Bullying nas Escolas: Comportamentos e Percepções
O bullying é um dos comportamentos mais comuns na nossa sociedade em que se
domina o que é percebido como mais fraco. Os homens oprimem as suas
companheiras, as crianças mais velhas as mais novas. Apesar de o bullying fazer
parte do que é considerado violência, não lhe é dada a atenção necessária. Por
exemplo, a maior parte do grupo de pessoas que trabalham nas escolas incluindo
o corpo docente não encara os comportamentos como ameaça e opressão enquanto
comportamentos de violência. Assim, para grande parte dos jovens que são
testemunhas destes actos de violência, surge um sentimento de inevitabilidade,
falta de esperança e alienação (Willert & Lenhardt, 2003). A preocupação
dos investigadores em relação ao bullying tem vindo a crescer. Têm sido
realizados estudos em diversos países. Num estudo realizado na Austrália, os
resultados apontam para cerca de 24% dos estudantes terem sido violentos com os
seus colegas, 13% terem sido vítimas de violência e 22% simultaneamente vítimas
e agressores (Forero, McLellan, Rissel, & Bauman, 1999). Fekkes, Pijpers, e
Verloove-Vanhorick (2005) estudaram um grupo de crianças alemãs, os resultados
mostraram que cerca de 16% das crianças foram vítimas de bullying com
regularidade, sendo que cerca de 50% não contou aos professores o que se está a
passar. Em Portugal, estudos realizados em 1998 (e.g., Matos, Simões, Canha,
& Fonseca, 2000) e 2002 (Matos et al., 2003, 2004) sugerem que cerca de 1/
5 dos adolescentes foram vítimas de violência e cerca de 1/5 assume que foi
agressivo. Cerca de 1/4 referiram ser simultaneamente vítimas e agressores.
Estes estudos demonstram que há algumas diferenças de sexo, sendo a percentagem
de agressividade superior nos rapazes comparativamente às raparigas.
Definição e Tipos de Bullying
O estudo sobre bullying iniciouse com a investigação sistemática de Olweus no
início dos anos 70 na Noruega e Suécia, tendo sido inquiridos aproximadamente
80.000 estudantes de escolas primárias e secundárias. O bullying é um
comportamento intencional, com o objectivo principal de fazer mal e magoar
alguém, é repetido ao longo do tempo (e.g., Chapell et al., 2004; DeHaan, 1997;
Olweus, 1994).
Para além disto, também é essencial ter-se em conta que a maior parte das vezes
estes comportamentos agressivos por parte da pessoa que oprime ocorrem sem ter
havido provocações (Harris & Petrie, 2002).
Considera-se que existem três tipos principais de bullying, nomeadamente o
físico ou directo, o psicológico e o indirecto. O primeiro abrange
comportamentos como bater, pontapear, empurrar, roubar, ameaçar, brincar de uma
forma rude e que intimida e usar armas. O segundo refere-se a chamar nomes,
arreliar ou pegar com alguém, ser sarcástico, insultuoso ou injurioso, fazer
caretas e ameaçar. Por fim, o terceiro e que é o mais dissimulado uma vez que
não é tão visível, inclui excluir ou rejeitar alguém de um grupo (Bullock,
2002).
Protótipo/Perfil de agressor e agredido
Com as pesquisas demonstrou-se que existe um certo protótipo/perfil das pessoas
que oprimem e das que são oprimidas. As pessoas que oprimem necessitam de ter
poder e de dominar, gostam do controlo que têm sobre outros, têm um sentimento
positivo quanto à violência e pouca empatia para com as suas vítimas.
Normalmente têm alguma popularidade e são acompanhados por um pequeno grupo.
Defende-se que apesar de estes indivíduos terem comportamentos agressivos, são
muitas vezes inseguros, sofrem de ansiedade e baixa auto-estima (Me, 2001,
citado por Isenhagen & Harris, 2004); a questão da auto-estima é
controvérsia, pois Olweus (1997) e Rigby e Slee (1995) defendem que os
indivíduos em questão não têm baixa auto-estima. Os indivíduos que se incluem
neste grupo têm falta de empatia e competências para resolver problemas
(Bullock, 2002). Estes alunos têm maior probabilidade de beber álcool e fumar
cigarros que as suas vítimas, sofrem também de um menor ajustamento tanto a
nível académico como no que respeita à percepção do ambiente escolar. Por fim,
estes alunos são normalmente mais altos, fortes, agressivos, impulsivos e não
cooperativos (Harris & Petrie, 2002).
Por sua vez, as pessoas que são oprimidas são geralmente mais fracas, tímidas,
introvertidas, cautelosas, sensíveis, quietas, com menor auto-estima e com
poucos amigos. Me (2001, citado por Chapell et al., 2004) concluiu nas suas
investigações que os estudantes do secundário com menor status, pertencentes a
minorias étnicas e com menor tamanho tinham maior probabilidade de serem
vítimas. Estes indivíduos também tinham alguma probabilidade de fumarem
cigarros, beberem álcool e terem desempenhos escolares baixos. Quando não
existe intervenção por parte dos adultos nestes alunos, estes tendem a ser
oprimidos repetidamente, correm o risco de serem rejeitados, entrarem em
depressão e têm uma constante ameaça à sua auto-estima (Bullock, 2002). Assim,
existem dois subgrupos de vítimas, enquanto o primeiro é considerado submisso
ou passivo, o segundo é considerado provocador. As vítimas passivas não
provocam os seus colegas, não gostam de violência, têm tendência a serem mais
fracos que outros colegas reagem chorando ou ficando tristes (Isenhagen &
Harris, 2004). Por outro lado, encontram-se as vítimas provocadoras que são a
minoria das vítimas. Normalmente têm uma deficiência na aprendizagem e falta de
competências sociais, que os torna insensíveis a outros estudantes. Estes
estudantes têm tendência a serem trocistas e aborrecerem os companheiros até
que alguém lhes dê resposta ou que seja agressivo (Harris, Petrie, &
Willoughby, 2002).
Preditores do bullying
Tendo em conta os efeitos a longo prazo do bullying, os investigadores têm
vindo a estudar as causas e factores subjacentes a estes comportamentos
agressivos com o objectivo de planear e implementar intervenções. É
indispensável mencionar que existem diferenças ao nível do sexo quanto aos
comportamentos agressivos. As maiores diferenças ocorrem na forma como são
executados os comportamentos agressivos. Enquanto os rapazes usam sobretudo a
forma de agressão física, as raparigas tendem a optar pelas formas de agressão
psicológicas ou indirectas (Young & Sweeting, 2004). Há uma tendência para
que os rapazes sejam mais sujeitos à violência que as raparigas, no entanto,
são as últimas que mais referem terem sido vítimas de opressão (Harris &
Petrie, 2002). Também foi encontrado que os rapazes têm tendência a terem mais
comportamentos agressivos do que as raparigas (Chapell et al., 2004). As
raparigas podem ter tantos comportamentos opressivos quanto os rapazes,
todavia, como não querem demonstrar o seu envolvimento nestas situações e usam
formas de bullying psicológicas e indirectas às quais não se presta tanta
atenção pode ocorrer uma subestimação de comportamentos violentos neste campo
(Bullock, 2002).
Outro dos factores relevantes nesta área é a idade, ou seja, as pessoas são
mais vulneráveis à agressão em certas idades. O Departamento de Educação e
Justiça dos Estados Unidos da América demonstrou que os estudantes mais velhos
são mais vulneráveis ao crime e têm maior probabilidade de cometer um crime
sério que os estudantes mais novos (Williams Evans & Myers, 2004).
A aprendizagem desempenha um papel crucial. Quando os estudantes foram
testemunhas de comportamentos opressores também se tornavam opressores
posteriormente (Chapell et al., 2004). Se os colegas ganham respeito por
intermédio de comportamentos agressivos então a pessoa também tende a adoptar
este tipo de comportamentos para captar atenção e defender-se (Warren,
Schoppelrey, Moberg, & McDonald., 2005). Pellegrini e Bartini (2000,
citados por Harris, et al., 2002) consideram que o bullying é uma estratégia
utilizada quando os jovens entram numa nova estrutura social, aumentando os
comportamentos agressivos. Contudo, quando o indivíduo atinge a estabilidade do
seu domínio estes comportamentos tendem a diminuir.
Consequências do bullying
Nas relações agressivas as consequências são tanto para as pessoas que oprimem
quanto para as oprimidas, podendo o seu efeito ser mesmo a longo prazo
(Williams, Chambers, Logan, & Robinson, 1996). No caso dos opressores que
mantêm o seu comportamento agressivo terão problemas no futuro no que concerne
ao desenvolvimento e manutenção de relações positivas (Bullock, 2002). Os
agressores comparativamente aos seus colegas têm maior tendência para
comportamentos de risco, como consumo de tabaco (King, Wold, Tudor-Smith, &
Harel, 1996), de álcool (Due, Holstein, & Jorgeensen, 1999; King et al.,
1996) e de drogas (DeHaan, 1997). Também não têm grande prazer em frequentar a
escola, o que se traduz em maus resultados escolares (Due et al., 1999).
Estudos (e.g., Young & Sweeting, 2004) têm revelado que as consequências
para os estudantes oprimidos são variadas desde isolamento, sintomas físicos ou
psicossomáticos, tristeza, ansiedade, depressão ou distanciamento quanto a
assuntos da escola, ideação de suicídio e mesmo o próprio suicídio. Outras
questões importantes são o facto dos alunos oprimidos abandonarem mais
facilmente a escola, os seus rendimentos escolares poderem baixar devido à
situação em que se encontram e tornarem-se mais tarde, eles próprios, novos
opressores (Isernhagen & Harris, 2004). As vítimas de bullying apresentam
mais sintomas de doença psicológica (e.g., depressão e ansiedade) e doença
física (e.g., dores de cabeça, dores abdominais) quando comparados com os
outros colegas (Bond, Carlin, Thomas, Rubin, & Patton, 2001; King et al,
1996; Matos et al, 2004; Rigby, 1999; Salmon, James, & Smith, 1998;
Williams, Chambers, Logan, & Robinson; 1996)
Importa ainda referir que alguns autores consideram que os efeitos da
vitimização podem ser visíveis na idade adulta (Olweus, 1993 citado por Bond et
al., 2001).
O presente estudo tem por objectivo analisar a associação entre uma série de
diferentes tipos de comportamentos de bullying (enquanto provocado e
provocador) e algumas variáveis preditoras, variáveis comportamentais (consumo
de álcool, drogas e porte de armas) e cognitivas/percepções (percepção de
satisfação com a vida e percepção de segurança na escola).
MÉTODO
Participantes
Neste trabalho foram utilizados os dados provenientes do survey Health
Behaviour in School-Aged Children (HBSC), de 2002, um estudo internacional em
parceria com a WHO (Currie, Roberts, Morgan, et al., 2004; Matos et al., 2003,
2005). A amostra é representativa dos alunos do 6.º, 8.º e 10.º ano do ensino
público. Contou-se com a colaboração de 6131 estudantes com idades entre os 10
e 17 anos (M= 14 ± 1.85 anos), sendo que 51% são raparigas. Relativamente ao
grupo etário, 19% tinha entre 10-11 anos, 34% entre 12-13, 30% entre 14-15 e
17% tinham 16 ou mais anos.
Procedimento
O questionário requeria cerca de 55 minutos para ser preenchido e foi
administrado nas salas de aula pelos professores (foram dadas uma série de
instruções estandardizadas aos docentes). A participação dos alunos foi
voluntária e anónima, os alunos após terem completado o questionário inseriam-
no num envelope que era fechado pelo último aluno a terminar o preenchimento. O
processo de distribuição e recolha do questionário foi realizado por correio.
O questionário era constituído por duas partes: questões sócio-demográficas
(e.g., idade, e género) e variáveis relacionadas com a escola e a saúde,
consumo de tabaco e álcool, actividade física, nutrição, sintomas de saúde
física e psicológica e apoio social. É possível encontrar no relatório
internacional (Currier et al., 2004) uma descrição completa e detalhada do
instrumento e das suas qualidades psicométricas.
RESULTADOS
Os resultados serão apresentados seguindo a seguinte ordem: estatísticas
descritivas das variáveis, correlações entre as variáveis e, por fim,
regressões de predição de comportamentos de bullying.
Foram analisados sete comportamentos de bullying: chamar nomes, deixar de fora,
bater, boatos, raça, religião e piadas sexuais, na perspectiva do agressor
(provocador) e do agredido (provocado). Tendo por base a revisão de literatura
referenciada anteriormente, bem como as preocupações de prevenção e de promoção
dos comportamentos de saúde na juventude foram seleccionadas algumas variáveis,
especificamente, o consumo de tabaco e de álcool, o porte de armas, a percepção
de segurança da escola e a satisfação com a vida, com o intuito de estudar as
suas relações e o seu poder preditivo face aos comportamentos de bullying
sentidos e exercidos.
Estatísticas descritivas dos comportamentos de bullying e dos preditores
Os alunos relatam ser provocados com maior frequência através dos seguintes
comportamentos de bullying: chamarem nomes, levarem boatos e piadas sexuais. Os
alunos mencionam que provocam os colegas especialmente chamando-lhes nomes,
dizendo piadas sexuais e deixando-os de fora das actividades. Globalmente, os
alunos desta amostra consumem tabaco e álcool raramente. Referem ter andado com
algum tipo de arma durante alguns dias do último mês. Tendem a considerar a
escola medianamente segura e estão satisfeitos com a vida (Quadro 1).
Quadro 1
Estatísticas descritivas
N MínimoMáximoM DP
Consumo tabaco 6070 1 4 3.60 .91
Consumo álcool 6045 1 5 1.45 .93
Andar c/ armas 6019 1 5 1.25 .84
Percepção de segurança na esco6076 1 5 2.13 1.08
Satisfação c/ a vida 5944 0 10 7.36 1.92
Provocado (comportamentos de bullying sofridos)
Chamarem nomes6025 1 5 1.62 1.10
Deixado fora 5964 1 5 1.32 .83
Baterem 5955 1 5 1.18 .66
Boatos 5944 1 5 1.42 .91
Cor da pele 5933 1 5 1.11 .56
Religião 5896 1 5 1.09 .51
Piadas sexuais5952 1 5 1.34 .87
Provocador (comportamentos de bullying exercidos)
Chamou nomes 6026 1 5 1.41 .88
Deixou de fora?970 1 5 1.21 .67
Bateu 5966 1 5 1.20 .68
Boatos 5941 1 5 1.13 .56
Cor da pele 5961 1 5 1.11 .55
Religião 5948 1 5 1.09 .51
Piadas sexuais?966 1 5 1.26 .78
Consumo de tabaco (1=Eu não fumo a 4=Todos os
dias); Consumo de álcool (1=Não, nunca a 5=Sim,
mais de 10 vezes); Andar com armas (1=Não andei
com nenhuma arma durante os últimos 30 dias a 5=6
ou mais dias); Percepção de segurança na escola
(1=Sempre me senti seguro a 5=Nunca me senti
seguro); Satisfação com a vida (0=A pior vida
possível a 10=A melhor vida possível);
Comportamentos de bullying sofridos (1= Não sofri
esse tipo de comportamento nos últimos meses a
5=Muitas vezes por semana); Comportamentos de
bullying exercidos (1=Nunca exerci esse tipo de
comportamento sobre outros colegas a 5=Muitas
vezes por semana.
Correlações entre os comportamentos de bullying e as variáveis preditoras
No quadro 2 é possível observar as correlações entre os vários tipos de
comportamentos de bullying na perspectiva do provocador e do provocado com as
variáveis preditoras (consumo tabaco, consumo álcool, porte de armas, percepção
de segurança na escola e satisfação com a vida).
Quadro 2
Correlações entre os comportamentos de
bullying e as variáveis preditoras
Consumo Consumo Andar Percepção Satisfação
tabaco álcool c/ armas desegurança c/ a vida
naescola
Provocador (comportamentos de bullying exercidos)
Chamarem -.02 -.00 .05** .17** -.11**
nomes
Deixado fora? .00 .03* .06** .15** -.13**
Baterem .01 .04** .11** .13** -.04**
Boatos .07** .10** .10** .17** -.12**
Cor da pele .05** .11** .14** .09** -.04**
Religião .04** .08** .13** .08** -.03*
Piadas .06** .10** .11** .14** -.08**
sexuais
Provocador (comportamentos de bullying exercidos)
Chamou nomes? .11** .16** .19** .08** -.07**
Deixou de .10** .15** .19** .06** -.03*
fora
Bateu .11** .20** .25** .08** -.05**
Boatos .101** .18** .23** .05** -.03*
Cor da pele .11** .18** .22** .04** -.05**
Religião .10** .17** .22** .04** -.03*
Piadas
sexuais .13** .21** .23** .06** -.05**
** p<
0.01; *
p<0.05
É possível verificar que a percepção da segurança existente na escola e o andar
com armas são variáveis que estão associadas de forma positiva e significativa
com todos os tipos de bullying exercidos e sentidos; por sua vez, a satisfação
com a vida estão associados negativamente e significativamente com todos os
tipos de bullying.
O consumo de álcool e tabaco está associado positivamente e significativamente
com todos os comportamentos de bullying exceptuando com os comportamentos
sentidos pelos provocados de lhes chamarem nomes.
Predição de comportamentos de bullying
Foram efectuadas várias análises de regressão, nas quais foram definidas
enquanto variáveis dependentes os comportamentos de bullying sentidos e
exercidos e enquanto variáveis preditoras, os comportamentos de consumo de
tabaco e de álcool e de porte de arma e, as percepções relativas à segurança na
escola e à satisfação com a vida.
No quadro 3 pode-se observar uma síntese das variáveis que predizem
significativamente (assinaladas com um x) cada tipo de comportamento. É
possível verificar que os diferentes tipos de comportamento de bullying têm
diferentes preditores. Contudo, é de salientar o papel preditor do consumo de
álcool, do andar com armas, a percepção de segurança na escola na maioria dos
tipos de comportamento de bullying sentido e exercido.
Quadro 3
Síntese da predição dos vários tipos de
comportamentos de bullying
Consumo Consumo Andar Percepção Satisfação
tabaco álcool c/ armas de segurança c/ a vida
naescola
Provocado (comportamentos de bullying sofridos)
Chamarem X X
nomes
Deixado X X X
fora
Baterem X X X X
Boatos X X X X X
Cor da X X X X
pele
Religião X X X
Piadas X X X X X
sexuais
Provocador (comportamentos de bullying exercidos)
Chamou X X X X X
nomes
Deixou de X X X X
fora
Bateu X X X X X
Boatos X X X X
Cor da X X X
pele
Religião X X X X
Piadas
sexuais X X X X X
DISCUSSÃO
Com este estudo procurou-se contribuir para o aprofundamento do conhecimento
acerca desta problemática que é o bullying nas escolas, bem como analisar a
associação entre uma série de diferentes tipos de comportamentos de bullying
enquanto provocado e provocador (chamar nomes, deixar de fora, bater, boatos,
raça, religião e piadas sexuais) e algumas variáveis preditoras, variáveis
comportamentais (consumo de álcool, drogas e porte de armas) e cognitivas/
percepções (percepção de satisfação com a vida e percepção de segurança na
escola).
É de realçar que os alunos sentem-se provocados e dizem provocar de diferentes
formas, sendo que os alunos referem serem provocados e provocar com mais
frequência através de insultos verbais, boatos e piadas sexuais e exclusão
(Juvonen, Graham, & Schuster, 2003; Bullock, 2002).
É importante realçar a relação encontrada entre a percepção de segurança da
escola, o andar com armas e a satisfação com a vida e os comportamentos de
bullying. Sendo que quanto mais os alunos percepcionam a escola como sendo
insegura, mais relatam ser vítimas de bullying e mais referem incomodar os
colegas; o mesmo padrão é verificado com o porte de armas. Por sua vez, quanto
mais insatisfeitos os alunos estão com a sua vida, mais se sentem provocados e
mais provocam. Um maior consumo de álcool e de tabaco está associado com uma
maior violência sentida e exercida. Os resultados deste estudo traduzem-se em
linhas práticas de intervenção com o problema do bullying, a salientar a
importância dos alunos percepcionarem segurança nas escolas, evitar o porte de
arma e contribuir para a satisfação dos alunos.
Dos resultados das regressões de predição dos comportamentos de bullying é
importante salientar que os diferentes tipos de bullying partilham os mesmos
preditores, contudo, há pequenas especificidades e singularidades, por exemplo,
apenas o ser vítima de boato e de piadas sexuais é predito pelo consumo de
tabaco. Este resultado parece indicar que os programas de intervenção de
combate ao bullying devem ter em consideração o tipo de bullying com o qual
estão a intervir.
Durante a realização deste estudo aprofundado foram recolhidos novamente dados
no âmbito deste estudo (Matos et al, 2006). Neste estudo manteve-se a avaliação
da frequência do bullying (agressores e vítimas), mas não se repetiram as
questões relativas às formas de bullying. Em relação às duas questões incluídas
em 2006 (provocar e ser provocado) verificasse que a situação apresenta
melhorias significativas, cuja análise e associação com outros factores está em
estudo.
De salientar aqui o trabalho desenvolvido a nível das escolas (GTES, 2005,
2007a e b), onde desde 2005 as questões da violência são debatidas com alunos
dos 6 aos 15 anos, nas áreas curriculares não disciplinares e transversalmente
nos vários curricula oficiais, a par da prevenção dos consumos, sexualidade e
actividade física/alimentação (GTES, 2005; 2007a; 2007b).
A escola surge como um ambiente privilegiado para a implementação de programas
de saúde, especialmente quando as intervenções enfatizam igualmente, o papel
dos pares e da família (Calmeiro & Matos, 2005; Matos, 2005).
Frequentemente, o conhecimento acerca dos estilos de vida e das crenças é
insuficiente para promover mudança. As abordagens educacionais devem ser
focalizadas no desenvolvimento de competências de vida, porque os adolescentes
lidam simultaneamente com tarefas de aquisição de competências, de gestão das
emoções, de autonomização e de desenvolvimento de relações maduras e
integridade pessoal (Botvin & Griffin, 2004; Danish, Fazio, & Nellen,
2002; Matos, 2005; Smalley, Wittler, & Oliverson, 2004), de forma a poderem
lidar com a vida diária e com os desafios futuros. A ênfase deve ser colocada
nas percepções de competências, autonomia e auto eficácia (Calmeiro &
Matos, 2005; Matos, 2005).
Em estudos futuros seria importante, do ponto de vista individual (adolescentes
alvo de violência ou ofensores), completar os dados quantitativos com dados
qualitativos e promover estudos longitudinais que permitam perceber as
tendências/evolução ao longo do tempo, na sequência das medidas educativas
implementadas.
Uma afirmação frequentemente referida é que a violência está associada a um
estatuto social mais desfavorecido ou à pertença a um grupo étnico. O estudo
HBSC, sendo um estudo abrangente sobre os comportamentos de saúde dos jovens,
não é o estudo ideal para estudar factores socioeconómico, que necessitam de
avaliação concomitante de variáveis relativas à escolaridade, ao trabalho e ao
rendimento de ambos os pais, face ao custo de vida, por outro lado é igualmente
difícil identificar a etnia e estes dois factores muitas vezes aparecem
confundidos. No entanto, estudos anteriores (Matos, Gonçalves, & Gaspar,
2005) utilizando o mesmo instrumento em zonas com elevada concentração de
pobreza e migração, apontam que, em zonas de elevada concentração de pobreza e
migração as maiores diferenças não têm a ver com a violência mas com a
percepção de tristeza, desesperança e isolamento.
Seria por outro lado fundamental compreender o contexto escolar em que estes
fenómenos ocorrem, identificando factores ambientais que possam preveni-lo ou
agravá-lo (atitudes dos professores, atitudes dos funcionários não docentes,
formação de professores e funcionários, debate destes temas nos curricula
escolares, organização da escola do ponto de vista dos espaços livre, por
exemplo).
De considerar ainda que, embora não perdendo de vista a relevância do fenómeno,
(não somente pelos danos em termos da saúde mental dos adolescentes, mas também
em termos da sua potencial intromissão no sucesso educativo), a violência na
escola reflecte a violência da sociedade civil envolvente, pelo que desde há
muito se preconiza uma acção precoce na família e nas estruturas comunitárias
(Juntas de Freguesia, centros de jovens).
Estas assunções teóricas carecem também de verificação empírica, apontando mais
um dos caminhos para futura investigação.