visionamento dos
documentários científicos. Na verdade, os alunos cujos pais eram possuidores
dos níveis de estudo mais elevados foram aqueles que, tendencialmente,
apresentaram maior quantidade de ambos os tipos de recursos considerados
(filmes e vídeos, por um lado, e livros e revistas para ciências, por outro),
uma maior utilização desses mesmos recursos (embora esta variável não tenha
tido uma correlação directa nos resultados dos alunos) e tempos mais elevados
de estudo formal e de visionamento, passando-se o contrário para os outros
alunos cujos pais apresentaram os níveis de instrução mais baixos. Este triplo
desfavorecimento destes últimos face aos primeiros foi ainda acentuado pela
circunstância de termos observado uma correlação directa positiva entre o nível
de instrução do pai e a influência familiar para o visionamento de
documentários científicos. O facto de termos verificado que esta última
variável, mais do que medir exclusivamente a influência no visionamento dos
referidos documentários, aparecia, afinal, a condicionar todas as outras
variáveis que vimos antes (a posse de recursos, a sua utilização, os tempos de
estudo formal e de visionamento e, ainda, os próprios resultados dos alunos),
levou-nos a considerá-la uma influência mais genérica para o sucesso escolar.
Ora, como se disse, também esta influência familiar para o sucesso escolar
apareceu positivamente correlacionada com a instrução do pai. Assim, no seu
conjunto, estas duas variáveis, directamente decorrentes do contexto familiar
dos alunos, apareceram a condicionar as respectivas estratégias de estudo e,
como correlato directo, a condicionarem também os seus resultados. Estas
conclusões vêm, assim, dar força aos argumentos da teoria estrutural
determinista, na relação teórica que estabelece entre o habitus familiar e o
condicionamento dos resultados dos alunos.
Tempo de estudo, tempo de visionamento e utilização de recursos, em função da
idade, do género e do gosto dos alunos por ciências
A idade dos alunos é uma variável irrelevante em termos da compreensão das
respectivas estratégias de estudo (tempos de visionamento e de estudo formal e
utilização dos recursos didácticos disponibilizados familiarmente). Assim,
embora tenha sido demonstrado que as crianças mais velhas processam melhor a
informação do visionamento de programas televisivos (Gunter et al., 2000), tal
não se revelou constituir uma razão acrescida para que estas utilizem mais o
referido visionamento (incluído nas respectivas estratégias de estudo) face aos
seus colegas mais novos. Por seu lado, o género dos alunos condicionou, embora
com pouco significado estatístico, essas referidas estratégias: os rapazes
tendem a visionar mais os documentários científicos do que as suas colegas que,
por sua vez, tendem a estudar de forma mais formal para a disciplina. Esta
última relação, contudo, resultou não significativa estatisticamente. Estes
dados — embora com a validade estatística referida — vêm, assim, dar alguma
força às conclusões de um estudo de Felouzis (1997) no qual o autor verificara
que as alunas tendem a cumprir melhor do que os seus colegas o "ofício de
aluno", por via das respectivas estratégias de estudo. A utilização dos
recursos didácticos em casa também não surgiu associada ao género.
Paralelamente, o género dos alunos não estabeleceu nenhuma associação
estatisticamente significativa com os seus níveis motivacionais para a
disciplina de ciências (nem por efeito directo, nem indirecto).
Assim, uma vez que, como vimos, quer a idade quer o género dos alunos pouco
influenciam as suas estratégias de estudo, então o que mais definitivamente
pareceu condicioná-las foi a influência familiar que vimos antes e o gosto pela
disciplina de ciências (que, num certo sentido, mede a influência do próprio
aluno). Estes dois efeitos de influência, familiar e do gosto — dada a condição
ceteris paribus que subjaz aos modelos analisados — surgiram a funcionar de
forma por vezes cumulativa, outras complementar e outras, ainda, de sinal
contrário. Mas essas relações não foram detalhadas neste estudo, pelo excesso
de cruzamentos tabelares que implicariam. Em todo o caso, foi possível apurar
que, na generalidade dos casos, cada um dos efeitos é insuficiente per se para
explicar as estratégias de estudo mais ambiciosas (maior tempo de visionamento
e/ou de estudo formal e/ou de utilização de recursos), sendo, na maior parte
dos casos, da sua cumulatividade (efeito reforçado da influência familiar e do
gosto por ciências do aluno) que se passou às estratégias melhores.
Neste artigo, tendo identificado os tempos que os alunos dedicaram a três
fontes de informação e a sua relevância na aprendizagem para ciências, não
identificámos a forma ou o método específico usado para aprender através de
cada uma delas (questão de pendor muito mais analítico do que aquele que
adoptámos); identificámos, contudo, a relevância da influência familiar (para o
sucesso escolar) dos alunos, mas também não desvendámos, em concreto, de que
forma se materializa essa influência na estruturação, consolidação,
acompanhamento (se algum) e desenvolvimento dessas diferentes estratégias de
estudo (questão que, uma vez mais, implicaria um nível de análise muito mais
analítico do que o adoptado). Este aspecto complementar da nossa análise é,
ainda assim, de uma importância não negligenciável, sabendo-se que, por
exemplo, o acompanhamento familiar do visionamento de sessões educativas
transmitidas televisivamente aumenta a qualidade e a quantidade da informação
retida (Alexander, 2001; Barroso et al., 1996; Buerkel-Rothfuss & Buerkel,
2001), embora os estudo empíricos disponíveis atestem que tal visionamento
acompanhado é, ainda assim, bastante raro (Abelman, 1999; Alexander, 2001;
Buerkel-Rothfuss & Buerkel, 2001). Este e outros aspectos, pela sua
relevância, esperamos poder vir a aprofundá-los em estudos futuros.
Notas
1
Vide Anexo I.
2
Inicialmente, tínhamos uma variável mais complexa (PRO), do cruzamento da
profissão do pai e da situação na profissão do mesmo, decorrente da
Classificação Nacional de Profissões (CNP-94). Por questões de tratamento
estatístico, agregámos os dados e passámos a trabalhar com uma escala da
profissão do pai agregada (APRO).
3
Vide Anexo I.
4
Vide Anexo II.
5
R2=0.705 para NNOTA1 no 5º ano e R2=0.835 para NNOTA1 no 7º ano; R2=0.678 para
NNOTA2 no 5º ano e R2=0.690 para NNOTA2 no 7º ano; R2=0.751 para NNOTA3 no 5º
ano e R2=0.677 para NNOTA3 no 7º ano.
6
R2=0.370 para IGO no 5º ano e R2=0.465 para IGO no 7º ano; R2=0.388 para PPART
no 5º ano e R2=0.598 para PPART no 7º ano.
7
O facto de não existir um efeito directo entre as variáveis não implica que
uma delas não afecte a outra tout court. Tal é o que acontece aqui: existe uma
relação não recursiva entre o tempo de estudo para ciências (TRAB) e o tempo de
visionamento de documentários científicos (TEMPO); mormente, existe uma relação
desse tipo entre o tempo de estudo para ciências e o gosto pela disciplina de
ciências (N8). Ora, como quer o visionamento dos documentários quer o gosto por
ciências aparecem implicados na percentagem de participações dos alunos
(PPART), então existem dois efeitos indirectos da variável tempo de estudo
nessa mesma percentagem de participações. Contudo, uma vez que ambas as
relações são de tipo não recursivo, não são cumpridos os requisitos de
linearidade adstrita à regressão múltipla e, consequentemente, não é possível
(pelo menos pelos meios usados) determinar o coeficiente de regressão
correspondente.
8
0.0096=0.48_0.02
9
Alguns autores apresentam uma relação moderada com uma seta intermédia entre a
seta principal (veja-se, por exemplo, Bryman & Cramer, 1996). No entanto,
dado tratar-se de um estudo de path analysis, preferimos adoptar setas
separadas conforme sugerido por Sierra Bravo (1986) para esse tipo de estudo.
10 Em todo o caso, temos de ter em conta que a escala de IGO variou, para o 5º
ano, de 0 a 72 unidades, pelo que a variação em análise é pouco expressiva.
11 Também para o 7º ano é válida a nota que introduzimos a relativizar estes
resultados, dado que a escala de IGO para este ano variou entre 0 e 70
unidades, pelo que o incremento conseguido pelo visionamento formal face ao
lúdico foi, uma vez mais, muito ténue.
12
Além disso, uma vez que existe, também, uma influência do nível de instrução
do pai no tempo de visionamento (TEMPO) e que esta variável estabelece com o
tempo de estudo (TRAB) uma relação não recursiva, este efeito indirecto
aumentaria ainda mais a influência daquela variável no tempo de estudo dos
alunos. O nível de instrução do pai apresenta ainda outros efeitos indirectos
como, por exemplo, através da posse de filmes e vídeos (N4) cujo impacto, por
sua vez, se verifica — também por relação não recursiva — com o tempo de
visionamento, etc.
13
Uma vez mais, urge salientar que um modelo causal deste tipo nos permite ler
efeitos directos (ou seja, faculta-nos coeficientes de correlação na condição
ceteris paribus, ou seja, todo o resto constante), então tal significa que,
independentemente do nível de escolaridade, ainda assim, há famílias que
influenciam nos termos propugnados, no âmbito da relação não recursiva já
identificada. Contudo, como é quando o nível de escolaridade do pai é mais
elevado que também o são o número de famílias que exercem um nível de
influência maior, como já vimos, então tal significa que onde essa escolaridade
é baixa, embora haja famílias que ainda assim influenciam, elas são em número
muito menor do que quando essa escolaridade do pai é elevada.