EFEITO DA CASTA E DO PORTA-ENXERTO NO VIGOR E NA
PRODUTIVIDADE DA VIDEIRA
-INTRODUÇÃO
Na videira, como em qualquer planta enxertada, as funções metabólicas estão
repartidas entre dois genótipos diferentes. Assim, enquanto o sistema foliar do
garfo assegura a produção de fotoassimilados, o sistema radicular do portaenxerto fornece a alimentação hídrica e mineral. Deste modo, é natural que os
estudos relativos às relações entre as castas, os porta-enxertos e as situações
ambientais, assumam em viticultura uma particular relevância, devido à
influência que exercem sobre a quantidade e a qualidade da produção.
A realidade vitícola nacional, com a sua diversidade de situações ecológicas,
de castas, o aparecimento de clones seleccionados e de novos porta-enxertos,
a complexidade das interacções e o facto de durante muito anos se ter
privilegiado uma política de quantidade relativamente a uma perspectiva de
qualidade dos produtos da vinha (Clímaco e Castro, 1991), justifica a
importância de trabalhos nesta área.
A diversidade de trabalhos realizados, neste âmbito, nos principais países
vitícolas (Pouget, 1978 e 1987; Carbonneau, 1985 e 1991; Conradie, 1988;
Southey e Archer, 1988; Hidalgo, 1990; Striegler e Howell, 1991; Giorgessi
e Pezza, 1992; Scienza et al., 1992; Pereira, 1997; Cordeau, 1998) mostra a
importância que é dada ao conhecimento das combinações casta x portaenxerto para a obtenção de níveis qualitativos e quantitativos mais interessantes
para um determinado terroir.
Este trabalho tem como objectivo o estudo da influência do porta-enxerto (99
R, 110 R, 140 Ru, 1103 P, SO4 e 41 B) no desenvolvimento e produtividade
das cvs. Castelão (Periquita), Trincadeira e Camarate. A opção por estes
hipobiontes teve em vista atingir alguns objectivos considerados prioritários:
- testar o comportamento do SO4 em terrenos de encosta relativamente pobres
e secos comparativamente ao 99 R, o porta-enxerto tradicionalmente utilizado
em diversas regiões vitícolas, nomeadamente na Estremadura nestas condições
ecológicas (Clímaco et al., 2003);
- testar a capacidade de adaptação do 140 Ru (V. rupestris x V. berlandieri)
e do 41 B (V. vinifera x V. berlandieri), os dois porta-enxertos mais resistentes
ao calcário utilizados em Portugal (Clímaco, 1997), a condições de carência
hídrica;
- comparar o 110 R com o 99 R, agora com materiais de origem clonal;
- avaliar o comportamento do 1103 P em relação aos porta-enxertos mais
correntemente utilizados, dado tratar-se de um porta-enxerto de introdução
relativamente recente na região da Estremadura, mas em franca expansão
nesta região e na generalidade do país.
Relativamente às castas foi dada prioridade às tintas, sendo natural a escolha
da cv. Castelão por ser a de maior expansão nas principais regiões vitivinícolas
do Centro-Sul de Portugal, a cv. Trincadeira pela sua elevada capacidade de
adaptação a condições de carência hídrica (Chaves, 1986) e a solos com
elevados teores em calcário activo ou total (Clímaco e Castro, 1991). A cv.
Camarate por ser igualmente apta para a produção de VQPRD em diversas
regiões da Estremadura e no Ribatejo.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio foi estabelecido num terreno de encosta com exposição Norte,
possuindo um ligeiro declive no sentido S-N, situado na Quinta da Folgorosa,
em Dois Portos (lat. 39º 02 Norte; long. 9º 09 Oeste; alt. 222 m).
Segundo a classificação de solos da F.A.O./U.N.E.S.C.O. (1990), o solo
enquadra-se, nos Cambissolos Calcários - CMc(1). De acordo com a classificação
de Thornthwaite, o clima é mesotérmico, com nula ou pequena eficácia térmica
no Verão, sub-húmido seco com superavit moderado de água no Inverno (B2
a C1 s) (Reis e Gonçalves, 1981).
Delineamento experimental e instalação do ensaio
Os porta-enxertos foram plantados em Março de 1988 e, no ano seguinte,
procedeu-se à enxertia no local definitivo, sendo o delineamento experimental
do tipo split-plot com 5 repetições de três castas (tratamento principal) e seis
porta-enxertos (sub-tratamentos). A unidade experimental de base é constituída
por um conjunto de seis videiras contíguas.
A vinha está conduzida em espaldeira, segundo o sistema de poda longa,
formando as duas varas um ligeiro arco sobre o primeiro arame. O compasso
é de 2.80 m x 1.20 m, a orientação das linhas N-S e a carga média deixada
à poda por cepa é de 16 olhos (≅ 47 600 olhos/ha), para todas as combinações
casta x porta-enxerto em estudo.
A aramação é baseada em 4 arames: o 1º situado a 0,50 cm do solo; os dois
do meio são pareados e localizados a 35 cm do 1º arame; e, finalmente, o
último à distância de 1,30 m do solo.
Trata-se de uma vinha apta à produção de vinhos DOC Torres Vedras,
constituída por três castas tintas: Castelão (Periquita), Trincadeira e Camarate
e seis porta-enxertos: 99 R (clone 96), 110 R (clone 191), 140 Ru (clone 101),
1103 P (clone 112), SO4 (clone 73) e 41 B (clone 86).
O material clonal certificado referido foi proveniente de vinhas-mãe nacionais,
instaladas a partir de material clonal de categoria base importado de França
e submetidas a controlo pela DGPC. Quanto às castas, a proveniência do
material vegetal é a seguinte: Castelão (Periquita) - material policlonal obtido
no âmbito do projecto Selecção massal e clonal da videira; Trincadeira material termoterapiado na E.A.N. e proveniente do Viveiro Nacional do
Escaroupim (DGPC); Camarate - selecção massal positiva da melhor vinha
seleccionada no concelho de Torres Vedras.
À vindima procedeu-se anualmente ao registo da produção e colheita de bagos
para determinação das características qualitativas dos mostos. De igual modo,
à poda efectuou-se o registo do peso de lenha do ano.
Tratamento de dados
Os resultados obtidos neste ensaio foram submetidos a análise de variância,
tendo-se recorrido ao programa Genstat 5.
Apesar do número relativamente baixo de características em estudo procedeuse, complementarmente, à análise dos resultados por taxonomia numérica,
tendo-se efectuado a estandardização da matriz original dos dados e calculada
a semelhança entre as diferentes situações em estudo, usando o coeficiente de
correlação. Foi usado o método de agregação UPGMA (Unweighted PairGroup Method using arithmetic Averages), tendo-se calculado o coeficiente de
correlação cofenética (Sockal e Rolhf, 1962) e a árvore de conexão mínima.
Em seguida foi efectuada uma análise em componentes principais (ACP).
Todos os cálculos foram realizados usando o conjunto de programas NTSYS
(versão 2.1) (Rolhf, 1997).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise do rendimento e da expressão vegetativa
No Quadro I apresentam-se os resultados referentes à produção média de uva
e de lenha de poda (1992/97) e do índice de Ravaz (F/V) por casta e por
porta-enxerto. O rendimento foi influenciado, significativamente (P<0,01) quer
pela casta quer pelo porta-enxerto. Todavia a existência de uma interacção
significativa casta x porta-enxerto (P<0,01) exige uma análise detalhada dos
efeitos.
A análise desta interacção casta x porta-enxerto, permite pôr em evidência um
conjunto de questões que contribuem para um maior conhecimento das suas
influências recíprocas. Assim, e começando por analisar a influência da casta
no comportamento do porta-enxerto (Fig. 1) importa referir que:
- a casta Castelão originou um rendimento significativamente superior ao das
castas Trincadeira e Camarate independentemente do porta-enxerto em estudo;
- a produção de uvas da casta Trincadeira, apenas é significativamente superior
ao da casta Camarate quando ambas as cultivares se encontram enxertadas
sobre 41 B;
-No que se refere à influência do porta-enxerto no comportamento da casta
(Fig. 2) é de salientar que:
- quando se considera isoladamente a casta Castelão, verifica-se que o portaenxerto 41 B induz uma produção de uvas significativamente inferior à dos
porta-enxertos 140 Ru, SO4 e 1103 P; nesta casta verifica-se, ainda, que o 110
R origina uma produção de uvas significativamente inferior à do 140 Ru;
- no que se refere à casta Trincadeira, o porta-enxerto 1103 P induz um
rendimento significativamente menor ao dos restantes porta-enxertos;
-- relativamente à casta Camarate, o porta-enxerto 41 B apresenta uma produção
de uvas significativamente inferior à do porta-enxerto SO4.
Quanto ao peso de lenha de poda (Quadro I e Fig. 3), verifica-se que a casta
Trincadeira, por um lado, e os porta-enxertos 1103 P e 140 Ru, por outro,
diferenciam-se muito significativamente (P<0,01) das restantes castas e portaenxertos por apresentarem maior expressão vegetativa. Pelo contrário, os portaenxertos 41 B e 110 R diferenciam-se muito significativamente dos restantes,
pelo seu menor peso de lenha de poda e, consequentemente, pela sua menor
área foliar (Champagnol, 1984; Carbonneau, 1991). De salientar, ainda, o bom
comportamento do SO4 em termos de vigor ao superar, em terrenos de encosta
e nas três castas em estudo o 110 R, porta-enxerto consagrado na região neste
tipo de solos (Freitas e Pato, 1965).
Estes resultados apresentam um interesse particular quando analisados em
conjunto com os referentes à produção de uvas das diferentes combinações
casta x porta-enxerto em estudo. Assim, verifica-se que:
- a casta Castelão é simultaneamente o epibionte que apresenta menor peso de
lenha de poda e maior rendimento, o que é revelador do seu elevado potencial
genético, quer a nível de adaptação, quer de produção, mesmo em condições
de solo relativamente pobres;
- a casta mais vigorosa (Trincadeira) quando enxertada no porta-enxerto que
imprime ao garfo maior expressão vegetativa (1103 P) induz, mesmo nas
condições edáficas acima referidas, a menor produção de uvas de todas as
combinações em estudo. Este resultado contrasta bem com o excelente
comportamento do 1103 P quando enxertado com Castelão, a cultivar menos
vigorosa;
- o porta-enxerto que imprime menor vigor aos garfos (41 B) induz também
menor produção de uvas no caso das castas menos vigorosas (Castelão e
Camarate) e uma produção intermédia quando enxertada numa casta vigorosa
(Trincadeira).
O índice de Ravaz (Champagnol,1984) vem confirmar que o factor casta
assume um papel extremamente importante, superando na maior parte dos
casos o efeito porta-enxerto. É notória a eficiência demonstrada pela cv. Castelão
relativamente aos restantes epibiontes. No que se refere aos hipobiontes, é
de salientar a eficiência (maior produção de uvas por peso de lenha) das
variedades que induzem menor vigor (41 B e 110 R) relativamente às variedades
que imprimem uma maior expressão vegetativa (1103 P e 140 Ru).
Análise qualitativa dos mostos
No Quadro II apresentam-se os resultados analíticos relativos à caracterização
dos mostos (valores médios de 1992/97) por casta (referentes aos 6 portaenxertos em estudo) e por porta-enxerto (considerando, conjuntamente, as 3
castas em ensaio). Verifica-se que a interacção casta x porta-enxerto não se
revela significativa qualquer que seja a característica qualitativa analisada,
pelo que se passa a analisar isoladamente o efeito casta e o efeito portaenxerto.
Relativamente ao teor em açúcar dos mostos verifica-se que as castas Castelão
e Trincadeira apresentam valores significativamente superiores (P<0,01) aos
da casta Camarate, qualquer que seja o porta-enxerto considerado (Fig. 4).
-O porta-enxerto não induziu diferenças significativas na acumulação de açúcares
no bago, qualquer que seja a casta em estudo (Castelão, Trincadeira ou
Camarate).
No que se refere ao teor em acidez total dos mostos verifica-se que a casta
Camarate apresenta valores significativamente superiores ao dos restantes
epibiontes (P<0,01). O porta-enxerto 1103 P induz a produção de mostos
significativamente mais ácidos do que o 110 R.
Os dados referentes ao índice de maturação da uva (relação açúcar/acidez)
apresentam um comportamento semelhante ao do teor em açúcar, isto é, verificase a ausência de influência significativa do porta-enxerto e uma diminuição
muito significativa (P<0,01) do estado de maturação da uva na casta Camarate,
relativamente às restantes variedades em ensaio.
No que se refere ao pH, é de salientar que a casta Camarate apresenta valores
significativamente inferiores (P<0,01) aos das cvs. Castelão e Trincadeira, os
quais podem dar origem a vinhos excessivamente ácidos em termos
organolépticos (Nagel e McElvain, 1977; Usseglio-Tomasset, 1993). No que
diz respeito aos porta-enxertos o 110 R apresenta valores de pH
significativamente inferiores (P<0,01) aos dos porta-enxertos 1103 P, 110 Ru,
SO4 e 41 B, contudo, estas diferenças numa perspectiva enológica, têm um
significado bastante reduzido.
A análise destes resultados, permite-nos concluir que os porta-enxertos em
ensaio, actualmente os mais plantados em Portugal, não exercem, por si só,
influência na elevação dos valores do pH dos vinhos, facto que se verifica,
com frequência, em algumas das nossas regiões vitivinícolas (Douro, Terras
do Sado e Ribatejo, entre outras).
Análise em componentes principais
Na Figura 5 são apresentadas as projecções das 18 combinações das três
castas com os seis porta-enxertos num plano definido pelos dois eixos principais
que em conjunto representam 93,9% da variância total implícita na matriz de
dados original, resultante da ACP efectuada. A estas projecções foi sobreposta
a árvore de conexão mínima, resultante da matriz de correlação entre as várias
combinações em estudo, que mostrou inteira congruência com o fenograma
calculado sobre a mesma matriz (não mostrado neste trabalho) usando o método
UPGMA, que apresentou um coeficiente de correlação cofenética de 0,97. A
análise desta última figura confirma os resultados discutidos anteriormente
com base na análise de variância.
A distribuição espacial das combinações casta x porta-enxerto, resultante da
ACP evidencia a influência preponderante do factor casta - Castelão (C),
Trincadeira (T) e Camarate (Cm) - relativamente ao papel desempenhado pelo
porta-enxerto, uma vez que é evidente a constituição de três grupos bem
separados correspondentes a cada uma das castas. Assim, a cv. Castelão
distingue-se pela sua superior produtividade, a cv. Trincadeira pela maior
expressão vegetativa e mais elevado valor de pH, enquanto que a cv. Camarate
se salienta por possuir os mais elevados teores em acidez total, os mais baixos
teores em açúcar e, igualmente os mais baixos valores de pH.
Os resultados obtidos neste ensaio, em solos relativamente pobres e secos, e
portanto, aparentemente, mais propícios às cvs. Trincadeira e Camarate do que
à Castelão, deixam em aberto uma reflexão no que respeita ao papel destas
castas nos encepamentos dos diferentes VQPRDs existentes na região da
Estremadura. Com efeito, é de há muito conhecida de viticultores e técnicos
vitícolas as dificuldades de adaptação destas castas quando implantadas em
solos medianamente férteis e em climas com humidade relativa por vezes
elevada durante o Verão devido à influência atlântica, tornando-as muito
susceptíveis aos ataques de Uncinula necator (oídio) e de Botrytis cinerea
(podridão cinzenta).
-CONCLUSÕES
A análise global dos resultados obtidos permite concluir que o factor casta
exerce uma influência preponderante relativamente ao efeito porta-enxerto.
Assim, a casta Castelão sobressai pelo seu elevado potencial genético e poder
de adaptação, tendo permitido obter uma boa maturação da uva, apesar de
possuir menor vigor e um rendimento significativamente superior ao das cvs.
Trincadeira e Camarate.
A casta Trincadeira distingue-se, essencialmente, pelo seu elevado vigor, sendo
uma casta privilegiada no aproveitamento vitícola de solos particularmente
secos e pobres.
A casta Camarate salienta-se, negativamente, pelo seu mais elevado teor em
acidez total e por apresentar valores de pH e teores em açúcar significativamente
inferiores aos das cvs. Castelão e Trincadeira.
O porta-enxerto 140 Ru manifesta excelente capacidade de adaptação às
condições ambientais deste ensaio quer através de um bom desenvolvimento
vegetativo, quer de um elevado rendimento e interessante nível qualitativo,
independentemente da cultivar utilizada como garfo. Apesar destas
performances o 140 Ru, apenas, conseguiu ser significativamente superior ao
99 R, o porta-enxerto de referência, na expressão vegetativa.
O SO4, em terrenos de encosta, induziu uma expressão vegetativa
significativamente superior ao 110 R e ao 41 B, independentemente da casta
utilizada como garfo.
Os porta-enxertos 99 R e 110 R apresentaram, uma vez mais, um
comportamento bastante semelhante, não se tendo detectado diferenças
significativas em qualquer dos parâmetros analisados. Contudo, confirma-se a
habitual tendência para o 110 R conferir uma expressão vegetativa inferior à
do 99 R, pelo que é, normalmente aconselhado para castas vigorosas (como
a Trincadeira e o Aragonez) ou em solos com fertilidade mediana.
No que se refere ao 1103 P é de salientar, em primeiro lugar, a maior expressão
vegetativa que confere aos epibiontes nele enxertados, apresentando, por outro
lado, o mais baixo índice de Ravaz. Contudo, quando enxertado com a cv.
Trincadeira, a casta mais vigorosa, induz um significativamente menor
rendimento do que os restantes porta-enxertos.
O porta-enxerto 41 B, apesar de ter originado, simultaneamente, um menor
vigor e uma menor produção de uvas na casta Castelão, não induziu, qualquer
acréscimo significativo a nível da acumulação de açúcares no bago,
relativamente aos restantes porta-enxertos. Curiosamente, o 41 B, foi mesmo
o porta-enxerto que apresentou menor teor em açúcar quando enxertado com
Trincadeira.