Eugenia vinculada a aspectos bioéticos: uma revisão integrativa
Introdução
A eugenia foi proposta por Galton, pioneiro no assunto, como uma formulação de
diretrizes propostas ao estudo e manipulação de traços da hereditariedade
humana, no intuito de melhorá-las, caracterizando-as como raças, sobretudo em
suas capacidades mentais. Este aprimoramento racial faria com que os sujeitos
portadores de quaisquer deficiências estivessem impedidos pelo Estado de se
reproduzirem na sociedade (MASIERO,_2005).
Em uma perspectiva histórica de conceitos e classificações relacionados à
eugenia, no início do século XX, a eugenia positiva implicava em ações para
estimular a boa reprodução em humanos ao passo que, a eugenia negativa, em
ações para limitar a má reprodução. A partir do século XXI, surge o termo
eugenética negativa, como sinônimo de prevenção das doenças genéticas e
eugenética positiva, que consiste na especulação sobre criar ou melhorar
características físicas e mentais de um futuro ser (MAI;_ANGERAMI,_2006).
De modo conjunto, nação e modernidade se encontram entrelaçadas em questões que
envolveram a percepção e o domínio do ‘outro’ com base numa pretensa
superioridade europeia, bem como, na crença do poder da ciência e da técnica
para a solução dos problemas sociais. Questões essas, que se encontram
associadas aos movimentos promovidos em proveito de uma higiene da raça.
Pensamento que possibilitou a existência de genocídios em massa e que, serviu
de modelo a nações, como o Brasil, que desejavam atingir um grau de
desenvolvimento dentro de parâmetros das sociedades vistas como modernas e
civilizadas (WERNECK;_BATISTA;_LOPES,_2012).
A preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético, bem como, a
fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético, é dever do Estado e de toda a sociedade, nos termos do artigo 225, do
capítulo II da Constituição Federal. Com relação às pesquisas e à manipulação
genética, é preciso respeitar o princípio da solidariedade considerado pelo
ordenamento jurídico pátrio, como um dos objetivos fundamentais do País,
conforme expresso no art. 3º capítulo I dessa Constituição (BRASIL,_1988).
Em março de 2005 foi promulgada a nova lei de Biossegurança, Lei nº 11.105 com
o objetivo de estabelecer normas e mecanismos de fiscalização sobre organismos
geneticamente modificados, a fim de proteger a vida e a saúde humana, animal e
vegetal, conforme explícito em seu art. 1º. Permite a pesquisa em células-
tronco embrionárias, como visto no art. 6º, capítulo III, porém não permite que
sejam realizados procedimentos de engenharia genética em célula germinal,
zigoto ou embrião humano (BRASIL,_2005).
Aprovado pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 1.931 de 17
de setembro de 2009, o Código de Ética Médica estabelece os limites da
atividade médica, enumerando os princípios, direitos e deveres do médico, no
exercício da profissão. Esse documento aborda as questões que envolvem a
genética de forma mais específica, vedando expressamente no inciso 2º do art.
15 a realização de procedimentos de reprodução assistida como a fertilização in
vitro, com o objetivo de criar seres humanos geneticamente modificados, criar
embriões para fins de pesquisa, escolha de sexo ou eugenia (CONSELHO_NACIONAL
DE_MEDICINA,_2009).
A problemática referente à eugenia é que conforme a teoria pioneira que
subsidia essa prática existe um grupo de indivíduos considerado superior a
outros. Os indivíduos superiores têm suas características genéticas
perpetuadas, já os inferiores, devem ser de alguma forma, impossibilitados de
transcender a sua herança genética para as gerações futuras.
Diante desta contextualização, justifica-se a realização deste estudo sob a
ótica bioética, uma vez que, a prática eugênica como instrumento de
melhoramento genético provoca violação dos Direitos Humanos e do princípio da
solidariedade partindo do pressuposto de que a proteção da vida e da dignidade
da pessoa humana é direito fundamental inerente à humanidade e, essa prática,
por sua vez, pode comprometer a diversidade humana, colocando em risco a
existência da humanidade.
A relevância deste estudo está, pois, na possibilidade de que, a partir de seus
resultados, seja possível maximizar as reflexões acerca das implicações
bioéticas advindas das práticas eugênicas e, que estas possam fortalecer os
mecanismos de controle do Estado, por meio da legislação e regulamentos
vigentes que proíbem essas práticas no cenário brasileiro.
Para tanto, este estudo tem como questões norteadoras: o que versam as
produções científicas sobre eugenia e qual sua vinculação com aspectos
bioéticos? Na tentativa de responder a esse questionamento, a pesquisa
objetiva, analisar o que versam as produções científicas sobre eugenia
vinculando-as com aspectos bioéticos.
Material e métodos
Trata-se de uma pesquisa descritiva, sob a forma de revisão integrativa de
literatura, operacionalizada pelas etapas de identificação do tema e seleção da
hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão, estabelecimento
de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na
literatura, definição das informações a serem extraídas dos estudos
selecionados/categorização dos estudos, avaliação dos estudos incluídos na
revisão integrativa, interpretação dos resultados, apresentação da revisão/
síntese do conhecimento (MENDES;_SILVEIRA;_GALVÃO,_2008).
O levantamento bibliográfico ocorreu na Biblioteca Virtual em Saúde, a partir
das bases de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library Online), no período de março a
abril de 2013, utilizando os descritores: Eugenia, Raça, Etnia, Ética e
Bioética, com interrelação dos operadores booleanos and e or.
Os critérios de inclusão considerados foram: artigos nacionais completos
publicados em português, com resumos disponíveis nas bases escolhidas;
disponíveis gratuitamente; que abordassem como tema principal Eugenia. Além
desses critérios, foi estabelecido o recorte temporal de abril de 2005 a abril
de 2013 com o objetivo de incluir nesta revisão apenas pesquisas realizadas
após a promulgação da Lei nº 11.105 de março de 2005. Esta Lei estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados e seus derivados proibindo a manipulação
genética, considerando como crime a utilização de embrião humano em desacordo
com seus dispositivos, ou seja, proibindo assim, as práticas da eugenia.
Anteriormente ao estabelecimento dos critérios de inclusão, encontrou-se 157
publicações, sendo 53 na Lilacs, 33 na SciELO e 71 em ambas, simultaneamente.
Destas publicações, excluíram-se aquelas que após a leitura de títulos e
resumos, não atendiam aos critérios de pertinência e consistência do conteúdo e
que não apresentavam referência nominal ao termo eugenia ou correlatos, sendo
assim, excluídos 146 estudos. Portanto, a amostra do estudo compôs-se de 11
artigos. A seleção dos artigos foi realizada inicialmente a partir da procura
das palavras-chave no título ou no resumo e, quando necessário, consultou-se o
texto.
De posse do material para análise, seguiram-se as seguintes etapas: leitura do
material e seleção daqueles que preenchiam os critérios de inclusão, com o
cuidado de compará-los nas duas bases de dados, Lilacs e SciELO, para verificar
quais publicações estavam repetidas; elaboração de um roteiro com as
características do estudo e outras variáveis de interesse; posteriormente, foi
realizada a leitura analítica, crítica e detalhada dos textos, extraindo-se
deles os resultados que se julgaram com maior pertinência para caracterizar a
produção científica relacionada à temática.
Para a análise dos dados e posterior síntese dos artigos que foram utilizados
nessa revisão foi utilizada uma figura sinóptica elaborada para esse fim, que
contemplou os seguintes aspectos: nome dos autores; Ano de publicação; Título
do artigo; Base de dados; Periódico; Intervenção estudada; Resultados; e
Conclusão. Posteriormente, a discussão foi subsidiada a partir da integração de
outros estudos e sites governamentais que abordassem a temática eugenia sobre a
perspectiva da bioética e que alicerçasse as cinco categorias emergidas dos
resultados deste estudo.
Resultados
Foram analisados para esta revisão integrativa 11 artigos que atenderam aos
critérios de inclusão previamente estabelecidos. Dentre os artigos, a maior
parte foi encontrada nas bases de dados Lilacs e SciELO, simultaneamente, 5
(45,5%), seguidos do SciELO, 4 (36,3%) e Lilacs, 2 (18,2%), sendo o ano de 2006
com o maior quantitativo de publicações, 3 (27,3%).
Em relação à autoria dos artigos, a maior parte foi de enfermeiro, 3 (27,3%),
ocorrendo ampla abrangência de profissionais que publicaram sobre a temática
como, advogado, médico, jornalista, historiador, psicólogo, sociólogo, físico,
biólogo e pedagogo com um (9,1%) cada, não sendo possível identificar a
categoria profissional dos autores em dois artigos (18,2%). O tipo de estudo
adotado nos artigos analisados evidenciou que de revisão foram nove (81,2%),
documental, um (9,1%) e de fenomenografia, um (9,1%).
Análise relativa ao vínculo dos autores registra predominância para as
instituições de ensino e pesquisa, como a Casa de Oswal-do Cruz (COC/Fiocruz),
Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp), Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), Projeto Nacionalismo e Interna-cionalismo em
Saúde (IMS/Uerj), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/
Fiocruz), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp, Escola de Enfermagem do Ribeirão Preto, Sociedade
Brasileira de Bioética, Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade
Estadual Paulista (Unesp), Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação
Oswaldo Cruz (CpqAM/Fiocruz).
O quadro_1 apresenta a síntese dos artigos incluídos nesta revisão integrativa,
dispostos em quadro sinóptico. Os principais resultados são apresentados,
também, em forma discursiva e, posteriormente, discutidos com a integração de
outros artigos, ferramentas bioéticas, declarações, documentos legislativos,
Constituição Federal e regulamentos brasileiros que proíbem as práticas
eugênicas no Brasil. Essa integração ocorrerá a partir de núcleos de sentido
evidenciados nos artigos, que deram origem às categorias, violação contra a
diversidade humana; Violação dos Direitos humanos; Princípio da solidariedade;
Bioética do risco e da proteção e se relacionaram a cada fundamento e atributo
analisado nessas categorias.
Quadro 1 Apresentação da síntese dos artigos selecionados e utilizados na
revisão, segundo autor, ano, título, base de dados, periódico, intervenções
estudadas, resultados e conclusões. Jequié, Bahia, Brasil, 2013
Autor Título Intervenções estudadas Resultados Conclusão
Ano Base de dados
Periódico
Valdeir Del Cont 2008 Francis Galton: eugenia e hereditariedade Abordar a proposta galtoniana, procurando apresentá-la como a tentativa de Ao selecionar, por intermédio de um controle social dos cruzamentos e determinadosPossibilidade de controle da hereditariedade daquelas características que
SciELO Sci. stud elaboração de uma teoria preocupada não somente em oferecer os fundamentos traços comportamentais, o eugenista estaria contribuindo para que os elementos pudessem contribuir para o desenvolvimento de um tipo idealizado, destituído de
para a compreensão da hereditariedade, bemcomo indicar os procedimentos degenerativos fossem eliminados e os elementos benéficos fossem conservados traços considerados degenerativos, viciosos e doentios
selecionadores das melhores características populacionais
Lilian Denise Mai; Emilia Luigia Saporiti Angerami 2006 A inserção do termo eugenia na revista brasileira de enfermagem - REBEn, Analisar a inserção do termo 'eugenia' e correlatos na REBEn no período de A enfermagem tem acompanhado o movimento mais amplo em torno da eugenia nos dois A enfermagem vem sendo pautada nos conhecimentos científicos já construídos, os
1932 a 2002 1932 a 2002 primeiros momentos, ou seja, de defesa e estímulo a sua prática e seu posterior quais vêm sendo gradativamente superados, e em um conceito de eugenia
Lilacs Ciência, cuidado e saúde declínio, quando predominam conflitos éticos, legais e morais essencialmente voltado ao controle reprodutivo, não sinalizando para as
mudanças de conceitos e as novas formas de intervenção da atualidade
Lilian Denise Mai; Emilia Luigia Saporiti Angerami 2006 Eugenia negativa e positiva: significados e contradições Analisar os significados e contradições das ações eugenistas negativas e A eugenia positiva implicava em ações para estimular a boa reprodução, e a eugeImplementando ações, produziram-se contradições, como a discriminação e
SciELO Rev Latino-am Enfermagem positivas construídos concomitantemente aos avanços técnico-científicos donegativa em ações para limitar a má reprodução. Por outro lado, no início do eliminação de muitas pessoas frente a um ideal de homem, à biologização de
século XX século XXI, eugenética negativa implica em ações para prevenir doenças genétifatores eminentemente sociais à defesa da pretensa neutralidade científica e ao
eugenética positiva especula sobre criar ou melhorar características físicas e uso indiscriminado do direito de escolha reprodutiva
mentais do futuro ser
Ivana de Oliveira Fraga; Mônica Neves Aguiar 2010 Neoeugenia: o limite entre a manipulação gênica terapêutica ou reprodutiEstabelecer paralelo entre as técnicas biomédicas adotadas nas terapias Neoeugenia designa as práticas seletivas da espécie humana mediante manipulaçãoAponta a necessidade de fixar critérios para determinar o início da existência
e as práticas biotecnólogicas seletivas da espécie humana gênicas e nas práticas de reprodução assistida gênica. Discute as repercussões da medicina preditiva, a discriminação genéticdos direitos individuais, garantindo sua observância e viabilizando o respeito
Lilacs Revista Bioética as consequências dos possíveis erros ocasionados pela adoção dessas práticas, à liberdade, identidade e intimidadesgenéticas, de forma que o genótipo humano
como o reflexo das práticas biotecnológicas na esfera dos direitos fundamentais não venha a ser fator impeditivo ao gozo dos direitos fundamentais já
dos indivíduos assegurados
Márcio Andrei Guimarães;Washington Luiz Pacheco de Carvalho; Mônica Santos Raciocínio moral na tomada de decisões em relação a questões Entender como estudantes do ensino médio percebem e interpretam questões Houve divisão de opiniões em relação à eugenia negativa, que se destina a remoAs variações nas opiniões em relação ao assunto tratado podem ser, em grande
Oliveira 2010 sociocientíficas: o exemplo do melhoramento genético humano relacionadas à manipulação genética em seres humanos características desfavoráveis das pessoas; mas a eugenia positiva, que busca medida, devidas às representações sociais dos estudantes
SciELO Ciênc. educ. (Bauru) melhoramento de características estéticas, foi rejeitada por todos os estudantes
Josué Laguardia 2005 Raça, genética & hipertensão: nova genética ou velha eugenia? Apontar os pressupostos etiológicos que embasam os argumentos racializadores Existência de doenças étnicas com base na análise de agregados e descrição deQuando a genética e a doença genética estão entrelaçadas com raça e os
Lilacs e SciELO Hist. cienc. saude-Manguinhos da hipertensão, as hipóteses alternativas presentes na literatura científicdiferenças físicas representa uma intervenção no domínio da saúde pública questereótipos a ela associados, as minorias étnicas e raciais são os alvos
e os aspectos éticos implicados nesses estudos se justifica diante dos achados genômicos e das limitações metodológicas dos preferenciais de práticas estigmatizantes, coercitivas e discriminatórias
estudos epidemiológicos
André Luís Masiero 2005 A psicologia racial no Brasil (1918-1929) Demonstrar como teorias raciais chegaram ao Brasil. Por volta de 1869, Foram analisados os anais da Sociedade Eugênica de São Paulo (1919) e os trabalhoEsta aproximação gerou uma 'psicologia racial' no Brasil, a qual pretendia
Lilacs e SciELO Estud. psicol. (Natal) entraram no âmbito das ciências psicológicas e direcionaram conceitos e apresentados no 1º Congresso Brasileiro de Eugenia (1929), que tiveram como meta reduzir os saberes psicológicos a uma suposta problemática racial
práticas 'melhorar a raça nacional'. Participaram psicólogos, psiquiatras e antropólogos
que se aproximaram do racismo científico, muito difundido pelo mundo no início do
século XX
Robert Wegner; Vanderlei Sebastião de Souza 2013 Eugenia 'negativa', psiquiatria e catolicismo: embates em torno da Analisa o diálogo do eugenista Renato Kehl comum grupo de psiquiatras Entusiasmados com as pesquisas e a aplicação de medidas eugênicas em países comDe acordo com o que tem sido apontado pela historiografia, a eugenia mais
esterilização eugênica no Brasil brasileiros que, no início da década de 1930, aproximaram-se da chamada os EUA e a Alemanha, autores elegeram a religião católica como empecilho para queradical teve poucos adeptos no Brasil ou, ao menos, perdeu sua força exatamente
Lilacs e SciELO Hist. cienc. saude-Manguinhos eugenia negativa o Brasil pudesse seguir caminho semelhante, especialmente quanto à resistência àno momento em que se discutia a lei de esterilização alemã
implantação da esterilização dos ditos ‘degenerados’ que passara a vigorar na
Alemanha em 1934
Elisabete Kobayashi; Lina Faria; Maria Conceição da Costa 2009 Eugenia e Fundação Rockefeller no Brasil: a saúde como proposta de Construir como foi o cenário no qual a eugenia, de maneira geral, e a A eugenia brasileira, nas duas primeiras décadas do século XX, possuía As ações da Fundação Rockefeller, naquilo que se refere à eugenia, na Alemanha,
regeneração nacional brasileira, especificamente, se desenrolou trazendo à tona as posturas de características particulares. Em primeiro lugar: a crença de que as condições dou ao sanitarismo/eugenia no Brasil, não eram ações isoladas, mas parte de uma
SciELO Sociologias alguns eugenistas brasileiros meio ambiente incidiriam diretamente na constituição do povo brasileiro. Segundo:política de cooperação internacional. Novamente, ao contrário do que alguns
a busca por soluções que tendessem às peculiaridades do país e não simplesmentautores querem nos levar a crer, não foi um ato isolado, mas sim uma política
reproduzissem o que os eugenistas estrangeiros acreditavam. Terceiro: a defesa de de incentivo à ciência em escala mundial
um ideal de regeneração de uma raça, ao contrário da tese de degeneração defendida
em outros países
Cristiane Oliveira 2011 Eugenizar a alma: a constituição da euphrenia no projeto de higiene mentalAnalisa a constituição da ‘euphrenia’ como um novo domínio para a psiquAnálise de saberes médicos e psicológicos acerca do psiquismo infantil no BrasilCom efeito, aspirava-se interferir na antropologia vindoura: fabricar um
voltado à infância da Liga Brasileira de Hygiene Mental brasileira na sua abordagem eugênica e higiênica da infância das décadas de 1920 e 1930, descortina a intensa circulação afetiva intrafamiliaindivíduo que, se não podia ser selecionado rigorosamente pela eugenia, deveria
Lilacs e SciELO Rev. Latinoam. Psicopat. Fund. como ponto de ancoragem para um projeto de normalização social, ainda centrado nareceber da medicina uma profilaxia mental (leia-se sexual) para ser
eugenia, mas já atravessado por uma psicologia da adaptação hiperajustado à norma
Flavia Miranda Gomes de Constantino Bandeira; Yara de Miranda Gomes; Saúde pública e ética na era da medicina genômica: rastreamentos genétiContextualizar o campo da saúde pública diante dos grandes avanços da O Projeto Genoma Humano gerou várias expectativas, dentre elas: a possibilidade deUma discussão de todos esses tópicos é essencial para que a saúde pública seja
Frederico Guilherme Coutinho Abath 2006 Lilacs e SciELO Rev. Bras. Saúde Matern. Infant biotecnologia e genética aplicada, destacando elementos para a rastrear genes associados a doenças e comportamentos, e mais ainda, de intervir beneficiada com as informações obtidas através da análise genômica das
problematização do tema, tais como: benefícios e questões éticas relaciongeneticamente no ser humano, levantando preocupações relativas ao renascimento dapopulações
aos rastreamentos genéticos eugenia, ao aconselhamento genético, e ao uso da informação genética como critério
de acesso aos planos de saúde e postos de trabalho
Fonte: Elaboração própria
Discussão
A partir da análise dos resultados, verificou-se que apesar de não serem
encontrados estudos que abordassem diretamente a eugenia e a sua relação com a
bioética, foi possível notar que vários destes, suscitaram considerações de que
a eugenia é uma prática maléfica à humanidade e que contradiz os princípios
bioéticos. Destarte, a partir de tais resultados emergiram quatro categorias
que se vinculam com aspectos bioéticos e, como a eugenia também é considerada
como uma prática benéfica, devido a possibilidade de prevenir o nascimento de
indivíduos com doenças hereditárias, emergiu outra categoria com argumentos
favoráveis, como descrita.
Violação contra diversidade humana
Na Alemanha, a eugenia norte-americana inspirou nacionalistas defensores da
supremacia racial, entre os quais Hitler, considerado como nazista, que nunca
se afastou das doutrinas eugenistas de identificação, segregação,
esterilização, eutanásia e extermínio em massa dos indesejáveis, e legitimou
seu ódio fanático pelos judeus envolvendo-o numa fachada médica e
pseudocientífica (GUERRA,_2006).
Uma das mais expressivas características do nazismo foi a superioridade racial
do povo ariano, que se enquadrava nas políticas públicas eugenistas e racistas
pregadas pelo líder e chefe do governo alemão Adolf Hitler, que criou
artifícios a fim de eliminar qualquer ameaça de ‘sujar’ a raça considerada
perfeita, utilizando os seres humanos como cobaias, principalmente na II Guerra
Mundial. Após esses atos, foi criado o primeiro código de ética, o Código de
Nuremberg, que em seu art. 2º consagra o princípio da beneficência:
O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a
sociedade, os quais não possam ser buscados por outros métodos de
estudo, e não devem ser feitos casuística e desnecessariamente.
(TRIBUNAL_INTERNACIONAL_DE_NUREMBERG,_1947, p. 2).
Conforme Cont_(2008), um dos primeiros caminhos para o estabelecimento de uma
ciência eugênica se estabeleceu enquanto conjunto de práticas envolvendo os
trabalhos de Francis Galton e a influência que exerceu sobre um grupo de
indivíduos, conhecidos como biometristas e que tinha a preocupação em encontrar
regularidades estatísticas que pudessem indicar a prevalência de certas
características em um dado conjunto populacional. Neste sentido, Guimarães,
Carvalho_e_Oliveira_(2010)relembram que no início do filme Gattaca, clama-se
justamente por uma reflexão a respeito dos avanços genéticos, sobretudo no que
se refere à eugenia, seja ela positiva ou negativa.
Fazendo um comparativo simplista entre eugenia positiva e negativa entende-se
que a primeira preza por estimular a seleção eugênica na promoção de casamento
entre pessoas aptas à procriação saudável e a última cuida do oposto, reduzindo
o número de seres denominados disgênicos ou degenerados, por assim não atender
ao padrão de perfeição dos seus conceitos. Para tanto, impunha medidas de
extermínio, limitação da procriação e esterilização de classes de negros,
mulatos e mestiços, pois estes eram considerados como elementos inferiores
(MAI;_ANGERAMI,_2006).
Os princípios defendidos pela eugenia negativa, prevalente na Alemanha,
conduziam a um racismo cientifico e a um determinismo biológico de cunho
radical. Esta teoria proibia uniões afetivas entre raças distintas,
principalmente no que se refere a casamentos entre pessoas brancas, pretas e
indígenas já que considera a miscigenação como motora do desenvolvimento de
degeneração nacional (WEGNER;_SOUZA,_2013).
Dentre outros princípios para aplicar técnicas eugênicas no homem, encontra-se
a de ‘corrigir’ a causa de algumas doenças (por exemplo, doença fibrocística,
algumas imunodeficiências, talassemia). Esta portanto, seria uma maneira de
eugenia moralmente aceitável por alguns indivíduos da sociedade que consideram
estas técnicas como soluções aceitáveis para se obter seres humanos perfeitos
vivendo em um conjunto social (LONCARICA;_OUTOMURO;_SÁNCHEZ,_2004).
A partir desta perspectiva, os seres humanos seriam classificados em indivíduos
segregadores da perfeição ou degeneração da raça humana e, assim, o objetivo da
eugenia seria colaborar evitando a proliferação dos piores e a reprodução dos
melhores. Nesta ideologia, de racismo predominante, esta segregação seguia
critérios, do tipo habilidades intelectuais, onde o branco era tido como mais
inteligente do que o negro, além de outros aspectos a serem observados, a
exemplo da loucura, feiúra, idiotice, deficientes auditivos e vocais, pessoas
com epilepsia, paraplégicos, entre outros (MASIERO,_2005).
Em se tratando do Brasil, no contexto da eugenia, era visto como um País doente
e pobre, carente de ações em saneamento. As doenças desse período eram
atribuídas aos pobres, negros e mestiços, rotulados como povo ignorante, imoral
e vicioso. Assim, a eugenia era racista em seus preceitos já que designava as
raças sugerindo sempre a raça negra na culpabilização destas situações
(KOBAYASHI;_FARIA,_2009).
Isto deixou de ser permitido e aceitável a partir da promulgação de leis, a
exemplo, a Lei nº 12.288, que em seu Art. 1º institui o Estatuto da Igualdade
Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de
oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e
o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (BRASIL,
2013).
De acordo com os objetivos da República Federativa do Brasil, art. 3º, descrito
no parágrafo IV – deve haver a promoção do bem de todos os povos, totalmente
livres de preconceitos de origem, da raça, do sexo, da cor, da idade ou outras
maneiras de suscitar atos discriminatórios (BRASIL,_1988). Para tentar combater
o racismo à população negra, criou-se, também, a Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra, que é resultado da luta histórica pela
democratização da saúde encampada pelos movimentos sociais, em especial pelo
movimento negro. É, igualmente, fruto da pactuação de compromissos entre o
Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, a fim de superar situações de vulnerabilidade em saúde, que
atingem parte significativa da população brasileira (BRASIL,_2007).
Na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos de 2005, está exposto
em seu art. 12º que a importância da diversidade cultural e do pluralismo deve
receber a devida consideração. Contudo, tais considerações não devem ser
invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades
fundamentais nem os princípios dispostos na Declaração, ou para limitar seu
escopo (UNESCO,_2005).
Neste contexto, fica perceptível, a partir da abordagem desta categoria, que a
criação de práticas eugenistas provocou diversos malefícios, principalmente
para aqueles indivíduos da sociedade que foram acometidos de forma direta ou
indiretamente. Estes indivíduos foram vítimas de preconceito por apresentar
diferenças, que para o governo alemão daquela época, comandado por Hitler
inferiorizavam uma camada da população em detrimento de outra, considerada sem
imperfeições. Entretanto, após sucessivas mudanças ocorridas com a maneira de
fazer pesquisa com seres humanos, principalmente a partir da inserção da
bioética, notou-se que a segregação, extinção e/ou extermínio de determinada
raça, como as advindas das práticas eugênicas, prejudicava o desenvolvimento da
diversidade humana.
Violação dos direitos humanos
Além de proporcionar incentivo e impulso aos cuidados reprodutivos, a
configuração do movimento eugenista baseou-se em um conceito biológico de raça
superior ou inferior, discriminou determinados indivíduos a partir da
configuração de um ideal de homem, utilizando-se de argumentos tidos como
científicos para tal, e interpretou condições de vida, resultantes da forma de
organização social, como sendo consequência da hereditariedade dos indivíduos
(MAI;_ANGERAMI,_2006).
A partir de estudo sobre a inserção do termo eugenia na Revista Brasileira de
Enfermagem (REBEn), verificou-se que no período de 1954 a 1976, de modo geral,
ocorreu declínio do entusiasmo visto nos anos de 1930 em torno das ideias
eugenistas. Os textos da REBEn denotam tal declínio, revelando um conteúdo
demarcado por conflitos éticos, legais e morais, referentes à prática da
eugenia. Tais conflitos não escondem a configuração de um ideal eugênico de
perfeição do ser humano, pelo contrário, tendo em vista esse ideal é que os
conflitos passavam a ser explicitados, uma vez que para alcançá-lo discutia-se
pela limitação ou eliminação daqueles que viessem a diferir do mesmo (MAI;
ANGERAMI,2006).
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, todos os
cidadãos são livres e iguais perante e lei e deve ser assegurado o direito da
não discriminação em qualquer situação de sua vida. Todo e qualquer indivíduo
possui dignidade e direitos perante aos outros e ao Estado (ONU,_1948). Logo,
espera-se que a sociedade haja entre si com espírito fraterno, com pessoas
dotadas de razão e livre consciência.
Em se referindo ao tema da eugenia na legislação nacional, o Código de Ética
Médica foi o primeiro instrumento normativo, que além da vedação expressa de
práticas eugênicas relacionadas a técnicas de reprodução assistida, também é
interdito ao médico participar em qualquer tipo de pesquisa com fins eugênicos,
considerados como violadores da dignidade humana (art. 99), bem como, proíbe
qualquer intervenção que vise à modificação do genoma humano, salvo se
realizada com fins terapêuticos (art. 16) (CONSELHO_NACIONAL_DE_MEDICINA,
2009).
Para Bandeira,_Gomes_e_Abath_(2006) o Projeto Genoma Humano provocou diversas
expectativas, dentre elas, a possibilidade de rastrear genes associados a
doenças e comportamentos, e mais ainda, de intervir geneticamente no ser
humano, propiciando benefícios sociais. Entretanto, haja vista a novidade,
complexidade e amplitude do assunto, é natural que existam opiniões
controversas e questões ainda abertas, com relação a como isto deve ocorrer.
Logo, deve-se evitar o radicalismo intransigente, além das inaceitáveis
flexibilizações motivadas por interesses pessoais ou grupais.
Com o objetivo de proteger a integridade genética do ser humano a Unesco adotou
as Diretrizes para a Implementação da Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos, elaboradas pelo Comitê Internacional de Bioética
e aprovadas pelo Comitê Intergovernamental de Bioética. Este diploma
internacional confere ao genoma o caráter de unidade fundamental da espécie
humana e reconhece sua dignidade intrínseca e sua diversidade e, ainda,
acrescenta sua condição de “patrimônio da humanidade” (art. 1º). Reconhece,
também, que independentemente de suas características genéticas, todos os
indivíduos têm direito à proteção da sua dignidade, respeitando desse modo,
suas peculiaridades humanas, bem como as sociais estabelecidas por meio do
interacionismo com outros seres humanos (art. 2º) (UNESCO,_1999).
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo VI, está expresso
que “todo homem tem direito a ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa
perante a lei”, garantindo a todo e qualquer indivíduo o respeito a sua
condição de integrante da humanidade, sendo incompatível qualquer dispositivo
que importe em discriminação de pessoas ou grupos de pessoas (ONU,_1948).
O art. 11º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos de 2005,
descreve que nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado
por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos
humanos e liberdades fundamentais(UNESCO,_2005).
Concernente a esta categoria, os indivíduos que mais tiveram seus direitos
violados foram os negros e aqueles que se encontravam com um ou mais tipo de
necessidades especiais, haja vista que estes eram culpabilizados devido a um
conceito meramente biogeneticista de raça superior ou inferior. Porém, essa
realidade foi modificada no decorrer dos anos e, isto se deve também aos
avanços legislativos que proíbe as práticas eugenistas, por considerar que
qualquer ser humano, independente de suas características biológicas, sociais,
econômicas, entre outras, tem o direito de ser respeitado e de fazer parte de
uma sociedade que é diversificada.
Princípio da solidariedade
A eugenia, a despeito das diversas maneiras de sua exteriorização na história,
tendo por finalidade a seleção de características ditas favoráveis da espécie
humana (mesmo que à custa do sacrifício de outros bens muito valiosos, como os
direitos fundamentais), chega ao cotidiano com uma ‘roupagem’ preocupante e
poderosa: a da manipulação gênica (FRAGA;_AGUIAR,_2010).
As práticas eugênicas, geralmente, camufladas pela promessa de cura ou
resolução de problemas orgânicos da espécie, mas, muitas vezes, atendendo a
interesses econômicos e políticos, possuem uma face deletéria, principalmente,
no que diz respeito à afronta aos direitos da personalidade. Sabe-se ainda, que
alterações genéticas frequentes podem ocasionar a modificação no genoma humano,
o que reflexamente propiciará desvios no desenvolvimento natural da espécie e
desequilíbrio nos diversos sistemas biológicos terrestres (FRAGA;_AGUIAR,
2010).
Seguindo esta perspectiva, pode-se reconhecer a respeito do princípio da
solidariedade que enfatiza a aceitação da diversidade social, bem como, de sua
pluralidade e, que deste modo, a democracia pode ser realmente estabelecida
entre os povos (CASALI,_2006).
O princípio da solidariedade, portanto, vem desconstruir a face da segregação
baseada em características raciais dentre outros com o intuito de melhoramento
da espécie, já que propõe em suas linhas que a base da sociedade é seu sentido
plural para que haja a fraternidade entre seus membros independente de
quaisquer aspectos observáveis ou não observáveis.
Com a Constituição Federal ficou estabelecido, a segurança da prática dos
direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento, igualdade e a justiça, como bases para uma sociedade
solidária, plural e livre de qualquer tipo de preconceitos. O fundamento
incontestável do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana,
como expresso no art. 1º, capítulo III da Constituição Federal e, o direito à
vida e a integridade física do ser humano encontram-se resguardados neste
fundamento. Para isso, será necessária a complementação de pesquisas abordando
além das questões envolvendo eugenia, em confronto com a proteção aos direitos
humanos no âmbito internacional, a abrangência e a eficácia da legislação
nacional, com vistas à garantia do princípio da solidariedade, consagrado na
Constituição Federal, frente ao risco da realização de pesquisas com
manipulação genética(BRASIL,_1988).
Reforçando esta ideia supracitada, o art. 13º da Declaração Universal sobre
Bioética e Direitos Humanos, de 2005, evidencia que a solidariedade entre os
seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas
(UNESCO,_2005).
Sendo assim, o princípio da solidariedade enfatizado nesta categoria, vem
desconstruir a face da segregação baseada em características raciais dentre
outros, com o intuito de melhoramento da espécie, já que propõe em suas linhas
que a base da sociedade é seu sentido plural, para que haja a fraternidade
entre seus membros, independentes de quaisquer aspectos observáveis ou não
observáveis, uma forma também de proteção, sobretudo para os indivíduos
vulnerados.
Bioética do risco e da proteção
Em tempos remotos, a prática e conceitos da eugenia considerava a família como
uma instituição que não se mostrava competente em casos de ter algum ente
familiar, em idade infantil, acometido por alguma anomalia patológica ou
pertencer a raças que eram consideradas como degeneradas e assim, incumbia ao
Estado o papel de recolher estas crianças e submetê-las a hospícios ou a tutela
de pessoas do Estado (OLIVEIRA,_2011).
Neste pensamento, cita-se a bioética do risco e da proteção, podendo-se dizer
que a mesma é pautada por concepções que definem o governo como responsável
pelos cidadãos sociais que se deparem com qualquer situação intervencionista,
independente de condições estruturais do Estado ou vulnerabilidade do ser
humano, protegendo todos, contra ações de violência, pobreza ou quaisquer atos
que tentem violar os direitos humanos(KOTTOW,_2003).
Sendo assim, o Estado que se responsabilizava por deter crianças ‘anormais’
baseados na teoria da eugenia, de acordo com a bioética do risco e da proteção,
deve se responsabilizar em proteger todas as pessoas contra ações
intervencionistas, inclusive as que dizem respeito a sua predisposição a
vulnerabilidades variadas, concebendo que atos deste caráter violam os direitos
humanos.
Com a emergência, cada vez mais patente, de amplos grupos de humanos
indigentes, vulnerados e excluídos da globalização, e das questões ambientais
percebidas e sentidos em termos catastróficos, a bioética parece instada a
assumir tais questões como uma de suas preocupações específicas, e a dar
soluções normativas e pragmáticas, para tentar resolvê-las da maneira mais
razoável e justa possível. Essa função permite aproximar os conceitos de
bioética, risco e proteção, tanto do ponto de vista etimológico – visto que o
sentido de ‘proteger’ está contido no próprio significado da palavra ethos –
quanto do ponto de vista teórico-prático que reúne, desde sua origem, as
funções de proteger e estabelecer normas de convivência, ou seja, o que se
propõem a bioética da proteção (SCHRAMM;_KOTTOW,_2001).
De acordo com Schramm_(2008) ocorreu uma mudança e adaptação do conceito da
bioética tradicional, para que a mesma fosse aplicada aos conflitos em saúde
pública na América Latina, região do mundo com complexos problemas sociais, que
são extensivos à humanidade. Sendo assim, Schramm_(2011) descreve que a
bioética da proteção prioriza as especificidades dos assim intitulados países
em desenvolvimento, podendo ser aplicada aos conflitos e dilemas morais no
âmbito da saúde pública em nível mundial.
As práticas eugenistas se contradizem com os princípios da bioética do risco e
da proteção, visto que se tratando da eugenia, consideram-se estas como
expressões racializadas da biologia que consistem em mensurações que
comprovariam doenças inatas a determinadas raças e as expressões biológicas do
racismo, as quais se formam por disparidades em saúde, explicadas por
diferenças genéticas expostas ao racismo, de forma ideológica e proposital, a
fim de tratar os negros como grupo geneticamente desigual, mutilado, primitivo
e inferior aos demais (LAGUARDIA,_2005).
A exclusão social é um problema que demanda como resposta seu equacionamento
por parte do governo e da sociedade. Pois, nestes casos é a exclusão, e não a
pobreza, que ameaça a organização social, a autoridade política e o projeto
econômico. A exclusão se refere à não incorporação de uma parte significativa
da população à comunidade social e política, negando sistematicamente seus
direitos de cidadania (FLEURY,_2007). E, isto é o que ocorre a partir de
práticas eugênicas, uma vez que essas, por meio de mensurações de
superioridade-inferioridade, excluem aqueles que são vulnerados socialmente.
Em estudo sobre o raciocínio moral na tomada de decisões em relação a questões
sociocientíficas, o exemplo do melhoramento genético humano, realizado com dois
grupos de estudantes, foi verificado que todos discordam da eugenia positiva,
indagando que a mesma não deveria ser realizada em seres humanos, pois o uso de
técnicas de melhoramento genético em seres humanos pode desencadear
discriminação (GUIMARÃES;_CARVALHO;_OLIVEIRA,_2010).
Por isso, em prol de proteger o ser humano de inferências negativas provindas
de pesquisas que envolvam melhoramento genético foi criada a Lei de
Biossegurança, nº 11.105, que proíbe a manipulação genética, e também considera
como crime a utilização de embrião humano em desacordo com seus dispositivos
(art. 24), assim como a prática de engenharia genética em células, germinal,
zigoto ou embrião humano (art. 25) (BRASIL,_2005).
A bioética do risco e da proteção ainda reconhece as desigualdades que violam a
integridade da estrutura social, voltando sua preocupação para as maiorias que
sofrem limitações em sua própria liberdade, sem contar com o déficit de
empoderamento e predisposição a um estado de maior vulnerabilidade social
(SCHRAMM;_KOTTOW,_2001). Quando se associa questões étnicas ou raciais a uma
suposta susceptibilidade genética, acontece a racialização dos agravos a saúde
e, neste contexto, renega as demais alternativas de causalidade dos mesmos, por
excluir outros aspectos responsáveis por tais, como os de caráter social,
cultural e econômico.
Impor sobre as raças a causalidade de doenças fortifica a estigmatização sobre
determinadas raças, que passam a ser inseridas erroneamente em grupos de
riscos. Não se quer com esta afirmação o desmerecimento de questões
epidemiológicas ou raciais na ciência, contudo pretende-se a não generalização
da situação (LAGUARDIA,_2005). Com referência à teoria da existência de uma
raça predominantemente superior à outra, esta foi vencida por meio de
experiências que comprovam a não existência de genes exclusivos de uma
determinada população, havendo possibilidade comprobatória de que o gene de um
cidadão nascido na África, por exemplo, possa se assemelhar mais ao de um
cidadão nascido na Noruega do que de outro africano (MAI;_ANGERAMI,_2006).
O desvelar desta categoria mostra a vulnerabilidade social como um dos
argumentos utilizados para aqueles que realizam práticas eugênicas, o que
acontece também com crianças. Por esta e outras razões, pode-se mencionar que a
bioética do risco e da proteção se transformou em uma ferramenta essencial
contra a eugenia, isto porque ela tem o intuito de proteger qualquer ser humano
contra os que tentem violar seus direitos.
Argumentos favoráveis às práticas eugênicas
Mesmo diante da existência de fatos que denotem como as práticas eugênicas são
prejudiciais à humanidade e, que fere os princípios bioéticos, existem
argumentos que defendem um outro ponto de vista, o qual descreve a eugenia como
uma possibilidade de melhoria para as gerações futuras, contribuindo, assim,
para melhores condições de saúde da sociedade.
Avanços da ciência moderna motivaram novo cenário para a expressão da
preocupação com a saúde e constituição das futuras gerações. Uma das maneiras
de intervenção desse saber-fazer biotecnocientífico, resultante da junção entre
o conhecimento racional da biologia molecular e o saber operacional da
engenharia genética é a eugenética positiva, socialmente mais polêmica, a qual
buscaria a melhoria ou a criação de competências humanas como inteligência,
memória, criatividade artística, traços do caráter e várias outras
características psicofísicas, com o objetivo de potencializá-las nos diversos
contextos do convívio social (MAI;_ANGERAMI,_2006).
Nas obras de Francis Galton ele se esforçou para apresentar, por meio de uma
lista extensa de informações sobre genealogia de indivíduos eminentes, que
tanto as melhores qualidades humanas quanto as piores seriam o resultado de um
processo natural. Deste modo, da mesma maneira que os criadores de animais
selecionavam os melhores de um rebanho, favorecendo-lhes as condições
reprodutivas e, com isso, melhorando o plantel, os seres humanos também
poderiam ser selecionados por intermédio de um controle reprodutivo
eugenicamente orientado; o que significava possibilitar casamentos entre
pessoas de uma linhagem considerada eugenicamente qualificada e criar
restrições para que os indivíduos considerados eugenicamente inaptos não se
reproduzissem. Desta maneira, o controle reprodutivo seria um método capaz de
garantir a melhora geral da raça humana e, consequentemente, ao minimizar os
comportamentos considerados viciosos ou degenerescentes, as condições sociais
também se reverteriam na direção de uma melhora generalizada (CONT,_2008).
Para Danner_(2012) as doenças geneticamente causadas apenas podem ser estudadas
e, provavelmente, tratadas por intermédio de uma prática científica calcada na
biotecnologia. E como poderia ser diferente? Não há como chegar-se à estrutura
genética humana a não ser a partir da biotecnologia, assim como não é possível
corrigir-se déficits genéticos a não ser pela reformulação do DNA. Esta nova
fase da ciência e, em particular, da biologia molecular e da medicina, abre,
com tal possibilidade de uma intervenção direta na estrutura genética, a
auspiciosa expectativa de alcançar-se a cura de doenças causadas exatamente por
deformações em nível do DNA, em nível do gene. Com isso, reforça-se a relevante
contribuição da biotecnologia no que diz respeito a possibilitar a cura de
vários problemas de saúde que têm sua causa exatamente neste continente, que
somente pode ser atingido pela pesquisa genética.
Considerações finais
A partir dos resultados encontrados, verificou-se que o objetivo proposto neste
estudo foi contemplado, uma vez que, ocorreu a análise da produção científica
sobre eugenia vinculando-a a aspectos bioéticos, refletindo sobre as principais
variáveis envolvidas no estudo. Ao analisar a teoria eugenista percebe-se que
ela afronta um dos princípios básicos dos Direitos Humanos que é o
reconhecimento de que todos os seres humanos são iguais, independente de
gênero, raça, nacionalidade ou situação econômica. Desta forma a eugenia por
apontar a superioridade de uma parcela da sociedade, acaba por inferir em
princípios éticos, pois além de violar os direitos humanos, contradiz o
principio da solidariedade, da bioética do risco e da proteção e coloca em
risco a diversidade humana.
A utilização da revisão integrativa como metodologia para esse estudo mostrou-
se pertinente para o alcance do objetivo e a identificação de lacunas que
apontam a necessidade de investigações com delineamentos que desenvolvam
evidências referentes à inserção de ferramentas bioéticas, ao se tratar da
temática eugenia, que possam contribuir para a produção de pesquisas e
conhecimentos, capazes de proporcionar subsídios para a reflexão acerca desse
tema.
Suporte financeiro: não houve