Isomerismo cis-trans: de Werner aos nossos dias
a série homóloga é ascendente em termos de volume, de R = Me para Prn.
Novamente atribui-se a maior estabilização do isômero trans com relação ao
isômero cis a fatores estéricos, uma vez que a diferença entre efeitos
eletrônicos dos grupos alquilas nestes compostos é pequena72,80.
L é substituído na ordem Sb, P e As. A configuração cisé altamente favorecida
se L é trocado na ordem As<P£Sb. A diferença entre a série de compostos de
arsênio e fósforo é devida à mudança no calor de isomerização, porém entre a
série de fósforo e estibina é causada pela mudança de entropia e não de DH. A
maior concentração do isômero cis na série de complexos de platina contendo
estibina deve-se a uma menor diferença de entropia entre os isômeros nesta
série do que entre os isômeros nas séries correspondentes de fósforo e
arsina72,78.
o cloreto é trocado por iodeto. Isto deve-se provavelmente ao fato da maior
força de ligação da Pt-I quando comparada com Pt-Cl, o que significa que a
ligação Pt-L contribui mais para a força de ligação total no composto de iodo
que naquele de cloro. Deve-se considerar também que o I- apresenta maiores
propriedades s e p que o Cl-. Estes aspectos, em seu conjunto, fazem com que os
compostos contendo o iodo sejam menos polares (as ligações L-Pt-X sejam de
intensidades próximas) que seus correspondentes compostos contendo cloro (as
ligações L-Pt-X sejam de intensidades bem diferentes), o que, pelo que foi
mencionado anteriormente, conduz à formação preferencial de isômeros trans,
justificando o deslocamento do equilíbrio acima para a direita.
Estudos semelhantes aos desenvolvidos por Chatt e Wilkins77-80 foram realizados
por Redfiel e Nelson82, onde investigou-se o efeito do solvente no equilíbrio
termodinâmico para a isomerização cis-trans dos complexos fosfínicos de
paládio, [PdCl2(PMe2Ph)2] e [PdCl2PMePh2)2], e observou-se que tanto DH como DS
apresentam contribuições na solvatação de isômeros cis-trans. Deve-se ressaltar
que há duas contribuições principais tanto para DH como para DS. Para DH estas
são DH nas alterações das forças de ligações internas e DH de solvatação. Ambas
contribuições favorecem o isômero cis,pois:
as ligações paládio-fósforo devem ser mais fortes nos isômeros cis
que nos isômeros trans.
Esta afirmação deve-se ao fato de que átomos de fósforo têm maior tendência de
formar ligações pcom os metais que o cloro. Isto permite concluir que os
isômeros que apresentam maior quantidade de ligações com caráter de dupla, M-P,
devem apresentar maior força de ligação global, o que deve recair sobre os
isômeros cis, nos quais os átomos de fósforo encontram-se trans aos átomos de
cloro, P-M-Cl e competem com estes cloretos em relação aos elétrons dos
orbitais d do metal. Tal competição favorece grandemente a delocalização da
densidade eletrônica do metal para os ligantes fosfínicos que são melhoresp
receptores que os cloretos e conseqüentemente formam ligações p mais fortes.
Esta contribuição para a força de ligação total deve ser menor nos isômeros
trans, onde os ligantes fosfínicos competem um com o outro pelos mesmos
elétrons do orbital d do íon metálico82.
Estima-se que a energia de ligação total dos isômeros cis de Pt(II) e Pd(II) é
aproximadamente 10 kcal mais alta que aquela dos correspondentes isômeros
trans72.
os isômeros cis apresentam momentos dipolares altos ("10.7 D)
e os isômeros trans apresentam momento dipolar zero77 e, neste caso,
as interações dipolo-dipolo entre os complexos e os solventes devem
ser maiores no isômero cis que no isômero trans. Esta diferença de
polarizabilidade resulta numa maior solvatação dos isômeros cis em
relação aos isômeros trans, de forma que durante o processo de
isomerização cis-transocorra desolvatação do solvente. Deve-se
ressaltar que este processo é exotérmico e algo da ordem de duas
moléculas de benzeno são liberadas por mol do isômero cis de Pt(II)
convertido para a forma transsendo que aproximadamente 2500 calorias
são absorvidas77-82.
Para DS as contribuições principais são DS de solvatação e DS de efeito
estérico interno. Desde que DS de efeito estérico interno deve ser pequeno,
pois envolve apenas a perda de alguns graus de liberdade rotacionais e
vibracionais, o termoDS de solvatação deve ser o termo mais significante81.
Em vista das razões acima descritas, DS favorece a geometria trans e DH
favorece a geometria cis e desde que ambos os termos são dominados por
interações dipolo-dipolo entre o solvente e o complexo, as espécies trans devem
ser as mais abundantes em solventes com mais baixos momentos dipolares. Isto
significa que os isômeros trans apresentam pouca afinidade pelas moléculas dos
solventes, ocasionando mais baixos valores de DS . Neste caso é provável que o
momento dipolar do solvente seja o fator mais importante e determinante na
geometria do complexo em solução82. Em outras palavras, para efeito prático,
pode-se dizer que isômeros cis quadrado planares de Pd(II) e Pt(II) com
fosfinas são geralmente muito menos solúveis que os isômeros transem solventes
não polares ou pouco polares, tais como éter dietílico ou éter de petróleo, por
exemplo, porém dissolvem-se um pouco em benzeno, provavelmente devido a
relativa planaridade e possibilidade de polarização das moléculas do C6H6, as
quais podem associar-se com as também planas moléculas dos complexos77-82.
Desde os estudos desenvolvidos por Chatt e Wilkins77-80, os quais fundamentam
processos de isomeria cis-trans em complexos quadrado planares, uma infinidade
de novos trabalhos sobre reações de isomerização deste tipo foram reportados na
literatura, indicando um constante interesse por estes sistemas15,30,38. Assim,
a investigação da isomerização cis-transdo complexo bis(pentafluorofenil)bis
(tetraidrotiofeno)paládio(II), [Pd(C6F5)2(tht)2], realizado por Minniti35, que
relataremos a seguir, é apenas um exemplo recente, entre muitos outros,
encontrado na literatura14,17. Os complexos cis- e trans-[Pd (C6F5)2(tht)2 ]
(tht = tetraidrotiofeno) isomerizam-se espontaneamente em clorofórmio, levando
a uma mistura de equilíbrio, onde a espécie cis é a predominante. A constante
de velocidade de primeira ordem, para a isomerização neste sistema, Ktc , e a
constante de equilíbrio, Keq, foram medidas em diferentes temperaturas, por
ressonância magnética nuclear de próton. A isomerização sofre retardo pela
adição de tht e é caracterizada por um alto valor de entalpia de ativação
(DHtc = 137 ± 6 kJ mol-1) e um valor positivo grande, de entropia de ativação
(DStc#= 83 ± 19 J K-1 mol-1). O mecanismo de isomerização para este sistema foi
possível de ser sugerido quando foi realizada a substituição do tht por 2-
metilpiridina em trans-[Pd(C6F5)2 (tht)2] a qual é caracterizada por uma baixa
entalpia de ativação (DHN#= 51 ± 2 kJ mol-1) e uma entropia negativa de
ativação (DSN#= -114 ± 4 J K-1 mol-1). O alto valor da entalpia de ativação e o
grande valor da entropia de ativação observados no processo de isomerização, em
contraste com a baixa entalpia e entropia de ativação negativa encontrados para
a reação de substituição do trans-[Pd(C6F5)2 (tht)2] suportam a sugestão de
quebra da ligação M-tht, proposta no esquema 1 abaixo, envolvendo a perda
dissociativa do tht e a interconversão de dois intermediários geometricamente
distintos tricoordenados35
Os demais elementos do grupo da platina também são alvo de grande interesse no
que diz respeito ao estudo de isomerização onde verifica-se que as reações de
isomerização térmicas são as mais freqüentemente reportadas, podendo-se citar
como exemplo o recente processo de isomerização do complexo [H(dmso)2][trans-
RhCl4 (dmso-S)2] para o correspondente isômero cis, estudado por Alessio e
colaboradores36. A isomerização térmica foi seguida espectrofotometricamente e
um ponto isosbéstico a 512 nm foi mantido durante o processo. As constantes de
velocidades para este processo foram determinadas a 6 temperaturas na faixa de
35 - 60oC e os parâmetros de ativação foram calculados: DH¹ = 93 ± 3 kJ mol -1;
DS¹ = - 21 ± 6 JK-1 mol -1; k25 C = 2,15 x 10-5 s-1. Um mecanismo de
isomerização envolvendo a dissociação de um dos mutualmente trans dmso-S como
um primeiro passo, seguido pela reorganização de um intermediário
pentacoordenado e recoordenação do dmso-S, em posição cis, foi proposto pelos
autores.
Para os complexos de rutênio contendo monofosfinas estudados por Krassowski e
colaboradores20 (Figura_7), verificou-se igualmente um processo de isomerização
térmica. O complexo com todos os pares de ligantes em trans (ttt), isomeriza-se
termicamente em solução ao isômero ccc. Este isômero ccctambém isomeriza-se em
solução produzindo a espécie cct, com apenas os ligantes fosfínicos mutualmente
em trans. A estabilidade termodinâmica relativa dos três isômeros pode ser
atribuída à orientação dos ligantes em cada complexo. Uma vez que o mecanismo
de reação mais comum de complexos carbonilo metálicos é a dissociação inicial
do CO84, o efeito das mudanças nas posições dos ligantes no complexo são de
grande importância. Quando dois ligantes CO estão mutuamente em trans, eles
competem pela densidade eletrônica presente no mesmo orbital d do metal e a
retrodoação M®C é reduzida (o CO é um receptor p muito bom). Assim, ligantes CO
em posição trans tendem a labilizar um ao outro85. Considerando que as fosfinas
não são usualmente bons p receptores86 e os ligantes Cl são menos ainda, a
influênciatrans com relação ao CO diminui na ordem CO>P>Cl. Por isto, no
isômero ccc a perda do CO transà fosfina é mais difícil de ocorrer do que no
isômero ttt. As ligações M-CO transa Cl no isômero cct são ainda mais fortes e
provavelmente contribuem para que este isômero apresente-se como o produto
termodinamicamente preferido desta série20.
A referida interconversão entre os isômeros ttt e cct, quando P = BzI3P, Ph3P,
Ph2MeP, PhMe2P, Me3P, foi seguida observando-se as mudanças do estiramento CO
na região do infravermelho, onde o decréscimo inicial na absorção do isômero
ttt é acompanhado por um aumento na absorção devida ao isômero intermediário
ccc. Esta absorção ccc diminui vagarosamente com o aumento da absorção do
produto final cct. Os parâmetros de ativação para estes processos de
isomerização foram determinados encontrando-se valores positivos de DH¹e DS¹,
indicativos de mecanismo dissociativo para isomerização de complexos
hexacoordenados72,73. Um suporte adicional para a proposta do mecanismo
dissociativo foi fornecido pela constatação de que a velocidade de isomerização
aumenta com o aumento do volume estérico da fosfina e é retardado por excesso
de monóxido de carbono no meio reacional20.
O mecanismo proposto para a isomerização dos complexos [RuCl2(CO)2P2] encontra-
se ilustrado no esquema 2. A perda do CO é o passo inicial e a espécie
pentacoordenada formada inicialmente pode reagir de três maneiras : (1) ataque
do CO trans ao CO gerando o complexo de partida; (2) formação direta do produto
da isomerização cct pelo ataque do CO trans ao cloreto; (3) pseudorotação de
Berry levando a uma outra espécie pentacoordenada 5C, que conduz ao isômero ccc
(rápida) ou cct(lenta).
Assim como para os complexos de paládio estudados por Redfield e Nelson82
também a influência do solvente na isomerização cis-trans do complexo [OsCl2
(tpy)(N)]+, onde tpy = 2,2¢:6¢,2''£- terpiridina, foi observada por Meyer e
colaboradores58. Ambos os isômeros cis- e trans-[OsCl2(tpy)(N)]+(cis-trans em
relação aos cloretos)são estáveis em diclorometano. No entanto, a isomerização
ocorre se metanol é adicionado ao diclorometano, podendo-se sugerir que um
solvente potencialmente coordenante (CH3CN, CH3OH, H2O) faz-se necessário para
que o processo de isomerização ocorra. Neste caso sugere-se que o solvente
funciona como ligante neste processo de isomerização.
Exemplos de isômeros que podem ser interconvertidos tanto fotoquímica quanto
termoquimicamente são também reportados na literatura para complexos de metais
do grupo da platina36,87,88 e citamos os compostos de fórmula geral [RuCl2(N-N)
(dppb)], onde dppb = 1,4-bis(difenilfosfina)butano; N-N = 1,10-fenantrolina,
4,7-difenil-1,10-fenantrolina, 2,2'-bipiridina e 2,2'-bipiridilamina,
recentemente sintetizados, como detentores destas características89-91. A
interconversão fotoquímica foi seguida por experimentos de voltametria cíclica
e RMN 31P{1H} e verificou-se que após um período de 2 horas, sob luz solar, os
isômeros trans são levados aos isômeros cis. A ocorrência de isomerização foi
também constatada via térmica, refluxando-se os isômeros trans em
diclorometano, durante 48 horas, na ausência de luz89-91.
Um estudo sobre a conversão do isômero cis-[RuCl2(dppm)2] ao trans- [RuCl2
(dppm)2], induzido por processo redox, foi relatado por Sullivan e
colaboradores33. Outros estudos similares foram relatados por Chakravorty e
colaboradores92,93com complexos do tipo cis-[Ru(ROCS2)2(PPh3)2] e cis-[Os
(RSCS2)2(PPh3)2] (R = Et, Pri ou PhCH2) e por Ballester e colaboradores94 com
complexos do tipo cis-[Ru(S,S)(L)2], S-S = EtCOCS2, (CH2)4NCS-; L =
monofosfina, dppm [bis(difenilfosfina) metano] ou dppe [1,2 -bis
(difenilfosfina)etano].
Mais recentemente Batista e colaboradores37 reportaram a síntese e
caracterização do par isomérico cis,trans-[RuCl2(dppen)2], onde dppen = 1,2-bis
[cis(difenilfosfina) etileno]. Na figura_9 encontram-se o voltamograma cíclico
e o voltamograma de pulso diferencial obtidos para esta mistura de isômeros. Os
dois processos redox observados , com valores de E1/2, 0,54 V (picos 1 e 4) e
0,92 V (picos 2 e 3), foram considerados como reversíveis, para os isômeros
transe cis, respectivamente. As estabilidades química e eletroquímica destes
isômeros, em solução, foram analisadas por meio de eletrólises a potencial
controlado de uma solução milimolar da mistura de isômeros. Estas eletrólises
foram monitoradas por voltametria cíclica e espectroscopia de ressonância
paramagnética eletrônica. Após uma primeira eletrólise anódica, a 0,80 V
(potencial superior ao do pico 1) monitorada por voltametria cíclica ,
observou-se que as intensidades de corrente anódica e catódica do primeiro
processo redox (picos 1 e 4) tornaram-se superiores às iniciais, enquanto que
as do segundo processo redox (picos 2 e 3) tornaram-se consideravelmente menos
intensas que as observadas inicialmente. O fato das correntes anódica e
catódica dos picos 2 e 3 terem diminuído e as dos picos 1 e 4 terem aumentado
após a eletrólise realizada a 0,80 V, indicou que na solução em estudo a
concentração do isômero cis oxidado diminuiu e a do isômero transaumentou. Isto
sugere que o isômero cis oxidado é instável e isomeriza-se à forma trans. De
fato, após uma segunda eletrólise anódica, desta vez a 1,10 V (potencial
superior ao do pico 2), observou-se que as intensidades de corrente anódica e
catódica dos picos 1 e 4 aumentaram mais ainda, em relação à observada
anteriormente, e os picos 2 e 3 desapareceram por completo. A comparação entre
os valores das correntes de pico dos processos redox após eletrólise anódica a
0,80 e 1,10 V, indicou que realmente o isômero cis foi quantitativamente
convertido no trans durante a eletrólise.
CONCLUSÕES
Esta breve revisão sobre isômeros cis-trans permite-nos as seguintes
conclusões:
1) Diferentes isômeros podem apresentar distintas propriedades
físicas e/ou químicas e mudanças de metal, ligante, solvente ou
temperatura de reação podem conduzir à formação preferencial de um
dado isômero;
2) A obtenção de compostos puros é dificultada pelo desconhecimento,
a priori, das rigorosas condições reacionais que podem conduzir à
sintese seletiva de um ou outro isômero específico ou mesmo pela
dificuldade em isolá-los de misturas;
3) Embora mecanismos de isomerização sejam propostos, muitos deles
são feitos de forma mais intuitiva que fundamentada em dados
experimentais, os quais às vezes são muito difíceis de serem
observados dada a dificuldade de obtenção de evidências concretas que
comprovem as sugestões propostas.