A comédia no romantismo brasileiro: Martins Pena e Joaquim Manuel de Macedo
A ponderação de Roger Bastide de que precisaríamos inventar categorias líquidas
para tratar do Brasil já que conceitos europeus não dão conta dos aspectos
movediços da sociedade brasileira não deve ficar restrita a aspectos
econômicos ou políticos. Ela também diz respeito à cultura e à arte teatral.
Ninguém ignora que o nosso romantismo foi inaugurado em 1838 com Antonio José
ou O poeta e a inquisição, paradoxalmente uma peça próxima da tragédia,
composta por Gonçalves de Magalhães. Escritor de vôo curto, definido como
"clássico emperrado" por Sílvio Romero, era tido na conta de grande filósofo e
poeta pelo imperador Pedro II, de quem era amigo íntimo.
Diga-se a favor de nossa bisonha tragédia que, assim como Portugal importou a
nova escola através dos esforços de Almeida Garrett e Alexandre Herculano1, nós
lhes seguimos os passos a partir da fundação, em Paris, de Niterói, Revista
Brasiliense de Ciências, Letras e Artes (1836) por Magalhães, Porto-Alegre,
Sales Torres-Homem e Pereira da Silva. A revista visava à promoção dos ideais
românticos entre nós, tendo como epígrafe "Tudo pelo Brasil e para o Brasil".
Mas a boa vontade e o desejo de modernidade de nossos intelectuais, esforçando-
se para importar a nova escola, refletiam os desajustes de outras áreas,
principalmente no que dizia respeito aos princípios liberais, também
importados, e que não podiam significar entre nós o que significou na Europa,
isto é, a luta da burguesia contra os privilégios da aristocracia e da realeza.
É verdade que a partir do século XVIII, no quadro da crise geral do
colonialismo mercantilista, as contradições políticas e culturais se aguçaram
entre nós, tendo sido abalada a legitimidade da escravidão. Multiplicaram-se as
sociedades secretas como a maçonaria2, que divulgavam teorias liberais e os
"abomináveis princípios franceses". Datam dessa época a Inconfidência Mineira
(1789), a Revolta dos Alfaiates na Bahia (1798) e a associação carioca de cunho
liberal em 1794, todas duramente reprimidas. A verdade é que não tínhamos uma
burguesia necessariamente forte para servir de suporte a idéias liberais3, e as
camadas senhoriais não estavam dispostas a renunciar ao latifúndio e à
propriedade privada ao lutar pela liberdade de comércio e pela autonomia
administrativa e judiciária. Essas circunstâncias são a base do que Roberto
Schwarz chamou de "aquele desconcerto que foi nosso ponto de partida"4. Pois
nada se afastava mais das ideologias do liberalismo europeu que nossa sociedade
escravista, que estrangulou por quase quatro séculos a vida intelectual, no
limite dificultando o acerto do tom literário desejado pela elite.
Isso não significa tornar irrelevantes os dons intelectuais de nossos homens de
letras envolvidos no projeto de modernização, pois quando apoiados na ideologia
escravista e patriarcal, mesmo quando disso não tinham inteira consciência,
compunham páginas vigorosas. Confira-se de Gonçalves de Magalhães "Memória
histórica e documentada da revolução da província do Maranhão desde 1839 até
1840"5, quando nosso poeta secretariava Caxias na repressão à Balaiada. No
texto de Magalhães o "oprimido", em vez de idealmente consolado pelo "Anjo da
amargura", conforme se lê em Suspiros poéticos e saudades, se transforma
objetivamente em "animal". Confira-se também de Joaquim Manuel de Macedo, As
vítimas algozes, romance que denuncia os males da escravidão, mas que de modo
surpreendente opõe inocentes proprietários, "incônscios opressores", ao
"coração escuro" e aos "ferozes instintos" dos escravos. Esse viés que deriva
do medo das elites a partir das rebeliões escravas6 não está muito longe da
ideologia de O demônio familiar de José de Alencar, com sua liberdade
compreendida como "punição", quem sabe parente da "maldita liberdade" aludida
por documentos da época7.
Não deixa de ser significativo que o livro de Macedo tenha levantado polêmica,
sendo considerado "sobejamente imoral para penetrar no lar doméstico"8. Tal
juízo deve se apoiar não só nas cenas lúbricas do livro, mas também na noção de
literatura que começava a surgir entre nós, ligada a uma "civilização do
recreio", correspondendo o hábito da leitura ao desejo de descanso e
distração9. Nosso público romântico compunha-se de jovens principalmente das
classes altas, ou com elas relacionados, à procura de entretenimento, e "que
não percebia muito a diferença de grau entre um Macedo e um Alencar urbano"10.
Voltando a nosso tema, a comédia no romantismo brasileiro, ele não escapa das
contradições, pois que se duvida mesmo da existência desse gênero entre nós. "A
comédia romântica, quando existe, banha-se na fantasia poética de Shakespeare",
afirma Décio de Almeida Prado11, acrescentando que nosso maior comediógrafo do
período romântico, Martins Pena, "seja pelo temperamento, seja pela escrita
teatral, nada tinha de romântico", embora fosse fiel "ao senso da cor local e
ao gosto pelo pitoresco." Devemos tomar essas palavras no sentido também
aplicado a Debret: "tudo o que se presta a fazer uma pintura bem caracterizada,
e que impressiona e encanta ao mesmo tempo os olhos e o espírito"12. Gruzinski
acrescenta que a arte do pintor francês era "uma arte da teatralização" e o
artista um "pintor de costumes". A isso voltaremos.
As mudanças introduzidas na Colônia com a chegada da corte portuguesa ao Brasil
significaram para nós uma espécie de iluminismo, com o adensamento do meio
cultural e a tentativa de civilizar as povoações que às vezes não passavam de
"meros presídios ou plantações", conforme as descreveu Hipólito da Costa13 com
ironia. A transferência possibilitou a vinda de estrangeiros ilustrados de
vários países, a fundação da Imprensa Régia e os primeiros jornais14, a
primeira livraria15, a biblioteca pública, algumas escolas superiores, o
primeiro teatro "decente"16, diferente das "casas de ópera" que existiam então,
entendendo-se por "ópera" qualquer peça que intercalasse trechos falados e
musicais. Macedo ainda emprega o termo com esse sentido. Devemos recordar que
tais repertórios híbridos existiam também em Portugal e foram censurados pelo
próprio Garrett, que ironizou o hábito de "acomodar ao gosto português" as
traduções de Metastasio recheadas de graciosos17.
A vinda da missão francesa em 1816 e o florescimento de uma notável atividade
musical coroaram as iniciativas de desenvolvimento cultural. Apesar disso as
informações dos viajantes nos dão uma idéia da precariedade dos espetáculos,
secundadas pelas críticas de nossa imprensa nos anos de 1830-40, desejosa de
que o Brasil definitivamente acertasse o passo pelo da Europa.
A inauguração do Real Teatro de São João em 1813, depois rebatizado ao compasso
das conjunturas políticas, animou a criação de aproximadamente 23 casas de
espetáculo em diversos pontos do reinado na primeira metade do século XIX. A
importância com que se revestia na época a qualidade da relação teatro/política
entre nós revela-se no lastimável episódio envolvendo o "teatro do Plácido"
(1823), que ousou barrar a entrada da marquesa de Santos, amante favorita de
dom Pedro I. Apesar de seu apreço pela arte cênica, o imperador comprou
imediatamente o teatro, destruiu as instalações com seus homens de armas,
exigindo o despejo da companhia.
Aliadas à descontinuidade que sempre regeu nosso palco, tais circunstâncias
explicam a razão de o nosso romantismo teatral possuir um aspecto incompleto e
às vezes equivocado, à semelhança do que acontecia em outros domínios. Nosso
melodrama, entendido como drama, equívoco comum em toda parte18, foi "fenômeno
ilusório", segundo Décio de Almeida Prado, pois embora empenhado em "enriquecer
a ação e rechear o palco", não passou de tentativa canhestra, "antes literária
que dramática"19. Além disso, nossos melhores dramas nunca chegaram ao palco no
momento aprazado, como aconteceu com Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, uma
peça histórica composta com talento, não destoando do gênero desenvolvido no
exterior. Pouco depois, o que se chamou de "realismo", também obedeceu à lei
geral do hibridismo que regia a Colônia, misturando-se a nova escola aos tons
idealizados do romantismo. De um lado existiam os objetivos literários dos
autores imbuídos do método, de outro a "impregnação social, que está um pouco
em tudo", pondera Décio de Almeida Prado20, o que faz, por exemplo, que O
demônio familiar, de Alencar, tenha seu traço "mais entranhadamente nacional"
nesse "dengo mais próximo do romantismo que do realismo, de A moreninha que de
La question d´argent"21. Não por acaso o gênero teatral que mais floresceu
entre nós foi a comédia, estruturalmente apoiada na fratura, nos equívocos de
toda ordem e na instabilidade de suas relações de força e de sentido.
LUíS CARLOS MARTINS PENA (1815-1848)
Tudo é parcialidade, e não só no mundo
como no céu, que é mais ainda!
MARTINS PENA
Martins Pena foi essencialmente um homem de teatro. Entretanto não descobriu a
vocação imediatamente. Sem fortuna, órfão de pai e mãe aos 10 anos, e sem
acesso ao grupo de intelectuais ao redor da confraria do trono, foi encaminhado
para as aulas de comércio por seus tutores comerciantes. Embora tivesse
terminado o curso com brilho, não sentia apelo pela profissão, e com certeza
ajudado pela irmã que se casara com um alto funcionário da Alfândega, passou a
estudar na Academia de Belas Artes, que ainda contava com alguns professores
franceses da missão cultural. Com eles Martins Pena adquiriu conhecimentos de
pintura, estatuária e arquitetura. Também estudou música e canto, por conta do
bom ouvido e de sua admirada voz de tenor22. Enquanto isso também estudava
literatura e inglês, francês e italiano, línguas que chegou a falar
fluentemente, segundo dizem.
Essa formação variada e não ortodoxa decerto facilitou-lhe o desenvolvimento do
gosto artístico, aguçando o ouvido e o olhar de observador, qualidades
imprescindíveis a quem alimente pretensões teatrais. "Bons olhos e bons ouvidos
(ouvido do crítico de música que ele foi) eis certamente o que não faltava a
Martins Pena."23 Acrescente-se o momento politicamente perturbado em que viveu,
que deve ter contribuído para o amadurecimento da sensibilidade social, atento
aos movimentos revolucionários da época24. Sua estréia na literatura, com o
conto-crônica "Um episódio de 1831"25, publicado em 1838 no Gabinete de
Leitura, já é revelador desse interesse, pois é na cena social que se concentra
sua atenção, descrevendo os atos de selvageria que se seguiram à abdicação de
d. Pedro I. Com 16 anos na época, deve ter assistido a cenas semelhantes e
ouvido comentários inflamados sobre os acontecimentos.
O ano de 1838 foi fundamental não só para o teatro brasileiro, mas também para
nosso autor, que pouco depois da estréia de Antonio José, teve sua primeira
comédia, O juiz da roça, levada à cena, embora sem menção de autoria, talvez
pelo temor de com isso dificultar a conquista do emprego público: realmente foi
nessa época que conseguiu o cargo de amanuense com a ajuda do cunhado poderoso,
fazendo carreira no setor. Quando morreu, a caminho do Brasil, era nosso
diplomata em Londres, e estava prestes a iniciar uma nova etapa. Quem sabe
escrever a ópera cômica brasileira que nos prometeu nos Folhetins? "Aonde ele
iria depois desse impulso, jamais saberemos", pondera Décio de Almeida Prado26.
Mas nesses inícios, talvez o desejo de seguir a moda, alçando-se a um gênero
maior, o tenha levado a experimentar o drama27. Escreveu cinco,
extraordinariamente medíocres, recheados de retórica enfática e palavrosa,
inconsciência de recursos cênicos e ocorrências mirabolantes. Razão teve o
Conservatório Dramático, em sessão de 22 de maio de 1846, ao considerar D.
Leonor Teles "uma monstruosidade". Mas talvez nenhum dos dramas ultrapasse
Itaminda, no qual a protagonista é trancada na oca pela vilã e, para salvá-la,
os portugueses tenham de arrombar a porta28. Diante disso só podemos repetir o
próprio Martins Pena, ao comentar nos Folhetins a encenação de certas óperas:
"é duro de engolir!".
Se às vezes as comédias de Pena são avaliadas como ingênuas, negligentes quanto
à linguagem29 e ideologicamente isentas ("a verdade aqui, para não provocar
indignação, carece de ser auxiliada provocando bom frouxo de riso", diz ele nos
Folhetins ), por outro lado encontramos observações como a de Ruggero Jacobi30
e a de Sílvio Romero: "Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da
história brasileira dos primeiros cinqüenta anos deste século XIX, que está a
findar, e nos ficassem somente as comédias de Pena, era possível reconstruir
por elas a fisionomia moral de toda essa época"31.
Não há como discordar. Aí estão, desdobrados em vários momentos, nossos vícios
maiores: a política do favor como mola social, a corrupção em todos os níveis,
a precariedade e atraso do aparelho judicial, a exploração exercida por
estrangeiros e a má assimilação da cultura européia importada, que o inspirou a
escrever irônicas paródias da ópera, como O diletante, ou dos melodramas
levados à cena por João Caetano. Acrescentem-se a esse rol o contrabando de
escravos, os mecanismos da contravenção, a servidão por dívida, comportamentos
sexuais e familiares, etc. Esses e outros aspectos que percorriam a sociedade
brasileira de alto a baixo são exibidos no palco.
Segundo Paula Beiguelman,32 a comédia de Pena se baseia principalmente na
quebra de autoridade, ocasionada pelos efeitos desintegradores da urbanização.
Acrescento entretanto que algumas falas e desfechos podem ser considerados
morais, mas não muito, como em O irmão das almas, quando Paulino abençoa recém-
casados na última cena com as palavras: "Sejam felizes se o puderem"; ou como
em O namorador, em que, ao conselho bem-humorado de que os velhos devem deixar
os namoros para os jovens, juntam-se informações menos inocentes: o desejo de
adultério e a manipulação dos inferiores; completa o quadro a dominação da
mulher e o contraponto contínuo dos africanos a trabalharem calados, enquanto
os outros se divertem na noite de são João. Não surpreende que a censura
estivesse sempre atenta a essas peças.
Cito um trecho de Os dous ou O inglês maquinista33, que estreou em 1845, sendo
imediatamente censurada pela Câmara dos Deputados34, porque "aparece em cena um
contrabandista de africanos trazendo um debaixo de um cesto". Trata-se da cena
13, quando o Negreiro entra na sala acompanhado de um velho preto de ganho com
um cesto na cabeça, "coberto com um cobertor de baeta encarnada".
Negreiro Boas noutes.
Clemência Oh, pois voltou? O que traz com este preto?
Negreiro Um presente que lhe ofereço.
Clemência Vejamos o que é.
Negreiro Uma insignificância...Arreia, pai!35 (Negreiro ajuda o
preto a botar o cesto no chão. Clemência, Mariquinha chegam-se para
junto do cesto, de modo porém que este fica à vista dos
espectadores.)
Clemência Descubra. (Negreiro descobre o cesto e dele levanta-se um
moleque de tanga e carapuça encarnada, o qual fica em pé dentro do
cesto.) Ó gentes!
Negreiro Então, hem? (Para o moleque) Quenda! Quenda! (puxa o
moleque para fora.)
Clemência Como é bonitinho!
Negreiro Ah, ah!
Clemência Por que o trouxe no cesto?
Negreiro Por causa dos malsins...
Clemência Boa lembrança. (Examinando o moleque.) Está
gordinho...bons dentes...
Negreiro, à parte, para Clemência É dos desembarcados ontem no
Botafogo.
Não podemos nos esquecer que a questão do tráfico negreiro era a mais espinhosa
do momento. De forma provocativa Martins Pena não só exibe todo o trâmite da
contravenção, que envolvia deputados, desembargadores e ministros, como também
transforma em vilões figuras respeitadas na sociedade. O inglês, não por acaso
denominado Gainer, bem poderia exclamar como seu conterrâneo em As casadas
solteiras: "Brasil é bom para ganhar dinheiro e ter mulher... Os lucros...
cento por cento... É belo"36.
Mais adiante, na mesma peça, a protagonista, com ironia chamada Clemência,
interrompe a conversinha social para ir lá dentro chicotear as "negras", a
propósito de louças efetivamente quebradas pelo cão. À volta, ruborizada e
ajeitando o lenço ao redor do pescoço, comenta que não gostava de "dar
pancada". À semelhança de muitas outras comédias, assistimos aqui ao jogo das
palavras desmentindo a realidade da cena e das personagens. Estas estão por
demais mergulhadas no contexto escravista para entenderem a incompatibilidade
entre o que dizem e o que fazem, movimento que constrói a ironia dramática da
peça.
Concentrada embora na corte, o teatro de Pena faz alusão à maioria das regiões
brasileiras, mas também a outras terras, Portugal, França (denúncia da cultura
mal assimilada), Itália (a mania da ópera) e Inglaterra (a exploração
econômica), que serve ao comediógrafo para a defesa dos interesses nacionais.
Por exemplo, um derrotado artesão brasileiro (Francisco, em O caixeiro da
taverna) explica as razões de seu fracasso pela presença, no Império, de
alfaiates e cabeleireiros franceses, dentistas americanos, maquinistas ingleses
e relojoeiros suíços. Só restava aos nacionais arranjarem um emprego público,
se por acaso tivessem algum conhecido influente. Mas às vezes nem mesmo isso
bastava. "Há coisa de doze para catorze anos, eu era empregado público;
Demitiram-me porque diziam que eu roubava a nação. Qual roubava! A nação é que
me roubava, pagando-me menos do que eu merecia" (variante de O irmão das
almas).
Entre os personagens encontramos funcionários públicos e toda uma gama de
empregados de repartições, representantes da elaboração lenta e difícil de uma
camada social intermediária no Brasil. A eles acrescentam-se caixeiros, classe
politicamente avançada na época ("insolentes", diz Macedo em Luxo e vaidade),
sacristãos, soldados, artesãos, floristas e costureiras, essas últimas tidas
como profissões prostituídas de moças pobres. Em O caixeiro da taverna,
Angélica afirma, muito ironicamente, que Deolinda, costureira, "cose para fora
com muita honestidade":
Angélica Ah, a senhora é a Sra. Deolinda, que cose para fora com
Muita honestidade?
Deolinda Uma sua criada.
Angélica E que vem em pessoa tomar medida aos fregueses... em suas
próprias casas... e tudo com muita honestidade?
Em O irmão das almas, cuja sonoplastia recomendada pelo autor é o lúgubre
dobrar de sinos durante toda a ação, Jorge recorda com a irmã momentos de
aperto financeiro, quando ela foi aprender a fazer flores com uma francesa, com
quem ele acabara brigando, "porque isso de fazer flores parece-me assim...
ofício muito leve" (variante da cena 3).
Em O namorador ou A noite de S. João surgem colonos imigrantes da Madeira,
submissos à servidão por dívida, mourejando durante todo o tempo, identificados
aos escravos que têm a obrigação de vigiar, sem possibilidade de juntar vinténs
para a libertação. Por sua vez, numa noite de Natal somos apresentados a uma
ama-de-leite branca que perdera o filho, e que se aluga a patroas que "embirram
com amas negras", ficando ao alcance do velho libidinoso da casa (As desgraças
de uma criança).
Não é raro Martins Pena ser comparado a Debret na pintura dos costumes do
Brasil, e é bom que nos lembremos que vários membros do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) reagiram mal a alguns aspectos abordados pelo
pintor francês na Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, "pela referência
direta à escravidão com cenas, por exemplo, de castigos a escravos"37. Acho que
aí está o nó da questão. A aparente despretensão dos trabalhos dos dois
artistas, até pelas dimensões e o meio que escolheram pequenas aquarelas e
minúsculas comédias ou farsas38 , revela um olhar independente sobre a
sociedade brasileira, sem a idealização da elite. Era impossível a qualquer
observador aproximar as cidades de Paris e Rio de Janeiro, esta com as ruas
percorridas por enxames de africanos, com escarificações no rosto, trabalhando
e cantando para ritmar o esforço. "O escravo estava por toda parte. A primeira
coisa que ocorria a alguém que melhorava de vida, até mesmo a um ex-escravo
agora liberto, era adquirir um escravo."39
Comentando a própria aquarela intitulada "Carros e móveis prontos para ser
embarcados", Debret se espanta ao encontrar escravos carregando na cabeça
fardos pesados "neste século das Luzes". Entende depois o motivo da resistência
da população a outro tipo de transporte: grandes ou pequenos proprietários de
escravos, mesmo "a classe mais numerosa, a do pequeno rentista e da viúva
indigente" teriam prejuízo ou perderiam o meio de subsistência com a
modernização40.
Diante disso, só restava aos artistas inventar uma solução formal adequada às
circunstâncias. Num ensaio inaugural, Rodrigo Naves41 mostra que este foi o
maior mérito de Debret. Vindo do ateliê do neoclássico David, percebeu a
diferença do meio e inteligentemente procurou adequar-se a ele. Se as obras
realizadas na França tinham "uma forma ostensivamente forte", Debret "deriva
para trabalhos acanhados e modestos". O mérito não foi só a troca do óleo pela
aquarela, mas a própria realização dela, com linhas flutuantes, disposições
inesperadas e contornos pouco definidos o que marca não só o afastamento do
padrão francês, mas uma percepção inteligente de nossa sociedade.
Martins Pena, por sua vez, apesar das tentativas de vôos altos tropeço também
de seus contemporâneos , acerta na forma miúda42, vivíssima, a todo momento
posta à prova do palco. Seus Folhetins valem também como um exemplo de sua
formação, com minuciosa descrição da dramaturgia da época através da encenação
das óperas. Se lhe são familiares as convenções teatrais e a tradição
francesa43, vira-se também para a prata da casa: aproveita-se dos teatrinhos de
feira, nos quais como no resto do mundo era comum populares se misturarem a
intelectuais, além do circo de cavalinhos, a cujo encantamento se refere já em
O juiz de paz na roça; menciona ainda os teatros mecanizados44, que
infelizmente só conhecemos pelos anúncios nos periódicos da corte e das
províncias, tanto devia ser o seu sucesso. Ao alcance de Pena estavam também as
representações de rua, extremamente engenhosas conforme as descreve Ewbank45,
com animais ensinados, fogos, e figuras "de papel colorido sustentadas por
delicadas armações", executando piruetas no alto de mastros, bufões
"irresistíveis" e até mesmo números da Commedia dell´Arte, como a menção que
faz a Punch e Juddy46, uma das referências de As desgraças de uma criança47.
Não se pode também esquecer a proliferação, a partir da década de 1840, das
caricaturas e dos desenhos cômicos, de saída inspirados na Lanterna Mágica,
Periódico Plástico-filosófico, de Araújo Porto-Alegre.
Surpreendemos esse contexto colorido e fragmentado nas minúsculas comédias de
Pena, tecidas com fios de qualidades diferentes. Na primeira peça, ainda
treinando a mão, encontramos o entremez articulado a uma estrutura de comédia
clássica, mas o resultado ainda é indeciso e muito preso ao documento. Mais
tarde, em 1844, em O namorador ou A noite de S. João, um de seus trabalhos mais
bem urdidos e mais inovadores, Pena conjuga três fios. O primeiro, o do enredo
amoroso próprio da comédia de costumes, embora não se trate de uma comédia de
amor, a que ele nunca se dedicou. O autor parece mais interessado em aprofundar
uma dialética amorosa, observada em suas diferentes fases, o que é quase
impossível de se executar, como ele o faz, numa comédia de um só ato. Nela há
relações envolvendo sexo e amor entre diferentes níveis da sociedade: entre
jovens da mesma condição econômica, outros mais pobres, entre velhos casados e
ricos, entre serviçais, entre patrão (moço ou velho) com empregadas, entre moço
rico e vários tipos de mulher: velha, moça, bonita, feia, branca, cabocla,
escrava. Observe-se o diálogo abaixo, cena 15, versando sobre o tempo e o amor:
Luís Não a amo mais porque há já três meses que ela me ama.
Clementina Boa razão! Não a ama porque ela ainda o ama.
A segunda linha explorada é a da farsa rústica portuguesa, representada pelos
ilhéus submetidos à servidão por dívida. Aqui também Pena inova, pois as
características dessa farsa (rusticidade de personagens, palavras chulas e
pancadaria) misturam-se à patética revolta do ilhéu em relação à exploração de
seu trabalho: "Oh! Quem me dera viver sem trabalhar. Cresce-me água à boca
quando vejo um rico. São os felizes... que cá o homem anda de canga ao
pescoço..." (cena 6).
Por fim temos a linha da farsa propriamente dita, levada a cabo por um velho em
suas investidas sexuais em relação à ilhoa, que tem mais dois interessados: o
marido e Luís, sobrinho do velho, compondo todos uma ciranda cômica no melhor
estilo.
Como ponto de convergência desses três fios está a fogueira de são João,
metaforizada no "fogo do amor", tendo ao mesmo tempo valor funcional e
utilitário, pois à sua luz desmascara-se o velho amoroso.
Se olharmos a produção de Pena como um todo, percebemos que a comédia que marca
o ponto de inflexão da obra é Os dous ou O inglês maquinista, que esboça em
vários momentos uma comédia de meios-tons, refinada, que poderia ser um caminho
desenvolvido por Martins Pena, se assim o desejasse. Observe-se a leveza do
diálogo na cena 10, que funciona pelo que não diz, e que é absolutamente
impensável no teatro da época:
Mariquinha ...Primo?
Felício Priminha?
Mariquinha Aquilo?
Felício Vai bem.
Cecília O que é?
Mariquinha Uma cousa.
O Judas em sábado de Aleluia (1844), obra-prima de apenas doze cenas, já mostra
um teatrólogo dono das técnicas e consciente do caminho escolhido (por essa
época Martins Pena desiste dos dramas a que tão equivocadamente se dedicara).
Agora a comédia está ajustada a princípios teatrais, e a preparação das cenas
faz-se com minúcia, resultando num desfecho absolutamente amarrado, com o
protagonista dirigindo-se ao público à maneira clássica48.
No entanto, a verdadeira invenção formal de Pena foi introduzir na simetria da
tradição cômica (velhos versus jovens, serviçais versus amos, nacionais versus
estrangeiros, etc.) uma assimetria básica: a presença dos escravos, que se
deslocam no palco sem correspondência de pares49. Sem voz e sem razão,
trabalham sem descanso, chicoteados, empurrados, enganados, sugerindo uma outra
história recalcada pela trama colorida e veloz que gira diante dos olhos do
espectador.
Se concordamos com Sábato Magaldi50 ao afirmar que a comédia de Martins Pena
pode ser considerada "uma escola de ética", antecipando o que se chamou de
"alta comédia realista", acrescentamos que entre esta e a obra de Pena há uma
diferença básica: em vez dos discursos estilosos que recheiam o teatro das
intenções moralizantes, o que facilitava a identificação com o nacional buscada
por todos, Martins Pena deu o seu recado através do próprio jogo de relações
que a cena estabelece. Retrato em três por quatro, mesquinho e melancólico,
muitas vezes tosco ou constrangedor? Claro, mas as limitações eram do contexto,
não dos recursos utilizados. "E se nós não estamos bem constituídos, a culpa
não é minha... E passo para a oposição!" diz o dramaturgo em O judas em
sábado de Aleluia. Nessa peça também lemos que no Brasil "um cidadão é livre...
enquanto não o prendem", afirmação particularizada em O noviço: "as leis
criminais fizeram-se para os pobres". Esse abalo do país "livre e ilustrado"
apóia-se também nas minuciosas rubricas que o autor nos deixou, em manuscritos
com incontáveis variantes, que o aproximam do papel do moderno encenador,
profissão inexistente na época. Freqüentemente exige inteligência cênica dos
atores, palavras sempre utilizadas, para a compreensão da sutileza dos papéis,
sua interpretação, marcação cênica, etc.
É importante sublinhar que ao colocar desta forma o escravo em suas peças,
definidas como "microcosmo cênico dotado de notável pugnacidade"51, Pena
rejeitou a tradição de identificá-lo ao simples palhaço52, com seus lances de
finura e imbecilidade, mero gracioso rodeado de tiradas morais, exemplo seguido
por Alencar em O demônio familiar, apesar das expressivas qualidades cênicas da
peça. Em Martins Pena, o escravo está à margem da convenção cristalizada, e à
margem da sociedade, embora seja o único visto a trabalhar em cena. Como se nas
marchas e contramarchas da comédia fosse introduzido um elemento retardador,
silencioso, que impressiona por também aludir à tensão de classes da época.
"O bom negro no Brasil", afirma Décio de Almeida Prado53, analisando Mãe, de
Alencar, "é aquele que desaparece de imediato, quando sua presença incomoda a
memória familiar".
Com o silêncio talvez Martins Pena sugira não haver palavras para descrever tal
situação.
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (1820-1882)
...sem ser padre, gosto de pregar os meus sermões.
J. M. DE MACEDO
Macedo foi médico e literato como Gonçalves de Magalhães, falecidos aliás na
mesma data. Ambos faziam parte da "cidade letrada" de dom Pedro II, de cujas
filhas o autor de O novo Otelo foi preceptor. Até o final da vida Macedo
lecionou no prestigioso Imperial Colégio Pedro II, tendo ingressado aos 25 anos
no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838 "sob a imediata
proteção de Sua Majestade", e considerado a síntese da elite intelectual e
política do Império. Além disso, ocupou cargos políticos, foi comendador da
Ordem da Rosa e da Ordem de Cristo e escreveu crônicas na imprensa.
O ano de 1844 foi crucial para nosso autor, menos pela tese de medicina
defendida e intitulada significativamente "Considerações sobre a Nostalgia" do
que pela publicação de A moreninha. Uma das obras mais lidas na época, ela
inaugurou nosso romance de costumes sem prejuízo dos lances folhetinescos então
indispensáveis, sendo transformada imediatamente em peça teatral. Em 1849, com
Porto-Alegre e Gonçalves Dias, Macedo fundou a revista Guanabara, sucessora da
Niterói nos postulados e ideais.
Tendo passado "sem muita convicção ou força"54 por todos os gêneros teatrais
disponíveis no momento, Macedo se achava mais à vontade na comédia, que
abarcava outros gêneros, fossem "inspirados no francês" (O primo da
Califórnia), fossem as chamadas "óperas" (O fantasma branco), a comédia
burlesca (A torre em concurso), fosse o drama realista (Luxo e vaidade), a
comédia realista (Cincinato Quebra-Louça) ou o vaudeville (O macaco do
vizinho55), em que à semelhança de Martins Pena (Os ciúmes de um pedestre)
descobria-se que a mulher podia enganar também o marido e não somente o pai,
perigo já apontado pelo Otelo shakespeariano no século XVI. A diferença é que
na peça de Pena a mulher realmente se envolve com outro, que penetra em sua
casa durante a ausência do marido, e em O macaco do vizinho o adultério é
apenas uma possibilidade.
Assim vemos que as fronteiras da comédia de Macedo podem estar entre as de
Martins Pena e as comédias de José de Alencar. Mas colocar os dois primeiros
lado a lado, como faço neste artigo, torna clara a diferença entre ambos. A
distância diz também respeito aos círculos que freqüentaram, segundo a
proximidade ou distância do poder político, segundo a vida privada, e ao
empenho em relação ao palco.
Apenas cinco anos mais novo que Martins Pena, nosso autor sobreviveu a este em
34 anos, tempo que ultrapassa os 33 vividos pelo autor de Quem casa quer casa.
No entanto, à variação e ao desenvolvimento da obra de Pena em direção à
conquista da técnica teatral corresponde o molde mais ou menos invariável dos
textos de Macedo, sejam ficção, crônica ou teatro, o que permite com freqüência
uma forma escorregar para outra: teatralização de romances (A moreninha),
ficção atravessando as crônicas e virando teatro no final (Romance de uma
velha56). Não se trata de moldar uma estrutura ficcional para as crônicas,
recurso usado por Martins Pena nos Folhetins, mas de emparelhar uma forma com a
outra, perfeitamente nítidas as duas.
Adiantamos que a chave dessa volubilidade apóia-se formalmente no que o próprio
Macedo chamou de trocadilho, largamente usado por ele, menos no sentido do jogo
interno de palavras (parecidas no som e diferentes no significado) do que na
equivalência entre frases ou sintagmas diversos, na maioria das vezes
arbitrária e referente a coisas incompatíveis. Analogia talvez fosse o termo
mais adequado. Esse tipo de composição acaba por ajudar o ritmo digressivo do
autor. Às vezes são meras transposições, comuns na retórica do melodrama, o
"mundo" e o "abismo", por exemplo, mas com esse volteio jocoso tudo se torna
vagamente intercambiável, pouco diferenciável, raso. É comum o recurso alongar
as frases, tornando o texto meio frouxo. Um exemplo no Labirinto de 20 de maio
de 1860, em que "artigos jornalísticos" e "governos" são equiparados: "Começar
um artigo não é empresa assim tão fácil; é como o começar o seu governo para
ministros novos [...]".
Em O novo Otelo, a suposta versatilidade teatral, isto é, a possibilidade de um
ator desempenhar vários papéis, é definida em termos de acumulação de empregos
(cena 2):
Antonio Então eu sou tanta coisa ao mesmo tempo?
Calisto Não faz mal: está no sistema de acumulações de empregos.
Em A torre em concurso, a divisão política entre conservadores e liberais é
equiparada à rivalidade entre dois falsos engenheiros seguidos de seus
admiradores. Um deles se veste de vermelho, outro de amarelo, formando dois
partidos rivais mas em tudo coincidentes, o que gera as alusões políticas e as
brincadeiras cênicas de praxe. O tema foi também admiravelmente desenvolvido
por Machado de Assis em Esaú e Jacó, conforme observa Márcio Jabur Yunes57, em
seu excelente prefácio à obra de Macedo.
Julgo que a epígrafe introdutória da primeira edição de A moreninha, pela
Garnier, retirada de um poema de Gresset, ilumina toda a produção literária e
teatral de Macedo: "Trop occuper pour corriger/ Je vous livre mês rêveries/
[...] J' en fais pour me désennuyer". Nada mais sincero e mais verdadeiro,
apesar da pretendida seriedade dos conselhos e sermões que recheiam a obra,
causando desequilíbrio no conjunto. Vejamos um pequeno trecho de Luxo e
vaidade, considerada muitas vezes sua obra-prima:
Anastácio Aqueles que negam a primazia à virtude, são uns
miseráveis. Já se foi o tempo em que um sandeu valia mais do que um
sábio; um depravado mais do que o homem honesto, quando o homem sábio
ou honesto era filho de um sapateiro, e o acaso dera ao depravado
meia dúzia de avós, falsa ou realmente ilustres. Não temos senão uma
nobreza, a nobreza da constituição, que é a do merecimento e das
virtudes. Já não se reconhece [sic] privilégios, graças a Deus, e as
portas das grandezas sociais estão abertas a todos os que sabem
merecê-las: nobre é o estadista que se consagra aos serviço da
pátria; [...] nobres são todos aqueles que ilustram e honram a nação,
e nobre é, principalmente a virtude, a virtude que é a sublime
benemérita aos olhos do Senhor!...
Leonina Oh! E como há então pessoas que olham com desprezo para um
artista? (Com viveza) O artista não pode também chegar a ser nobre,
meu padrinho?
Temos de convir, saltando as ilusões políticas e convicções pessoais, além do
tópico da nobreza do artista, que o peso dessa fala atravanca e rompe qualquer
equilíbrio possível numa comédia de entrecho convencional: livrar uma mocinha
de um casamento com um velho rico para salvar os pais da bancarrota.
Acrescente-se aqui a qualidade do universo fortemente contrastivo, entre o
vício (esbanjamento, esnobismo social, vida na cidade, dinheiro) e a virtude
(economia que leva à riqueza, ausência de preconceito de classe, vida na roça,
arte).
José Veríssimo apontou a monotonia da obra macediana, sua ingenuidade parelha a
uma sociedade "chã e matuta", a sentimentalidade que beira a pieguice, a
filosofia banal, tudo embrulhado numa moral de catecismo "para uso vulgar". O
crítico também identifica com acerto a inclinação dramática de Macedo, dirigida
a fazer de sua arte um divertimento para moralizar risonhamente seus
contemporâneos58. Antonio Candido completa o perfil da produção longa e prolixa
de nosso autor (vinte romances, doze peças de teatro, um "poema-romance", e
mais de dez volumes de variedades), afirmando que "o bom e simpático Macedo"
sempre cedeu ao impulso da tagarelice "de alguém muito conversador, cheio de
casos e novidades". Sua popularidade junto aos leitores baseava-se na criação
de cenários e personagens familiares, a que se acrescentava a oralidade da
língua. Além disso, as peripécias "e sentimentos enredados e poéticos"
garantiam "as necessidades médias de sonho e aventura"59.
Yunes60 acrescenta outras observações às anteriores: numa época de nacionalismo
exacerbado, anos 1860-70, contraditoriamente banhada do fascínio "ainda forte
demais" pelas modas e maneiras européias, o dramaturgo se vinga, transformando
em clowns dois europeus, a serviço de um brasileiro (os criados em Luxo e
vaidade), fazendo o mesmo com os falsos ingleses de A torre em concurso61.
Mas ao contrário de Martins Pena, os estrangeiros em Macedo são utilizados
basicamente como ocasião para a comicidade provocada pela língua portuguesa
estropiada, à maneira do entremez. Julgo que o detalhe verdadeiramente cômico é
que não haja escravos nas salas brasileiras e, sim, criados europeus. Em outras
palavras, a crítica dos costumes é feita, paradoxalmente deixando intactos os
valores básicos da sociedade e às vezes criando aporias na argumentação. Por
exemplo, se Macedo, que conhecia bem o assunto, pinta o casamento como mercado
lucrativo, segundo a lei da oferta e da procura tal qual se via nos salões, é o
dinheiro muitas vezes que resolve os problemas dos enamorados.
É igual a conclusão de Gilda de Mello e Souza62: Macedo refletia a opinião da
burguesia média, para a qual o casamento era uma transação econômica igual às
demais. Se essas observações agudas de nosso autor não são suficientes para a
boa execução teatral, é fácil concluir que o problema repousa menos nos temas
do que na inconsciência dos recursos cênicos, apresentando soluções
inverossímeis, sem a clareza que a progressão das cenas exige. As falas são tão
compridas, que em A torre em concurso Felícia se perde no próprio discurso:
"...mas... a que veio isso? Ah!sim: para provar a minha experiência;/ pois bem:
com ela adivinhei...", etc. (Ato I, 2).
A "ópera" Amor e pátria, "drama em um ato", celebração do 7 de setembro de
1822, pode bem ser compreendida como comédia (assim como os dramas de Martins
Pena são todos cômicos pela inadequação dos procedimentos). Nela, o amor
romântico de dois jovens é a outra face do amor da pátria, misturando-se
tiradas sobre "o patriota", sobre valentia e temor, a denúncias políticas e
traições pespontadas de qüiproquós melodramáticos. No universo nacionalista, o
vilão não pode deixar de ser um "ilhéu". As peripécias se dão com velocidade,
sem qualquer preparação das cenas, por isso não podem convencer. Vale a pena
transcrever parte da última cena, de louvação a Pedro I:
Luciano Salve! salve! o Príncipe imortal, o paladim da liberdade
chegou de S. Paulo, onde a 7 deste mês, nas margens do Ipiranga,
soltou o grito "Independência ou Morte!" grito heróico, que será
doravante a divisa de todos os Brasileiros...ouvi! ouvi! (Aclamações
dentro) Sim! -"Independência ou Morte".
Não deixa de ser curioso que a última fala caiba ao personagem poltrão, que só
funciona para dar contraste, momento em que se mostra tocado de valentia ao
escutar aqueles "gritos elétricos".
A obediência aos valores patriarcais no teatro de Macedo (religião, pureza e
conformismo) perturba um dos princípios básicos da comédia, que é justamente o
advento do novo em luta com princípios ultrapassados. Ao contrário disso, estes
princípios são defendidos pelos sermões que prega sem descanso defendendo a
moralidade63 e arvorando-se em "realista". Mas o alvo, de novo, não é atingido,
pois falando do Brasil e indicando locais e datas da ação, seus personagens são
"o menos possível brasileiros"64. Faz-se necessário frisar o mais grave: a
escravidão, o ponto inflamado da sociedade, só comparece evaporada nas
comparações lingüísticas, apoiadas em repetidas analogias. Surge assim
destituída de importância, completamente abstrata. Vejamos esses exemplos
colhidos ao acaso:
Crespim ... e corro, há dois dias, como um preto quilombola! (A
torre em concurso, ato I, cena 4).
Germano Que posso eu fazer?...decrete, mande, como uma soberana dá
ordens a um escravo... (idem, ato II, cena 9).
Beatriz ...ainda trabalho [...] perde-se a noite... e isto acontece
à Beatriz a formosa, por causa de um músico de meia cara!...65 (O
primo da Califórnia, ato I, cena 8).
O cotejo entre nossos dois comediógrafos ficará mais claro com a comparação da
paródia de Otelo que ambos escreveram: Martins Pena, Os ciúmes de um pedestre,
proibida de subir à cena pela Censura, que a achou "imprudentíssima"66, e
Macedo, O novo Otelo67.
O ponto central das comédias apóia-se em João Caetano e em sua celebradíssima
interpretação da tragédia shakespeariana. Claro está que não se trata da obra
original, mas de sua versão neoclássica através do "reflexo gelado"68 da
tradução de Jean-François Ducis, retraduzida entre nós por Gonçalves de
Magalhães. De 1837 a 1860 houve 26 representações desse Otelo, apertado nos
padrões clássicos, "com exclusão do povo, do humor, da grosseria, da
sexualidade, da maldade", observa Almeida Prado69. Esta foi a interpretação que
deu a João Caetano o maior prestígio de sua carreira. O próprio Macedo escreveu
que ficara impressionado "pela exageração dos impulsos apaixonados, pelos
gritos ou rugidos selvagens e desentoados"70.
Martins Pena desloca as altas razões da honra e os motivos da bravura da peça
original, com a transformação do "fero africano" em nosso pedestre, policial
subalterno, que merece dele minuciosa definição: sua limitação intelectual, sua
desonestidade, sua bazófia, seu autoritarismo. Desse ponto de vista e
adiantando conclusões, a comédia frisa que na "tapera de Santa Cruz" o amor e o
problema social são um caso de polícia. Mas a lei clássica da comédia, que
sempre derrota os tolos, transforma o esforço policial numa "inútil precaução".
Várias vezes a figura do pedestre vem citada nos Folhetins, pois tinha a função
dupla e paradoxal de caçar escravos fugidos e ao mesmo tempo controlar
desordens nas representações teatrais71. Talvez por isso Os ciúmes de um
pedestre se organizem formalmente aludindo incansavelmente ao próprio palco,
cujo espaço sempre versátil na comédia é reforçado com a multiplicação de
saídas e entradas, incontáveis chaves guardadas dentro de quartos por sua vez
trancados, etc. No final nos é sugerido que estamos mesmo num teatro, quando um
dos personagens, ao se encerrar a ação, e olhando tudo de "um buraco", afirma
que já vai dormir "que já deu uma hora".
O nervo da questão é a discussão sobre a liberdade, a opressão e a maneira de
resistir a ela. "Pensa meu marido que se prende uma mulher prendendo-a a sete
chaves! Simplório!", diz uma das duas encarceradas. Particularizando-se na
família, o tema da escravidão atinge o aspecto mais amplo social.
Desde o início o mote é dado pelo pedestre, em resposta às amargas queixas da
mulher, que aspira à fuga "desta casa, onde vivo como miserável escrava": "Até
agora tenho te tratado como um fidalgo, nada te tem faltado, a não ser a
liberdade..." ( cena 8).
Se a redefinição de fidalguia implica a escravização do outro, ela também
arrasta a um novo entendimento o poder de castigar, que se aproxima agora do
delírio sádico72. Por exemplo, o pretendente da filha do protagonista se
disfarça pintando-se de preto, como muitas vezes faziam os atores a fim de
ficarem "tisnados" para a representação de Otelo73; agarrando-o ao supô-lo um
escravo fugido, assim diz o pedestre: "[...] vem cá, negrinho de minha alma
[...] meu negrinho, hei de te dar uma reverendíssima maçada de pau bem
repinicadinha... Vem cá, meu negrinho..." (cena 6).
No mesmo ato, à filha que pede perdão de joelhos, o pedestre, com a palmatória
nas mãos, também implora transtornado : "Só quatro dúzias, só quatro dúzias".
Mas se Os ciúmes de um pedestre em grande parte giram ao redor da paródia de
Otelo na interpretação de João Caetano74, também incluem outros dramas e
melodramas, como o famoso Pedro-Sem com seu fim delirante, o fait-divers
nacional, e a "inútil precaução" do Barbeiro de Sevilha, que ronda a peça. Os
fios das várias tramas e o jogo das distorções causado pelos recursos paródicos
são de extrema complexidade. É importante lembrar que existiram muitas paródias
das versões melodramáticas de Shakespeare no século XIX, não só aqui, mas
também na Inglaterra e em Portugal, onde encontramos uma paródia da peça de
autoria de Garrett, além do entremez Otelo tocador de realejo, que corria
anônimo.
Os censores da obra de Pena não se irritaram somente com as alusões "ao único
ator brasileiro que entre nós tem representado o papel de Otelo", pois Martins
Pena completou o quadro com dois acontecimentos constrangedores da época: o
achado do cadáver de um negro assassinado, dentro de um saco, para ser jogado
ao mar, e a deportação de figura "de família respeitada, um dos nossos mais
modernos consócios"75 que, apaixonado por uma jovem, "subiu ao telhado e desceu
as escadas de um sótão para lhe falar"76. O texto dos censores é explícito:
mais do que ameaçar a obra de Shakespeare/Ducis na interpretação de João
Caetano, a paródia também atingia a "moral familiar".77
"Deus me dê paciência com a Censura!", desabafou Martins Pena em carta a um
amigo, acrescentando que os censores deviam estar com "catarata na
inteligência", inclusive por desconhecerem que paródias eram admitidas "em
todas as partes do mundo civilizado"78.
O novo Otelo de Macedo passa longe dessas atribulações. Trata-se de uma peça em
um ato e nove cenas, o que conta ponto para Macedo, pois a brevidade ajuda a
concentração que lhe era tão difícil. Quatro personagens contracenam, mais um
cachorrinho chamado Querido. Este animal de estimação é o pivô do qüiproquó,
por ser equivocadamente considerado um rival por Calisto, dono de um armarinho,
pretendente de uma das jovens. Também ator em um teatrinho particular onde
representa Otelo, esse enamorado fica obcecado pelo personagem, por isso deseja
sentir ciúmes para desempenhar bem o papel.
Calisto Adoro esta rapariga tanto, como a minha parte de Otelo...
sim... [...] Oh! Se fosse ela que fizesse o papel de Hedelmonda...79
com que prazer e arrebatamento eu lhe daria a punhalada do quinto
ato! Ao menos porém deve aparecer algum ímpeto de ciúme [...] é
preciso que eu me exaspere, que eu esbraveje mordido pelo ímpeto do
ciúme [...] ou então não passarei de um Mouro de Veneza muito
ordinário. Se eu apanhasse um pretexto... (cena 3)
Não é difícil perceber que o querer sentir ciúmes baixa a temperatura do
delírio do personagem, não o afastando demasiado das margens da normalidade e
da pura brincadeira. Apesar das alfinetadas no governo e na política, sempre
pelo recurso do trocadilho, o texto aconselha sem ironia, tem um ar cordial e
amigo. Além disso, o texto de Shakespeare/Ducis não é transformado por dentro,
desviando-se do sentido original; ao contrário, comparece entre aspas na
comédia de Macedo, que por isso mesmo funciona mais como apoio jocoso do que
paródia.
Mas a forma caseira também tem sua eficácia e a crítica a João Caetano,
pairando por sobre o texto, transfere-se para a tolice do protagonista Calisto,
que julga infantilmente poder imitar o grande ator num teatrinho de bairro. A
afirmação explícita de que sua interpretação ficava "dez furos acima do João
Caetano", quando vemos essa mesma personagem mergulhada na própria mediocridade
e falta de discernimento, produz o efeito oposto, isto é, o de preservar a
glória de nosso trágico. Além disso, a inverossimilhança da confusão do
cachorrinho da amada com um amante tira o ponto de apoio da pretendida
caricatura, que se volta contra seu autor, concluindo-se o texto pela
costumeira harmonização das diferenças. Mais uma vez a pecinha de Macedo
deixava intocados os valores básicos do que supostamente pretendia criticar.
Apesar disso não podemos negar algumas tiradas espirituosas, principalmente no
diálogo inicial entre Calisto e o pai de sua amada, ou na metamorfose do
"punhal de Otelo", tantas vezes repetido, numa inofensiva vela de cera.
Para resumir essas observações sobre a obra de Pena e Macedo, podemos dizer que
entre os vários aspectos em que se diferenciam o mais importante diz respeito
ao aspecto formal, que deforma ou ajusta o tema tratado. Em Pena assistimos ao
aprendizado da forma encaminhando-se sempre ao controle dos procedimentos
teatrais, afinal atingido com originalidade; em Macedo, no retraçar de alguns
temas comuns, não existe grande preocupação ou consciência em relação à
pesquisa estética, apresentando-se os problemas sempre diluídos ou equalizados
por meio dos mesmos recursos. Ora, essa forma tendia à harmonização de todos os
termos, fossem estéticos ou ideológicos, como observamos no tratamento dado à
escravidão.
Os autores também se diferenciam quanto ao nacionalismo, isto é, à escrita das
coisas locais, fundamental no romantismo, unido além disso ao patriotismo da
época, exacerbado pelas circunstâncias políticas. Em Luxo e vaidade a fala de
Anastácio (Ato II cena 4) é esclarecedora, pois vemos o Brasil ao alcance das
conquistas do liberalismo: "Já não se reconhece [sic] privilégios, graças a
Deus, e as portas das grandezas sociais estão abertas a todos os que sabem
merecê-las". Em contrapartida, Martins Pena é um mal-humorado sob muitos pontos
de vista. Nos Folhetins confessa que as pessoas ilustres que por acaso se
sentam a seu lado no teatro estragam-lhe a noite, o grande império transforma-
se na tapera de Santa Cruz, entedia-se com os elogios dramáticos e zomba da
mania das cores nacionais que emocionam a rapaziada patriótica; o aniversário
da abdicação merece-lhe irreverente comentário e escarnece, da maneira mais
feroz, da estupidez da censura, que apenas se preocupa com o amor e os
pecadinhos que ele nos faz cometer, em nome de um inexistente passado
dignificante. Todos esses aspectos negativos ao espírito moderno foram
abordados e criticados por Martins Pena
O acanhamento e as contradições do meio, além das limitações materiais do
teatro, não deixaram também de constituir empecilhos à cabal realização de cada
um dos autores. É muito significativa a descrição de uma cena na apresentação
de L´Elisir d´amore que, segundo os Folhetins, se assemelhou a "uma verdadeira
patuscada": um cão latia sem parar na platéia, um cavalo trôpego e raquítico,
que puxava um carro de papelão dourado levando três personagens, "deu com os
olhos no lustre e recuou ofuscado"; o carro, "impelido e acelerado pelo declive
do tablado, rolou com velocidade para diante". Seguiu-se uma tremenda confusão,
acompanhada de vaias da platéia; os atores saltaram do carro, os coros fugiram,
até que "um homem valente" saltou sobre o cavalo, que caiu de focinhos, em meio
a ruídos de tropel e gargalhadas. Minutos depois a ordem foi estabelecida, a
orquestra principiou a tocar, os personagens subiram no carro, e tudo continuou
como se nada houvesse acontecido.
Entre nós quase tudo precisava ser feito, do abandono das velhas normas
neoclássicas, já desgastadas, à promoção da literatura nacional, que alguns
negavam, afirmando a impossibilidade de duas literaturas numa mesma língua.
Para termos uma idéia da dificuldade da empresa, basta-nos pensar que os jovens
autores da revista Niterói não podiam conhecer bem os autores do passado, pois
era difícil localizar os textos, buscados em bibliotecas da Itália e da França,
e chegaram a procurar registros que contivessem "a desejada poesia original dos
índios"80. A tais dificuldades se acrescentam os equívocos. Décio de Almeida
Prado81 sublinha "a circunstância um tanto estranha" das peças de Martins Pena,
"as mais brasileiras que já foram escritas entre nós", terem sido encenadas por
intermédio e em benefício de atores portugueses. Por último, a ação
ininterrupta da censura era facilitada pelos subsídios oficiais. Na mesma
sessão da Câmara em que os deputados censuraram O inglês maquinista, discutiu-
se a oportunidade ou não dos subsídios teatrais. O deputado Mendes de Almeida
votava contra, pois "há entre nós a mania de fazer o governo carregar com tudo,
e assim vamos de certa maneira caminhando para o comunismo". O senhor Rocha,
contudo, desconfiado do poder subversivo da arte cênica votava a favor, e
explicava: "é importante que haja o subsídio para a facilidade do controle
sobre o teatro"82.
Voltando ao cotejo dos dois, a obra de Pena sem dúvida supera a de seu colega
em originalidade e conseqüência. Inaugurando o gênero mais fecundo entre nós
a comédia de costumes , refundiu as formas existentes do entremez no interior
de um minucioso trabalho de incorporação de outros gêneros. Quanto a Macedo,
não podemos discordar de Machado de Assis: "O autor abre à sua musa um caminho
fácil aos triunfos do dia, mas impossível às glórias duráveis"83. Mas também
não podemos negar sua contribuição à linguagem teatral, fazendo a passagem da
"oralidade de salão e academia, típica do arcadismo, para a oralidade de
teatro, comício, reunião política coisas novas no Brasil..."84. Por último,
não podemos também esquecer o aproveitamento que fez do tipo brasileiro, na
figura da "moreninha". Com isso revitalizou o antigo tópico que atribuía aos
olhos ou cabelos negros as qualidades da malícia ou da traição85. Traduzida em
forma teatral, A moreninha foi a peça mais popular de Macedo, chegando a
Portugal com o mesmo sucesso.
[1] Segundo Luciana Stegagno Picchio, Garrett ganhou "uma espécie de bolsa de
estudos no estrangeiro" com o exílio político, quando então descobriu o
romantismo (Ver História do teatro português. Trad. Manuel de Lucena. Lisboa:
Portugália Editora, 1968, p. 225).
[2] Apesar dos aspectos paradoxais que tomou no Brasil, pois o maçom e o
anticlerical às vezes também se consideravam católicos, a ameaça da maçonaria
durou até o século XX. Confira-se Baú de ossos (Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1972), em que Pedro Nava relata a primeira vez que em menino
ouviu a palavra greve, dita por uma tia em voz tão baixa que ele pensou tratar-
se de uma indecência. Mas o pior de tudo, pior que os bordéis e os colégios
leigos, era a maçonaria, "casa maldita", em cuja calçada as mulheres evitavam
pisar (pp. 21-22). Em O irmão das almas, Martins Pena faz o
protagonista assustar a mulher e a sogra, que o tiranizavam, gritando "Sou
pedreiro-livre!Satanás!", ao que as duas viragos clamam: "Misericórdia! Jesus!"
(cena 21).
[3] Emília Viotti da Costa. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São
Paulo: Grijalbo, 1977.
[4] Roberto Schwarz. "As idéias fora do lugar". In: Ao vencedor as batatas
- forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São
Paulo: Duas Cidades, 1977, pp 13-29.
[5] O documento, de 1848, foi republicado em Novos Estudos Cebrap, nº 23, mar.
1989, pp. 7-66, com introdução de Luiz Felipe de Alencastro,
"Memórias da Balaiada, introdução ao relato de Gonçalves de Magalhães".
[6] Sobre esse imaginário do medo, ver Célia Maria Marinho de Azevedo. Onda
negra medo branco - o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. Sobre a especificidade brasileira
na tensão metrópole-colônia no complexo processo de desatamento dos laços
coloniais, veja-se Fernando A. Novais. Aproximações, estudos de história e
historiografia. São Paulo: CosacNaify, 2005, especialmente a
primeira parte.
[7] Flávio Aguiar. A comédia nacional no teatro de José de Alencar. São Paulo:
Ática, 1984, pp. 66 e ss.
[8] Tânia Serra. Joaquim Manuel de Macedo ou Os dois Macedos. Brasília: Editora
da UnB, 2004, pp. 155 e ss.
[9] Jefferson Cano. "Justiniano José da Rocha, cronista do desengano". In:
Sidney Chalhoub et al. História em cousas miúdas. Campinas: Editora Unicamp,
2005, pp. 23-65.
[10] Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. São Paulo:
Cultrix, 1994, p.128.
[11] Décio de Almeida Prado. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo:
Cia. das Letras, 1999, p. 60.
[12] Littré, apud Serge Gruzinski. Rio de Janeiro cidade mestiça -
ilustrações e comentários de Jean Baptiste Debret. Trad. Rosa Freire d´Aguiar.
São Paulo: Cia das Letras, 2001, p. 180.
[13] Apud E. V. da Costa, op. cit., p. 37.
[14] O primeiro periódico brasileiro, Correio Braziliense (1808-1822), foi
editado em Londres por Hipólito da Costa, "o mais lúcido representante do
espírito ilustrado no mundo luso-brasileiro da época" (Antonio Candido. O
romantismo no Brasil. São Paulo: FFLCH/USP, 2002, p.14). A
publicação foi também a primeira em língua portuguesa posta em circulação
independentemente de censura. Portanto, além de fundador da imprensa
brasileira, Hipólito da Costa foi também o criador da imprensa política em
português.
[15] Só nos finais do século XVIII começou a entrar no Brasil algo mais que
folhinhas, catecismos e gramática. "A ignorância do povo, a sujeição da
diminuta gente letrada ao jesuitismo, o medo à Inquisição e a barreira da
censura literária somaram-se para obstruir o curso das letras impressas."
Acrescente-se o preço do papel na época. (Carlos Rizzini. Hipólito da Costa e o
Correio Braziliense. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957).
[16] O teatro de Manuel Luís, apesar de reformado especialmente para a chegada
da corte, foi considerado insuficiente para os novos tempos (Cf. Martins Pena,
Folhetins, nos quais esse empresário figura como símbolo da mediocridade desse
teatro "do passado").
[17] D. de A. Prado. Teatro de Anchieta a Alencar. São Paulo: Perspectiva,
1993, p. 70.
[18] João Roberto Faria. Idéias teatrais - o século XIX no Brasil. São
Paulo: Perspectiva, 2001, pp. 27 ss.
[19] D. de A. Prado. História concisa do teatro brasileiro, ed. cit., pp.45 ss.
[20] Idem, Teatro de Anchieta a Alencar, ed. cit., p. 240.
[21] Idem, p. 344.
[22] De julho a setembro de 1847 O Mercantil moveu uma violenta campanha contra
Pena, coincidindo as datas com a defesa insistente da greve dos coristas
assumida pelo escritor, então folhetinista do Jornal do Comércio. Através dessa
campanha sabemos que nosso autor compusera uma ária a ser inserida em Gemma de
Vergi, "além de modificações outras", e que cantava junto aos virtuoses "do
público salão", em salas particulares.
[23] D. de A. Prado. História concisa do teatro brasileiro, ed. cit., p.59.
[24] A respeito da greve dos coristas, Pena se refere duas vezes à morte "do
grande reformador e agitador O'Connell, cujos passos (os coristas) queriam
seguir". O irlandês Daniel O´Connell (1775-1847) dedicou-se no parlamento
inglês a melhorar a situação da Irlanda, fazendo votar a Carta de Emancipação.
Com seu desaparecimento, conclui Pena, "os coristas caíram em prostração e
desafinaram como hereges. É mais uma emancipação abortada!...". (Folhetins, pp.
297 e 329). Não encontrei na imprensa da época outra referência ao parlamentar.
[25] Barbosa Lima Sobrinho. Os precursores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1960, pp.231 e ss.
[26] D. de A. Prado. História concisa do teatro brasileiro, ed. cit., p. 61.
[27] Fernando, ou O cinto acusador, 1837, D. João de Lira ou O repto, 1838,
Itaminda ou O guerreiro de Tupã, 1838, refundido em 1846, D. Leonor Teles,
1839, e Vítiza ou O Nero de Espanha, 1840 ou 1841.
[28] O desconhecimento da história e da vida dos indígenas brasileiros na época
levou os primeiros românticos a pesquisarem uma suposta lírica autóctone (ver
nota 84).
[29] Pena estava atento à prosódia brasileira, muitos de seus textos são
emendadíssimos e com várias versões. Apesar disso foi mais representado por
atores portugueses, o que significa mais um desajuste de nossa cena, anotado
por alguns folhetinistas da época (Ver D. de A. Prado. João Caetano. São Paulo:
Perspectiva, 1972, pp 123-24).
[30] "Qual o autor ou autores mais importantes da literatura dramática
brasileira?" Tive que responder: "Gonçalves Dias e Martins Pena". Em Ruggero
Jacobi. Crítica da razão teatral (org. Alessandra Vannucci). São Paulo:
Perspectiva, 2005, p. 164.
[31] Sílvio Romero, História da literatura brasileira. 5a. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1953, t. IV, p. 1.477.
[32] Paula Beiguelman. "Análise literária e investigação sociológica". In:
Viagem sentimental a D. Guidinha do Poço. São Paulo: Editora Centro
Universitário, 1966. Veja-se também Marlyse Meyer. "O inglês
nas comédias de Martins Pena". In: Pirineus, caiçaras... Da Commedia dell´Arte
ao Bumba-meu-boi. 2a. Campinas: Editora da Unicamp, 1991, pp. 95 e ss.
[33] O título, além de parodiar jocosamente os títulos duplos de dramas e
melodramas, alude aos dois vilões da peça: um português traficante de escravos,
atividade proibida naquela data, e um inglês manipulador dos cordéis econômicos
("maquinista": o que controlava os cenários teatrais).
[34] Ata da Assembléia Geral Legislativa, p. 864.
[35] Tratamento dado a escravo velho.
[36] Teatro de Martins Pena. Comédias. Dramas. 2 vols. Edição crítica de Darcy
Damasceno, colaboração de Maria Filgueiras. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,
1956, p. 436, vol. 1.
[37] Márcia Regina Capelari Naxara. Cientificismo e sensibilidade romântica
- Em busca de um sentido explicativo para o Brasil no século XIX. Brasília:
Editora da UnB, 2004, p. 111.
[38] Costuma-se apontar O noviço como a obra-prima de Pena, talvez porque
contenha três atos e comumente se associe valor a tamanho. Mas trata-se de um
equívoco, porque nela o comediógrafo apenas multiplica por três a estrutura da
peça de um só ato, na qual era virtuose.
[39] Alberto da Costa e Silva. Castro Alves. São Paulo: Cia. das Letras, 2006,
p. 23.
[40] Ver S. Gruzinski, op. cit., pp. 64/65.
[41] Rodrigo Naves. A forma difícil. São Paulo: Ática, 1996, pp.41-130.
[42] Observando as crônicas de Martins Pena, Flora Sussekind se refere aos
"minúsculos roteiros das barcas a vapor e dos ônibus" que não despertaram maior
interesse numa época ocupada com os grandes mapas do território nacional ou com
"a demarcação de um 'Brasil-pitoresco'" (O Brasil não é longe daqui.São Paulo:
Cia. das Letras, 1990, p. 226).
[43] Se compararmos entre si Os três médicos, de Martins Pena, Le Mariage
forcé, de Molière, e O Esganarelo ou O casamento por força, entremez que corria
volante na época, percebemos claramente que Pena inspirou-se diretamente no
dramaturgo francês.
[44] Confira-se o seguinte anúncio publicado no Jornal do Comércio, em 28 de
março de 1838: "Vende-se um maravilhoso teatro pitoresco e mecânico, composto
de grandes vistas mecânicas e metamorfoses arranjado pelos melhores artistas
de Paris, aumentado e aperfeiçoado por um curioso e amante das belas artes".
Entre outros recursos, o teatrinho possuía cinco dúzias de autômatos, sendo os
pontos de perspectiva "de tal modo graduados", que figuras de 60 cm de altura
pareciam naturais. O anunciante afirma que esperará quinze dias por algum
retorno, "findos eles se desarmará tudo para se lhe dar outro destino".
[45] Thomas Ewbank. Vida no Brasil. Trad. de Jamil Almansur Haddad. São Paulo:
Edusp; Belo-Horizonte: Itatiaia, 1976.
[46] "Punch", como se sabe, é o "Polichinelo" da Commedia. A versão inglesa
intitula-se The tragical comedy, or Comical tragedy of Punch and Judy. Foi
publicada a primeira vez pela George Routledge & Sons em 1860 e republicada
pela mesma editora em 1980
[47] Vilma Arêas. Na tapera de Santa Cruz. São Paulo: Martins Fontes, 1987, especialmente o primeiro capítulo.
[48] Bárbara Heliodora. "A evolução de Martins Pena". In: Dyonisos X, ano 13,
Rio de Janeiro, MEC/INL, 1966.
[49] V. Arêas, "No espelho do palco". In: R. Schwarz (org.). Os pobres na
literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp .26-30.
[50] Sábato Magaldi. Panorama do teatro brasileiro. 2a. ed. Serviço Nacional de
Teatro/DAC/Funarte/MEC, s/d, p. 58.
[51] D. de A. Prado. História concisa do teatro brasileiro, ed. cit. p. 59.
[52] Na página 297 dos Folhetins encontramos a distinção entre o buffo nobile
(fidalgo ridículo e cômico) e o palhaço, momento em que o folhetinista se
aproveita para criticar os exageros e a falta de entendimento dos papéis por
parte dos atores.
[53] D. de A. P. História concisa do teatro brasileiro, ed. cit. p. 85.
[54] Idem, pp. 118 e ss., onde encontramos a melhor análise do teatro de
Macedo.
[55] Em "Coletânea teatral". Revista do SBAT, caderno nº 59
(apud D. de A. Prado, História concisa do teatro brasileiro, ed. cit. p. 123).
[56] Joaquim Manuel de Macedo, Labirinto. Organização, apresentação e notas de
Jefferson Cano. São Paulo: Fapesp/Decult/Mercado de Letras, 2004, p. 15.
[57] Márcio Jabur Yunes. "Introdução ao teatro de Joaquim Manuel de Macedo".
In: J. M. de Macedo. Teatro completo. Brasília: MEC/Fundação Nacional de Arte/
Serviço Nacional de Teatro, 1979, t. 1.
[58] José Veríssimo. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1916, p. 239.
[59] Antonio Candido. Formação da literatura brasileira. 2a. ed. São Paulo:
Livraria Martins, 1964, p. 138, v. 2.
[60] M. J. Yunes, op. cit.
[61] Sobre a implicância de Macedo com os cronistas estrangeiros, "que sem sair
do Pharoux já têm passado por Minas, Goiás e Mato Grosso, e milagrosamente
escapado de serem lambidos pelos bugres e pelas onças" (A carteira de meu tio),
consulte-se Flora Sussekind, op. cit., pp. 226 e ss.
[62] Gilda de Mello e Souza. "Macedo, Alencar, Machado e as roupas". In: A
idéia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2005, pp. 73-89.
[63] Sobre a problemática adesão do autor ao realismo, consulte-se J. R. Faria.
O teatro realista no Brasil. São Paulo: Edusp/Perspectiva, 1993, pp. 158 e ss.
[64] Lothar Hessel & Georges Raeders. O teatro no Brasil sob dom Pedro II
- 1a parte. Porto Alegre: URGS, 1979, p.111.
[65] "Meia cara" era o escravo contrabandeado; por isso mesmo, o sentido
pejorativo da expressão adjetiva.
[66] Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional (I-2, 3, 61 A).
[67] V. Arêas, Na tapera de Santa Cruz, ed. cit., pp. 231 e ss.
[68] Palavras de Álvares de Azevedo, referidas por Décio de Almeida Prado em
João Caetano, ed. cit., p.26.
[69] Idem, "A escalada neoclássica", pp.21 e ss.
[70] Idem, p.28.
[71] Em "Pai contra mãe", Machado de Assis aponta que o desemprego do pobre
livre levava-o a transformar-se em free-lancer no ofício de caçar escravos
fugidos, competindo com os pedestres.
[72] Uma das aquarelas mais constrangedoras de Debret mostra um negro sendo
castigado pelo dono numa sapataria, enquanto uma mulher, com um bebê nos
braços, espia atrás de uma porta. O pintor descreve a cena, observando que a
mulher, mulata, "embora ocupada em aleitar o filho, não resiste ao prazer de
ver um negro ser castigado" (S. Gruzinski, op. cit., pp. 14-15).
[73] Folhetins, p. 238.
[74] Cena 7: "Vi muitas vezes Otelo no teatro [...] O crime de Otelo é uma
migalha, uma ninharia, uma nonada, comparado com o meu...". Isso depois de
dizer que diante disso seria "um tigre, um leão, um elefante". Com esse
desdobrado carrossel de animais selvagens o autor destrói o efeito da feroz
sublimidade atribuída ao personagem trágico. Não esquecer que "tigre" era o
nome dado ao escravo que levava os despejos da casa, para atirá-los ao mar ou
enterrá-los nas praças. O epíteto, pronunciado em cenas trágicas, causava às
vezes hilaridade na platéia brasileira.
[75] Seção de Manuscritos da biblioteca Nacional (I-2, 3, 61 A).
[76] Raimundo Magalhães Júnior, op. cit. p. 165 ss.
[77] Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional (I-R, 3, 61 A).
[78] Idem.
[79] Tradução de Ducis para "Desdêmona".
[80] A. Candido. O romantismo no Brasil, ed. cit., p. 33.
[81] D. de A. Prado. João Caetano, ed. cit. p. 124.
[82] V. Arêas, Na tapera de Santa Cruz, ed. cit. p. 270.
[83] Apud L. Hessell & G. Raeders, op. cit., p.116.
[84] A. Candido. O romantismo no Brasil, ed. cit. p. 95.
[85] Sérgio Buarque de Holanda. "Da Alva Dinamene à Moura Encantada". In:
Tentativas de mitologia. São Paulo: Perspectiva, 1979, pp. 85-97.