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EuPTCVHe0872-07542011000400005

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Tromboembolismo pulmonar no síndrome nefrótico associado a trombofilia

INTRODUÇÃO O Síndrome Nefrótico (SN) é causado por doenças renais que aumentam a permeabilidade da barreira glomerular. Classicamente é caracterizado pela presença de proteinúria (excreção de proteínas urinárias > 40mg/m2/hora), hipoalbuminemia (albumina sérica < 3 g/dL) hiperlipidemia e edema. A coagulopatia e distúrbios da hemostase são complicações descritas no SN, que condicionam o risco de tromboembolismo. O SN idiopático é a forma mais comum do SN da infância, representando mais de 90% dos casos antes dos 10 anos e 50% após os 10 anos de idade. A incidência do SN Idiopático tem sido referida entre 2 - 7:100.000 crianças e uma prevalência de cerca de 16:100.000 crianças por ano. Independentemente da etiologia subjacente, o SN e o seu tratamento pode resultar em complicações como infecções, doença cardiovascular, perda mineral óssea, insuficiência renal aguda e tromboembolismo(1).

Doentes com SN têm um risco absoluto de tromboembolismo (TE) venoso e arterial oito vezes superior à população em geral(2). Estas complicações são relativamente raras durante a infância mas podem causar morbilidade significativa(3). Num estudo de 3.377 crianças com SN em unidades de diálise na Europa a incidência de TE venoso sintomático foi 1,8%(4). Mehls et al.

realizaram um estudo longitudinal com 200 crianças durante 10 anos, no qual a incidência de eventos tromboembólicos sintomáticos verificada foi de 4,1%(5).

A ocorrência de complicações tromboembólicas nem sempre se correlaciona com a gravidade clínica e laboratorial do SN, excepto com a associação com níveis elevados de fibrinogénio (> 600 mg/dL) e défice de antitrombina III (< 70% do normal)(3). A hipocoagulação profiláctica não está indicada por rotina nas crianças com SN, alguns autores sugerem a sua utilização nos casos de elevado risco de tromboembolismo, nomeadamente se albumina sérica < 2g/dL, fibrinogénio > 600 mg/dL e antitrombina III < 70% do normal. Outros autores aconselham a utilização de aspirina em baixas doses e crianças com recidivas frequentes, SN corticodependente ou corticorresistente. No entanto, não existem estudos controlados que demonstrem a sua eficácia na prevenção de tromboembolismo em crianças com SN.

Os episódios embólicos podem-se manifestar em diferentes regiões como cérebro ou pulmões quer em territórios venosos quer arteriais. Os vasos mais frequentemente envolvidos na trombose vascular são os seios venosos cerebrais, as veias profundas dos membros inferiores, veias cavas, veias renais, hepáticas e artéria mesentérica e artérias cerebrais médias. O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma complicação rara do SN, embora segundo estudos publicados subdiagnosticada, que pode conduzir a taquipneia persistente na infância. É importante manter um elevado índice de suspeição, pois os seus sintomas podem ser subtis mas o seu diagnóstico e tratamento atempado são fundamentais para evitar um prognóstico fatal(3,6).

CASO CLÍNICO Adolescente de 12 anos de idade, do sexo masculino, com o diagnóstico de SN corticorresistente e hipertensão arterial. A biópsia renal era compatível com doença de lesões mínimas e não apresentava mutação identificada no gene NPHS2, mutaçãoassociada a SN corticorrestente. Medicado com prednisolona, ciclosporina, omeprazol, enalapril e ácido acetilsalicílico.

Dois meses após o episódio inaugural apresentou quadro de dispneia para médios esforços, polipneia, tosse produtiva com expectoração mucosa e agravamento de edemas com quatro dias de evolução, pelo que foi internado por anasarca e oligúria. Ao exame físico foi constatado aumento de peso, aspecto cushingóide, edemas nos membros inferiores até aos joelhos e edemas palpebrais ligeiros, diminuição dos sons respiratórios em ambas as bases pulmonares, organomegalias palpáveis ou outras alterações. Analiticamente apresentava hipoalbuminemia grave (0,8 mg/dL), proteínas totais de 4,5 g/dL, proteinúria nefrótica (relação proteínas/creatinina urinária 19,2 mg/mg), hipercolesterolemia (338 mg/dL), ureia elevada (65 mg/dL) e creatinina 1 mg/dL. Iniciou perfusão diária de albumina e furosemida, com boa resposta clínica inicial: boa diurese, diminuição do peso e dos edemas. Ao quarto dia de internamento iniciou febre, toracalgia, expectoração hemoptoica e agravamento da dispneia com necessidade de oxigenoterapia. Analiticamente apresentava leucocitose (15.170/mm3) com neutrofilia (75%), proteína C reactiva de 3,31 mg/dL, D-dímeros de 588 μg/L (N: <500 μg/L), fibrinogénio 633 mg/dL (N:154-448 mg/dL) e restante estudo da coagulação, enzimas cardíacas e gasometria venosa sem alterações. A radiografia de tórax revelou apagamento do fundo de saco do ângulo costo-frénico direito com subida do diafragma e infiltrado para-hilar bilateral e a angiografia pulmonar por tomografia computorizada (Angio-TC pulmonar) demonstrou tromboembolismo pulmonar agudo central e periférico, com múltiplas zonas de enfarte pulmonar e derrame pleural de pequeno volume (Figura 1). O ecocardiograma, o electrocardiograma e o doppler renal não apresentaram alterações. Iniciou antibioticoterapia e hipocoagulação com heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 1 mg/ Kg/dose de 12/12h) e posteriormente com acenocumarol, com melhoria clínica gradual. Ao 29º dia de internamento apresentou novo agravamento clínico e reiniciou febre. Repetiu a radiografia de tórax onde se verificou manutenção da hipotransparência na base direita e pequeno derrame pleural bilateral, aparentemente loculado e imagem sugestiva de área abecedada na base direita. Repetiu também a tomografia computorizada torácica que demonstrou imagens sugestivas de tromboembolismo pulmonar e derrame pulmonar loculado na base direita com características de empiema.

Reiniciou antibioticoterapia com melhoria clínica e imagiológica, tendo tido alta após 50 dias de internamento.

Figura 1' Imagem de Angio-TC pulmonar revelando tromboembolismo pulmonar agudo central e periférico, com volumoso trombo a ocluir por completo a artéria pulmonar esquerda e a artéria lobar inferior direita. Trombos não oclusivos nas artérias lobares superiores bilaterais. Múltiplas áreas de enfarte pulmonar em todos os lobos, sobretudo no lobo inferior direito. Derrame pleural de pequeno volume.

O rastreio das trombofilias hereditárias foi positivo para a mutação C677T do gene da metilenotetrahidrofolato reductase (MTHFR) em homozigotia e para a mutação G20210A do gene da protrombina em heterozigotia. O restante estudo protrombótico nomeadamente, antitrombina III, anticoagulante lúpico, anticorpos anticardiolipina e anti-β2 glicoproteína, lipoproteína (a), pesquisa da mutação do factor V de Leiden e do polimorfismo 4G/5G do gene do inibidor do activador do plasmonogénio ' tipo 1, não revelaram alterações.

O síndrome nefrótico entrou em remissão cerca de dois meses após início da ciclosporina.

Foi reavaliado por pneumologia três meses após o diagnóstico de TEP, apresentando diminuição significativa do tromboembolismo pulmonar, com resolução completa do trombo central do ramo direito da artéria pulmonar.

Persistiam alguns defeitos nos ramos lobares e segmentares de ambos os lobos inferiores, não completamente oclusivos. A avaliação cardiológica realizada nessa altura não revelava hipertensão pulmonar, com electrocardiograma e ecocardiograma normais.

Completou 14 meses de terapêutica com acenocumarol. O doseamento da proteína C e S realizado em fase de remissão e sem hipocoagulação foi normal.

Actualmente, com dois anos após o internamento, continua em remissão do síndrome nefrótico e está medicado com ciclosporina em doses decrescentes e lisinopril.

DISCUSSÃO O TE tem sido descrito em 1,8 a 5% das crianças com Síndrome Nefrótico Idiopático, em contraste com a sua incidência muito mais elevada nos adultos (20 a 30%). Esta incidência pode estar subestimada pois alguns estudos mostram que a ocorrência de TE subclínico pode ser muito mais frequente do que anteriormente estimado(1,3).

Estes fenómenos de TE têm sido descritos mais frequentemente em lactentes e na adolescência, após os 12 anos de idade. O motivo da influência da idade na ocorrência de eventos TE permanece desconhecida mas a puberdade pode ter o seu papel(1,2).

Neste doente, o evento TE ocorreu dois meses após a apresentação inaugural do SN, o que está de acordo com os dados referidos na literatura, que descrevem maior incidência destes eventos nos primeiros seis meses após o diagnóstico de SN(2).

A nefropatia membranosa parece estar mais associada ao TE do que o SN por lesões mínimas, causa mais frequente de SN nas crianças, este facto pode explicar a menor incidência destas complicações do SN nas crianças relativamente aos adultos(1,3).

Os mecanismos patofisiológicos do tromboembolismo em doentes com SN ainda não foram totalmente desvendados. No entanto, são considerados factores predisponentes, a perda urinária de proteínas anticoagulantes (antitrombina III e proteína S) e fibrinolíticas, o aumento da agregação plaquetária, a polimerização de fibrina alterada, a hipoalbuminemia, a hiperviscosidade e a hiperlipidemia, assim como o tratamento com corticosteróides, albumina e diuréticos e a imobilização. Existem outros factores que podem aumentar o risco de TE, como os cateteres venosos centrais, infecções, traumatismos, cirurgias recentes e ainda, defeitos genéticos coincidentes, nomeadamente, a  trombofilia hereditária. Sendo a probabilidade para os eventos tromboembólicos, maior quantos mais factores de risco associados(1-3,6,7). Este doente apresentava como factores predisponentes para o TE as alterações subjacentes ao SN como a hipoalbuminemia grave (<2 g/dL), fibrinogénio elevado (> 600 mg/dL) e dislipidemia, e ainda a presença de um cateter venoso central, infecção, terapêutica com diurético e imobilização. O rastreio das trombofilias hereditárias neste doente foi positivo para a mutação C677T do gene da MTHFR em homozigotia e para a mutação G20210A do gene da protrombina em heterozigotia, podendo ambos predispor para o risco de trombose.

As crianças com síndrome nefrótico, pelos vários mecanismos anteriormente descritos, apresentam uma maior predisposição para fenómenos tromboembólicos, pelo que o rastreio da trombofilia hereditária pode ser importante na identificação de doentes com risco acrescido, que poderiam beneficiar de hipocoagulação profiláctica.

Os D-dímeros plasmáticos são marcadores sensíveis de trombose, embora pouco específicos. Têm sido utilizados frequentemente como rastreio de trombose, no entanto estudo publicados referem que o seu valor é incerto, como preditor de eventos tromboembólicos no SN(8).

A cintigrafia ventilação-perfusão tem sido utilizada para o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar mas, devido à elevada percentagem de resultados indeterminados, o seu uso tem diminuído. Estudos recentes recomendam a Angio-TC pulmonar quando se suspeita de embolismo pulmonar, este foi o exame complementar realizado no caso apresentado perante a suspeita de tromboembolismo pulmonar(9).

Os doentes com SN apresentam maior risco de infecções bacterianas graves, o que pode ser explicado pela presença de ascite e derrame pleural que constituem um meio de cultura natural para o crescimento bacteriano e pela perda urinária de factores importantes para a opsonização, o que aumenta a susceptibilidade para infecções por bactérias encapsuladas, sendo o Streptococcus pneumoniaum dos agentes infecciosos mais frequentemente isolados, pelo que a imunização com vacina pneumocócica está aconselhada a crianças com SN para prevenção da doença pneumocócica.

O facto de este doente ter entrado em remissão do SN obviamente melhorou o seu prognóstico. Os autores estão convictos que a ciclosporina teve um papel determinante na remissão do SN, o que vem reforçar os estudos que demonstram a eficácia deste fármaco em doentes com SN corticoresistente(10).

CONCLUSÃO As complicações TE nas crianças com SN são mais raras, no entanto a gravidade dos eventos TE é muito maior do que nos adultos. Nas recaídas do SN, sintomas subtis podem ser a única manifestação do TEP. Perante uma criança com SN e clínica sugestiva de tromboembolismo pulmonar, nomeadamente, taquipneia, dispneia, toralcalgia e tosse com expectoração hemoptoica, é importante excluir sempre a possibilidade desta complicação, pois se não for rapidamente detectado e tratado pode conduzir a morbilidade e mortalidade significativa. Não deve ser descurado o risco de tromboembolismo em adolescentes internados, deve ser ponderada a sua profilaxia, principalmente em adolescentes com possíveis factores predisponentes, como as recaídas do síndrome nefrótico e a identificação de trombofilias hereditárias.


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