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EuPTCVHe0872-07542011000300005

EuPTCVHe0872-07542011000300005

variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Alterações hepáticas em contexto de diabetes mellitus tipo I descompensada

INTRODUÇÃO Os doentes com diabetes mellitus (DM) tipo I e mau contro­lo metabólico podem desenvolver um quadro de hepatomegalia, secundário à deposição excessiva de glicogénio intrahepático (glicogenose) ou a esteato-hepatite não alcoólica.

A glicogenose hepática (GH) aparece, habitualmente, em crianças, jovens e adultos com DM tipo I, enquanto a esteato­-hepatite não alcoólica é mais frequente em adultos com DM tipo II.(1)A GH no contexto de DM descompensada, parece ser uma entidade benigna, com baixa probabilidade de progressão para fibrose e que habitualmente resolve com a optimização da dieta e terapêutica com insulina.(2,3) Nos casos em que para além da hepatomegalia e aumento das transaminases existe baixa estatura, atraso do desenvolvi­mento pubertário, aspectos cushingóides como a obesidade cen­tral e dislipidemia, pode-se falar de Síndrome de Mauriac.

Esta entidade foi descrita pela primeira vez em 1920 por Paul Mauriac e a sua importância incide no facto de constituir a principal causa de disfunção hepática em crianças e jovens com DM tipo I.

CASOS CLÍNICOS Caso 1: Rapaz de seis anos, com DM tipo I diagnosticada aos dois anos e seis meses de idade. Apresentava história de maus controlos glicémicos e hiperglicemias frequentes desde os cinco anos. Sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes. O desenvolvimento estaturo-ponderal era adequado. Foi referenciado ao Serviço de Urgência (SU) por quadro clínico com 12 horas de evolução de vómitos incoercíveis e alteração do estado de consciência com sonolência excessiva. Ao exame objectivo apresentava sinais de desidratação moderada, sem outras alterações relevantes. O estudo analítico foi compatível com cetoacidose diabética, pelo que se iniciou tratamento. No segundo dia de internamento apresentou dor abdominal, com palpação abdominal globalmente dolorosa e bordo hepático palpável dois centímetros abaixo do rebordo costal. O estudo analítico e imagiológico está representado no Quadro I. Durante o internamento houve melhoria progressiva do controlo glicémico. Quatro semanas após este episódio, apresentava resolução da hepatomegalia e normalização dos parâmetros analíticos e imagiológicos.

Quadro_I ' Estudo analítico e imagiológico efectuado

Caso 2: Adolescente do sexo feminino com 14 anos e DM tipo I diagnosticada aos nove anos de idade. Tinha história de múltiplos internamentos no Serviço de Pediatria por DM descompensada. Foi admitida no SU por episódios recorrentes de hipoglicemias em contexto de adesão ao regime terapêutico instituído.

Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Ao exame objectivo apresentava hepatomegalia com fígado palpável três centímetros abaixo do rebordo costal; restante exame sem alterações. Desenvolvimento estaturo-ponderal no percentil 50. Estudos analítico e imagiológico representados no quadro I. A optimização da terapêutica resultou na resolução completa do quadro em cerca de quatro semanas.

Caso 3: Adolescente do sexo masculino, de 17 anos de idade, com DM tipo I com dez anos de evolução. Havia história de patologia depressiva, seguido em consulta de Pedopsiquiatria, e incumprimento persistente da dieta e esquema insulínico prescritos. Múltiplos internamentos por DM descompensada e episódios de cetoacidose diabética. Recorreu ao SU por vómitos incoercíveis e epigastralgias com 12h de evolução. Ao exame objectivo apresentava desenvolvimento estaturo-ponderal e pubertário adequados; hepatomegalia com fígado palpável 2,5 centímetros abaixo do rebordo costal, com restante exame irrelevante. Estudos analítico e imagiológico apresentado no Quadro_I. Excluiu- se analiticamente a possibilidade de cetoacidose diabética. A terapêutica com esquema intensivo de insulina permitiu a resolução total do quadro clínico, analítico e imagiológico, reavaliados ao fim de quatro semanas.

DISCUSSÃO A DM tipo I é uma das doenças endócrino-metabólicas mais prevalentes em idade pediátrica. O aparecimento das suas complicações depende de vários factores. No entanto, o mau controlo metabólico é um denominador comum em todas estas situações podendo mesmo ser o único responsável por algumas delas.(4) Na DM tipo I mal controlada, os episódios de hiperglicemia, a hiperinsulinização pontual e o aumento dos níveis de cortisol como hormona contra-reguladora da hipoglicemia reactiva, estimulam o depósito de glicogénio.

(5,6) Por outro lado, a presença de níveis insuficientes de insulina promove a lipólise, com produção de corpos cetónicos que activam a síntese de cortisol com aumento da libertação de ácidos gordos e hiperglicemia.(2)Em situações de hiperglicemia, a entrada de glicose no hepatócito é livre, sendo posteriormente armazenada sob a forma de glicogénio. O aumento das transaminases resulta da ocupação do citoplasma das células pelo glicogénio. A magnitude da elevação das enzimas hepáticas é variável sendo raramente acompanhada por alteração de outros parâmetros de função hepática. Apesar de estar descrito o aparecimento de hepatomegalia e aumento das transaminases em doentes com DM e mau controlo metabólico, por aumento do glicogénio intra-hepático, é fundamental excluir em todos os casos, outras causas de disfunção hepática como: doenças hematológicas, de armazenamento e infecciosas. Após avaliação laboratorial, se o diagnóstico permanecer incerto, poderá ser efectuada uma avaliação imagiológica, sendo a ecografia abdominal o método de eleição pela facilidade de execução, baixo custo e tratar-se de um procedimento não invasivo. A ecografia pode mostrar imagens sugestivas de glicogenose.

Os casos relatados representam três situações diferentes em que se verificou a existência de glicogenose hepática (GH). No contexto da cetoacidose diabética, poderá ser questionada a possibilidade da correcção ter sido efectuada de forma mais rápida do que seria desejável. Nos restantes casos, a GH parece estar associada à adesão à terapêutica e dieta instituídas. A adolescente de catorze anos efectuava administrações irregulares de insulina, independentes das determinações de glicemia e da ingestão alimentar, o que resultava em episódios frequentes de hipoglicemias. Esta instabilidade de valores glicémicos com hipoglicemias alternadas com hiperglicemias foi considerada o factor etiológico das alterações hepáticas registadas. No caso do adolescente de 17 anos, apresentava regularmente hiperglicemias, dada a ingestão alimentar abusiva e incumprimento do esquema de insulina prescrito. A hiperglicemia persistente e a administração irregular de grandes quantidades de insulina com o objectivo de obter a euglicemia parecem ser os factores desen­cadeantes mais prováveis neste caso.

A Síndrome de Mauriac caracteriza-se por baixa estatura associada a atraso pubertário, hepatomegalia e obesidade cen­tral em crianças com DM tipo I com mau controlo metabólico. Laboratorialmente, para além da elevação dos marcadores de mau controlo glicémico, encontram-se descritas alterações das transaminases, dislipidémia, níveis normais/ baixos de IGF1, hi­pogonadismo hipogonadotrófico e aumento do cortisol urinário.(3,4)O diagnóstico é fundamentalmente clínico, uma vez que não existem marcadores específicos. O grau de mau controlo metabólico a partir do qual existe maior risco de aparecimento desta entidade patológica não está quantificado e parece ser variável. A incidên­cia desta síndrome não está definida, devido ao reduzido número de casos descritos na literatura.

Nenhum dos casos apresentados preenche os critérios ne­cessários ao diagnóstico da Síndrome de Mauriac.

O prognóstico da GH, ao contrário do que acontece na esteato-hepatite não alcoólica, parece ser bom, com resolução completa do quadro em algumas semanas (duas a catorze) e baixa probabilidade de progressão para fibrose.(1) No entanto, clinicamente é extremamente difícil fazer o diagnóstico diferencial.

Por este motivo, alguns autores advogam a realização de biopsia hepática neste contexto.(7) Este procedimento não é consensual e a atitude expectante durante 4 a 6 semanas após instituição de controlo metabólico adequado parece ser uma opção.(2, 6,8,9) Na maioria dos casos de GH, durante este período de tempo, ocorre a regressão completa do quadro clínico, analítico e imagiológico, não havendo necessidade de proceder a exames auxiliares de diagnóstico mais invasivos.

CONCLUSÃO A GH pode causar aumento significativo das transaminases em doentes com DM tipo I descompensada. Quando existe con­comitantemente dislipidemia, aspectos cushingóides e atraso de crescimento e desenvolvimento pubertário, pode-se fazer o diag­nóstico de Síndrome de Mauriac.

Um bom controlo metabólico é fundamental para a regres­são desta entidade patológica.

Na DM tipo I os objectivos terapêuticos devem ser alcança­dos aliando uma dieta adequada a esquemas de insulina adap­tados a cada caso. O doseamento da HbA1C é um parâmetro importante na avaliação do diabético. Segundo as normas publi­cadas em 2009 (ISPAD Clinical Practice Consensus Guidelines 2009 Compendium) o controlo glicémico alvo situa-se nos níveis de HbA1C inferiores a 7,5%. (10) A administração excessiva de insulina no contexto de in­gestão alimentar abusiva, as hipoglicemias recorrentes e conse­quente libertação das hormonas contra-reguladoras; a hipergli­cemia persistente e a rápida correcção da cetoacidose diabética estão descritos na literatura como causas possíveis dos distúr­bios metabólicos relatados.


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