Humanismo e a evolução tecnológica na prática médico-cirúrgica
PÁGINA DA SPC
Humanismo e a evolução tecnológica na prática médico-cirúrgica
Jorge Maciel
Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia
Correspondência
A Cirurgia Geral, outrora área nobre do exercício do saber médico, respeitada
por pares e pela população em geral, tem sido frequentemente maltratada,
banalizada e depreciada, por muitos alheios à profissão, mas ainda mais
preocupantemente o tem sido, por alguns da própria classe.
Hoje na área da saúde, usam-se exageradamente termos como utentes, produção e
objectivos, que têm pouco a ver com doentes, doenças, médicos ou enfermeiros e
estão muito longe de conceitos como humanismo, solidariedade ou altruísmo.
Admito que são necessários, mas a ênfase que tem sido colocada nesses aspectos,
em detrimento dos valores humanos, tem contribuído para um gradual desvio, do
que deve ser a verdadeira prática médico-cirúrgica e do que creio os doentes
esperam dos profissionais.
Vivemos sob o primado da tecnocracia, em detrimento de outros valores, que
sempre foram pilares essenciais da medicina, nomeadamente do humanismo e da
relação médico-doente.
O doente no seu todo, como ser sofredor, quer física quer psiquicamente, é mais
que uma máquina em que se reparam ou substituem peças. Mas tem-se atribuído
menor relevância à sua observação ' história clínica e exame físico ' numa
clara secundarização da componente humana, sendo ainda que, as várias vertentes
da envolvente da vida do doente e suas angústias, são frequentemente
negligenciadas, como se não tivessem impacto na doença que padece e no sucesso
do seu tratamento global.
Lidar com técnicas e praticar gestos mais ou menos invasivos, com recurso às
mais sofisticadas tecnologias e dispositivos, é porventura muito mais divertido
e materialmente mais gratificante, que ouvir e examinar atentamente doentes.
Os cirurgiões devem decidir criteriosamente, quais os meios complementares de
diagnóstico de que necessitam (e só esses) para confirmar as suas hipóteses de
diagnóstico e devem alicerçar o plano terapêutico, escolhendo criteriosamente
qual a técnica que efectivamente apresenta melhor risco benefício para cada
doente. Devem deixar de lado, quer o comércio da medicina, quer o gáudio
pessoal de realizar um qualquer procedimento, utilizar um dispositivo ou uma
forma de abordagem, que não o mais adequado para aquele preciso doente.
É óbvio para todos, que a panóplia de meios complementares de diagnóstico e
técnicas de abordagem terapêutica, que surgiram e se desenvolveram nos últimos
20 anos, são preciosos elementos para obtermos diagnósticos mais precoces e
seguros e para praticarmos gestos terapêuticos mais eficazes e menos invasivos,
mas isso não pode significar que se negligenciem os elementos de ordem clínica.
Não é raro confrontarmo-nos com informações de meios complementares de
diagnóstico, muitos dos quais feitos de forma massiva e com qualidade
questionável, mas que com base neles, alguma ou outra vez, foram orientados
diagnósticos e decididas atitudes terapêuticas para caminhos incorrectos, por
as informações que veicularam não terem sido integradas com os elementos de
ordem clínica.
Quando isto acontece, não há progresso, mas sim má prática. Ouvir e examinar os
doentes, continua a ser mandatório numa boa prática clínica.
Saudações amigas
O Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia
Correspondência
JORGE MACIEL
e-mail: jmacielbarbosa@netcabo.pt