Federalismo e conflitos distributivos: disputa dos estados por recursos
orçamentários federais
INTRODUÇÃO
Na maioria dos países do mundo, a opinião pública e os eleitores têm expressado
mal-estar e descrédito com os sistemas políticos em geral e com o
representativo em particular. Nos países de democracia recente ou
redemocratizados, atribui-se ao sistema político e aos seus representantes a
responsabilidade pela incapacidade de se responder às expectativas geradas pela
democracia. Ademais, vem ganhando espaço a visão de que os legisladores buscam
apenas a maximização de seus auto-interesses, o que geraria políticas pouco
universalistas, fisiologismo e clientelismo.
Paralelamente a esse ceticismo, o mainstream acadêmico passou a questionar a
capacidade explicativa das macroteorias sobre o funcionamento dos sistemas
políticos. Assim, diferentes disciplinas das ciências sociais passaram a
privilegiar, sob o rótulo abrangente de neo-institucionalismo (NI), o estudo do
papel das instituições e dos processos de institucionalização na intermediação
de interesses e nos processos de ação coletiva. O NI recorre, sempre, a um
nível intermediário (ou meso) de análise para entender e explicar os processos
políticos e decisórios.
Apesar de caminhos e escopos diferentes, o NI busca respostas para duas
questões fundamentais à análise institucional: qual a relação entre
instituições e comportamento dos atores e como explicar o processo por meio do
qual as instituições nascem e se transformam. A tentativa de responder à
primeira indagação é o objetivo deste trabalho, que procura aprofundar as
discussões sobre a relação entre o federalismo como instituição e o
comportamento dos atores ' as bancadas estaduais ', mediante a investigação e a
compreensão de como essas bancadas processam e negociam as emendas ao orçamento
federal no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e
Fiscalização, mais conhecida como Comissão Mista de Orçamento ' CMO. A pesquisa
é feita por via da análise das emendas ao orçamento, propostas pelos
parlamentares de três estados da Federação ' Bahia, Ceará e Paraná ' no período
1995-1999.
Desde a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil
passou a ser um dos países mais descentralizados do mundo em desenvolvimento no
que se refere à distribuição de recursos tributários e de poder político. No
entanto, apesar da descentralização financeira, estados e municípios continuam
pressionando o governo federal por mais ações financiadas por tributos
federais, tendo, inclusive, federalizado inúmeras vezes parte de suas dívidas.
Argumentou-se anteriormente, com base em dados secundários, que existe no
Brasil uma divisão dos recursos nacionais/federais que funciona de forma a
manter o equilíbrio federativo do país e a acomodar demandas conflitantes em um
país com alto grau de heterogeneidade regional. Alegou-se, também, que as
desigualdades regionais foram historicamente acomodadas pelo Executivo e pelo
governo federal, que administram os desequilíbrios (regionais) promovendo uma
divisão dos recursos públicos nacionais mediante regras formais e informais
(Souza, 1997; 1998)1. Isso porque o federalismo brasileiro nasceu sob a égide
da acomodação das desigualdades regionais pela via da negociação de recursos
federais baseada em regras formais ' constitucionais e legais ' que pouco
contribuem para a promoção da equalização fiscal entre estados e regiões,
deixando amplo espaço para a adoção de regras informais2.
Negociações baseadas em regras informais tornaram-se mais complexas com a
redemocratização porque as lideranças subnacionais aumentaram seu poder de
barganha, tornando os conflitos federativos mais intricados. Conseguir mais
recursos federais para os estados também ficou mais difícil devido à política
de ajuste fiscal. Além do mais, a Federação brasileira não só não mais se
caracteriza como sendo dominada por alguns poucos estados, como no passado não
tão distante, mas por um sistema complexo de dependência política e financeira
entre as diferentes esferas de governo, embora com poderes desiguais, como tem
sido marcada por fortes desigualdades regionais e por escassos mecanismos de
equalização fiscal que compensem as históricas assimetrias econômicas e sociais
entre as regiões.
É nesse cenário que recebe impactos da redemocratização, da política de ajuste
fiscal e de uma Federação marcada por desequilíbrios regionais que a disputa
por recursos federais se desenrola. O entendimento da divisão dos aportes
federais por via da análise das emendas dos parlamentares apresentadas à CMO e
dos resultados de algumas políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde '
SUS e a seguridade social, permite aprofundar nosso conhecimento sobre como são
acomodadas as tensões que ocorrem na Federação.
No Brasil, há poucos trabalhos que investigam o Congresso como alocador de
recursos públicos3. O longo período de regime militar, em que o papel do
Congresso, dos governadores e dos prefeitos na definição e negociação de
políticas era secundário, embora os mesmos tenham contribuído para a
legitimação do regime (ver Medeiros, 1986), é parcialmente responsável pela
falta de estudos nessa área, que, afinal, começam a ser retomados4.
Este trabalho busca ampliar o entendimento do comportamento das bancadas
estaduais na questão orçamentária5. Na verdade, persiste a necessidade de
análises mais específicas, em especial da ótica do federalismo, que tomem os
estados individual e comparativamente, sobretudo na esfera em que a disputa por
recursos federais é mais visível, ou seja, na CMO.
Bahia, Ceará e Paraná foram selecionados para testar tanto os referenciais
teóricos sobre os quais a pesquisa se apóia como a hipótese de trabalho adiante
mencionada. Esses estados foram escolhidos porque são territórios que partilham
várias características comuns. Primeiro, suas lideranças políticas têm
conseguido manter, até recentemente, grande controle sobre as instituições e os
processos decisórios estaduais, o que poderia indicar um comportamento
razoavelmente homogêneo das representações estaduais na disputa por recursos
federais, na linha do argumento de que os governadores exercem influência sobre
suas bancadas no Congresso Nacional. Segundo, os três estados representam uma
amostra, embora restrita, de duas regiões, Nordeste e Sul, que vêm buscando,
nos últimos anos, elevar sua posição nas esferas política e econômica nacionais
vis-à-vis o Sudeste, dado que são estados que conseguiram, nas últimas décadas,
importante crescimento relativo de seus PIBs comparativamente a outros estados,
da mesma forma que são considerados os mais ativos protagonistas da chamada
guerra fiscal. Ao mesmo tempo, ao selecionar dois estados do Nordeste e um do
Sul, a amostra captura a extrema diversidade regional do Brasil. Apesar de a
amostra apontar para mais semelhanças do que diferenças entre os três estados
do ponto de vista político, dentro do Congresso e no interior da CMO seus
representantes tiveram agendas e estratégias diferenciadas, como se verá
adiante6.
O trabalho parte da constatação de que desde a redemocratização e a promulgação
da Constituição de 1988, o Brasil passou a ter um sistema político-tributário
bastante descentralizado, inclusive para os padrões internacionais. No entanto,
estados e municípios continuam pressionando o governo federal por mais
recursos, sendo as emendas ao orçamento federal uma das ''janelas de
oportunidade'' para a obtenção dos mesmos. Apesar de a disputa por recursos
escassos ser guiada por regras definidas pela CMO, os resultados alcançados
pelos estados em questão não são semelhantes. Baseado nessa constatação, o
artigo busca resposta para três questões centrais:
a)por que o federalismo influencia a negociação de recursos federais
pelas bancadas estaduais que se realiza na CMO;
b)como as representações estaduais negociam suas demandas na CMO e
quais seus resultados; e
c) de que maneira são administradas as tensões decorrentes de uma
Federação que conta com mecanismos insuficientes de equalização
fiscal.
O federalismo é aqui tomado, ao mesmo tempo, como uma variável independente,
que influencia o comportamento dos parlamentares, e como uma variável
dependente, que condiciona a forma de distribuição dos recursos orçamentários.
O trabalho questiona duas hipóteses preexistentes: uma sobre o papel das
emendas ao orçamento federal e a outra sobre a distribuição regional dos
recursos federais. A primeira é que as emendas apresentam tão-somente
resultados negativos por bloquearem as possibilidades de ações universais e
nacionais, fortalecendo as tendências ao fisiologismo, ao clientelismo e aos
interesses individuais dos parlamentares. A segunda é que as regiões
economicamente menos desenvolvidas são mais beneficiadas pelos recursos
orçamentários federais tendo em vista sua sobre-representação no Congresso
Nacional.
A hipótese a ser aqui testada é a de que o desenho do federalismo brasileiro
não incorporou, desde a sua origem, a busca por uma maior equalização fiscal
entre as unidades federativas, razão pela qual existem incentivos para os
congressistas montarem estratégias capazes de aumentar a cota de recursos
nacionais para seus estados. Isso porque na distribuição da receita nacional
convivem regras distributivas formais (constitucionais) e informais (negociadas
caso a caso) como uma das formas de a Federação brasileira manter a unidade de
seus entes constitutivos. As regras formais e as informais, estas últimas
podendo ser encontradas em várias decisões legislativas e governamentais,
inclusive nas emendas ao orçamento, incentivam os parlamentares, até mesmo de
estados mais bem posicionados economicamente, a proporem tais emendas, não
apenas para se reelegerem ou se elegerem para os Executivos subnacionais, mas
também para conseguirem mais recursos federais diante da pouca eficácia das
regras formais de equalização fiscal.
Para a construção do ''modelo'' hipotético de análise, tomou-se como referência
a proposta de Weaver e Rockman (1993). Estes autores examinam as políticas
públicas pela ótica do impacto das instituições políticas nacionais na
estruturação das relações entre parlamentares, grupos de interesse, eleitorado
e Judiciário. Nessa concepção, o sistema federativo é tomado como uma instância
de veto exógena às relações entre Executivo e Legislativo, podendo resultar em
políticas incoerentes. Essa abordagem, aqui adotada como guia para analisar o
comportamento das bancadas estaduais na CMO, traz subjacente, no entanto, uma
visão das instituições como um conjunto de nós interconectados, por meio dos
quais ações podem ser bloqueadas. Com isso não se quer dizer que o entendimento
sobre as instâncias de veto na cadeia decisória (Immergut, 1996) e sobre os
veto players (Tsebelis, 1995) não seja perseguido, mas sim que, ao se desprezar
os aspectos específicos que informam e conformam a constelação de incentivos e
constrangimentos que moldam as estratégias dos atores políticos, algo
importante talvez se perca na análise.
Tomando por base a proposta de Weaver e Rockman (1993), ligeiramente modificada
para adaptá-la ao entendimento do comportamento dos congressistas, a hipótese
de trabalho é resumida na Figura_1, que baliza a análise da trajetória das
demandas estaduais na CMO.
O fator/constrangimento institucional considerado é o desenho do federalismo
brasileiro, em particular do federalismo fiscal, que construiu mecanismos
insuficientes de equalização fiscal entre estados e regiões. Uma das principais
conseqüências dessa característica é que os conflitos distributivos são sempre
mais agudos. Ademais, com a política federal de ajuste fiscal, passaram a
existir menos recursos nacionais a serem distribuídos para o amortecimento das
tensões regionais. Como resultado, os conflitos no interior da CMO também se
tornam mais complexos.
A tarefa analítica é, pois, identificar as ligações entre o federalismo como
instituição e o comportamento das bancadas estaduais na CMO. Busca-se, assim,
conhecer melhor de que forma as demandas estaduais relativas à implementação de
ações que se darão nos seus territórios ganham saliência no orçamento federal.
Além do mais, procura-se entender como os parlamentares estabelecem redes de
ligações na CMO para a defesa de projetos de seu interesse. Essas redes são
geradoras de relações extraparlamentares e, algumas vezes, extrapartidárias '
estas últimas não porque os partidos não ''contam'', mas sim pelas regras da
CMO, que passaram a estimular a cooperação entre membros de partidos diferentes
que representam seus estados e até mesmo entre parlamentares eleitos por outros
estados.
Dessa forma, este artigo aumenta o foco de observação sobre a participação dos
interesses estaduais no âmbito do Legislativo nacional, examinando,
principalmente, como tensões, conflitos e contradições entre interesses
divergentes do ponto de vista territorial são processados, negociados e
decididos no âmbito da CMO.
Para realizar a tarefa de desvendar as ''regras do jogo''7 que intervêm no
comportamento político dos atores, optou-se pela utilização de um referencial
teórico que valoriza o papel das escolhas institucionais feitas anteriormente
no desenvolvimento e no resultado das decisões políticas, as quais, ao final,
também influenciam o funcionamento dos sistemas políticos. Entre as escolhas
institucionais que deixam sua marca no sistema político e no processo decisório
está o federalismo. Assim, escolhas iniciais, estruturais e normativas terão
efeito sobre as decisões políticas subseqüentes, tais como o papel das emendas
e da CMO na modelagem das disputas federativas e na acomodação de conflitos
distributivos.
Aqui, sustenta-se, a partir da discussão da hipótese acima referida, que as
emendas ao orçamento refletem as disputas territoriais por recursos federais em
um país marcado por desigualdades regionais, que moldam também a forma como
essas disputas são negociadas. Tal premissa questiona as duas hipóteses
anteriormente mencionadas e está baseada nas seguintes constatações: primeiro,
emendas coletivas (de bancada e as oriundas das relatorias da CMO) estão
substituindo as emendas individuais dos parlamentares, por força de mudanças
nas regras da CMO. Este argumento contesta a hipótese de que as emendas
promovem apenas o fisiologismo, o clientelismo e servem exclusivamente ao auto-
interesse de cada parlamentar. Isto porque ações cooperativas passaram a ser
incentivadas pelas novas regras da CMO, vindo a prevalecer sobre as
individuais. É bom lembrar que essas normas foram introduzidas pelos próprios
parlamentares, promovendo, portanto, o self-binding. Segundo, não são os
estados economicamente mais desenvolvidos nem os menos desenvolvidos que têm
sido os principais beneficiários dos recursos orçamentários em termos per
capita, mas sim os das regiões Centro-Oeste e Norte em decorrência de decisões
tomadas pela Constituição de 1988, que adiante serão discutidas.
O trabalho analisa as emendas ao Orçamento da União, nos exercícios de 1995-
1999, propostas pelos congressistas dos três estados selecionados, que juntos
tiveram 6.107 emendas aprovadas no período, representando R$ 1,961 bilhão. O
total de recursos efetivamente repassado a esses estados, na mesma quadra, foi
de R$ 17,634 bilhões, ou seja, as emendas representam 11% do total dos recursos
repassados. As emendas foram agregadas por função, por parlamentar e por
partido, desagregando-se as apresentadas pelas bancadas dos estados daquelas
apresentadas individualmente8.
O artigo está dividido em quatro partes: a primeira explica o funcionamento da
CMO; a segunda analisa o conteúdo das demandas por recursos do orçamento
federal dos três estados selecionados no período 1995-99; a terceira discute os
resultados encontrados, confrontando-os com as hipóteses acima mencionadas; a
quarta apresenta algumas conclusões.
A COMISSÃO MISTA DE ORÇAMENTO
Com a promulgação da Constituição de 1988, o Congresso readquiriu a
prerrogativa de propor emendas ao projeto de lei orçamentária encaminhado pelo
Executivo, tornando-se o locus ideal para testar a hipótese acima referida. No
entanto, esse poder tem sido motivo de críticas, tanto na literatura como na
mídia.
Na literatura derivada da teoria da escolha racional, as emendas dos
parlamentares recebem o rótulo de pork barrel, que é definido por Shepsle e
Bonchek (1997:204) como ''a apropriação de recursos federais para projetos
ineficientes que beneficiam os distritos específicos dos congressistas mas que
pouco favorecem a nação como um todo''. Os autores afirmam que o incentivo para
um parlamentar operar uma política de pork barrelestá na oportunidade que ele
passa a ter para cobrar votos na próxima eleição. Na lógica da teoria da
escolha racional, o pork barrel gera o paradoxo da cooperação, já que provê
unicamente a área ou região que recebe esses recursos, a expensas de todos os
contribuintes. Na verdade, os congressistas lucrariam se não houvesse
pork
9. Apesar de cada parlamentar ter um forte incentivo para continuar a querer
proteger seu distrito, eles sabem que todos se beneficiariam igualmente sem o
pork, mas mesmo assim continuam insistindo. Nesse caso, o ''dividendo
cooperativo'' resultante da ausência de pork, em que um distrito perde seu
projeto mas é recompensado por não ter que financiar projetos em outros, não é
estável porque os políticos continuam a ter incentivos para viabilizar
iniciativas para seus estados e distritos.
No entanto, essa visão sobre as conseqüências ''perversas'' do porknão é
unânime na literatura. Muitos cientistas políticos, a exemplo de Elwood e
Patashnik (1993), ressaltam o ''outro lado'' do pork, mostrando seu papel de
facilitador das negociações entre Executivo e Legislativo nos EUA e suas
vantagens para o próprio orçamento público por não criar despesas que geram
direitos e se transformam em atividades permanentes (entitlements). Outros
trabalhos mostram ainda que, nos EUA, a eficácia do pork para a reeleição dos
congressistas é mais modesta do que interpretado pela mídia (Bickers e Stein,
1996). Ademais, no caso brasileiro, emendas individuais foram, ao longo do
tempo, sendo substituídas por coletivas, como se verá adiante.
A CMO é um locus privilegiado para testar os postulados do federalismo como
instituição. Ao trazer para o âmbito do Legislativo a decisão sobre a alocação
de parte dos recursos federais em um país de dimensão continental e marcado por
clivagens e heterogeneidades regionais, o sistema político brasileiro
encontrou, no período pós-redemocratização, uma forma de amortecimento dessas
clivagens pela oportunidade que dá aos parlamentares de tentar minimizar as
desvantagens financeiras dos diversos territórios que os elegeram. Tal
mecanismo também compensa o Congresso do relativo esvaziamento da sua função
legislativa pelo uso, até há pouco tempo considerado excessivo, por parte do
Executivo, de Medidas Provisórias ' MPs. Assim, se o Executivo federal parece
ter um papel legislativo exacerbado, por via das MPs, também o Congresso
Nacional é constantemente acusado de exercer funções executivas pelos recursos
que consegue alocar, por meio das emendas ao orçamento, em ações que se
realizam nas bases estaduais e locais de sustentação dos parlamentares.
A CMO tem sua origem na Constituição de 1988 (artigo 166) e sua regulamentação,
incluindo regras de funcionamento, organização e participação dos
parlamentares, foi sendo profundamente modificada a partir de 1995, através da
Resolução no 2, como um dos resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito '
CPI do Orçamento.
A Constituição estabelece que as emendas dos parlamentares serão apresentadas
na CMO, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas pelo plenário do
Congresso. As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que
o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: a) sejam compatíveis com o plano
plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; b) indiquem os recursos
necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas,
excluídas as que incidam sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviço
da dívida e transferências tributárias constitucionais para estados, municípios
e o Distrito Federal.
De acordo com as regras da CMO, as emendas ao orçamento podem ser propostas
por: a) parlamentares individualmente, que podem apresentar até vinte emendas
no valor de R$ 1,5 milhão cada, importância aumentada, em 2000, para R$ 2
milhões; b) comissões permanentes do Senado e da Câmara, em número máximo de
cinco; c) bancadas estaduais, que requeriam a assinatura de 3/4 dos deputados e
senadores, depois alterada para 2/3, no máximo de vinte; d) bancadas regionais,
no máximo de duas por votação da maioria absoluta dos deputados e senadores que
compõem a região; e) relatores das áreas temáticas determinadas pelo regimento,
chamadas de emendas de relatoria, que visam corrigir erros ou omissões de ordem
técnica ou legal e/ou agregar proposições de várias emendas, não podendo,
entretanto, acrescentar valores e dotações constantes no projeto de lei
orçamentária10.
As regras sobre o funcionamento da CMO e sobre a apresentação de emendas podem
ser mudadas a cada ano, tendo sido profundamente alteradas em 1995 como reação
aos escândalos desvendados pela CPI do Orçamento. Até 1995, permitia-se a
apresentação de 25 emendas individuais por parlamentar e a partir daquele ano
elas foram reduzidas para vinte. Outras mudanças foram a exigência de reuniões
de bancada, a instituição de audiências públicas e o incentivo à rotatividade
de seus membros para evitar a captura de determinados indivíduos ou grupos11.
Em 1997, definiu-se que as emendas de bancada teriam prioridade sobre as
individuais e que cada estado poderia apresentar até dez, sendo este número
modificado posteriormente para vinte. Em 1999, introduziu-se um valor máximo
para cada emenda. A CMO dividia-se em sete relatorias setoriais, aumentadas
para dez em 2000.
Evidentemente, a CMO não é a única forma de negociação entre Executivo,
Legislativo, governadores e prefeitos. Outras, tão ou mais importantes, se
sobressaem, tais como: a) nomeações para cargos na burocracia federal e
agências estatais e paraestatais, como os fundos de pensão; b) aprovação de
pedidos de financiamento de estados e municípios a ser autorizada pelo Senado;
c) renegociação de dívidas dos estados e de grandes municípios com a União; d)
inclusão, ao término do exercício financeiro, de emendas de parlamentares
ligados ao governo que dizem respeito a créditos suplementares encaminhados
pelo Executivo ao Congresso; e) apoio financeiro federal, por intermédio de
incentivos, subvenções e financiamentos a juros subsidiados, oferecido por
organismos federais como Caixa Econômica Federal ' CEF, Banco do Brasil ' BB,
bancos federais de desenvolvimento regional e Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social ' BNDES; e f) vantagens financeiras para estados e regiões
em outras comissões do Congresso, de que é exemplo a lei de incentivos fiscais
para a instalação de montadoras no Norte, Nordeste e Centro-Oeste promulgada em
1997 e reeditada em 1999.
A CMO funciona como uma fase intermediária ' a da apresentação das emendas '
entre dois momentos: o da negociação entre os parlamentares, governadores e
prefeitos com o governo federal para a inclusão de suas demandas no projeto de
lei orçamentária e o da liberação dos recursos, a fase mais importante do ponto
de vista do resultado final das emendas.
A possibilidade de emendar o projeto de orçamento encaminhado anualmente pelo
Executivo ao Legislativo representa uma das mais importantes prerrogativas
conquistadas pelo Legislativo com a redemocratização12. Outro fator de
relevância diz respeito à capacidade do presidente da República de vetar
emendas, direito raramente exercido13. Por quê? Vetar emendas pode ser um
desgaste antecipado para o presidente, já que o orçamento é uma peça indicativa
e não compulsória de gasto, o que desloca para a esfera do governo federal o
próximo estágio da negociação, o da liberação das verbas.
A prerrogativa acima mencionada gerou um paradoxo: foi o próprio Congresso,
durante a Constituinte, que descentralizou recursos tributários em favor das
esferas subnacionais, em resposta ao clima geral contrário à centralização
instituída pelos militares. Assim, ao promover uma relativa redução dos
recursos federais, os próprios parlamentares diminuíram suas possibilidades de
alocar recursos para seus estados e municípios.
Se nos primeiros momentos da redemocratização os parlamentares da CMO tinham
mais estímulos para agir individualmente, mudanças nas regras da Comissão, a
partir de 1995, fizeram com que eles passassem a atuar mais coletivamente, como
se verá adiante. Essas regras, que incentivam a cooperação, se impuseram à
lógica do sistema eleitoral, que, segundo se afirma, estimula os parlamentares
a operar mais individualmente do que cooperativamente e a ter pouca disciplina
partidária14. No entanto, conseguir recursos federais para suas bases
eleitorais continua sendo crucial para a sobrevivência dos parlamentares,
especialmente para aqueles que fazem oposição ao grupo político que está no
controle do governo do estado15.
A CMO é composta de 84 parlamentares ' 21 senadores e 63 deputados. A indicação
dos participantes é feita pelos partidos, tal como nas demais comissões. No
período analisado, o PFL e o PMDB, por serem os partidos majoritários, detinham
as representações mais numerosas, embora todos os partidos (ou blocos
partidários) tenham direito à representação. A participação dos parlamentares
da Bahia, Ceará e Paraná na CMO é apresentada no Quadro_1.
Como são os partidos que indicam seus representantes e não existem critérios
que restrinjam o tamanho da bancada estadual, é possível que estados com
bancadas menores tenham na CMO maior número de delegados, como ocorreu em 1996
e 1997, quando o Paraná e o Ceará, que possuem bancadas menos numerosas do que
a Bahia, estiveram mais representados, situação que se equilibra em 1999.
A DISPUTA POR RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS NOS ESTADOS SELECIONADOS
Os três estados selecionados tiveram, no período analisado, alto índice de
sucesso quando comparados o montante de recursos aprovados no orçamento e os
empenhos liquidados, que podem ser considerados como liberados (ver Tabela_1).
Como se sabe, a aprovação de projetos no orçamento não garante a sua liberação.
No decorrer do processo orçamentário, o papel dos parlamentares na CMO foi
mudando. Nos anos iniciais da pesquisa, os congressistas individualmente tinham
função protagônica. Posteriormente, contudo, são as bancadas que assumem o
papel mais importante no interior da CMO. Na fase de discussão do orçamento
dentro da Comissão, a disputa por recursos ocorre entre parlamentares e/ou
bancadas, representando os interesses de seus eleitores, financiadores e
lideranças estaduais/locais. No entanto, após a aprovação do orçamento, o locus
da disputa desloca-se para os ministérios do governo federal e suas estatais,
principalmente a CEF.
Pela Tabela_1 pode-se verificar que o governo federal tem cumprido seus acordos
com os estados, por via das emendas propostas pelos parlamentares, assim como
por intermédio de acordos com governadores e prefeitos, ou seja, os recursos
destinados aos estados foram, em grande parte, liberados. Constata-se ali
também que o Paraná tem conseguido mais verbas orçamentárias do que os outros
dois estados, tanto em termos absolutos como relativos (ver Tabela_2). Ademais,
a média da ''taxa de sucesso'' do Paraná foi de 106%, enquanto a da Bahia foi
de 94% e a do Ceará de 91%.
Os dados da Tabela_3 mostram que o volume de recursos à disposição dos
parlamentares é pequeno ' a média é de 11% ' quando comparado ao volume total
alocado nos estados.
As Tabelas_1, 2 e 3 contestam, assim, a hipótese de que os estados menos
desenvolvidos economicamente seriam os maiores beneficiários dos recursos
adicionais extraídos do orçamento federal. O Paraná obteve maior volume de
verbas na lei orçamentária, na sua execução e em termos da relação entre os
valores alocados versus população do estado. Apesar de os parlamentares da
Bahia e Ceará conseguirem aprovar mais emendas em termos quantitativos do que
os do Paraná, os recursos totais e per capita para este último, assim como sua
''taxa de sucesso'', estiveram à frente dos dois outros estados. Ou seja, para
que Bahia e Ceará granjeiem mais recursos do orçamento, seus parlamentares
necessitam fazer mais emendas do que os do Paraná (ver Tabela_2).
A Tabela_4 mostra que, além das emendas individuais e de bancada, passaram a
ter valor aquelas apresentadas pelas relatorias da CMO. No entanto, como
mencionado acima, as propostas dos relatores de áreas temáticas não podem
aditar valores, apenas corrigir erros ou agregar proposições16. No que diz
respeito às emendas encaminhadas pelas relatorias e em termos absolutos, Bahia
e Ceará tiveram desempenho muito mais favorável do que o Paraná, com exceção do
ano de 1996.
Nas seções seguintes analisa-se o desempenho dos estados selecionados.
O Desempenho da Bahia
A Bahia tem uma bancada de 39 deputados federais, cuja filiação partidária na
legislatura sob análise (1995-1998) era a seguinte:
O PFL fez três senadores. Nas eleições de 1994 e de 1998, ele coligou-se com o
PTB, PPB e PL, dando ao partido confortável maioria. No entanto, se no âmbito
da bancada estadual o PFL é um grupo majoritário, na CMO o mesmo não ocorre, já
que o partido disputou com o PMDB e o PSDB a liderança numérica da CMO. Na
verdade, o equilíbrio entre o PFL e os partidos de oposição, presente no início
do período em tela, desfez-se, com o PFL assumindo a hegemonia dos interesses
da Bahia dentro da CMO.
Em 1995, a Bahia apresentou apenas quatro emendas ao orçamento, todas de
parlamentares do PFL17. Não houve, naquele ano, emendas de bancada. Os autores
eram parlamentares de pouca visibilidade e todos pertenciam ao grupo liderado
por Antônio Carlos Magalhães ' ACM. Aqueles de maior expressividade e com
acesso ao Executivo federal certamente encontravam outras formas de atender às
suas demandas, não precisando lutar por recursos escassos e de valor
relativamente pequeno, como é o caso das emendas.
Em 1996, ano de eleições municipais, diferentemente do ano anterior, todos os
parlamentares apresentaram emendas ao orçamento e, tal como no ano anterior,
constata-se o pouco interesse dos congressistas de maior visibilidade pelas
emendas ao orçamento18. No que se refere às emendas por partido, apesar de o
PMDB e o PFL concentrarem o maior número delas, todas as legendas representadas
na Bahia conseguiram aprovar seus pleitos, inclusive as minoritárias ' PT, PSB
e PC do B. Mesmo o PV, partido sem representação no estado, apresentou emendas,
por intermédio do deputado Fernando Gabeira (RJ). Ressalte-se ainda que, apesar
da hegemonia do PFL na bancada da Bahia no Congresso, o PMDB assegurou um pouco
mais de recursos (39%) do que o PFL (34%). Em 1996, antes das mudanças nas
regras da CMO incentivando as emendas de bancada, promulgadas em 1997, estas já
superavam as individuais. Tal situação acabou gerando um paradoxo: se todos os
deputados concorrem entre si nas suas bases eleitorais locais e se as emendas
são cruciais para suas reeleições, como explicar a predominância das emendas de
bancada? Dado que as emendas individuais ainda não tinham prevalência sobre as
de bancada, a hipótese mais provável para explicar esse fato estaria na força
do PFL.
No ano de 1997, a distribuição das emendas por partido confirma a hegemonia do
PFL e a perda de espaço do PMDB, mostrando que, quanto mais a força política do
grupo do ex-senador ACM se consolidava, maior sua repercussão no interior da
CMO19. Mais uma vez, parlamentares eleitos por outros estados (Fernando Gabeira
e Lindeberg Farias (PC do B/RJ) aprovaram emendas para a Bahia. As emendas de
bancada representaram 60% do total, demonstrando a influência das mudanças nas
regras da CMO, a coesão da bancada e o controle do principal partido no estado,
o PFL, sobre as emendas.
Em 1998, ano de eleições estaduais e nacionais, a hegemonia do PFL no interior
da CMO diminui, com o partido aprovando 51% do total das emendas individuais,
enquanto o PMDB e o PSDB aprovaram 12% deste; já as emendas de bancada
representaram 60% do total das mesmas, mantendo-se a estratégia da cooperação.
O ano de 1999 não traz mudanças no que se refere ao tipo de parlamentar que
apresenta emendas, ou seja, mantém-se a tendência de propor emendas para
aqueles parlamentares com menor visibilidade. As emendas por partido confirmam
a supremacia do PFL, que aprovou metade delas, seguido de longe pelo PSDB, com
12%, e pelo PMDB, com 7%. A cooperação, incentivada pelo regimento da CMO, e a
preponderância do PFL fizeram com que as emendas de bancada representassem, em
1999, 62% dos recursos totais.
Resumindo, nos anos analisados, a cooperação dominou o desempenho dos
parlamentares da Bahia; consolidou-se o poder do PFL no estado e na CMO;
manteve-se o perfil de parlamentares com pouca visibilidade como os que aprovam
mais recursos via emendas individuais20.
O Desempenho do Ceará
O Ceará tem uma bancada de 22 deputados federais, cuja filiação em 1998 era a
seguinte:
Seus três senadores eram do PSDB. Estes, somados aos nove deputados do partido,
formavam 55% da bancada estadual. Assim como na Bahia, ressalta no Ceará o
controle do grupo exercido por Tasso Jereissati, do PSDB.
Os recursos liberados para o Ceará em 1994 cumpriram 81% da dotação prevista
(Tabela_1), pouco acima dos 80% liberados para a Bahia e distante daqueles
autorizados para o Paraná. Apesar de o PSDB fazer parte da coalizão de apoio ao
presidente Itamar Franco, os recursos efetivamente recebidos pelo Ceará foram
abaixo dos do Paraná, então governado pelo mesmo partido do presidente. Uma
hipótese para essa defasagem é a de que o Ceará pode ter recebido recursos de
outras fontes; uma outra é que as legendas têm peso efetivo no que se refere à
disputa por parcelas do orçamento federal, já que são os partidos que indicam
os membros da CMO. No entanto, talvez a melhor explicação possa ser encontrada
em um outro aspecto. Como se verá adiante, no Ceará, as emendas individuais
prevaleceram sobre as de bancada na maior parte do período analisado, mostrando
que a não-cooperação predominou na bancada cearense, diminuindo, portanto, as
possibilidades de acordos capazes de garantir mais recursos orçamentários para
o estado.
Em 1995, o Ceará apresentou cinco emendas ao orçamento. Assim como na Bahia, os
parlamentares autores das mesmas tinham pouca visibilidade e não eram
diretamente formuladores dos rumos da política. Naquele ano, o Ceará não
negociou emendas de bancada, sendo todas elas apresentadas individualmente.
O ano de 1996 registrou para o Ceará um percentual abaixo do da Bahia e,
principalmente, da taxa do Paraná no que se refere ao valor das emendas vis-à-
viso valor total dos recursos do orçamento federal para o estado (ver Tabela
1). Assim como os da Bahia, todos os parlamentares do Ceará apresentaram
emendas; e tal como ocorreu na Bahia, parlamentares eleitos por outros estados
(José Augusto e Arlindo Chinaglia, ambos do PT/SP) incluíram emendas para
municípios do Ceará, o que se explica pela necessidade de prover recursos
extras para municípios governados pelo PT, que administrava em oposição ao
governo do estado. Apesar de o PSDB ser a força política mais importante no
Ceará, no interior da CMO as disputas entre este e o PMDB eram visíveis, daí
porque as emendas individuais, com 52% dos recursos totais das emendas,
prevaleceram sobre as de bancada.
A disputa entre o PSDB e o PMDB também era perceptível no que tange aos
recursos para Fortaleza, governada, no período analisado, pelo PMDB, em
oposição ao PSDB. Dos três estados, somente no Ceará a capital conseguiu altos
percentuais de transferências federais: 20% dos recursos totais em 1996 e cerca
de 12% nos demais anos; Salvador obteve 12% em 1996, em função da estratégia da
prefeita (Blumm, 1999); e Curitiba nunca ultrapassou 1%.
Em 1997, a participação dos parlamentares reproduz o mesmo padrão: os
principais proponentes são parlamentares com pouca visibilidade e menos de 1%
das emendas foi de bancada, reforçando o argumento da ausência de cooperação no
Ceará em virtude da polarização, no interior da CMO, entre o PMDB e o PSDB.
No ano de 1998, confirmou-se a hegemonia do PSDB, cujos integrantes conseguem
aprovar 53% das emendas contra 19% do PMDB. Naquele ano, todavia, ocorre pela
primeira vez a situação em que as emendas de bancada (67%) superam as
individuais, mostrando que a atuação do partido majoritário no estado, o PSDB,
possibilitou a negociação de suas preferências com seu principal adversário, o
PMDB, e que, finalmente, os parlamentares do Ceará consideraram racional aderir
à cooperação por via das emendas coletivas, submetendo-se às novas regras da
CMO. Três deputados federais do PT/SP (Eduardo Jorge, Telma de Souza e Marta
Suplicy) aprovaram quatro emendas para o Ceará.
Em 1999, o PSDB mantém sua hegemonia, mas reduz sua participação no total das
emendas individuais, passando a controlar 47% delas, ainda muito acima do seu
principal adversário, o PMDB, que conseguiu aprovar 19%. Novamente, as emendas
de bancada (78%) superaram as individuais, acima, inclusive, do percentual
registrado pela Bahia. O deputado Alexandre Cardoso (PSB/RJ) aprovou uma emenda
para o Ceará.
Resumindo, o Ceará só conseguiu viabilizar emendas de bancada em 1998 e em
1999, apesar de o PSDB deter o controle da política do estado. O poder no
Ceará, visto pelo desempenho de seus parlamentares na CMO, apresenta-se
polarizado entre o PSDB e o PMDB. Essa disputa aparece mais claramente no
esforço do PMDB para conseguir recursos para Fortaleza, que esteve, no período
analisado, sob o seu governo21.
O Desempenho do Paraná
O Paraná conta com uma bancada de trinta deputados federais, com a seguinte
filiação em 1998:
Dos senadores, um era do PMDB, outro do PTB e o terceiro trocou o partido pelo
qual foi eleito pelo PSDB. Diferentemente da Bahia e do Ceará, a representação
partidária do Paraná é mais pulverizada, não se concentrando majoritariamente
em um único partido, como na Bahia, ou na polarização entre dois partidos, como
no Ceará.
Os recursos federais liberados para o Paraná em 1994 alcançaram 95% da dotação
prevista (Tabela_1), valor acima do registrado para o Ceará e a Bahia. A
existência de um maior volume de recursos orçamentários para o Paraná, assim
como as altas ''taxas de sucesso'', pode ser explicada pelo seguinte fato: do
ponto de vista dos aportes federais por programas, por exemplo, as despesas com
a saúde são as que mais recebem recursos orçamentários federais, por intermédio
do SUS. Como este Sistema remunera por produtividade, estados e municípios com
sistemas de atendimento mais eficientes e mais sofisticados tecnologicamente
são os que mais recebem repasses federais. O SUS estaria, assim, contribuindo
para a maior concentração de verbas federais nos territórios mais
desenvolvidos. Voltarei a este ponto mais adiante.
Em 1995, o Paraná apresentou seis emendas, sendo três do PPB e três do PMDB.
Não houve emendas de bancada em 1995.
O ano eleitoral de 1996 registrou um significativo aumento no número de
emendas, mas, diferentemente dos outros dois estados, o valor empenhado foi
superior à dotação inicial, assim como o valor das emendas superou os recursos
previstos (ver Tabela_1). O paradoxo que se coloca é o seguinte: o governo do
Paraná estava sob o comando de Jaime Lerner, então no PDT; o candidato a
governador do PMDB havia sido derrotado nas eleições de 1994. Como explicar,
então, que o volume de recursos para o Paraná, em 1996 e demais anos, seja
superior ao dos aliados da Bahia e Ceará? Parte da resposta parece estar
novamente nos recursos do SUS. Diferentemente do ano anterior, a maior parte
dos parlamentares apresentou emendas. No entanto, manteve-se no Paraná o mesmo
padrão da Bahia e do Ceará no que se refere aos parlamentares que propõem as
emendas: os mais ativos são aqueles com menor visibilidade. As emendas de
bancada dominaram com 99%, o que explica parcialmente os dados da Tabela_1, que
mostram a excelente performance do Paraná em relação aos dois outros estados.
No ano de 1997, diversamente do ano anterior, as emendas de bancada, com 52%,
embora ainda superiores às individuais, diminuem de importância.
Em 1998, as emendas por partido mostram a prevalência do PFL, a queda do PMDB e
a ascensão do PSDB e do PPB. Verifica-se, portanto, que o poder político no
Paraná é bem mais fragmentado na esfera do Congresso Nacional e da CMO do que
na Bahia e no Ceará. Como nos demais estados, todos os partidos com
representação ali conseguiram aprovar suas emendas, embora com predominância do
PFL, com 25%, e do PSDB, com 21%. O Paraná confirma sua opção pela cooperação:
as emendas de bancada contabilizaram 60% dos recursos.
Em 1999, as emendas por partido mantiveram o equilíbrio entre as facções
partidárias do estado, embora com o predomínio do PFL (25%), seguido de perto
pelo PSDB (22%).As emendas de bancada, com 60%, continuaram superando as
individuais, agora também incentivadas pelas regras da CMO.
Em nenhum dos anos pesquisados, parlamentares de outros estados da Federação
apresentaram emendas para o Paraná, mostrando que a pulverização entre os
partidos políticos dispensa a atuação de parlamentares não eleitos pelo estado.
Sintetizando, no Paraná, apesar de as principais forças políticas serem mais
fragmentadas do que na Bahia e no Ceará, a cooperação sempre imperou, mesmo
antes dos incentivos da CMO. Por que sem um partido hegemônico no Congresso,
como nos demais estados, a cooperação é mais vantajosa para os parlamentares?
Parece que, quando o poder é muito fragmentado, aumentam os incentivos para a
ação cooperativa22.
DEBATENDO ALGUMAS HIPÓTESES
Como mencionado anteriormente, as emendas propostas pelos parlamentares para
ações nos seus territórios e a disputa no Congresso por recursos federais para
os estados têm sido objeto de muitas críticas, as quais geraram duas hipóteses
que serão aqui debatidas.
A primeira refere-se à afirmação de que as emendas servem apenas ao auto-
interesse dos parlamentares, que buscam suas eleições para o Executivo
subnacional ou suas reeleições mediante a implementação da política do pork
barrel. No entanto, os próprios parlamentares decidiram limitar seu poder
(self-binding) de apresentar emendas, mudando as regras da CMO, que estimulam
ações mais cooperativas e menos individualizadas. Assim, como reação às
conclusões da CPI do Orçamento, as emendas de bancada e as das relatorias da
CMO passaram a se sobrepor às individuais, principalmente após 1997. Essa
mudança mostra que as preferências dos parlamentares podem ser modificadas,
mesmo que sejam, em princípio, contra seu auto-interesse.
A segunda hipótese diz respeito aos gastos federais que beneficiariam os
estados menos desenvolvidos em função da sua sobre-representação no Congresso.
Tal suposição deve ser investigada em dois níveis: comparando-se os gastos
federais aplicados nas cinco macrorregiões brasileiras, por um lado, e, por
outro, esses mesmos gastos nos três estados selecionados. No que se refere ao
primeiro nível de análise, dois artigos da Constituição Federal (artigos 165 e
35 dos Atos das Disposições Transitórias) determinam que a despesa pública
deverá evoluir na direção de uma melhor distribuição regional e estadual das
aplicações federais, ou seja, a Constituição fixa que se persiga uma maior
equalização fiscal em um país com grandes disparidades regionais. Segundo o
artigo 35, em um prazo de dez anos, a partir da promulgação da Constituição,
uma parcela dos gastos federais deveria convergir para uma distribuição
proporcional às populações das regiões e estados. No entanto, como mostra a
Tabela_5, esse objetivo não foi atingido, tanto em termos absolutos como
relativos, tendo o prazo constitucional se esgotado.
É claro que os gastos federais nas regiões são condicionados por vários
fatores, inclusive pelas grandes obras de infra-estrutura financiadas pelo
governo federal, mas isso não invalida o argumento de que, em termos absolutos,
o período analisado mostra uma tendência à concentração dos recursos federais
na região Sudeste, com São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais nas primeiras
posições, seguida do Nordeste até 1998, com a Bahia à frente, e do Centro-
Oeste. O Sul e o Norte são as regiões que recebem menos recursos federais em
termos absolutos. No entanto, os gastos per capita mostram uma realidade
bastante diferente, com a região Centro-Oeste na liderança desse tipo de gasto,
seguida de longe pela região Norte. Tal fato se deve, em grande parte, à
decisão tomada pelos constituintes de 1988 de manter sob responsabilidade
federal muitos dos serviços públicos do Distrito Federal e parte da folha de
pessoal dos territórios que se transformaram em estados ' Rondônia e Amapá23.
Assim, a eterna disputa entre os parlamentares do Nordeste e do Sudeste, que se
acusam mutuamente de ''usurpadores'' das receitas federais, e que foram os
principais protagonistas dos embates travados na Constituinte pela distribuição
dos recursos públicos, encontra pouca justificativa quando a análise focaliza a
distribuição por habitante24.
No entanto, quando os gastos federais incorporam os custos da seguridade
social, a concentração de recursos passa a ser menos regressiva. Todavia,
persiste a concentração no Distrito Federal, conforme mostra a Tabela_6.
O segundo nível de análise refere-se a uma comparação entre os três estados
estudados. Nesse caso, os dados mostram que existe uma tendência à concentração
de recursos no estado economicamente mais desenvolvido da amostra. A variável
que parece ter maior impacto sobre essa tendência é o desenho do SUS. Do ponto
de vista da distribuição dos recursos federais por programa, a saúde assume
lugar privilegiado, conforme mostra a Tabela_7.
A Tabela_8 mostra as transferências federais do SUS para os três estados sob
análise. Em termos absolutos, transferências destinadas à Bahia registraram
aumentos muito maiores do que os do Ceará e Paraná, ultrapassando, em 1999, os
valores destinados ao Paraná. A razão para tal crescimento está no aumento do
número de municípios habilitados pelos estados para a provisão dos serviços de
saúde. Em 1997, 83% dos municípios do Paraná e 80% dos do Ceará já participavam
da gestão semiplena ou parcial do SUS, enquanto na Bahia eram apenas 42%
(Arretche, 2000). Em 1998, a Bahia muda radicalmente sua política, tendo
habilitado 370 dos seus 415 municípios, passando a 390 em 1999. O Paraná, que
já contava, em 1997, com 332 municípios habilitados, atinge 399 em 1999, e o
Ceará, que em 1997 contava com 148 municípios, alcança 183 em 199925.
No entanto, os dados de população, PIB e renda per capita desses estados
(Tabela_9) mostram a enorme distância, em termos socioeconômicos, entre Bahia e
Ceará, de um lado, e Paraná, de outro.
Desse modo, a sistemática do SUS, que financia os serviços de atenção básica '
que estão sendo cada vez mais prestados pelos municípios ', mas também serviços
de alta complexidade tecnológica, termina por estimular a concentração de
verbas federais nos estados mais desenvolvidos da Federação. Isto porque, como
mostra Nascimento (2001), os critérios adotados pelo SUS para estimar o teto
financeiro máximo de estados e municípios tomava por base as séries históricas
dos seus respectivos gastos com internações e atendimento ambulatorial, o que
desfavorecia os municípios mais pobres e isolados territorialmente. Ademais,
para cada procedimento era estipulado um valor que considerava a série
histórica de produção, o que terminava por privilegiar as unidades da Federação
com maior capacidade instalada de serviços e maior complexidade tecnológica.
Dividindo-se os recursos do SUS pela população de cada estado, verifica-se, no
Quadro_5, uma maior concentração destes no Paraná e, mesmo com as
transferências para a Bahia tendo quase que duplicado em três anos, o estado
mais populoso da amostra ainda permanece abaixo dos demais em termos per
capita. Tal situação é parcialmente compensada pelas emendas dos parlamentares
dos Estados da Bahia e do Ceará, principalmente os do Ceará, que priorizaram as
emendas para a saúde. Os recursos para a seguridade social e as transferências
constitucionais também promovem uma relativa compensação na tendência à
concentração de recursos nas regiões mais desenvolvidas do país. Na verdade,
existem mecanismos capazes de injetar mais recursos federais nas regiões menos
desenvolvidas economicamente. São eles: um mecanismo político ' as emendas; um
de política pública ' seguridade social; e um constitucional ' as
transferências que compõem o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito
Federal ' FPE e o Fundo de Participação dos Municípios ' FPM.
Resumindo, os repasses do SUS são o principal responsável pela tendência de
diminuição do escasso papel redistributivo dos recursos orçamentários federais.
Tal situação é parcialmente compensada pelas emendas dos parlamentares da Bahia
e do Ceará, os quais, como visto acima, apresentam maior volume de emendas do
que os do Paraná. No entanto, os gastos com a seguridade social mostram que
existem políticas públicas capazes de melhor equilibrar a alocação de recursos
federais entre as regiões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS26
Este artigo analisou uma das várias formas pelas quais uma Federação marcada
por grandes desequilíbrios regionais funciona. Nela convivem múltiplos centros
de poder e diferentes formas de influenciar políticas públicas e de assegurar
recursos federais adicionais para os estados. Esse formato assenta as bases
para o exercício de diferentes práticas nas relações entre os diversos centros
de poder. Tal característica promove a constituição de redes verticais entre
estados, municípios e governo federal, assim como entre representantes do
Legislativo e do Executivo. Essas redes ampliam as relações intergovernamentais
tradicionais e reescrevem as também tradicionais formas federativas de
distribuição territorial de poder.
Esses processos podem ser mais bem entendidos a partir de um enfoque neo-
institucionalista, que toma as decisões emanadas da CMO, base empírica desta
pesquisa, como influenciadas por fatores e constrangimentos institucionais que
desenham as características do processo decisório no interior da CMO.
Neste trabalho foi testada a hipótese de que as instituições políticas moldam
os processos através dos quais as decisões sobre recursos públicos são tomadas
e implementadas e que essas decisões mantêm o equilíbrio federativo em um país
muito desigual do ponto de vista fiscal, econômico e social.
Os casos da Bahia, Ceará e Paraná confirmam alguns argumentos acima mencionados
e apresentam as seguintes características comuns. Em primeiro lugar, o estudo
dos três estados mostra que os parlamentares mais ativos na CMO têm pouca
visibilidade e não são diretamente formadores de opinião ou partícipes na
formulação de políticas, o que sugere a existência de outras formas de acesso
aos recursos federais usadas por políticos mais influentes. Nos casos da Bahia
e do Ceará, tanto Antônio Carlos Magalhães como Tasso Jereissati possuíam, no
período analisado, controle extraordinário sobre suas respectivas bancadas
estaduais, porém no Ceará esse poder se confrontava com um forte adversário, o
PMDB. Essa competição se manifestava também na CMO. Já no Paraná, as forças
políticas eram mais pulverizadas. Apesar de algumas características
diferenciadas, os parlamentares desses estados optaram, em vários momentos,
pela cooperação na disputa por recursos escassos. A força dessa cooperação,
medida pela prevalência das emendas de bancada sobre as individuais, foi mais
intensa no Paraná e na Bahia do que no Ceará. Por quê? A resposta parece estar
no fato de que, quando o poder é mais fragmentado ou concentrado, como no
Paraná e na Bahia, há maiores incentivos à cooperação do que quando o poder é
mais polarizado, como no Ceará.
Em segundo lugar, tanto no caso da Bahia como no do Ceará, deputados eleitos
por outros estados aprovaram emendas para ambos, evidenciando a cooperação para
além das bancadas estaduais. Tal fato não ocorre no Paraná devido à maior
fragmentação do poder, o que permite que minorias partidárias não sejam
eliminadas.
Em terceiro lugar, aparece o resultado da contribuição do orçamento federal
para o aumento da concentração de recursos orçamentários nos estados
economicamente mais desenvolvidos. Tal efeito provém das transferências do SUS,
que faz com que os recursos orçamentários para o Paraná sejam sempre superiores
aos dos dois outros estados pesquisados, contribuindo, assim, para aumentar os
desequilíbrios regionais no que se refere à distribuição anual dos recursos
federais.
Em quarto lugar, talvez o mais destacado produto dessa pesquisa no que se
refere ao seu referencial teórico, está a importância dos incentivos para
moldar resultados de políticas públicas e a estratégia dos atores. Refiro-me às
mudanças ocorridas na regulamentação das emendas. Com a decisão de privilegiar
as emendas de bancada sobre as individuais, aquelas assumem relevância, mesmo
nas bancadas que a elas reagiam, como a do Ceará. Outra modificação nas regras
da CMO foi introduzida em 1999, limitando o valor das emendas individuais,
sendo ela também responsável pelo incremento das emendas de bancada em
detrimento das individuais, forçando, assim, a cooperação entre parlamentares e
partidos resistentes à mesma27. Todavia, esta cooperação induzida pelos
incentivos institucionais pode ter reduzido a força dos grupos partidários
minoritários no estado, como foi o caso do PMDB do Ceará.
Aqui também se procurou questionar algumas hipóteses relacionadas ao processo
decisório da CMO. O que se rotula de fisiologismo e pork barrel ou o que é
visto unicamente como estratégia para a sobrevivência eleitoral dos
parlamentares foi interpretado não apenas como uma forma de os parlamentares
carrearem recursos para territórios onde mantêm compromissos com o eleitorado e
com as elites dirigentes locais, mas também como uma maneira de compensar a
ineficiência das regras formais de equalização fiscal. Ademais, com as mudanças
nas regras da CMO, o argumento baseado na política do pork barrel reduz ainda
mais sua importância pela prevalência das emendas de bancada28.
Retornando ao ''modelo'' hipotético de análise, o fator/constrangimento
institucional considerado foi o federalismo brasileiro, em especial as regras
do federalismo fiscal, que acomodam nossas históricas desigualdades regionais
por via da negociação de recursos federais adicionais para as unidades
subnacionais. Uma das saídas para enfrentar esse constrangimento é a
possibilidade aberta a parlamentares, em especial aos de menor visibilidade, de
injetar recursos federais nos territórios que os elegeram. Essa oportunidade
desenha algumas características do processo decisório dentro da CMO. A primeira
é a autolimitação do poder individual dos parlamentares, que aprovaram medidas
que estimulam a cooperação. Ademais, o processo decisório dentro da CMO permite
absorver demandas dos partidos que não integram a coalizão governista estadual.
Esse aspecto ' da cooperação ' condiciona a capacidade do governo de fazer
escolhas na alocação de recursos públicos, ou seja, aumenta as chances de
pressão sobre a burocracia federal para a liberação dos recursos. A segunda
característica resulta de decisões políticas anteriormente tomadas, isto é, a
opção por manter a desigualdade entre regiões, que incentiva os parlamentares a
uma atuação estratégica, lançando mão de receitas federais para minimizá-las,
apesar de os recursos à disposição dos parlamentares serem relativamente
baixos.
A CMO reflete, assim, as ''regras do jogo'' do federalismo brasileiro, as quais
incentivam os parlamentares a buscarem minimizar a ineficácia ou a
insuficiência das regras formais de equalização fiscal. No entanto, o desenho
de algumas políticas públicas, como o SUS, induz à concentração de recursos em
estados/regiões economicamente mais desenvolvidos, enquanto o de outras, como o
da seguridade social, tendem a promover maior equilíbrio federativo regional
dos gastos públicos.
A trajetória da Federação brasileira, moldada na persistência de políticas que
estimulam sua desigualdade, mas que amortecem essas mesmas desigualdades via
recursos federais adicionais, permite-nos entender melhor o que os
parlamentares buscam maximizar e por que perseguem certas políticas em lugar de
outras. Ou seja, a opção por uma moldura teórica que toma objetivos,
estratégias e preferências como algo a ser explicado tem a vantagem de situar
essas questões dentro de um contexto maior que ultrapassa as formulações
baseadas unicamente no comportamento auto-interessado dos atores. As
instituições não são apenas uma outra variável e não é suficiente o
reconhecimento de que elas ''contam''. Ao tentar entender como as instituições
moldam não apenas as estratégias dos atores, mas também seus objetivos, e como
são mediadas as relações de cooperação e conflito, busca-se iluminar os estudos
sobre as instituições políticas nacionais.
Pode-se concluir, portanto, que as ''regras do jogo'' relativas aos conflitos
distributivos em uma Federação marcada pela desigualdade regional permitem
mudanças incrementais que contrabalançam a timidez das políticas de equalização
fiscal.