Sobrevida de pacientes com estenose biliar maligna baseada no escovado
endoscópico e na bilirrubinemia
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
As causas de estenose dos ductos biliares extra-hepáticos são variadas.
Carcinoma de pâncreas e colangiocarcinoma são as doenças malignas mais
prevalentes, seguidas pelo câncer ampular, carcinoma de vesícula biliar e
linfadenopatia hilar metastática. Entre as estenoses benignas destacam-se
pancreatite crônica, estenose pós-cirúrgica e inflamação crônica não-específica
provocada por cálculos biliares. Outras doenças benignas que comprometem esses
ductos são a colangite esclerosante primária e a síndrome de Mirizzi(22, 40).
A conduta nos pacientes com suspeita de estenose biliar maligna deve ser
baseada no diagnóstico definitivo(3), embora muitos casos sejam conduzidos sem
confirmação histológica(12). A obtenção de tecido para diagnóstico é difícil,
mas essencial para o planejamento terapêutico e a definição do prognóstico,
evitando investigação adicional(22).
O valor do quadro clínico dos pacientes acometidos por doença obstrutiva biliar
na determinação da etiologia é limitado(6). No entanto, perda de peso e
hiperbilirrubinemia, em casos de estenose maligna, são altamente preditivos de
má qualidade de vida(1).
Entre os exames disponíveis, a pancreatocolangiografia retrógrada endoscópica
(PCRE) ainda é o padrão-ouro na investigação de pacientes com estenose biliar,
pois permite determinar o nível da obstrução e extensão do envolvimento do
ducto(2, 44). Apresenta ainda a vantagem de permitir a coleta de tecido e
fluido para o diagnóstico diferencial entre lesão maligna e benigna(34). Além
disso, a PCRE oferece a oportunidade de realizar drenagem paliativa da via
biliar em casos não-cirúrgicos(8, 12). O tratamento paliativo com inserção de
prótese plástica ou metálica tem importância crescente, pois a maioria dos
pacientes com icterícia obstrutiva de etiologia maligna está em fase avançada
da doença(8).
O diagnóstico definitivo deve ser baseado na análise tecidual do material, que
pode ser obtido durante a PCRE por coleta de bile ou secreção pancreática,
escovado, biopsia ou punção aspirativa com agulha fina(26). Entretanto, ainda
não existe técnica ideal para coleta de tecido durante PCRE. Tal técnica
deveria ser simples, segura, de baixo custo e com alta sensibilidade e
especificidade. Todos os métodos disponíveis no momento têm de baixa a moderada
sensibilidade, mas com especificidade quase absoluta(7). O escovado é o método
mais usado devido ao fato de ser simples e seguro(8, 17).
Embora a especificidade do escovado para a detecção de câncer se aproxime de
100%, sua sensibilidade é menor, variando de 30% a 70% na maioria dos estudos
(11, 14, 15, 18, 19, 23, 25, 29, 30, 33, 36, 39, 40, 41, 43, 45, 46). Em uma
revisão com oito estudos, englobando 578 casos de câncer em um total de 837
pacientes, a sensibilidade para o diagnóstico de malignidade foi de 42% e a
especificidade 98%(8). Em quase todos os estudos analisados, apenas uma amostra
de escovado foi obtida. A principal causa da sensibilidade limitada do escovado
parece ser a presença de amostras celulares inadequadas.
O objetivo deste estudo foi avaliar a importância do duplo escovado e da
bilirrubinemia na determinação da sobrevida dos pacientes acometidos de
estenose biliar de etiologia maligna.
CASUÍSTICA E MÉTODO
No estudo foram incluídos prospectivamente pacientes submetidos a PCRE no Setor
de Endoscopia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no período de
abril de 1999 a janeiro de 2002, que apresentavam estenose localizada no ducto
biliar extra-hepático, podendo comprometer também os ductos biliares intra-
hepáticos principais. Foram excluídos aqueles com tumores periampulares
visíveis endoscopicamente, estenoses que não permitiam a passagem de fio guia,
escova ou dilatador, bem como os casos submetidos a citologia por escovado ou
introdução de prótese biliar antes do início do estudo. O projeto de pesquisa
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo (UNIFESP).
Antes da PCRE, foram registrados os dados de cada paciente referentes a sua
identificação e os valores de bilirrubina total (BT) e direta (BD).
A PCRE foi realizada com as técnicas habituais. Após identificação da estenose,
foi posicionado fio guia acima da mesma. A citologia por escovado foi realizada
com o conjunto de Geenen® (GRB-210-3-1.5; Wilson-Cook Medical Inc., Winston-
Salem, NC, EUA). Após a retirada do fio guia, a escova foi introduzida no
interior da capa e posicionada na região estreitada. A capa foi, então, puxada
até logo abaixo da estenose, sendo o escovado colhido com múltiplos movimentos
de vai-e-vem. Em seguida, a escova foi retirada através da capa e o fio guia
reintroduzido para manter acesso à via biliar. A dilatação da estenose foi
então realizada com cateter dilatador de 10 Fr, introduzido sobre o fio guia.
Retirado o dilatador, o processo de coleta de citologia por escovado foi
repetido com outra escova do mesmo modelo. De acordo com indicações
individualizadas, a via biliar foi drenada com prótese.
O material celular aderido a cada escova foi transferido para seis lâminas de
vidro, imediatamente fixadas em solução de etanol a 95% (três lâminas) e secas
ao ar (três lâminas). Os esfregaços foram avaliados por citologista experiente.
As lâminas fixadas em etanol a 95% e secas ao ar foram coradas,
respectivamente, pela técnica de Papanicolaou e Giemsa. Os resultados da
citologia foram classificados conforme características estabelecidas em estudo
anterior por RABINOVITZ et al.(37), que empregaram critérios padrões de
citologia para malignidade(20). As amostras foram consideradas: negativas para
células malignas, atípicas, material insuficiente para diagnóstico, suspeitas
para células malignas ou positivas para células malignas.
Para análise estatística, os casos de material insuficiente e os negativos para
malignidade foram considerados benignos, enquanto os atípicos e suspeitos para
malignidade foram associados aos certamente malignos.
Os pacientes foram acompanhados até julho de 2002 ou até o óbito, para
determinação do diagnóstico final, detecção de complicações relativas ao
procedimento e sobrevida. O diagnóstico definitivo foi estabelecido por
descrição cirúrgica, às vezes com exame anatomopatológico da lesão, por
diagnóstico histocitológico da lesão primária, infiltração de órgão adjacentes
ou metástases, ou pela evolução clínica e exames complementares.
Análise estatística
As variáveis numéricas foram descritas através de média, desvio padrão e
mediana. Foram comparadas entre os grupos com doença maligna e benigna através
do teste t de Student.
Foram calculados sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e
negativo, e acurácia no diagnóstico de malignidade, com os respectivos
intervalos de confiança de 95% (IC 95%), para escovados biliares.
O método de Kaplan-Meier foi usado para calcular e construir curvas de
sobrevida dos pacientes com doença maligna. Os resultados da citologia e os
valores de BT e BD foram usados para dividir os pacientes em grupos. O ponto de
corte das bilirrubinas foi a mediana. As curvas foram comparadas usando o teste
log rank.
Em todas as comparações, resultados de P inferiores ou iguais a 0,05 foram
considerados significativos.
RESULTADOS
Foram avaliados 50 pacientes consecutivos com estenose de ducto biliar
submetidos a PCRE com citologia por escovado. O diagnóstico final de doença
maligna, causando estenose da via biliar, foi feito em 40 pacientes:
adenocarcinoma de pâncreas (18), colangiocarcinoma (17), neoplasia de vesícula
biliar (2), metástases (2) e carcinoma neuroendócrino do pâncreas (1).
Observou-se doença benigna em 10 pacientes: pancreatite crônica (6) e estenose
inflamatória (4).
Os pacientes foram acompanhados até julho de 2002 ou até o óbito. Apenas três
do grupo com doença maligna estavam vivos ao término do estudo, sendo um caso
de colangiocarcinoma ressecado cirurgicamente, com boa evolução após 14 meses
de diagnóstico, e dois casos de câncer de pâncreas com 6 meses de diagnóstico:
um submetido a cirurgia e outro em estádio avançado da doença. Entre os
pacientes do grupo com doença benigna, todos estavam vivos após acompanhamento
de 17 a 39 meses, exceto um com diagnóstico de pancreatite crônica. Tal
paciente apresentou acidente vascular cerebral e tuberculose pulmonar no pós-
operatório tardio de cirurgia de Whipple, com óbito 17 meses após a PCRE.
O número total de homens (25) e mulheres (25) incluídos no estudo foi idêntico,
sendo que as mulheres representavam 55% do grupo com doença maligna e 30%
daquele com doença benigna, sem diferença estatística. Os pacientes com doença
maligna eram significativamente mais velhos (P= 0,02), com média de idade de 64
anos (42 a 82 anos), enquanto aqueles com doença benigna apresentavam média de
54 anos (39 a 68 anos).
Os valores de BT e BD estavam significativamente mais elevados no grupo com
doença maligna (Tabela_1).
Os resultados da combinação dos escovados biliares obtidos nos 50 pacientes
antes e depois de dilatação da estenose com dilatador de passagem de 10 Fr
foram avaliados (Tabela_2). A combinação dos resultados foi considerada
positiva, se pelo menos um escovado foi positivo. O material coletado foi
insatisfatório para diagnóstico citológico em nove pacientes (18%).
A positividade do escovado foi maior nos casos de colangiocarcinoma (76,5%) do
que no carcinoma de pâncreas (50%) e outros tumores (60%). O número pequeno de
pacientes pode ser responsável pela ausência de significância estatística.
Os pacientes com doença maligna tiveram baixa sobrevida (Figuras 1, 2, 3, 4,
5). Foi analisada a sobrevida dos pacientes acometidos por doença maligna
conforme os resultados da citologia por escovado e/ou os valores de BT e/ou BD.
Observaram-se complicações em seis casos: pancreatite aguda (dois), obstrução
precoce de prótese (dois), sangramento após esfincterotomia de acesso (um) e um
óbito 4 dias após o procedimento num paciente com perfuração de alça aferente,
que apresentava gastrectomia com reconstrução a Billroth II e colangiocarcinoma
em estádio avançado.
DISCUSSÃO
Estenoses biliares com aspecto maligno podem ser encontradas durante a PCRE,
mas a diferenciação precisa entre etiologia benigna e maligna continua sendo um
desafio. A coleta de material dessas lesões durante a PCRE é a forma mais
prática para obtenção de diagnóstico tecidual, pois tais pacientes são
geralmente avaliados e tratados inicialmente com base nesse exame(10). Essas
amostras teciduais têm papel valioso, principalmente na conduta daqueles
pacientes que não são considerados candidatos à cirurgia. A definição
diagnóstica durante a PCRE evita que o paciente seja submetido a outros testes
invasivos e permite a instituição imediata de tratamentos paliativos(8).
O escovado, método escolhido para este estudo, é o mais utilizado na avaliação
das estenoses biliares, por ser tecnicamente simples, seguro e rápido(13, 14,
25, 41, 45, 46). Vários estudos sobre a técnica do escovado surgiram desde a
sua primeira descrição em 1975, por OSNES et al.(32).
De acordo com os resultados da presente pesquisa, a idade do paciente deve ser
considerada na formulação da hipótese diagnóstica. A média de idade dos
acometidos por doença maligna era 10 anos superior à daqueles com doença
benigna.
Os maiores valores de BT e BD no grupo com doença maligna sugerem que as
estenoses biliares malignas sejam mais acentuadas que as de origem benigna. No
estudo de BUFFET et al.(5), envolvendo 100 pacientes com doenças
biliopancreáticas malignas e benignas, o valor médio da bilirrubinemia também
foi significativamente maior em doença maligna do que em doença benigna.
Alguns estudos(29, 30, 33, 42) excluíram os pacientes com citologia inadequada,
obtendo conseqüentemente, sensibilidade mais elevada para câncer do que seria
se todos os casos submetidos a escovado fossem analisados. No presente estudo,
se os pacientes com material insatisfatório para avaliação citológica fossem
excluídos, a sensibilidade para câncer aumentaria para 78,1%.
Amostras citológicas e histológicas obtidas de estenoses biliares geralmente
são classificadas como malignas, benignas ou atípicas. O termo atipia ou
displasia se refere a alterações celulares causadas por lesões neoplásicas,
pré-neoplásicas ou inflamatórias, que têm algumas características de
malignidade, mas insuficientes para sua classificação como tal(28, 38). Essas
alterações celulares são geralmente encontradas na periferia de carcinomas,
portanto a coleta inadequada pode resultar em interpretação de atipia(24). A
atipia de alto grau levanta grande suspeita para a presença de câncer, mas a
atipia de baixo grau pode estar relacionada à lesão benigna ou pré-neoplásica,
devendo ser interpretada em conjunto com o quadro clínico do paciente(21, 24,
28).
Na presente série, os escovados com suspeita para malignidade ou atipia foram
considerados como testes positivos para câncer na análise estatística, assim
como nos trabalhos de VANDERVOORT et al.(45) e FARRELL et al.(10). LEHMAN(27)
relatou que pacientes com suspeita de carcinoma de pâncreas e atipia em
amostras teciduais de ducto biliar ou pancreático, apresentaram câncer em mais
de 95% dos casos. De BELLIS et al.(9) sugeriram que as células atípicas
identificadas pela citologia em seu estudo poderiam ter sido consideradas como
malignas sem resultados falso-positivos.
A insinuação de que interpretações citológicas de atipia ou suspeita de
malignidade sejam equivalentes à malignidade, porém, deve ser feita com extrema
cautela. A premissa de que essas diferentes interpretações citológicas sejam
equivalentes não é invariavelmente aceita(47). Resultados de avaliação
citológica compatíveis com atipia devem estimular pesquisa mais vigorosa da
lesão comprometendo o ducto biliar.
O tipo de tumor influencia o resultado do escovado e da biopsia intraductal(36,
43). A positividade do escovado biliar para o diagnóstico de colangiocarcinoma
(44% a 80%) tem sido superior em relação ao câncer de pâncreas (15% a 37%)(9,
18, 30, 33, 35, 43, 45). Neste trabalho, a positividade do escovado biliar na
detecção de colangiocarcinoma (76,5%) também foi superior à dos pacientes com
carcinoma de pâncreas (50%) e outros tumores (60%). No início, tumores
pancreáticos e metastáticos comprimem o ducto biliar extrinsecamente ou
manifestam crescimento submucoso, sendo pouco provável que, escovando a
superfície epitelial do ducto, eles sejam diagnosticados. Por outro lado, tumor
primário de ducto biliar, originado do próprio epitélio ductal, é diagnosticado
provavelmente com maior facilidade(12, 16).
A etiologia mais encontrada no presente estudo para estenose biliar foi câncer
de pâncreas. Infelizmente, os sintomas mais comuns dessa doença (perda de peso,
dor e icterícia) ocorrem quando o tumor está avançado. Os tumores que acometem
a via biliar também se desenvolvem habitualmente sem sintomas precoces, sendo o
diagnóstico realizado de forma tardia. Conseqüentemente, tanto câncer de
pâncreas, quanto colangiocarcinoma e câncer de vesícula têm índices de
sobrevida desanimadores e as formas de tratamento disponíveis têm pouco ou
nenhum efeito no prolongamento da vida desses pacientes(31).
A sobrevida dos pacientes com doença maligna, constatada no presente estudo,
foi muito baixa, menor do que 20% em 1 ano. Os pacientes com escovado positivo
ou maiores valores de BT ou BD, analisados separadamente, apresentaram
tendência a menor sobrevida, embora sem significado estatístico. A associação
de citologia positiva ou BD >15,5 mg/dL no mesmo grupo de pacientes, elevou o
nível de significância para menor sobrevida. Já a análise da sobrevida dos
pacientes com citologia positiva ou BD >15,5 mg/dL ou BT >21,5 mg/dL,
associados no mesmo grupo, foi significativamente inferior à dos demais (P=
0,05). Esse fato permite supor que os pacientes com citologia positiva ou
níveis elevados de bilirrubinas (BT ou BD), provavelmente, se encontravam em
fase mais avançada da doença. O diagnóstico citológico poderia, portanto, ser
obtido com maior facilidade nessa etapa. Talvez o número de pacientes avaliados
tenha sido pequeno para obtenção de significância estatística com a análise
isolada da citologia e da bilirrubinemia.
Seis pacientes apresentaram complicações da PCRE, sendo dois casos de
pancreatite aguda, dois pacientes com obstrução precoce da prótese biliar, um
caso de sangramento em esfincterotomia de acesso e um de perfuração da alça
aferente. Todos esses pacientes evoluíram satisfatoriamente, exceto o último,
que tinha gastrectomia com reconstrução a Billroth II e colangiocarcinoma em
estádio avançado, que evoluiu para óbito, apesar de tentativa de tratamento
cirúrgico, 4 dias após a PCRE. Em estudo prospectivo publicado recentemente(4),
que incluiu 621 pacientes com anastomose a Billroth II submetidos a PCRE, foram
encontradas complicações em 4,7% (29/621) dos casos. A complicação mais
freqüente foi perfuração (10 casos), sendo 5 de intestino delgado enquanto o
endoscópio era manipulado dentro da alça aferente e 5 pacientes com perfuração
retroduodenal.
CONCLUSÃO
A positividade do escovado biliar para malignidade e os níveis elevados de BT e
BD em pacientes com estenose biliar podem estar relacionados à doença avançada
e, conseqüentemente, menor sobrevida. Estudos envolvendo maior número de
pacientes são aguardados para melhor esclarecimento deste assunto.