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BrBRCVHe0004-28032010000200011

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variedadeBr
ano2010
fonteScielo

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Associação entre gradiente de pressão portal e ascite em pacientes com cirrose ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Associação entre gradiente de pressão portal e ascite em pacientes com cirrose

Relationship between portal pressure gradient and ascites in cirrhotic patients

Sirlei DittrichI; Angelo Alves de MattosII; Ângelo Zambam de MattosII; Alexandro Vaesken AlvesII; Fernanda Branco de AraújoII IServiço de Gastroenterologia Clínica e Cirúrgica, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS IIDisciplina de Gastroenterologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde, Porto Alegre, RS Correspondência

INTRODUÇÃO A hipertensão portal (HP) é uma síndrome clínica caracterizada por aumento patológico na pressão venosa portal e pela formação de colaterais portossistêmicas, através das quais ocorre desvio do fluxo sanguíneo portal para a circulação sistêmica(6). A causa da HP é vasta, porém, em países desenvolvidos, a cirrose é a principal causa, sendo responsável por mais de 90% dos casos(6). A principal complicação da HP é a hemorragia digestiva por ruptura de varizes gastroesofágicas(2), no entanto, exerce papel fundamental na patogênese da ascite.

A ascite é a complicação mais comum da cirrose(3). Seu desenvolvimento ocorre em torno de 50% dos pacientes em 10 anos de acompanhamento, empobrecendo o prognóstico dos mesmos, uma vez que sua presença empresta mortalidade de 50% em 3 anos(3).

A presença de ascite não se deve exclusivamente à HP, embora ela seja o principal fator, sem o qual não é iniciada toda a série de eventos patogênicos envolvidos em seu desenvolvimento.

A avaliação da presença de HP pode ser feita a partir de dados clínicos, laboratoriais, procedimentos endoscópicos e imagéticos, mas a medida da pressão portal é o procedimento mais apropriado para avaliar sua real elevação(5, 8, 11, 12, 13, 15, 23).

Tem-se preferido a determinação da pressão portal através de método indireto.

Nesse caso, utilizam-se pontos de referência internos, como a pressão da veia cava inferior ou da veia hepática, determinando-se, então, um gradiente de pressão venosa portal(25). O método indireto de medida utilizado que reflete de forma fidedigna a pressão venosa portal é a pressão venosa hepática ocluída, pois ocluíndo-se um ramo da veia hepática, a pressão medida será a do espaço sinusoidal. Essa técnica foi desenvolvida por Myers e Taylor(25) e tem sido a mais utilizada para tal. Nesse método, o ponto de referência é a pressão venosa hepática livre, medida na junção da veia hepática e/ou na veia cava inferior. A medida da pressão venosa hepática ocluída e livre fornece gradiente entre essas duas pressões, o gradiente de pressão venosa hepática (GPVH), que é um método indireto, simples e seguro para a avaliação da pressão portal, que vem sendo utilizado mais de 50 anos(2, 4, 14, 16, 15, 31).

Em indivíduos normais, o gradiente entre a pressão venosa hepática ocluída e livre varia de 1 até 4 ou 5 mm Hg. Acima desses valores, considera-se existir HP.

Alguns estudos(24, 30) correlacionam o GPVH com o surgimento de ascite em pacientes cirróticos, sendo utilizado como valor crítico discriminativo o de 8 mm Hg, abaixo do qual não se desenvolveria o derrame peritonial.

Este estudo teve como objetivo avaliar a medida da pressão portal, realizada através do GPVH e a presença de ascite em pacientes com cirrose.

MATERIAL Em período de 5 anos consecutivos foram estudados 83 pacientes com hepatopatia crônica internados na enfermaria de Gastroenterologia e Hepatologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS, através de estudo hemodinâmico hepático, realizado no Serviço de Hemodinâmica da mesma instituição. Todos realizaram o referido estudo com o intuito de avaliar o GPVH antes da introdução da terapia farmacológica na profilaxia do sangramento decorrente da ruptura de varizes gastroesofágicas. Estes pacientes iniciaram terapia farmacológica por terem história de sangramento prévio, por ruptura de varizes gastroesofágicas (68,7%) ou por terem varizes de grosso calibre (31,3%).

O diagnóstico de cirrose foi confirmado por dados clínicos, laboratoriais e ecográficos e/ou exame anatomopatológico, sendo que este foi realizado em 16,9% dos pacientes. O exame anatomopatológico não foi realizado em um número maior de pacientes por alteração severa da coagulação ou pela riqueza dos dados clínicos, laboratoriais e/ou ecográficos a sugerirem o diagnóstico de cirrose.

Para ser definida a causa viral da hepatopatia crônica foram realizados o anti- HCV e o HBsAg. A causa alcoólica foi definida quando houvesse ingestão maior de 80 gramas de etanol por dia, durante período igual ou superior a 5 anos(14, 27, 35).

Na avaliação da função hepatocelular foi utilizada a classificação de Child- Pugh(29).

MÉTODOS Todos os pacientes realizaram estudo ecográfico para a identificação de ascite e foram submetidos a estudo hemodinâmico hepático para determinação do GPVH.

A cateterização da veia hepática foi obtida através de punção da veia femoral.

A pressão venosa hepática foi medida através da colocação de um cateter radiopaco na veia hepática sob controle radioscópico. Conectado ao cateter estava um fisiógrafo, que registrava curva de pressão. A pressão venosa hepática ocluída foi mensurada com a ponta do cateter bloqueando um ramo da veia hepática. Confirmou-se a posição correta de oclusão da mesma através dos seguintes critérios, seguindo os preceitos sugeridos por Groszmann et al.(15): 1. presença de curva de pressão estável; 2. ausência de refluxo de material de contraste para a veia hepática, ou seja, era injetado contraste, que deveria progredir e opacificar o leito sinusoidal e não refluir; 3. queda importante da pressão na retirada do cateter, ou seja, o cateter era tracionado e dever-se-ia registrar diminuição na curva de pressão. Em geral, as medidas da pressão venosa hepática ocluída em diferentes veias hepáticas, em pacientes com cirrose, são idênticas. Assim, o valor obtido inicialmente era confirmado pela oclusão de um segundo ramo da veia hepática pelo cateter. Se houvesse discrepância entre os dois valores, a pressão ocluída era mensurada novamente em uma terceira veia hepática. O terceiro valor, usualmente idêntico a um dos dois prévios, foi usado como valor final. A pressão venosa hepática livre foi mensurada na junção da veia hepática e da veia cava inferior ou na veia cava inferior(15). O GPVH foi obtido através da diferença entre a pressão venosa ocluída e livre.

Os seguintes critérios foram observados como contraindicação à realização do estudo hemodinâmico: idade menor de 18 anos, gravidez, mau estado geral, encefalopatia portossistêmica, peritonite bacteriana espontânea, hemorragia digestiva aguda, insuficiência cardíaca grau IV, insuficiência respiratória grave, alterações hemodinâmicas graves, atividade de protrombina abaixo de 50%, contagem de plaquetas abaixo de 50000 cel/mL. Ressalte-se haver estudo recente que concluiu que a atividade anormal de protrombina não estava relacionada com aumento no risco de sangramento após angiografia(34).

A não-canulação da veia hepática por problemas técnicos, também constituiu critério de exclusão.

Este projeto foi submetido a analise da Comissão de Ética da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, sendo exigido de todos os pacientes consentimento informado para a realização do estudo.

Na avaliação estatística foi utilizado o teste exato de Fisher, sendo empregado o programa SPSS 8.0. Foi considerado erro alfa de 5% (P<0,05). As variáveis quantitativas foram apresentadas em forma de média e desvio-padrão e as variáveis categóricas em forma de frequência e percentagem.

RESULTADOS Dos 83 pacientes, 59 (71,1%) eram homens e 24 (28,9%), mulheres. A idade variou de 26 a 75 anos, tendo média de 52,9 anos, com desvio-padrão de 10,1 anos. Em relação à cor, 71 pacientes (85,5%) eram brancos e 12 (14,5%), pretos.

Quanto à etiologia, em 25 pacientes (30,1%), o álcool era o único fator envolvido na causa da hepatopatia; em 26 (31,3%), o álcool estava associado aos vírus da hepatite B ou C; em 28 (33,7%), a causa era associada à hepatite pelos vírus B ou C; a cirrose foi considerada criptogênica em 4 pacientes (4,8%).

Os pacientes estudados foram divididos em grupos conforme a classificação de Child-Pugh. Assim, 23 pacientes (27,7%) eram Child A, 48 (57,8%) eram Child B, 11 (13,3%) eram Child C e em 1 (1,2%) não se obteve este dado por extravio do registro.

Dos 83 pacientes, 57 (68,7%) haviam apresentado sangramento prévio por ruptura de varizes e 26 (31,3%) tinham varizes de grosso calibre, mas nunca haviam sangrado.

Na população de pacientes avaliados, observou-se ascite em 70 doentes (84,3%).

Avaliando o estudo hemodinâmico nos 83 pacientes hepatopatas crônicos, viu-se que a média geral do GPVH foi de 15,26 ± 6,46 mm Hg.

Não houve diferença estatisticamente significante (P= 0,061) quando avaliadas as médias do GPVH nos pacientes com (14,70 ± 6,43 mm Hg) e sem ascite (18,64 ± 5,78 mm Hg).

Foi utilizado nível de corte para se avaliar o risco do desenvolvimento de ascite, para tal, utilizou-se o valor de 8 mm Hg. Entre os pacientes que apresentaram o GPVH superior a 8 mm Hg, o risco relativo do desenvolvimento de ascite foi de 0,876 (0,74-1,03), P= 0,446.

A fim de se calcular o valor preditivo positivo e negativo para a medida de 8 mm Hg para a presença de ascite, os dados estão resumidos no seguinte:

O valor preditivo positivo calculado do GPVH de 8 mm Hg para presença de ascite foi de 83%, enquanto que o valor preditivo negativo foi de 8%.

DISCUSSÃO A HP é definida como uma elevação do gradiente de pressão portal que exceda 5 mm Hg(6).

A medida dos níveis da pressão portal, através do GPVH, pode auxiliar no diagnóstico da HP (5, 15, 19), na avaliação do risco de sangramento por ruptura de varizes gastroesofágicas(11, 14, 34, 35), na avaliação de eficácia do tratamento de sua maior complicação, o sangramento por varizes gastroesofágicas (1, 17, 33, 34), na decisão terapêutica em casos de ressecção hepática(10, 20) e na avaliação do prognóstico dos pacientes(1, 2, 22, 34, 35).

A despeito do GPVH não ser realizado na avaliação diagnóstica da ascite, observação feita é a de que os níveis do GPVH se correlacionam com o surgimento de ascite(24, 30).

Assim, Morali et al.(24), ao avaliarem 522 cirróticos com e sem ascite, observaram que nenhum dos pacientes com ascite apresentava pressão sinusoidal, medida através de avaliação hemodinâmica por via transjugular, menor de 8 mm Hg.

Rector(30), por sua vez, avaliou a pressão portal em 124 pacientes com doença hepática crônica e também observou que a mais baixa medida de pressão portal verificada em pacientes com ascite foi de 8 mm Hg.

Dois estudos(1, 35) sobre prevenção do sangramento por varizes de esôfago, observaram que o risco de desenvolvimento de ascite foi menor nos pacientes respondedores ao uso de beta-bloqueadores. Sugere-se, assim, que, ao se baixarem os níveis da pressão do sistema porta, diminui-se a probabilidade dos pacientes desenvolver derrame peritonial.

No presente estudo, a alta percentagem de pacientes com cirrose e ascite é explicada pelo fato dos mesmos estarem internados em serviço de referência em hepatologia, muitos dos quais em avaliação para transplante hepático. Quando foram comparadas as médias do GPVH nos 83 pacientes com e sem ascite, não houve diferença significante entre tais valores. Além disso, foram observados 11 pacientes com ascite e GPVH inferior a 8 mm Hg (valor preditivo negativo = 8%), contrariando os estudos anteriormente citados(24, 30).

A medida da pressão portal pode oferecer resultados heterogêneos, influenciados por múltiplos fatores. Assim, quando avaliados pacientes com cirrose decorrente do uso de álcool, parece que a determinação do GPVH é mais fidedigna do que quando avaliados pacientes em que a hepatopatia é decorrente de vírus, quando a pressão estaria subestimada(7, 28). Por outro lado, mesmo em população de pacientes em que o álcool está implicado na gênese da hepatopatia, na dependência de sua supressão, pode haver diminuição dos níveis pressóricos(2, 17, 21, 36). Estudos experimentais têm demonstrado que a administração de etanol aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico em ratos normais e com HP, assim como em pacientes cirróticos. Além disso, tem sido demonstrado que o etanol tem efeito vasoconstritor na microcirculação hepática. A combinação do aumento do fluxo portal e da resistência vascular hepática leva a aumento da pressão portal(9, 21, 32). Logo, a abstinência resulta em queda do GPVH. Ressalte-se que a pressão portal também sofre oscilações, dependendo do período, na história natural da hepatopatia, em que é realizada, sem que haja justificativa para o fato(17).

A despeito desses fatores, os achados do presente estudo sugerem, além da HP, a participação mais efetiva de outros mecanismos na fisiopatologia do derrame peritonial desta população de pacientes. A HP e níveis baixos de albumina sérica contribuem para o aparecimento de ascite, porém outros fatores envolvidos, concorrendo para a precipitação das alterações hemodinâmicas, em nível sistêmico e em nível renal, decorrentes da liberação de substâncias vasoativas, e culminando com retenção de sódio e de água(26).

CONCLUSÃO Concluí-se, no presente estudo, que nível pressórico de 8 mm Hg, determinado pelo GPVH, não revela de forma definitiva a presença ou ausência de ascite no paciente cirrótico e que, tendo em vista a similitude das médias de pressão dos pacientes com e sem derrame peritonial e o baixo valor preditivo negativo deste valor, não se pode definir um ponto de corte para o surgimento de tal complicação.


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