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EuPTCVHe1646-69182013000300005

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Dos marcadores em cirurgia geral

Comecemos pelo princípio, e o princípio é a definição global de marcadores em medicina: são substâncias ou situações no organismo, relacionadas com uma determinada entidade nosológica e que chamam a atenção para ela ou ajudam ao seu diagnóstico e avaliação.

Múltiplas situações clínicas e sinais e sintomas se configuram como marcador, levando ao diagnóstico de algumas patologias ou levantando a hipótese da sua existência, quiçá ainda assintomática. Daí a importância do seu conhecimento enquanto tal, sobretudo quando enquadrados num doente pertencente a um grupo de risco reconhecido para as ditas patologias. Como exemplo elucidativo do que se fala, vejamos o índice de pressão tornozelo/braço (IPTB).

Este índice, ou simplesmente ITB (índice tornozelo/braço), estabelece a relação entre a pressão distal nos membros inferiores e a pressão radial nos membros superiores (esta como indicador da pressão arterial sistémica normal do indivíduo), medidas com recurso a um aparelho de doppler e uma braçadeira pneumática. Respeitando as particularidades dessa medição, considera-se que o seu valor deve ser 1 ou um pouco mais, ou apenas ligeiramente inferior (0,97 é o limite habitualmente usado). Um índice num membro inferior abaixo do limite significa que o doente tem isquémia desse membro e é, pois, sinal de isquémia dos membros inferiores. Mas, ao mesmo tempo, é um marcador de doença aterosclerótica.

A aterosclerose é uma doença degenerativa das artérias, com maior incidência nalguns segmentos da rede arterial, sobretudo aorta distal e artérias dos membros inferiores, coronárias, circulação cervicocraniana (vertebrocarotídea), e também, menos, artérias mesentéricas e renais. A existência de lesões num segmento é marcador da possível existência de lesões da mesma doença noutros pontos, sejam estenosantes sejam aneurismáticas. Por isso este índice deve ser entendido como marcador de doença aterosclerótica.

Os doentes com queixas de isquémia crónica dos membros inferiores têm uma primeira confirmação pelo ITB, mas este é também importante para fazer esse diagnóstico quando a isquémia ainda não aflige o paciente, por exemplo por não caminhar a distância suficiente para se manifestar claudicação intermitente, num estádio II de Leriche-Fontaine. Este índice deve, pois, ser medido por rotina mesmo na ausência de queixas isquémicas, em doentes do grupo de risco da aterosclerose: idosos, diabéticos, obesos, sedentários, fumadores, hipertensos, dislipidémicos, do sexo masculino. Se um neste universo de indivíduos, e que não apresente sinais ou sintomas de tal patologia, necessitar de ser operado, está indicado pesquisar-se nele a existência deste marcador aterosclerótico.

Que, além de marcar a presença da doença, tem uma boa relação com a sua extensão e é, também, um factor preditivo independente de mortalidade cardiovascular: o risco é tanto maior quanto menor for o seu valor.

A medição deste índice é, assim, um acto médico que deve estar sempre presente na nossa mente, fácil, rápido, barato, anódino, e que pode concorrer de modo muito importante para se tomarem medidas que ajudem o doente a suportar a nossa intervenção cirúrgica nas melhores condições de segurança.

Outro exemplo importante a referir é a trombose venosa, como marcador da possível existência de um tumor maligno, e como orientação, embora ténue, da sua localização, e até do seu prognóstico. Desde Armand Trousseau, em 1865, que as tromboflebites superficiais migratórias idiopáticas são reconhecidas como marcador de cancro visceral (sobretudo gástrico ou pancreático). E hoje em dia está bem estabelecida a ligação entre cancro e trombose venosa profunda (TVP), ou antes, tromboembolismo venoso (TEV), isto é, TVP e tromboembolia pulmonar.

Calcula-se que doentes com TEV idiopático têm 10% de risco de lhes vir a ser diagnosticado um tumor maligno nos dois anos seguintes. Estes factos traduzem, ao fim e ao cabo, o actualmente conhecido efeito trombótico de alguns cancros, como síndroma paraneoplásico ou integrando mesmo a sua fisiopatologia.

um aumento consistente de frequência de episódios tromboembólicos venosos (e até na árvore arterial, em casos de comunicação interauricular) no decurso de tumores malignos sólidos, sobretudo do pâncreas, estômago, esófago, cólon e recto, bexiga, ovário e pulmão. Para além de factores protrombóticos inespecíficos vários (imobilização no leito, caquexia, compressões venosas, etc.), nestes casos a doença oncológica estimula a coagulação e inibe a fibrinólise por mecanismos biológicos tumor-dependentes cada vez melhor conhecidos.

De modo que a ocorrência de TEV idiopático (e ainda mais se repetido) pode ser entendido como um possível marcador de tumor maligno. E, por outro lado, a presença do tumor é um marcador duma tendência tromboembólica que deve ser tida em conta, manifestando-se por tromboses venosas profundas e/ou embolias pulmonares, clinicamente aparentes ou não (incidentais ou assintomáticas). Esta tendência, no doente oncológico, pode ser objectivada por vários biomarcadores, alguns em investigação ainda mas outros com aplicação clínica, como d- dímeros aumentados, trombocitose, leucocitose e baixa de hemoglobina.

Um outro aspecto da relação cancro-TEV é o de as alterações da coagulação associadas à doença oncológica contribuírem para o agravamento da doença localmente, e eventualmente para a sua metastização a distância, sobretudo se traduzidas por episódios de TEV. Admite-se, até, que possam contribuir directamente para reduzir o efeito da quimio e da radioterapia. Assim sendo, a ocorrência de um episódio de TEV no curso de um dos cancros acima listados é um marcador de pior prognóstico na sua evolução, o que não se deve ignorar nem esquecer. A juntar a este efeito negativo, diga-se que o tromboembolismo venoso é, nesses doentes, a segunda causa de morte a seguir ao próprio cancro.

Como corolário de tudo isto, no momento actual indicação para que os doentes com um dos tumores malignos atrás indicados sejam sujeitos a tromboprofilaxia logo desde o momento do diagnóstico, e não apenas na altura da cirurgia, e por maioria de razão se os biomarcadores tromboembólicos referidos estiverem presentes. Essa profilaxia - eficaz mesmo na presença da disposição trombótica tumoral - deve ser levada a cabo com heparina de baixo peso molecular (os anticoagulantes orais também parece serem eficazes mas têm problemas vários que dificultam o seu uso), e maioritariamente em ambulatório, quer antes do seu internamento para tratamento quer depois, sabendo-se que o maior número de tromboembolismos venosos nestes doentes ocorre depois da alta hospitalar. Existe a esperança de que os novos anticoagulantes orais (NOAC) possam vir a ser usados nestas circunstâncias, com comodidade e segurança. Resta ainda em aberto o estabelecimento da duração da profilaxia nos casos de bom resultado oncológico com aparente cura.

Para finalizar, sendo um TEV idiopático marcador potencial de tumor maligno, vale a pena pesquisar por rotina a sua existência, quando clinicamente insuspeito? Parece que não, porque muitas vezes o tromboembolismo parece preceder de muito tempo a possibilidade de diagnóstico do cancro com que está eventualmente relacionado, e porque a sua incidência não é tão elevada que deva ser origem de rastreio sistemático. O que com certeza vale a pena é manter um elevado índice de suspeição para cancro nesses pacientes, pelo menos nos dois anos que se seguem ao tromboembolismo venoso. no síndroma de Trousseau, como marcador tumoral, parece se de aconselhar que se procure identificar um dos cancros digestivos mais vezes com ele relacionados.

Quanto aos marcadores biológicos, ou biomarcadores, são substâncias, de natureza bioquímica ou biomolecular, cuja presença, ou concentração, no organismo tem relação com uma situação patológica específica, podendo servir para o seu diagnóstico ou avaliação e dar informações quanto ao seu prognóstico. Múltiplos e em variadas patologias são os correntemente utilizados, muitos em patologia oncológica. Em sentido estrito, os biomarcadores tumorais são substâncias produzidas e libertadas pelas células neoplásicas ou pelo organismo em resposta ao cancro, podendo ser detectadas e doseadas no próprio tecido tumoral, ou no sangue ou em outros líquidos biológicos (urina, liquor, derrame pleural, derrame peritoneal, conteúdos quísticos, etc.). Para a sua identificação utilizam-se técnicas de imuno-cito ou histo-química.

Atendendo à sua natureza, os marcadores biológicos tumorais podem agrupar-se do seguinte modo, com alguns exemplos mais usados de cada grupo: 1 - Antigénios tumorais - anticorpos monoclonais (CA 19-9, CA 72-4, CA 125, CA 15-3); 2 - Antigénios oncofetais - que existem na vida fetal mas desaparecem depois, total ou parcialmente (AFP (α-fetoproteína), CEA); 3 - Hormonas - de produção habitual do epitélio sede do tumor, ou como produção anómala (calcitonina, tireoglobulina); 4 - Enzimas - resultantes da actividade enzimática intensa e alterada do tecido sede do tumor (PSA); 5 - Outros produtos da actividade metabólica das células tumorais (proteína de Bence-Jones); 6 - Biomoleculares e genéticos - genes supressores tumorais (BRCA1, BRCA2, p53), oncogenes (K-ras, BRAF, PCA3), genes de correcção de erros na reparação ou duplicação do DNA.

Os biomarcadores tumorais pretender-se-ia que: levassem ao diagnóstico precoce, e ao rastreio, de tumores, e respectivo tipo; definissem o órgão, ou tecido, de origem do tumor; fossem muito sensíveis - sem falsos negativos - e muito específicos - sem falsos positivos; dessem informação sobre as dimensões da massa tumoral e o grau de invasão do tumor (estadiamento); orientassem o tratamento e avaliassem o seu efeito imediato; permitissem reconhecer precocemente as recidivas e as metástases; tudo isto obtido por meio duma análise ao sangue ou outro líquido biológico, barata, rápida e fácil de fazer. Pois estas seriam as características de um marcador ideal mas, infelizmente, no momento actual estão muito longe de ser alcançadas por qualquer um dos existentes. Portanto é crucial que tenhamos a noção disso, e do que podemos esperar, adequando à realidade o uso que fizermos destes marcadores.

A sensibilidade é variável e nenhum é totalmente específico, de modo que é completamente errado usá-los como meio de despiste tumoral. Mesmo o PSA, que durante muito tempo foi largamente utilizado com esse fim no cancro da próstata: depois de se constatar que a grande maioria dos doentes com valores elevados não têm cancro e alguns têm-no com valores do marcador dentro da normalidade, e que nalguns casos uma sensibilidade exagerada que leva a tratarem-se doentes sem necessidade com as consequências negativas respectivas, houve uma limitação no seu uso como rastreio biológico, devendo agora ser feito em concordância com a clínica e o grau de risco tumoral, atribuindo-se recrudescida importância ao exame clínico com o mesmo fim. A calcitonina é muito sensível no carcinoma medular da tiróide e, por isso, não sendo totalmente específica, até é às vezes sugerida como rastreio, mas o que não se justifica dada a pouca prevalência desses tumores.

Face a quadros clínicos sugestivos, o CA125, o PCA3 e a calcitonina podem contribuir para o diagnóstico, e o BRAF promete na atribuição de malignidade a nódulos tiroideus suspeitos estudados por punção com agulha fina. Mas, globalmente, é errado pretender utilizar os biomarcadores como um meio para se chegar a um diagnóstico de tumor, e à sua origem, ou mesmo orientar um estudo nesse sentido, apesar de muitas vezes nos poderem dar uma impressão, irrealista porque possivelmente falsa, de confirmação de diagnóstico. Consequentemente, não é aceitável basear um diagnóstico apenas neles.

No que respeita aos outros objectivos pretendidos para um marcador biológico tumoral (grau de invasão, volume da massa tumoral, presença ou ausência de metástases, orientação e avaliação do tratamento, reconhecimento precoce de recidivas e metástases), eles variam muito de uns para outros, e , por isso, que conhecer cada um muito bem, com todas as suas particularidades, vantagens e, acima de tudo, insuficiências, e tirar partido prático desse conhecimento.

Ressalvando algumas características individuais, sobretudo no que respeita a volume de tumor, prognóstico, orientação de tratamento e previsão do seu resultado, o que os biomarcadores tumorais consistentemente nos dão é informação sobre o resultado imediato do tratamento (nomeadamente a adequação da nossa ressecção cirúrgica, ou de outra terapêutica instituída), e o conhecimento precoce da ocorrência de recidiva ou de metastização tardia, no seu "follow-up". Devem ser utilizados como referência para o futuro e, por isso, logo após o diagnóstico de um tumor, e acompanhando o seu estadiamento, é absolutamente mandatório fazer a avaliação quantitativa dos biomarcadores com ele habitualmente relacionados, antes de qualquer tratamento.


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